terça-feira, 31 de maio de 2011

Justiça define quem tem direito a duplo grau nos EUA

Direito Comparado
O direito processual penal norte-americano tem características dos modelos de acusatório[1] e de contraditório. No sistema de contraditório as partes trabalham com os fatos e com o direito enquanto o julgador olimpicamente assiste a disputa, garantindo igualdade de tratamento e cumprimento das regras. No acusatório o magistrado representa mais intensamente a sociedade cujas normas teriam sido desrespeitadas. O juiz dirige-se contra o réu, a quem se incumbe provar inocência. O ônus da prova (burden of proof) distingue basicamente os dois modelos. No contraditório o promotor deve provar a culpa do acusado. No acusatório espera-se do réu participação mais ativa[2].

A subjetividade do acusado não suscita variações entre dolo e culpa. Os crimes dividem-se de acordo com as penas. As mais graves, que variam de um ano de prisão à pena de morte, são aplicadas como repressão às felonies. As mais leves, inferiores a um ano de prisão, são aplicadas às misdemeanors[3]. Esse o pano de fundo do processo penal norte-americano, perene fonte de encantamento literário[4], televisivo[5], cinematográfico[6], sociológico[7], transcendendo do meramente jurídico para o objetivamente político, a exemplo de recentes posturas conservadoras[8], direitistas[9] e ativistas da Suprema Corte em Washington[10].

Dada a pulverização de direitos processuais penais estaduais[11], o presente capítulo toma como base a legislação federal, sintetizada num Federal Criminal Code[12], parâmetro de regulamentação de procedimentos penais em todo o país[13]. O código diz-se no propósito de assegurar simplicidade (simplicity), justiça (fairness), economia e rapidez (elimination of unjustifiable expense and delay)[14] nos julgamentos penais.

Provável motivo que justifique acusação é suficiente para confecção e outorga de ordem de prisão (warrant) emitida por juiz competente[15]. Autoridades policiais (que tomam conhecimento do crime) também prendem suposto criminoso, independentemente de warrant, com base em causa provável (probable cause)[16]. A legalidade da detenção fica na dependência da prestabilidade, da adequação e da legalidade do auto de prisão (arrest report)[17].

Embora independente da promotoria[18], a polícia não tem poderes para intimar testumunhas[19]. Inquéritos transitam por conta do poder de sedução e agilidade dos investigadores. Essa imagem[20] é muito bem trabalhada pela literatura norte-americana[21], assim como por seriados de televisão[22]. Programas televisivos como Law and Order insistem na inutilidade do crime, que não compensaria, atitude que plasma a justificação da estratificação social inerente ao espírito do capitalismo, com âncoras no calvinismo e no pietismo, temas essenciais do universo conceitual weberiano[23] e da investigação em torno do papel do direito e da burocracia na sociedade moderna[24].

Além de poderes para a polícia e para a promotoria, o direito processual penal norte-americano prevê também o grande júri no desempenho de papel investigatório[25]. O grande júri, que pode contar com vinte e três membros[26], tem competência limitada a poucos casos, a exemplo de temas afetos ao crime organizado, ao julgamento de políticos envolvidos em crimes comuns e ao abuso de poder particular (como na fixação de preços acima da média tolerada pelo mercado)[27]. Exerce grande poder na condução dos feitos, com ampla autorização para intimar e ordenar testemunhos[28]. Uma das características que marcam o grande júri é o segredo que envolve seu procedimento[29], e que decorreria da necessidade de se proteger testemunhas e de se criar obstáculos para eventual fuga ou manobra procedimental de acusados[30]. O grande júri é procedimento que antecede julgamento definitivo, permitindo o exercício de amplo espectro investigatório. Provoca críticas e senões, por causa das ameaças que representaria ao exercício dos direitos individuais[31].

O promotor (no caso de crimes federais o nosso equivalente ao procurador da República) é chamado de U.S. Attorney. É nomeado pelo presidente da República, com confirmação do Senado[32]. Trata-se de cargo político, decorre de indicação de chefe do executivo. A composição dos escolhidos reflete a cisão clássica entre democratas e republicanos, entre liberais e conservadores[33].

Não menos político é o promotor estadual, muitas vezes eleito, que pode valer-se da atuação no cargo para projetar nome e tentar posições políticas no executivo. O promotor tem discricionaridade (concept of prosecutorial discretion) para desistir da investigação e da ação penal (nolle prosequi), mesmo em grau de apelo[34]. Seu papel assenta-se na peça acusatória inicial, a complaint against the defendant[35], que deve ser protocolada em até quarenta e oito horas após a prisão do acusado[36] e que será revista pelo juiz que aprecia o feito.

O réu então faz sua primeira aparição perante o juíz (first appearance before the judge or magistrate)[37], quando na maioria das vezes conhece seu advogado, se ainda não tem contato com profissional que cuidará de seu caso[38]. Faz-se notícia formal das acusações que militam contra o acusado[39], que conhece os limites do indictment[40]. Fixa-se eventual fiança (bail)[41]. Condição financeira do réu não é o único elemento que informa o valor a ser determinado pelo juiz[42], que exerce discricionariedade. Posteriormente, determinam-se os termos da acusação, em relação a qual o réu e seu advogado tomam definitivo conhecimento, recebendo cópia da peça[43], formalizando-se passo chamado de arraignment[44], em momento solene realizado em juízo[45].

O réu pode exercer uma das seguintes opções[46]: confessa a culpa (plead guilty), nega o teor da acusação (not guilty) ou diz que não vai defender-se (no contest, nolo contendere)[47]. Ao confessar a culpa (plead guilty) o réu obtém como recompensa diminuição na pena. Porém, renuncia a direitos consagrados na constituição, a exemplo do privilégio que teria contra auto-incriminar-se (self- incrimination)[48]. O procedimento é imediato, sumário. O interessado deve comprovar que seu pedido traduz reconhecimento voluntário. Os fatos devem ser suficientes para justificar e demonstrar razoável culpabilidade do réu[49]. Ao protestar que não vai defender-se, no contest, nolo contendere, o réu obtém os mesmos resultados práticos que lograria se confessasse a culpa.

Todavia, o ofendido não poderá utilizar-se da sentença em ação cível de reparação de danos contra o réu, o que poderia ser feito em face de quem confessa culpa[50]. A exemplo do plead guilty as declarações de nolo contendere evitam julgamentos desnecessários[51] e por isso qualificam adequado procedimento de política judiciária e criminal. Inevitável o debate em torno do plead guilty e do nolo contendere. A favor, argumenta-se que o judiciário não conseguiria apreciar o número de feitos se não existissem essas modalidades de desistência. Por outro lado, critica-se uma filosofia jurídica da alegria (jurisprudence of joy), pela qual a justiça beneficiaria aqueles que confessassem crimes cometidos, em prejuízo dos interesses da sociedade.

Mas há críticas de todos os grupos que se preocupam com política criminal, a exemplo dos falcões (hawks) e dos pombos (doves). Aqueles primeiros hostilizam o plead guilty e o nolo contendere porque acreditam que o controle da criminalidade, com consequente punição, é interesse indisponível da comunidade. Esses últimos também criticam essas desistências, alegando que o réu seria forçado a renunciar direitos que se lhe são constitucionalmente garantidos[52]. Ao negar a acusação, ao dizer-se not guilty, o réu propõe-se a enfrentar a promotoria. O caso será levado a julgamento.

Os debates podem ser antecedidos por requerimentos sucintos[53] que preparam o julgamento (pre-trial motions)[54]. O réu poderá invocar que a denúncia é imperfeita (defective), que não demonstra plausibilidade de culpa. Poderá guerrear o juízo, caracterizando-o como impróprio ou inconveniente (that the venue of the prosecution is improper or inconvenient). Poderá protestar que as provas em poder da promotoria devem ser imediatamente reveladas. Poderá hostilizar essas provas, denunciando-as como obtidas em desrespeito a direitos constitucionais que o réu possui. Poderá dizer que está sendo processado por fato já apreciado (double jeopardy)[55]. Incapacidade do réu em comprovar essas assertivas justifica que o juiz fixe imediata data para o julgamento (trial)[56], dado o direito que o acusado tem de ser julgado com rapidez, speed trial, nos termos da sexta emenda à constituição norte-americana[57].

