terça-feira, 8 de junho de 2010

Richard Posner e a consolidação da Escola de Chicago

Para Saber
A partir das diretrizes interdisciplinares implementadas pelo Reitor Aaron Director, bem como da análise dos custos de transação lançada pelo economista Ronald Coase, o então jovem professor Richard Posner consolidou no início da década de setenta o que hoje é chamado de Law & Economics ou Escola de Chicago, com o lançamento da obra Economic Analysis of Law (1973)[1]. Nesta obra, Posner sintetizou o que seria o movimento Law & Economics (Análise Econômica do Direito) na Universidade de Chicago.

Para Fabiano de Rezende Lara, a L&E tinha como pressuposto “a ideia de que o direito é instrumento para conseguir fins sociais, sendo que o fim a conseguir é o da eficiência econômica”[2].

Numa análise melhor desenvolvida, Mercuro e Medema apontam que a característica que define a abordagem da Escola de Chicago é a aplicação de análise micro-econômica (preço-teórica) no direito, partindo de três premissas: (1) os indivíduos são maximizadores racionais de suas satisfações em comportamentos fora do mercado, bem como no mercado; (2) os indivíduos respondem aos incentivos de preços no comportamento de mercado e fora do mercado; (3) regras e ações jurídicas podem ser avaliadas com base na eficiência, ao ponto que as decisões judiciais devem promover a eficiência[3].

De fato, para Richard Posner, a economia é ferramenta fundamental para analisar questões que os juristas não conseguem conectar com problemas concretos. Considerando a economia como ciência das escolhas racionais, orientada pelo conceito de alocação de recursos escassos, o homem seria um maximizador de utilização racional:

A premissa básica da economia que guia a versão da análise econômica do direto que apresento é que as pessoas são maximizadoras racionais de suas satisfações – todas as pessoas (com exceção de crianças pequenas e os mentalmente retardados) em todas as suas atividades (exceto sob a influência de psicose ou desarranjos mentais ocasionados por uso de drogas ou abuso de álcool) que envolvem escolha.[4]

A partir de tal premissa econômico-utilitarista, Richard Posner afirma que os legisladores também são maximizadores racionais que objetivam a manutenção de seus cargos com re-eleições. Para tanto, elaboram leis que nada mais são do que “acordos” (deals) firmados com grupos de interesse organizados da sociedade civil, em troca de apoio político[5].

Entretanto, a legislação no sistema anglo-americano não é auto-aplicável, dependendo da interpretação e aplicação dos Tribunais. Os juízes, neste viés, teriam um duplo papel: interpretar os acordos dos grupos de interesses incorporados pela legislação e garantir o serviço público básico de resolução autoritária de conflitos. Neste último papel, não apenas decidindo casos de acordo com normas pré-existentes, mas também elaborando estas normas[6].

A partir desta teoria de maximização racional, Arnaldo Godoy nos aponta um dos fundamentos conceituais de Posner e da Escola de Chicago:

Para o movimento direito e economia a base para a decisão de um juiz deve ser a relação custo-benefício. O direito só é perspectivo quando promove a maximização das relações econômicas. A maximização da riqueza (wealth maximization) deve orientar a atuação do magistrado.[7]

Portanto, Posner considera a hipótese da evolução da common law americana no sentido da eficiência como expressão jurídica de um sistema social voltado à maximização da riqueza da sociedade. O sistema norte-americano refletiria para Posner, nas palavras do Professor Bruno Salama (FGV-São Paulo), “um arcabouço jurídico que permitiria que o sistema econômico fosse cada vez mais próximo dos resultados que um mercado com competição perfeita proporcionaria”[8].

Assim, retomando a teoria econômica coaseana, Posner defende que ao direito compete a promoção da eficiência, minizando os custos de transação ao definir claramente os direitos de propriedade, criando também soluções baratas e efetivas quando houver o descumprimento de um contrato[9].

Isto implica dizer que a concepção de justiça eficientista de Posner está ligada à ideia de que o critério para avaliar as instituições, incluindo o Judiciário, é a maximização da riqueza da sociedade. Regras jurídicas e decisões judiciais que promovam a maximização da riqueza seriam justas. As que não promovessem, seriam injustas.

Tal tese pode-nos parecer absurda ou, ao menos, radical. Entretanto, esta foi a teoria de justiça defendida por Richard Posner na primeira fase de sua carreira jurídica, sintetizada nas obras Economic Analisys of Law (1973) e Economics of Justice (1981), caracterizando o movimento Law & Economics da Escola de Chicago, o qual foi amplamente aceito nos Estados Unidos a partir da década de 80, propagando-se para a Europa na década de 90 e, recentemente, no Brasil, em especial nos cursos de pós-graduação.

Richard Posner ganhou notoriedade na academia norte-americana, mas foi alvo de duras críticas por parte de alguns jusfilósofosos, como Duncan Kennedy e Ronald Dworkin, ambos de Harvard. Este último, argumentou ser a maximização da riqueza não atraente e incoerente como norma ética e que suas falhas normativas geravam incertezas sobre sua validade como hipótese positiva ou descritiva[10].

Não obstante as críticas no âmbito científico, em razão do prestígio da Escola de Chicago no início da década de 80 e por motivos políticos em adotar tal teoria jurídica liberal, Posner foi nomeado pelo Presidente Ronald Reagan para assumir a posição de Juiz na United States Court of Appeals for the Seventh Circuit no final de 1981, subindo ao cargo de Chief Judge no ano de 1993. Talvez aí resida um dos motivos da disseminação da análise econômica do direito nos Estados Unidos. Posner não era somente um acadêmico que defendia a análise econômica do direito, mas aplicava tais teorias em suas razões de decidir como Juiz, ao passo que publicava inúmeras obras defendendo tal visão do direito.

