O Diário Oficial da União publicou na edição do dia 6 de maio a nova lei 12.234, sancionada na véspera pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que altera o Código Penal. A nova lei altera os artigos 109 e 110 do CP excluindo a prescrição retroativa na fase pré-processual. A ocorrência na fase processual dependerá da interpretação que os tribunais darão à nova lei.
A prescrição retroativa visava impedir que o Estado demorasse muito tempo para impor pena pequena ao cidadão, que muitas vezes nem de prisão era. Esse instituto fazia com que o Estado fosse célere para que a punição tivesse sentido e produzisse efeito, já que é função da pena reeducar o cidadão, e a reeducação só é eficaz se não demorar. Imaginem alguém cometer um crime aos 20 anos e sua condenação só se concretizar aos 40. Imagine ainda que essa pena, aplicada 20 anos após o crime, seja de prestação de serviços à comunidade pelo período de três anos. O cidadão que, depois de cometer um crime e ficar 20 anos sem reincidir, não precisa de pena para reeducá-lo, pois ele se reeducou sozinho. O Estado foi absolutamente incompetente nessa função e qualquer pena aplicada depois desse abismo temporal seria ineficiente e sem sentido.
Com a alteração que acaba de ser sancionada, o modelo que o Estado brasileiro está adotando é um misto de “Direito Penal do Inimigo”, “tolerância zero” e “intervenção máxima”. O problema é que nenhuma dessas ideias deu certo onde foram aplicadas, embora o marketing em cima delas tenha sido, e é até hoje, extraordinário.
O direito tende a evoluir com o passar dos anos. Essa evolução nos faz editar novas leis, sempre procurando atualizar e melhorar as relações entre os seres humanos e entre eles e o Estado. No campo do direito penal, num país como o Brasil, onde a violência é estampada nas manchetes dos jornais, tem-se a impressão de que a situação de insegurança é culpa da lei, decorrência de uma legislação desatualizada e antiquada.
Não é bem assim. A legislação penal brasileira obviamente precisa melhorar como todas — sempre, precisam em todo o mundo. Porém, a nossa não é de todo ruim. Muito pelo contrário. Ela é boa, e se aplicada em sua inteireza e da maneira correta, sem dúvida o país ganharia em distribuição de justiça. Aliás, ela era melhor em 1984, logo após a edição da nova Parte Geral do Código Penal e antes de todas as mudanças que vieram a partir dos anos 1990.
Contudo, os nossos legisladores já descobriram que é muito mais fácil mudar a lei do que o sistema. Se o Judiciário não está aparelhado para fazer justiça de maneira rápida e eficaz, mudemos a lei que o força a isso e deixemos que demorem anos a fio para julgar definitivamente um processo.
O instituto da prescrição existe porque o Estado não tem o direito de ficar durante anos com a espada da Justiça apontada para a cabeça do cidadão. Justiça bem feita e eficaz é justiça rápida. E isso já dizia Cesare Beccaria no seu Dos delitos e das penas no século 18.
O Estado moroso é nosso inimigo, não a prescrição. A violência urbana decorre de diversos fatores, tais como a pobreza, condições subumanas de habitação, subemprego, crianças fora da escola (ou dentro de escolas sem a mínima condição de ensino), para citar alguns exemplos. Mas o Brasil resolveu que tudo é culpa do Código Penal e, desde o início dos anos 1990, resolveu fazer reformas pontuais no seu texto — o que acabou por resultar numa colcha de retalhos, muitas vezes contraditória, outras sem a menor técnica legislativa, gerando verdadeiras normas inaplicáveis a confundir os profissionais do direito.
A prescrição retroativa foi verdadeira conquista brasileira. Ela foi inicialmente construída pela jurisprudência dos tribunais, em especial a Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal, consagrando-se com a Lei 7.209, de 1984, que reformulou, para melhor, toda a parte geral do Código Penal e introduziu essa modalidade de extinção de punibilidade no ordenamento jurídico.
Com a Lei 12.234, uma pessoa pode ter de esperar quase 60 anos para ser absolvido ou para cumprir pena de pouco mais de dois anos de prestação de serviços à comunidade. A alteração não fará com que inocentes deixem de ser absolvidos, mas poderá fazer com que isso demore muito a acontecer. Essa lei pode até fazer com que culpados que tivessem seus processos arquivados sejam condenados, mas numa democracia essa não é uma meta que se busque a qualquer preço. Melhor seria alcançar o mesmo resultado tornando o Estado mais rápido nas suas decisões.
A solução adotada causará muito mais injustiças do que acertos. Buscamos o caminho mais fácil para a solução dos problemas, mas nem sempre o melhor. Temo que em algum dia no futuro, ao abrir o jornal, possa ler que o Congresso Nacional aprovou uma lei que acaba com toda espécie de prescrição, porque o Judiciário não consegue mais julgar os processos em tempo hábil.
A prescrição retroativa não é o motivo da escalada da violência no Brasil, não é sequer um motivo de impunidade. A prescrição retroativa que o Congresso acabou de extirpar do sistema legal, em parte ou totalmente, representa retrocesso histórico e uma maneira de se remediar o que não está dando certo sem atingir as verdadeiras causas. O Congresso está tratando a febre do paciente, não a doença.
Impunidade se combate com um Judiciário rápido e eficaz. Impunidade se diminui com investigação bem feita, de preferência com polícia bem equipada e com bons salários. Está na hora de alguém avisar ao Congresso que a Lei Penal tutela a liberdade das pessoas e não o contrário e, por isso, não pode ser tratada dessa maneira.