Exceto nos procedimentos que antecem ao julgamento e nos modelos de exigência de demonstração de culpa, há similitudes entre o processo civil e o processo criminal. É que no cível trabalha-se com provas e demais elementos de fato, antes que a causa seja apreciada, pelo júri ou por magistrado togado. No cível a culpa deve ser demonstrada de forma preponderante, preponderance of evidence. No crime a culpa deve ser demonstrada além de dúvida razoável, beyond reasonable doubt. Os limites entre preponderância de culpa e culpa além de dúvida razoável, identificam no direito anglo-saxão nuances de verdade formal e de verdade real. O réu tem direito a não testemunhar no julgamento criminal[58].

O julgamento poderá ser feito pelo tribunal do júri[59], não obstante a natureza do delito. O réu pode dispensar o júri (waive), com concordância do promotor e do juiz togado[60]. Se formado, o júri poderá contar com doze jurados, número que poderá ser reduzido por estipulação entre as partes[61]. O júri apreciará depoimentos (depositions)[62], testemunhas (testimony of witnesses)[63] regularmente intimadas[64]. Ouvirá os advogados. Será instruído pelo juiz, com elementos especificados pelas partes[65].

O veredito deverá ser unânime, obtido após deliberação, e entregue ao juiz na presença de todos na corte[66]. O júri apenas define a culpabilidade, votando culpado (guilty) ou não culpado (not guilty). Prevenção do réu contra a imparcialidade do júri, por motivos de clamor público, justifica pedido de desaforamento[67]. O procedimento tem caminho idêntico quando apreciado tão somente por juiz singular. Faz-se leitura pública da sentença[68], que é antecedida por um relatório enviado ao juiz por comissão de justiça, a propósito da vida pregressa do réu[69], de modo a instrumentalizar-se o magistrado que fará a dosimetria da pena, que pode ser capital, dada a existência da pena de morte nos Estados Unidos.

Não se permitem fotografias no recinto da sala de julgamento[70]. A Suprema Corte começa a liberar a divulgação de gravações de debates e julgamentos[71]. A apelação dos julgados é dirigida às cortes estaduais intermediárias e depois às cortes estaduais superiores[72], embora a Suprema Corte entenda desde 1894 que os estados não são obrigados a providenciar duplo grau de jurisdição a todos os interessados[73]. O réu pode apelar também para a Suprema Corte, que discrionariamente escolhe os casos que quer apreciar, deferindo os pedidos de writ of certiorari[74]. Pode também o interessado requerer revisão da condenação em habeas corpus, que é proposto contra o responsável pela casa de detenção (warren), demonstrando-se que a condenação fora obtida em violação à constituição[75]. O réu só pode requerer habeas corpus uma única vez[76]. Há pedido de clemência em condenação de pena de morte aos governadores estaduais e ao presidente da República, que são intitulados a comutarem as penas capitais.

Duas correntes debatem[77] a natureza, os propósitos e o modelo do direito processual penal norte-americano[78]. Refletem a divisão política que matiza o país[79]. A corrente do crime control model prega um sistema processual penal de tolerância mínima, centrado na absoluta proteção da sociedade. Tal grupo é vinculado ao partido republicano[80], aos conservadores mais à direita[81], dominantes na Suprema Corte[82] durante a presidência de Warren Burger[83] na década de 1970[84] e de William Rehnquist[85] a partir de 1980. A corrente do due process model centra-se nos direitos dos acusados, exprime conteúdo liberal e humanista[86], dominante durante os anos em que a Suprema Corte fora presidida por Earl Warren[87], na década de sessenta[88]. Para o grupo do crime control model a repressão ao crime seria o mais importante objetivo interno do governo, enquanto que para o grupo do due process model, o fundamental seria a otimização da liberdade humana[89].

Além desse debate, vive-se constante densificação da constitucionalização do processo penal, por meio da aplicação do bill of rights em relação aos acusados[90]. Outorgam-se garantias referentes a procedimentos de busca e de prisão (search and arrest warrants)[91]. Garante-se o grande júri, o devido processo legal e proíbe-se duplo julgamento por um mesmo caso[92]. Prevê-se julgamento justo e expedito[93]. Veda-se excessiva imposição de fianças, assim como penalidades cruéis[94]. Essa última disposição remete-nos ao problema da pena de morte.

Com base nas emendas constitucionais oito e quatorze, a Suprema Corte baniu a aplicação da pena de morte em 1972 ao julgar o caso Furman vs. Georgia[95]. Ponderou-se também que a pena de morte decorria de imposição arbitrária de juízes e jurados[96]. O poder de aplicar penalidade de morte, do monopólio da violência exercido pelo Estado, configuraria crueldade superlativa, no entender do famoso julgado. Tratava-se de réus condenados à pena capital pela prática de crime de estupro, nos estados da Geórgia e do Texas. Determinou-se a suspensão da aplicação da penalidade máxima. Entre os votos divergentes, a opinião do juiz William Rehnquist, que mais tarde será o presidente da Suprema Corte. Em 1976 o mais importante tribunal norte-americano mudou de opinião ao julgar o caso Gregg vs. Georgia[97]. O réu cometera crime de latrocínio (robbery and murder). Entendeu-se que a pena de morte fora cogitada pelos constituintes de 1787 (the framers) e que a medida exprimia política criminal que resultaria na diminuição da criminalidade.

Transitou-se do modelo de due process observado na proibição da pena de morte (centrada na crueldade da mesma) para modelo de crime control verificado na ênfase à repressão ao crime, responsável pela posterior aceitação da penalidade. É por causa desse episódio jurisprudencial que a pena de morte não elenca estatísticas dos anos de 1972 a 1975. Nem todos os estados norte-americanos a aplicam. O estado do Texas tem sido o que mais utiliza essa penalidade e o que contém o maior número de condenados à espera da execução (death row).

A quarta emenda prevê moderação em procedimentos policiais de busca e apreensão (search and seizure), matéria posteriormente regulamentada no código de processo penal federal[98]. A autoridade policial precisa de justificação e causa anterior à busca e apreensão[99]. Equilíbrio entre interesse social na aplicação da lei penal e direitos individuais de propriedade deve orientar a atuação policial[100]. Obtenção de provas mediante gravação de conversas telefônicas suscita reflexão em torno desse anunciado equilíbrio. Até 1967, quando julgou-se o caso Katz vs. United States[101], proibia-se gravações telefônicas por autoridades policiais, com base na ideia de que a atuação qualificava indevida invasão de propriedade (trepass). No caso Katz, a Suprema Corte mudou o entendimento clássico (que vigorava desde 1928)[102]. A moderna tecnologia permite interceptação de conversa telefônica sem que a autoridade policial invada fisicamente propriedade alheia[103] e esse foi o entendimento da Suprema Corte, cujas projeções serão sentidas em interceptação de comunicação cibernéticas, a exemplo de correios eletrônicos (e-mails).

Vigilância aérea (aerial surveillance) também é prática aceita pela jurisprudência norte-americana. Especialmente se ocorrida no espaço navegável aeroespacial (que é público) e se não revele atividades de maior intimidade do ambiente doméstico inspecionado[104]. É o caso de inspeções aéreas que visam detectar plantações de maconha[105]. Também não há proibição de inspeção de lixo (trash)[106]. A autoridade policial está autorizada a revistar (stop and frisk)[107] suspeitos. É a conhecida terry stop, cujo nome decorre do caso Terry vs. Ohio[108], julgado em 1968. Nesse caso, um policial desconfiara de três homens que pareciam vigiar e preparar um furto em uma loja. Aproximando-se dos suspeitos, o policial os revistou e encontrou armas em posse de dois deles, dando ordem de prisão em seguida. Conduta não usual, suspeita, levara o policial a duvidar dos réus. Dada a possibilidade jurídica do uso de armas de fogo nos Estados Unidos, os réus procuraram desqualificar a atuação da autoridade[109], que foi subsequentemente confirmada pelos tribunais.