Uma vez proposto e aceito o paradigma da análise interdisciplinar entre direito e economia na visão pragmática e utilitarista da Escola de Chicago e da teoria da justiça pela eficiência de Richard Posner, adveio a fase que Mackaay classifica como “paradigma questionado”, no qual surgiram as críticas ao pensamento posneriano e à análise econômica do direito não só nos Estados Unidos, mas na própria Europa Ocidental[11].

Na Universidade de Harvard, os trabalhos de Duncan Kennedy e Roberto Mangabeira Unger questionaram de forma crítica os trabalhos da Escola de Chicago, mantendo fortes ligações com o realismo jurídico de Oliver Wendell Holmes, a sociologia jurídica de Roscoe Pound, o marxismo ocidental de Max Horkheimer e Theodor Adorno, e o estruturalismo francês de Michel Foucault.

Por Rafael Zanatta
Fonte: Blog Cadernos de Estudos Jurídicos

(1)O livro foi lançado no ano de 1973 como text-book para ser utilizado pelos alunos do curso de Law & Economics da Universidade de Chicago e é considerado um marco na análise econômica do direito. O trabalho, com mais de quatrocentas páginas, divide-se em sete partes, abordando temas como a natureza da argumentação jurídica econômica (economic legal reasoning), a ligação da common law com a eficiência, a regulação do mercado pelo Estado com medidas antitruste, o direito das empresas e dos mercados financeiros, a distribuição das riquezas e da arrecadação tributária, o processo legal americano e a proteção constitucional à economia de mercado livre. Cf.: POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 6. ed. New York: Aspen, 2003.

[2] LARA, Fabiano T. R. Análise econômica do direito como método e disciplina. Revista e-civitas. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 2008, p. 10.

[3] MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven. op. cit., p. 57.

[4] “The basic assumption of economics that guides the version of economic analysis of law that I shall be presenting is that people are rational maximizers of their satisfactions – all people (with the exception of small children and the profoundly retarded) in all of their activities (except when under the influence of psychosis or similarly deranged through drug or alcohol abuse) that involve choice”. POSNER, Richard. The problems of Jurisprudence. Chicago: Chicago University Press, p. 353.

[5] Ibidem, p. 354.

[6] Ibidem, p. 356.

[7] GODOY, Arnaldo. Direito e Economia: Introdução ao movimento Law and Economics. Revista Jurídica, Brasília, v. 7, n. 73, jun/jul, 2005, p. 4.

[8] SALAMA, Bruno. Direito, Justiça e Eficiência: A Perspectiva de Richard Posner. Fundação Getúlio Vargas. Direito GV, São Paulo, Aug, 2008, p. 4. Disponível em: http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/30 Acesso em: 12 Mai. 2010.

[9] POSNER, Richard. El Análisis Econónimo del Derecho en el Common Law, en el sistema romano-germánico, y en las naciones en desarrollo – trad. Enrique Pasquel. Revista de Economía y Derecho, v. 2, nº. 7, Invierno, 2005, p. 9.

[10] Dworkin argumenta que a vontade de pagar por um item não é somente determinada pela preferência pelo item, mas também pela capacidade para pagar. Assim, um item escasso poderia acabar nas mãos de um homem rico, que mal precisa de tal item, ao invés de uma pobre pessoa que desesperadamente o necessita, mas simplesmente não pode pagar a mesma quantia. Esta situação está de acordo com o princípios da maximização de riqueza (pois a venda para o homem mais rico geraria mais riqueza para a sociedade), entretanto a utilidade total não é maximizada. Em segundo lugar, a maximização da riqueza pode levar à consequências que podem ser consideradas como injustas. É o caso do exemplo mencionado, mas também pode ser injusta em casos em que a utilidade total é maximizada, mas dividida de forma desigual. Em terceiro lugar, Dworkin argumenta que o princípio da maximização da riqueza interfere somente na autonomia individual enquanto fosse garantida por direitos individuais. Ele menciona o caso em que A coloca um valor mais alto à um item do que o proprietário B faz. Um ditador benevolente iria então maximizar a riqueza ao retirar da posse de B o item, passando para A. Para a análise completa da crítica de Dworkin à Posner, Cf.: DWORKIN, Ronald. Is Wealth a Value? Journal of Legal Studies, v.9, 191, 1980.

[11] Friedrich August von Hayek, um dos maiores representantes da Escola Austríaca, defendeu que a common law deveria ser um sistema de “ordem espontânea”, ou seja, que o sistema jurídico produzido pela gradual interação entre os tribunais e os casos funcionaria melhor que um sistema legal planejado. Hayek criticou a visão de Posner, que conceituava a common law como uma coleção de discrepantes regras. Quanto à função normativa do direito na sociedade, Posner defendia que os Juízes deveriam conscientemente utilitzar do direito para designar objetivos sociais com base na maximização da riqueza, enquanto que Hayek, ao contrário, defendia que a função do direito era criar condições necessárias para a manutenção da ordem espontânea da sociedade, incluindo a ordem espontânea da própria common law. Cf.: ZYWICKI, Todd. Posner, Hayek & The Economic Analisys of Law. Iowa Law Review, Vol. 93, No. 2, pp. 559-603, Fev. 2008; George Mason Law & Economics Research Paper No. 07-05.

Um comentário:

  1. Caro Bruno Azevedo, fico feliz em encontrar um texto meu em aqui (estava pesquisando mais uma vez sobre Richard Posner, pois estou escrevendo sobre a influência do Banco Mundial e da Teoria da Eficiência nas Reformas do Judiciário). Colocarei um link de seu (excelente) blog em meu blog pessoal!

    Um forte abraço!

    Rafael Zanatta

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