Fonte: Direito & Justiça
A prescrição retroativa visava impedir que o Estado demorasse muito tempo para impor pena pequena ao cidadão, que muitas vezes nem de prisão era. Esse instituto fazia com que o Estado fosse célere para que a punição tivesse sentido e produzisse efeito, já que é função da pena reeducar o cidadão, e a reeducação só é eficaz se não demorar. Imaginem alguém cometer um crime aos 20 anos e sua condenação só se concretizar aos 40. Imagine ainda que essa pena, aplicada 20 anos após o crime, seja de prestação de serviços à comunidade pelo período de três anos. O cidadão que, depois de cometer um crime e ficar 20 anos sem reincidir, não precisa de pena para reeducá-lo, pois ele se reeducou sozinho. O Estado foi absolutamente incompetente nessa função e qualquer pena aplicada depois desse abismo temporal seria ineficiente e sem sentido.
Com a alteração que acaba de ser sancionada, o modelo que o Estado brasileiro está adotando é um misto de “Direito Penal do Inimigo”, “tolerância zero” e “intervenção máxima”. O problema é que nenhuma dessas ideias deu certo onde foram aplicadas, embora o marketing em cima delas tenha sido, e é até hoje, extraordinário.
O direito tende a evoluir com o passar dos anos. Essa evolução nos faz editar novas leis, sempre procurando atualizar e melhorar as relações entre os seres humanos e entre eles e o Estado. No campo do direito penal, num país como o Brasil, onde a violência é estampada nas manchetes dos jornais, tem-se a impressão de que a situação de insegurança é culpa da lei, decorrência de uma legislação desatualizada e antiquada.
Não é bem assim. A legislação penal brasileira obviamente precisa melhorar como todas — sempre, precisam em todo o mundo. Porém, a nossa não é de todo ruim. Muito pelo contrário. Ela é boa, e se aplicada em sua inteireza e da maneira correta, sem dúvida o país ganharia em distribuição de justiça. Aliás, ela era melhor em 1984, logo após a edição da nova Parte Geral do Código Penal e antes de todas as mudanças que vieram a partir dos anos 1990.
Contudo, os nossos legisladores já descobriram que é muito mais fácil mudar a lei do que o sistema. Se o Judiciário não está aparelhado para fazer justiça de maneira rápida e eficaz, mudemos a lei que o força a isso e deixemos que demorem anos a fio para julgar definitivamente um processo.
O instituto da prescrição existe porque o Estado não tem o direito de ficar durante anos com a espada da Justiça apontada para a cabeça do cidadão. Justiça bem feita e eficaz é justiça rápida. E isso já dizia Cesare Beccaria no seu Dos delitos e das penas no século 18.
O Estado moroso é nosso inimigo, não a prescrição. A violência urbana decorre de diversos fatores, tais como a pobreza, condições subumanas de habitação, subemprego, crianças fora da escola (ou dentro de escolas sem a mínima condição de ensino), para citar alguns exemplos. Mas o Brasil resolveu que tudo é culpa do Código Penal e, desde o início dos anos 1990, resolveu fazer reformas pontuais no seu texto — o que acabou por resultar numa colcha de retalhos, muitas vezes contraditória, outras sem a menor técnica legislativa, gerando verdadeiras normas inaplicáveis a confundir os profissionais do direito.
A prescrição retroativa foi verdadeira conquista brasileira. Ela foi inicialmente construída pela jurisprudência dos tribunais, em especial a Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal, consagrando-se com a Lei 7.209, de 1984, que reformulou, para melhor, toda a parte geral do Código Penal e introduziu essa modalidade de extinção de punibilidade no ordenamento jurídico.
Com a Lei 12.234, uma pessoa pode ter de esperar quase 60 anos para ser absolvido ou para cumprir pena de pouco mais de dois anos de prestação de serviços à comunidade. A alteração não fará com que inocentes deixem de ser absolvidos, mas poderá fazer com que isso demore muito a acontecer. Essa lei pode até fazer com que culpados que tivessem seus processos arquivados sejam condenados, mas numa democracia essa não é uma meta que se busque a qualquer preço. Melhor seria alcançar o mesmo resultado tornando o Estado mais rápido nas suas decisões.
A solução adotada causará muito mais injustiças do que acertos. Buscamos o caminho mais fácil para a solução dos problemas, mas nem sempre o melhor. Temo que em algum dia no futuro, ao abrir o jornal, possa ler que o Congresso Nacional aprovou uma lei que acaba com toda espécie de prescrição, porque o Judiciário não consegue mais julgar os processos em tempo hábil.
A prescrição retroativa não é o motivo da escalada da violência no Brasil, não é sequer um motivo de impunidade. A prescrição retroativa que o Congresso acabou de extirpar do sistema legal, em parte ou totalmente, representa retrocesso histórico e uma maneira de se remediar o que não está dando certo sem atingir as verdadeiras causas. O Congresso está tratando a febre do paciente, não a doença.
Impunidade se combate com um Judiciário rápido e eficaz. Impunidade se diminui com investigação bem feita, de preferência com polícia bem equipada e com bons salários. Está na hora de alguém avisar ao Congresso que a Lei Penal tutela a liberdade das pessoas e não o contrário e, por isso, não pode ser tratada dessa maneira.
Fonte: Direito & Justiça
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