Ao efetivar prisão, a autoridade policial deve esclarecer ao detento que o mesmo tem direito de permanecer em silêncio. Deve dizer que qualquer informação que dê poderá ser usada contra ele em posterior julgamento. Deve falar que o detento tem direito a um advogado. Deve explicar que o detento pode contar com advogado durante interrogatório. E deve também dizer que se o detento não tem condições de contratar advogado, o Estado vai providenciar indicação de profissional[110]. Tal procedimento decorre de determinação da Suprema Corte ao julgar o caso Miranda vs. Arizona[111] , em 1966, pelo que tais avisos a serem dados pela autoridade policial devem ser respeitados sob pena de ilegalidade da prisão. Esses avisos são conhecidos como Miranda Warnings.

Porém após os ataques terroristas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2002 (que os norte-americanos chamam de nine eleven), suscessivas ordens executivas, novas leis e orientações judiciais e comportamentais têm mitigado o alcance das garantias constitucionais do processo penal, qualificando-se estado de excessão, em nome da luta contra o terrorismo. Prisões, interrogatórios, penalidades e atuação mais agressiva das autoridades policiais parecem qualificar um novo tempo no direito processual norte-americano. Dois séculos de aprimoramento institucional cedem ante à luta contra o terrorismo e contra o tráfico de drogas, instrumentalizada em políticas de tolerância zero para com uma criminalidade assustadora, que enseja imensa população carcerária[112], que hoje alcança mais de dois milhões de presos, seccionando o mundo em grades, que separam dignidade e ilusões perdidas.

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[1] E. Allan Farnsworth, An Introduction to the Legal System of the United States, pg. 111.

[2] William Burnham, Introduction to the Law and Legal System of the United States, pg. 265.

[3] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[4] Na lista dos best-sellers na categoria fiction do The New York Times Book Review ( edição de 6 de abril de 2003), entre quinze títulos, oito têm como tema enredos jurídicos, especialmente em âmbito de direito processual penal.

[5] Helle Porsdam, Legally Speaking, Contemporary American Culture and the Law, especialmente pgs. 89 e ss., quando a autora dinamarquesa analisa programas como The People’s Court.

[6] Dewey Gram, The Life of David Gale, versão cinematográfica de Charles Randolph,

[7] David Rudovsky, Police Practices, in David Kairys (ed.), The Politics of Law, pgs. 434 e ss.

[8] Cristopher E. Smith, Justice Scalia and the Supreme Court’s Conservative Moment.

[9] David A. Schultz e Cristopher E. Smith, The Jurisprudential Vision of Justice Scalia.

[10] Herman Schwartz (ed.), The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right.

[11] Cristopher L. Blakesley, Criminal Procedure, in David S. Clark e Tugrul Ansay (eds.), Introduction to the Law of the United States, pg. 340.

[12] Doravante FCC, como encontra-se disciplinado em 13 de junho de 2002.

[13] FCC, Rule 1.

[14] FCC, Rule 2.

[15] FCC, Rule 4.

[16] William Burnham, op.cit., pg. 266.

[17] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[18] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[19] William Burnham, op.cit., loc.cit. A intimação chama-se de subpoena ( pronuncia-se supina ).

[20] Richard K. Shervin, When Law Goes Pop, the Vanishing Line between Law and Popular Culture, especialmente pgs. 15 e ss.

[21] James Boyd White, The Legal Imagination.

[22] Helle Porsdam, op.cit.

[23] Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism.

[24] Roberto Mangabeira Unger, Law and Modern Society, pgs. 64 e ss.

[25] FCC, Rule 6.

[26] William Burnham, op.cit., pg. 270.

[27] William Burnham, op.cit., pg. 267.

[28] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, Criminal Procedure, Constitutional Limitations, pgs. 129 e ss.

[29] Charles H. Whitebread, Criminal Procedure, An Analysis of Constitutional Cases and Concepts, pg. 383.

[30] Charles H. Whitebread, op.cit., loc.cit.

[31] Charles H. Whitebread, op.cit., pg. 394.

[32] William Burnham, op.cit., pgs. 152 e ss.

[33] Maurice Isserman e Michael Kazin, America Divided, especialmente pgs. 205, quando discute-se o ressurgimento do conservadorismo no início dos anos 70, que começa com Richard Nixon, prolongando-se com Gerald Ford, atingindo auge com Ronald Reagan e George Bush, diminuindo com Jimmy Carter e Bill Clinton e ressurgindo com toda força no fundamentalismo de George W. Bush.

[34] William Burnham, op.cit., pg. 267.

[35] FCC, Rule 3.

[36] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[37] FCC, Rule 5.

[38] William Burnham, op.cit., pg. 268.

[39] Joshua Dressler, Understanding Criminal Procedure, pgs. 7 e ss.

[40] FCC, Rule 7.

[41] Charles H. Whitebread, op.cit., pgs. 343 e ss.

[42] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[43] Joshua Dressler, op.cit., pg. 10.

[44] FCC, Rule 10.

[45] William Burnham, op.cit., pg. 270.

[46] FCC, Rule 11.

[47] William Burnham, op.cit., loc.cit.

[48] Joshua Dressler, op.cit.,pg.. 560.

[49] William Burnham, op.cit., pg. 274.

[50] Charles Whitebread, op.cit., pg. 408.

[51] Charles Whitebread, op.cit., loc.cit.

[52] Joshua Dressler, op.cit., pg. 580.

[53] Martha Faulk e Irving Mehler, The Elements of Legal Writing.

[54] FCC, Rule 12.

[55] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 10 e ss.

[56] William Burnham, op.cit., pg. 271.

[57] William Burnham, op.cit., pg. 298.

[58] William Burnham, op.cit., pg. 271.

[59] Joshua Dressler, op.cit., pg. 11.

[60] FCC, Rule 23 ( a ).

[61] FCC, Rule 23 (b) .

[62] FCC, Rule 15.

[63] FCC, Rule 26.

[64] FCC, Rule 17.

[65] FCC, Rule 30.

[66] FCC, Rule 31.

[67] FCC, Rule 21.

[68] FCC, Rule 32.

[69] William Burnham, op.cit., pg. 272.

[70] FCC, Rule 53.

[71] Linda Greenhouse, Justice Enter the Radio Age, in New York Times, 6 de abril de 2003, seção 4, pg. 2.

[72] Daniel John Meador, American Courts, pgs. 12 e 21 e ss.

[73] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pg. 474.

[74] Bob Woodward e Scott Armstrong, The Brethren, Inside the Supreme Court, pg. XII.

[75] William Burnham, op.cit., pg. 273.

[76] William Burnham, op.cit., pg. 274.

[77] Philip J. Cooper, Battles on the Bench.

[78] William Burnham, op.cit., pgs. 277 e ss.

[79] David M. O’Brien, Storm Center, The Supreme Court in American Politics.

[80] Edward Lazarus, Closed Chambers, The Rise, Fall and Future of Modern Supreme Court.

[81] Howard Gillman, The Constitution Besieged.

[82] Fred Rodell, Nine Men, A Political History of the Supreme Court of the United States from 1790 to 1955.

[83] Beernard Schwartz, A History of the Supreme Court, pgs. 311 e ss.

[84] Robert B. McCloskey, The American Supreme Court, pgs. 228 e ss.

[85] Herman Schwartz, The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right, pgs. 55 e ss.

[86] Peter Irons, A People’s History of the Supreme Court.

[87] Morton J. Horwitz, The Warren Court and the Pursuit of Justice.

[88] Lucas A. Powe, Jr. The Warren Court and American Politics.

[89] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 23 e ss.

[90] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pgs. 10 e ss.

[91] Emenda 4 à Constituição dos Estados Unidos.

[92] Emenda 5 à Constituição dos Estados Unidos.

[93] Emenda 6 à Constituição dos Estados Unidos.

[94] Emenda 8 à Constituição dos Estados Unidos.

[95] 408 U.S. 238 (1972) .

[96] William Burnham, op.cit., pg. 309.

[97] 428 U.S. 153 (1976).

[98] FCC, Rule 41.

[99] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, Criminal Procedure, pg. 47.

[100] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, op.cit.,loc.cit.

[101] 389 U.S. 347 (1967).

[102] William Burnham, op.cit., pg. 278.

[103] Joshua Dressler, op.cit., pg. 86.

[104] Joshua Dressler, op.cit., pg. 106.

[105] William Burnham, op.cit., pg. 279.

[106] William Burnham, op.cit., pg. 280.

[107] Charles Whitebread, op.cit., pgs. 171 e ss.

[108] 392 U.S. 1 (1968).

[109] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, op.cit., pgs. 119 e ss.

[110] O direito a contar com advogado indicado e pago pelo Estado substancializou-se com o caso do réu Anthony Lewis, que narra sua história no livro Gideon’s Trumpet.

[111] 384 U.S. 436, (1966).

[112] A população carcerária norte-americana em abril de 2003 é de duas milhões e cem mil pessoas. Os números assustadores foram objeto de críticas dos juízes da Suprema Corte, Clarence Thomas e Anthony Kennedy em arguição junto a subcomitê da Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Jornal The Boston Globe, Boston, 10 de abril de 2003

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

segunda-feira, 30 de maio de 2011

"Constituição é declaração de amor ao país"

Conversas acadêmicas
No dia 28 de agosto de 2008 a advogada Joênia Batista de Carvalho fez história: ela se tornou a primeira índia brasileira a fazer sustentação oral no Supremo Tribunal Federal. Por trás desse fato histórico, está o pensamento de um dos mais destacados constitucionalistas contemporâneos e um dos mais influentes doutrinadores do Judiciário brasileiro. Trata-se do alemão Peter Häberle, o criador do amicus curiae, o instituto jurídico que permitiu a Joênia ocupar a tribuna do Supremo no julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Häberle sustenta que a Constituição é capaz de prescrever valores que fundamentam culturalmente uma sociedade aberta. Grosso modo, é o mesmo que dizer que a Carta Magna é um processo aberto, um projeto para o futuro.

Na lucidez de seus 77 anos, Häberle conversou com a reportagem da Consultor Jurídico duas vezes na semana passada, no que resultou a entrevista que segue abaixo. A primeira delas foi na segunda-feira (23/5), em São Paulo, num intervalo do Encontro Brasil-União Europeia, organizado pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região e pela Escola de Direito do Brasil (EDB). No dia seguinte ele voltou a falar com a ConJur, desta vez em Brasília, onde estava para participar do Seminário Internacional Constituição e Direitos Fundamentais.

Häberle fala de Constituição com amor. E do Brasil também. No meio da entrevista, abriu uma pausa para fazer uma declaração de amor ao país que visita pela terceira vez. Começou fazendo uma correção necessária, a seu ver: “O escritor austríaco Stefan Zweig escreveu que o Brasil é o país do futuro. Na minha opinião, o Brasil é o país do presente e do futuro”.

O professor rejeita dois termos da moda para classificar os países: 'emergente' e 'em desenvolvimento'. Para ele, essas expressões levam em conta apenas o que chama de “economicização”. E dá como exemplo o Brasil 'emergente' e o Peru 'em desenvolvimento': “Pra mim importa tão somente que o Brasil e o Peru sejam Estados constitucionais. Em outras palavras, importa que eles são países que reconhecem a dignidade da pessoa humana, que contêm um catálogo de direitos humanos, que prezam a democracia pluralista, a divisão dos poderes, a proteção das minorias, e que dispõem de uma jurisdição constitucional em boas condições de funcionamento”.

As palavras coincidem com o que ele escreve em sua obra Constitución como cultura (1982). De acordo com o professor, a Constituição não é apenas um “texto jurídico ou um código normativo, mas também a expressão de um nível de desenvolvimento cultural” e um instrumento da “representação cultural autônoma de um povo”.
Leia a entrevista abaixo:

ConJur — Qual imagem o senhor tem do Supremo Tribunal Federal?

Peter Häberle — Eu sou um grande admirador do Supremo Tribunal Federal e do ministro Gilmar Mendes, que é um constitucionalista líder no Brasil. Eu gosto de caracterizá-lo na Europa com um construtor de pontes entre a Alemanha e o Brasil, e entre o STF, sobretudo, e o Direito Processual Constitucional. Ele recepcionou a minha proposta do amicus curiae, por exemplo.

ConJur — E isso tem a ver com o conceito que o senhor desenvolveu no livro Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição e que foi traduzido pelo ministro Gilmar Mendes, certo?

Häberle — Sim, essa idéia também é proposta pela sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Trata-se de um livro que escrevi em 1975 e que foi excelentemente traduzido e comentado pelo ministro Gilmar Mendes. Poderíamos dizer, no sentido filosófico, que a idéia da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que toda e qualquer pessoa que leia livremente a Constituição acaba sendo co-intérprete do texto. Essa idéia é a expressão da teologia no protestantismo alemão. Eu só adquiri consciência disso mais tarde, e o paradigma da sociedade aberta hoje pode ser estendido na direção da comunidade internacional, da comunidade de entes do Direito Internacional Público, do Jus Gentium. Coloca-se aqui a pergunta: Quem cria o Direito das Gentes e quem o interpreta? Não são apenas os Estados e não são apenas os grandes doutrinadores. Nesse contexto, os mais importantes intérpretes são organizações não-governamentais, como, por exemplo, o Greenpeace e a Anistia Internacional. O Direito das Gentes é, na minha perspectiva, o Direito Constitucional da Humanidade. Por isso, os 196 membros da ONU são sujeitos imprescindíveis do Direito das Gentes. Mas o Direito das Gentes é também co-desenvolvido por relações pela internet, por tribunais constitucionais de grande qualidade ou também pela Corte Penal Internacional e pelos Tribunais Especiais das Nações Unidas, como os que existem na Holanda e na Iugoslávia.

ConJur — O Brasil experimenta um momento de abertura da jurisdição constitucional, com transmissão ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal e realização de audiências públicas, por exemplo. O senhor acha que a população pode acreditar que essa Corte tem a missão de representá-la e de atender às suas vontades?

Häberle — Eu acompanho essa democratização com grande entusiasmo e acompanho com igual entusiasmo a tendência de dar publicidade às sessões do STF. Mas tal orientação pode envolver também riscos e perigos. O legislador parlamentar é dotado de legitimação democrática direta, uma vez que é eleito pelo povo, ao passo que os juízes do STF têm legitimidade apenas indireta e mediada. O que me alegra é saber que o Supremo é a expressão de uma sociedade de intérpretes da Constituição que se abre cada vez mais. O STF está em vias de se transformar em um Tribunal do Cidadão. Os jovens tribunais constitucionais precisam investir esforços para criar uma sociedade civil. Vemos quão difícil seria, vemos o quão difícil é implementar essa tarefa na Líbia, por exemplo, e o quão difícil é desenvolver nesses países uma sociedade civil. Para uma sociedade lícita e cidadã, é imprescindível a existência de um Judiciário constitucional concebido como um Judiciário cidadão. Essas audiências públicas são um meio para este fim.

ConJur — O Brasil, nos últimos anos, decidiu temas polêmicos por meio do STF. É o caso das pesquisas com células-tronco e da fidelidade partidária, por exemplo. Esse crescimento da atuação da jurisdição constitucional é resultado da democracia ou a enfraquece?

Häberle — A sua pergunta relaciona dois opostos: o ativismo judicial e a retração dos tribunais. Na verdade, essa pergunta é mais que justificada em todos os Estados constitucionais dotados de um Judiciário constitucional. Comecemos com o caso dos Estados Unidos, onde viveu-se, na Corte Suprema, a idéia do ativismo judicial. O Tribunal Constitucional Alemão também praticou esse ativismo de forma intensa, depois de 1989. Agora vem a argumentação contrária: alguns doutrinadores defendem a idéia de que o juízes deveriam se restringir mais, deixando o primeiro plano e a iniciativa ao legislador parlamentar. É imensamente difícil, até para o juiz do tribunal constitucional, definir quando é a hora do ativismo judicial e quando é a hora da retração judicial. Mas eu quero dar uma resposta. O legislador parlamentar alemão, que eu cito aqui exemplificativamente, na maior parte das vezes não estaria em condições de decidir a questão das células-tronco e da proteção aos embriões. Então, provavelmente, o Tribunal Constitucional Federal tomaria a frente. A instituição do voto especial, que muitas vezes é o voto vencido, deve ser mencionada nesse contexto. Esse instituto foi inventado pelos americanos. O voto vencido hoje é admitido pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão. Isso aparece no artigo 164, parágrafo 1, da Constituição. A instituição do voto especial ou do voto vencido é um caso feliz, é um caso afortunado.

ConJur — Por quê?

Häberle — Para que a minoria social possa espelhar-se no voto vencido. A exemplo do que acontece nos Estados Unidos e na Alemanha, com o decorrer do tempo o voto vencido se transforma em um voto majoritário. Essa é uma dialética importante.

ConJur — O papel essencial de uma corte constitucional é o de ser contramajoritária. Como se encaixa nessa atribuição a tese da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição?

Häberle — O paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que cada cidadão e cada partido político que vive na Constituição são co-intérpretes desta Constituição. O judiciário constitucional possui legitimação democrática apenas indireta. O primeiro poder da República é o Parlamento. O legislador parlamentar tem legitimidade direta, pois é eleito pelo povo. Por isso é importante que a sociedade também tenha espaço para participar da interpretação da Constituição.

ConJur — No Brasil, os juízes do STF são escolhidos pelo presidente da República que, por sua vez, é eleito diretamente pelo povo. Isso não lhes confere igual legitimidade democrática?

Häberle — Os juízes da Corte Suprema americana ou do Tribunal Constitucional alemão são eleitos pelos partidos políticos. Na Romênia e na Itália, um terço dos juízes constitucionais são nomeados pelo presidente da República. O que é importante em todos esses tribunais é o pluralismo político. Como disse antes, no caso do Brasil, é importante ressaltar que, como no Tribunal Constitucional alemão e na Corte Constitucional espanhola, se admite a figura do voto vencido. Neste voto vencido, o pluralismo da sociedade pode espelhar-se. E o tempo nos ensina que o voto vencido de hoje é o voto majoritário de amanhã.

ConJur — O crescimento da jurisdição constitucional, do qual falamos há pouco, é, então, resultado da democracia?

Häberle — De início, quero dizer duas palavras sobre a história da jurisprudência constitucional, no famoso caso Marbury versus Madison, de 1803, nos Estados Unidos. Ele é considerado a certidão de nascimento da jurisprudência constitucional no sentido material do termo, já que ali foi reconhecido um controle judicial das normas. O segundo grande passo foi a Constituição da Áustria, de 1920, elaborada com a ajuda de Hans Kelsen. A idéia da jurisprudência constitucional já foi desenvolvida pelo grande jurista austro-alemão. Depois da Segunda Guerra Mundial, a jurisdição constitucional estendeu-se pelo mundo inteiro. Penso que apenas a Grécia, e eu digo justamente a Grécia, porque a democracia foi inventada lá, não dispõe de uma jurisdição constitucional. Hoje eu defendo a seguinte opinião: a jurisdição constitucional é um instrumento sutil, detalhado e refinado da democratização de uma sociedade, desde que ela se comprometa com a tutela dos interesses da minoria.

ConJur — Como efetivar os direitos fundamentais previstos na Constituição sem que o Judiciário sofra acusações de promover o ativismo jurídico?

Häberle — Sob uma perspectiva mundial, percebe-se que os tribunais constitucionais de diversas nações caracterizam-se por períodos de ativismo judicial — como os exemplos do Tribunal Constitucional húngaro depois de 1989 e da Corte da Comunidade Europeia, com sede em Budapeste, nos primeiros 20 anos da União Europeia — e outros espaços de tempo nos quais os tribunais entram em uma fase de jurisprudência mais restritiva. No caso do Brasil, é importante que o Supremo Tribunal Federal desenvolva muitos precedentes para dar eficácia aos direitos fundamentais. Mas há outras áreas nas quais os juízes podem exercitar a virtude da jurisprudência restritiva e deixar a iniciativa ao legislador parlamentar. Por isso foi muito positivo que o STF, ao reconhecer a união estável homoafetiva, tenha decidido deixar espaço também ao legislador ordinário para tratar do assunto. O tribunal constitucional nunca deverá arrogar-se o papel de preceptor da nação. O ideal é que ele consiga cooperar com os outros poderes da República.

ConJur — Hoje, há uma discussão muito forte no Brasil sobre os limites do ativismo jurídico. A tal ponto que, recentemente, foi apresentado um projeto de lei que dá poderes para o Congresso rever atos do STF quando entender que a Corte extrapolou suas atribuições. Como o senhor vê esse confronto entre Judiciário e Legislativo?

Häberle — Primeiramente, gostaria de dizer que, como um hóspede do Brasil, gostaria de me restringir a análises acadêmicas e não me posicionar em relação a questões atuais de política. Mas, abstratamente, posso responder que seria perigoso se o Parlamento interferisse na jurisprudência em constante evolução de uma corte constitucional. Existem movimentos semelhantes a esse na Hungria e na Turquia. Nestes dois países, os membros do Parlamento também estão envidando esforços para reprimir a influência do Judiciário constitucional. Melhor seria se os juízes dos tribunais constitucionais exercitassem a virtude da jurisprudência restritiva em algumas questões, inclusive por razões de prudência política.

ConJur — O Mandado de Injunção, no Brasil, serve exatamente para que o Supremo Tribunal Federal dê eficácia a direitos constitucionais quando o Congresso se omite. O que o senhor acha desse instrumento?

Häberle — É um instrumento inovador, excelente. Percebemos que nós, representantes dos velhos estados constitucionais europeus, temos muito que aprender com os novos estados constitucionais da América Latina. Isso é uma prova da correção da minha tese da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Porque, neste caso, o cidadão torna-se legislador indiretamente mediante sua reclamação ao STF. Fico entusiasmado com essa valorização positiva do cidadão. Com isso, vocês conseguiram dar mais vida ao conceito de sociedade civil.

ConJur — O que o senhor acha do controle prévio de constitucionalidade?

Häberle — O controle prévio de constitucionalidade não existe na Alemanha e existe há algum tempo na França. Na Alemanha, alguns anos depois da criação do Tribunal Constitucional Federal, cogitou-se a possibilidade de se solicitar um parecer, mas a ideia foi abolida em virtude de um conflito político entre o chanceler [Konrad Adenauer] e o primeiro presidente da República Federal da Alemanha [Theodor Heuss]. Na Alemanha, nós temos uma tutela excessivamente aperfeiçoada pelos Tribunais Constitucionais, por isso não necessitamos de uma jurisdição constitucional preventiva. Parece-me possível que em jovens Estados constitucionais o controle constitucional preventivo seja adequado. Isso, porque eles ainda não foram suficientemente educados para se conformarem à Constituição e a respeitarem.

ConJur — Esse fenômeno tem a ver com a ideia que o senhor tem da chamada pedagogia da Constituição?

Häberle — Sim. A pedagogia da Constituição ou pedagogia constitucional evidencia-se, por exemplo, no fato de a Constituição de Guatemala e de a antiga Constituição peruana determinarem que as crianças ainda nas escolas cursem uma disciplina chamada educação para os Direitos Humanos. Há poucos anos, a Espanha desenvolveu e criou o programa de cidadania por intermédio da educação e da cultura, e essa criação espanhola transcorreu com a minha ajuda científica. É importante que um jovem Estado Constitucional como o Brasil, apesar da sua Constituição muito extensa, consiga transmitir os princípios mais importantes aos jovens das escolas e das universidades, e isso em uma linguagem próxima ao horizonte de entendimento do cidadão. Permito-me aqui uma pequena ironia: essa transmissão também deve ser feita considerando a linguagem da mídia e dos jornalistas.

ConJur — A Constituição brasileira é muito longa e tem garantias que dizem respeito diretamente à vida das pessoas. Como conseqüência, as decisões do Supremo Tribunal Federal também acabam afetando a vida de muitas pessoas. É bom para um Estado que sua Constituição seja extensa?

Häberle — Vamos começar com um raciocínio empírico: a história consigna exemplos de Constituições muito lacônicas. Tome como exemplo a Virgina Bill of Rights e a Declaração da Independência dos Estados. A lei fundamental alemã, que é a Constituição da Alemanha, é de 1949. Ela é incomumente lacônica e compreensível ao cidadão comum. Mais de 60 anos depois, foram mais de 55 emendas constitucionais. Elas quase desfiguraram a nossa Constituição, tornando-a ilegível. Costumo mencionar a Constituição da República Federativa do Brasil como exemplo de uma Constituição barroca. Pessoalmente aprecio mais as constituições tributárias, do estilo românico e do estilo gótico.

ConJur — É curioso e vale comentar que, mesmo sendo extensa, a Constituição brasileira já teve mais de 45 emendas.

Häberle — Sim. A dificuldade do constituinte está em formular, na medida do possível, as tais cláusulas pétreas, e deixar os detalhes técnicos aos cuidados do legislador ordinário ou ao Direito Administrativo que regula as relações com o Estado. O constituinte tem o dever de encontrar soluções de meio termo que agradem todos os grupos sociais, como acontece na sociedade multiétnica que é o Brasil. Essa disposição de encontrar o meio termo conduz a uma Constituição mais extensa.

ConJur — O julgador pode ir contra a vontade das maiorias para cumprir a Constituição?

Häberle — O critério da jurisdição constitucional só pode ser o da própria Constituição. O tribunal constitucional pode lembrar o legislador ordinário que a Constituição existe e é um critério que pode declarar nula uma lei ou construir para o legislador ordinário uma tarefa legislativa. Existe ainda o instrumento mais refinado da interpretação em conformidade com a Constituição que protege o legislador parlamentar, que é o do possível. De acordo com esse método, atende-se à lei interpretando-a de um modo compatível com a Constituição. Essa interpretação em conformidade com a Constituição é um método originário da Suíça, onde eu fui professor durante 20 anos.

Por Marília Scriboni e Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A CONSTITUIÇÃO "CONFORME" O STF

Outros tempos
Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional. Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não como julgadores.

À luz da denominada "interpretação conforme", estão conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo desenhou por meio de seus representantes.

Participei, a convite dos constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente, deputado Ulysses Guimarães.

Lembro-me que a ideia inicial, alterada na undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do regime parlamentar italiano, foi adotada.

Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a produzisse.

Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência para legislar.

Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo que ferisse sua competência.

No que diz respeito à família, capaz de gerar prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto supremo -entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual.

Aos pares de mesmo sexo não se excluiu nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era -para os constituintes- uma família.

Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar.

Este ativismo judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um homem só-, é que entendo estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão representadas.

Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante do que ser politicamente correto.

Sinto-me como o personagem de Eça, em "A Ilustre Casa de Ramires", quando perdeu as graças do monarca: "Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e com o reino".

Por Ives Gandra da Silva Martins
Fonte: ZENIT - O mundo visto de Roma

Bandido promove ação judicial contra o assaltado.

Só no Brasil
O QUE SE TEMIA...
QUEREM LEGALIZAR O ROUBO...
LADRÃO PROCESSA VÍTIMA POR LESÕES CORPORAIS...

Juiz considera 'uma afronta ao Judiciário' ação que assaltante moveu contra comerciante dono de padaria, por ter levado surra ao tentar roubar estabelecimento em Belo Horizonte.


Uma ação em tramitação no Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, leva às últimas conseqüências a máxima segundo a qual a Justiça é para todos - todos mesmo.

O pedido de um assaltante, preso em flagrante e que decidiu processar a vítima por ter reagido durante o assalto, provocou surpresa até mesmo nos meios jurídicos e foi classificado como uma "aberração" pelo juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo, da 2ª Vara Criminal, que suspendeu a ação.


Não satisfeito, o advogado do ladrão, José Luiz Oliva Silveira Campos, anuncia que vai além da queixa-crime, apresentada por lesões corporais: pretende processar, por danos morais, o comerciante assaltado.


O motivo: seu cliente teria sido humilhado durante o roubo.
Wanderson Rodrigues de Freitas, de 22 anos, se sentiu injustiçado e humilhado porque apanhou do dono da padaria que tentava assaltar. O crime ocorreu no mês passado, na Avenida General Olímpio Mourão Filho, no Bairro Planalto, Região Norte de BH.

Por volta das 14h30 de uma terça-feira, Wanderson chegou ao estabelecimento e anunciou o assalto. Ele rendeu a funcionária, irmã do proprietário, que estava no caixa. Conseguiu pegar R$ 45.

No entanto, quando ia fugir, foi surpreendido pelo dono da padaria, um comerciante de 32 anos, que prefere ter a identidade preservada.

"Estava chegando, quando vi minha irmã com as mãos para o alto. Já fui roubado mais de 10 vezes nos sete anos que tenho meu comércio.

Quatro dias antes desse ladrão aparecer, tinha sido assaltado. Não pensei duas vezes e parti para cima dele. Caímos da escada e, quando outras pessoas perceberam o que estava acontecendo, todos começaram a bater nele também. Muitos reconheceram o ladrão como autor de outros assaltos da região", conta o comerciante.


Ele diz ainda que, para render a irmã, Wanderson escondeu um pedaço de madeira debaixo da blusa, fingindo ter uma arma.


"Pensei que fosse um revólver. Quando a vi com as mãos para o alto, arrisquei minha vida e a dela. Mas estava revoltado com tantos crimes e quis defender meu patrimônio. Trabalhei 20 anos para conseguir comprar esta padaria. Nada foi fácil para mim e nunca precisei roubar para viver. Na confusão, chamamos a polícia e ele foi preso em flagrante por tentativa de assalto "á mão armada", conta.

O comerciante acha absurda a atitude do advogado. "O que me deixa indignado é como um profissional aceita uma causas dessas sem pensar no bem ou no mal que pode causar a sociedade. Chega a ser ridículo", critica.

Quem parece compartilhar da opinião da vítima é o juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo. Em sua decisão, ele considerou o fato de um assaltante apresentar uma queixa-crime, alegando ser vítima de lesão corporal, uma afronta ao Judiciário. O magistrado rejeitou o procedimento, por considerar que o proprietário da padaria agiu em legítima defesa. Além disso, observou que não houve nenhum excesso por parte da vítima.

Fonte: Web

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Controle retoma papel político do Judiciário

O fiel da balança
Divisamos as nuances espectrais no Constitucionalismo mais moderno bastante características: a primeira, consistente na consagração, consolidação e estabilização de um rol de institutos, elementos e doutrinas que, sejam de origem genuinamente jusfilosófica ou não, fazem parte do ensino acadêmico da Jurisprudência (ciência do Direito). A sistematização desses estudos que já estão consagrados pelas letras jurídicas clássicas – nós o sabemos – foi empreendida por notáveis juristas do início do século passado, como Santi Romano e Vittorio Emanuele Orlando. Coube àquele, por exemplo, a divisão, até hoje seguida, do Direito Constitucional em Direito Constitucional Geral, Especial (ou Positivo) e Comparado; a segunda, consistente precisamente no reverso da primeira, vale dizer, em um rol de elementos, doutrinas e, em alguns casos, de meros pensamentos que ainda não estão totalmente desenvolvidos e, por isso, consagrados ou, mesmo, consolidados.

Citemos como exemplos dessa segunda nuance: a) a redescoberta de que a formação do Estado de Direito se assentou, tal como proclamada pela Revolução Setecentista, não apenas na liberdade e na igualdade, mas também, na fraternidade. Assim, desenvolver a fraternidade como princípio constitucional da estatura daqueles já consagrados é um desafio que só está no começo; b) os estudos europeus no sentido da verticalização ao “magma” dos conceitos ontológico de “Direito” e epistemológico de “teoria do Direito”, tal como encetados, por exemplo, pelo professor da Universidade de Paris, Paul Amselek. Assim, iniciar um aprofundamento do que seja realmente “teoria constitucional” é outro tema que só está no começo, com profundas repercussões no cotidiano – na falta de melhor termo para os objetivos deste texto – dos operadores do Direito, haja vista que, por exemplo, da resposta que encontrarmos, poderemos admitir ou não Recurso Extraordinário de temas constitucionais ainda que não formalmente incorporados ao texto da Constituição; c) e – uma questão mais simples – a possibilidade de efetivação de controle dos atos e leis municipais em face da Constituição Federal.

A essa segunda nuance, costumo chamar de vanguarda constitucional. Obviamente, pelos motivos precedentemente expostos, esse vanguardismo constitucional é extremamente volátil, não possuindo alguma limitação temática senão aquela ditada pela curiosidade. Pois bem: um tema que bem poderia fazer parte desse vanguardismo constitucional seria precisamente o que chamamos de devido processo legislativo. Na verdade, o devido processo legislativo já está consagrado pela doutrina constitucional mais abalizada, tal como mostrado, por exemplo, pelo notável Alexandre de Moraes em seu conhecido Direito Constitucional.
Entrementes, o devido processo legislativo, tal como assim exposto, está estribado no princípio da legalidade, a significar apenas uma especificação maior do “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, no sentido de que a obrigação legal, em virtude da qual temos que fazer algo ou temos que deixar de fazer algo, há de ser estabelecida na lei elaborada e votada nos termos do procedimento estabelecido na Constituição (artigos 59 e seguintes.). Ponto. Acabamos aqui. Nada mais é possível fazer a partir daqui senão perscrutarmos se a elaboração da lei afrontou alguma daquelas regras estatuídas na Constituição Federal, únicas, segundo a doutrina tradicional, capazes de gerar a parametricidade necessária a desencadear o controle de constitucionalidade.

Antes de continuarmos com o argumento, façamos pequena digressão para expor alguns conceitos básicos. É fartamente conhecido o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade das leis: ele é jurisdicional sucessivo combinando os métodos difuso e concentrado. Significa, inicialmente, que nosso sistema está ancorado na jurisdição, vale dizer, no Poder Judiciário, ao invés de estar em algum órgão político ou em órgão formado por mescla de elementos políticos e técnicos. É por causa disso que falamos em jurisdição constitucional, a significar que a preservação da angularidade constitucional, vale dizer, de sua supremacia, é feita exatamente pelo Poder Judiciário. O raciocínio é simples: se o controle é técnica de proteção da Constituição e se é feito pela jurisdição, então, realmente, pode-se dizer que a integridade da Constituição dependerá da jurisdição. Só há uma exceção a essa regra: o controle político prévio ou preventivo efetuado pelo Presidente da República (artigo 66, parágrafo 1º da Constituição). Mas o sistema brasileiro não é apenas jurisdicional; é jurisdicional sucessivo. Significa que o Poder Judiciário só pode desencadear o controle de constitucionalidade após a entrada da lei no mundo jurídico, id est, após a sua promulgação e publicação, quer dizer, somente após terminado e exaurido o processo legislativo. Assim, inexiste, entre nós, controle jurisdicional da lei enquanto projeto de lei, da lei ainda sendo elaborada no âmbito parlamentar. Em tal situação, enquanto projeto de lei, a lei – se é que podemos falar em “lei” – estará inacessível ao Poder Judiciário, no que denominado de insidicabilidade dos atos legislativos. O projeto de lei, então, é insidicável, vale dizer, imune, totalmente imune, à ingerência judicial.


A insidicabilidade dos atos legislativos tem origem na antiga Bretanha, quando o parlamento inglês, frágil e disperso quando comparado à Coroa, precisava se fortalecer relativamente àquela. A necessidade de autoafirmação e de fortalecimento do parlamento inglês fê-lo ostentar, de frente à Coroa, a doutrina de que os seus atos internos estavam fora do alvedrio real. Dentre os atos internos, destacavam-se, sobremaneira, os atos legislativos que desaguavam na feitura da lei, daí decorrendo a teoria dos atos legislativos interna corporis. A doutrina dos interna foi fundamental para proteger a vontade parlamentar – e, portanto, do Estado –, expressa por meio da lei, da vontade real. Não faz parte dos objetivos deste texto, mas, mais à frente, esse arcabouço jurídico-político fará a afirmação crucial de que a statury law havia de ser expressão da common law.
Aqui também há uma exceção, construída jurisprudencialmente, nas lavras do Supremo Tribunal Federal. Diz respeito ao parlamentar: pode este, e somente este, ingressar com Mandado de Segurança para que o parlamento observe o rito constitucional. Como se vê, mesmo nesta exceção, apesar do controle ser prévio, pois dito controle se efetiva sobre o projeto de lei, ele, primeiro, está limitado ao que estatui a Constituição (artigos 59 e seguintes.), deixando de fora o regimento parlamentar e, segundo, só quem pode requerê-lo é o próprio parlamentar, deixando de fora o cidadão comum.
O sistema brasileiro, além de jurisdicional e sucessivo, possui outra nota característica, a saber, mistura os métodos difuso e concentrado. A diferença entre os dois reside no órgão, dentro do Poder Judiciário, que fará o controle: sendo qualquer juiz, o método é difuso; sendo apenas o órgão de cúpula, que se mostra como corte constitucional, o método é concentrado. O difuso é estadudinense e o concentrado, europeu. Os dois admitem formas puras ou ortodoxas e multifacetadas ou heterodoxas. As formas puras, como o próprio nome está a indicar, são desprovidas de elementos estranhos àquele arcabouço tradicional que as marcam nos respectivos países de origem. Assim, o puro método difuso, existente nos Estados Unidos, não admite Ação Direta de Inconstitucionalidade ou qualquer outra modalidade de ação objetivo-concentrada de controle. Por essa razão, porque não há ADI, ADC, ADPF e etc., qualquer cidadão pode suscitar o controle de constitucionalidade. Já na forma pura do controle concentrado, existente em grande parte dos países europeus, ocorre o contrário: o juiz ou tribunal inferior está impedido de conhecer da questão constitucional suscitada pela parte, pois tal questão é da competência exclusiva da Corte Constitucional. Por isso, somente a parte em um dado processo, e não qualquer cidadão, ou outras extraordinariamente legitimadas, é que poderá suscitá-la.
Tocantemente às formas heterodoxas, são tantas e tão variadas que se torna difícil, senão impensável, o estabelecimento de uma taxinomia dos diversos sistemas. Estes são incumbência eminente do direito positivo, pois é este que definirá o sistema. Assim, há países que simplesmente combinam aquelas duas técnicas, como no Brasil; outros, todavia fundem os sistemas, originando outra espécie híbrida, como é o caso da Itália, na qual, apesar da existência da corte constitucional, há também controle político. Enfim, é o direito positivo, calçado em critérios históricos e culturais, que estabelecerá a mecânica do controle.


O controle ainda, para encerrar a digressão, pode ser formal e material. O primeiro diz respeito ao procedimento da norma: questiona-se, não o seu núcleo material, mas a maneira como está sendo elaborada. O segundo é precisamente questionar-se o mérito da norma, ou seja, o seu conteúdo em face da Constituição. No Brasil, o controle formal só é possível em face do processo legislativo previsto na Constituição (artigos 59 e seguintes), ficando de fora o procedimento interno nos parlamentos; o material estará sujeito ao método de controle: se este for difuso, o conteúdo material estará limitado a um (uns) específico (s) dispositivo (s) constitucional (is), pois, por exemplo, não se admite Recurso Extraordinário por ofensa a princípios constitucionais senão enquanto estiverem em um dado dispositivo; se for concentrado, podemos considerar, não apenas o dispositivo em si, mas quaisquer princípios e regimes que, dos dispositivos, pudermos extrair, a exemplo da ADPF, onde o conceito de “preceito” é muito maior que o de “artigo” da Constituição. Em tal contexto, indaguemos: é possível fazer-se controle jurisdicional formal preventivo da lei? Como vimos, no Brasil, o controle jurisdicional é somente sucessivo, sendo excepcional a hipótese mediante a qual o parlamentar, e somente ele, pode procurar o Supremo Tribunal, preventivamente, para pedir a observância do processo legislativo constitucional. Por outro lado, o controle preventivo é apenas político e exercido pelo presidente da República.


Assim, apesar, por exemplo, de uma medida provisória que estabeleça novas regras de locação de imóveis não ter a sua comissão mista formada, o que afrontaria o seu procedimento legislativo interno, locador e locatário não poderão ingressar no Judiciário para deixar de cumpri-la por esse motivo, haja vista que o controle formal do juiz só poderá efetivar-se em relação aos artigos 59 e seguintes da Constituição. Em suma: a afronta da medida ao seu procedimento legislativo: a) só poderá ser feito após sua transformação em lei; b) mesmo assim, somente será permitido se tal procedimento estiver na Constituição; estando no regimento, não será possível. Assim, aquela pergunta, ao imiscuir-se no que denominamos de vanguarda constitucional, traz interessantíssimas questões, eis que, aparentemente, está fora do sistema atualmente aceito e adotado no Brasil.

Respeitantemente, respondemos que sim. Sim, é possível admitirmos que o Poder Judiciário possa ser provocado por qualquer cidadão, à altura dos seus direitos fundamentais, para obter declaração judicial que dê pela incoerência da norma com o seu procedimento legislativo interno – com os atos legislativos interna corporis – de maneira a desobrigá-lo, mesmo antes de promulgada e publicada a lei, de cumprir com ela. Fazendo uso do exemplo anterior, diríamos ao locador e locatário que é possível que movam ação judicial declarando a medida provisória que altera a metodologia de cálculo dos aluguéis, independentemente do seu conteúdo, formalmente inconstitucional, simplesmente porque a comissão mista de senadores e deputados não foi formada, contrariando o seu procedimento interno.


É o que expomos, sem pretender demonstrar importância que definitivamente não temos e com a vênia de praxe, na nossa obra intitulada “Controle Jurisdicional Preventivo da Lei: O Devido Processo Legislativo” (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004). Obviamente, o espaço não nos permitiria abordar todas as questões que envolvem a indagação. Fundamentalmente, respondemos que sim desde que utilizemos o devido processo legislativo, não com base na legalidade, mas com base no devido processo legal, outorgando a qualquer cidadão brasileiro – e não apenas ao parlamentar – o direito de questionar judicialmente o procedimento legislativo interno da lei. Citemos, ainda no agrado das mesmas vênias, o seguinte trecho: “… um controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo da lei significa a existência de um controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário com o mesmo objeto (processo legislativo como um todo) e da mesma magnitude (estancando com o próprio processo legislativo ou com a lei) do controle político já realizado pelo Congresso Nacional (por meio de suas Comissões) e pelo presidente da República. E o devido processo legislativo seria essa espécie de controle”.


Costumam dizer os alemães que cada época histórica possui o seu próprio zeitgeist, que vem a ser o espírito ou clima intelectual que domina as mentes e corações de dado povo em dada época. Para o homem medieval, aferrado à doutrina ptolomaica do geocentrismo, seria heresia falar-se em heliocentrismo. E isto por causa do seu zeitgeist, do clima no qual vivia. Pois bem: em Direito, nós, juristas do século XXI, temos nosso próprio zeitgeist, que permeia longa fila de temas. Sem dúvida alguma, um dos mais importantes que nos domina hodiernamente é precisamente a chamada “judicialização da política”, que vem umbilicalmente ligada a uma outra, o “ativismo judicial”. Aliás, dominam não apenas os juristas, mas toda a sociedade.


Várias foram e continuam sendo as manifestações no sentido de debandarmos com a judicialização/ativismo, de os tentarmos colocá-los em débâcle. Aliás, as discussões flamaram-se a alguns graus solares quando o eminente presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Antônio Cezar Peluso, logo no início das discussões do III Pacto Republicano, propôs o controle preventivo – obviamente, de natureza jurisdicional – das leis. Bradaram por logo: uns diziam que tal proposta seria flagrantemente inconstitucional às vistas de possível judicialização total e completa da política; outros, que seria a instauração de verdadeira ditadura judicial. Poderia, quiçá, chamá-la, particularmente, de “judiciocracia”, a significar canhestro “governo de juízes”. Extremadas como as questões estão, será difícil não reconhecer estarmos diante da formação e consolidação de zeitgeist extremamente perigoso, o de que o Poder Judiciário não pode imiscuir-se em questões políticas.


Debalde tentaríamos compor tais discussões. Não temos tamanha intenção e, mesmo, competência. Todavia, não nos poderíamos furtar, pelo menos, a tentarmos ingressar nelas, primeiro, para esclarecer que jamais poderemos transformar a judicialização e quaisquer de seus consectários em zeitgeist, no zeitgeist de que as questões políticas não podem ser submetidas ao Poder Judiciário, pois a consequência mais nefasta disto seria precisamente não se admitir qualquer discussão – lembremo-nos quão inútil seria tentar convencer o medievo da incorreção do geocentrismo –, o que é tudo de pior que pode ocorrer à jurisprudência.


Depois, forte no parágrafo anterior, considerando não estarmos – pelo menos ainda – diante de qualquer zeitgeist, podemos dizer que a função de qualquer juiz, por natureza, é de substituição das partes em conflito: a vontade das partes é substituída pela vontade do juiz, que se considera a vontade do Estado. Não é por outra razão que tivemos que separar aquele que julga daquele que faz as leis mediante as quais se julga. O caráter natural substitutivo da jurisdição está sendo esquecido na discussão, de maneira que não se trata de nenhum “ativismo judicial”, mas do desenvolvimento da substituição da vontade parcial pela vontade do estado. Portanto, não deve haver qualquer estranheza se o juiz, ao resolver caso perante si colocado, determina que o pai pode ver seu filho mesmo sem a concordância da mãe, que o herdeiro não pode receber seu quinhão, que a Administração Pública não pode proceder à licitação ou que este ou aquele parlamentar deva perder seu mandato. Erro ou estranheza deveríamos ter se o pai, o herdeiro, a Administração Pública ou o parlamentar fossem obrigados ou facultados sem terem provocado o juiz mediante a actio. Aí, sim, deveríamos estar enormemente preocupados…


Enfim, em terceiro lugar, rogamos pelas vênias de estilo para alvitrar que a própria sistemática de controle no Brasil, quando importada por Ruy dos Estados Unidos, outra coisa não significa que não consagrar a assertiva de que a questão política, desde que fira a Constituição Federal, pode, sim, ser submetida ao crivo judicial. A própria ADI, se percebermos bem, outra coisa não significa, objetivamente falando, que não interferência nos trabalhos parlamentares, ainda que a posteriori. De fato, se tanto a Câmara dos Deputados, quanto o Senado Federal, contam com Comissões de Constituição e Justiça, que servem para corrigir inconstitucionalidades, por que deveria o Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de uma lei? Em tal contexto, não deve causar qualquer espanto propormos a existência, dentro do rol de direitos fundamentais, do devido processo legislativo, em ordem a permitir a qualquer cidadão brasileiro anular judicialmente a proposição normativa que contrariar, não apenas a constituição, como também o regimento parlamentar.

Também não deve causar qualquer espasmo a iniciativa de Sua Excelência, como contribuição pessoal ao III Pacto Republicano, de propor a criação do controle preventivo no Brasil, dês que isto nada mais é do que consagrar o devido processo legislativo, como acima expomos. Permitir que o Judiciário possa realizar controle preventivo formal da lei não é judicializar o processo legislativo ou a política e, muito menos, o seria ativismo, mas, apenas, a verticalização de que o Estado Civil, como organização política, possui Três Poderes que comungam da mesma feição política. O devido processo legislativo seria, então, segundo pensamos, a restauração do papel político do Poder Judiciário entre nós, há muito esquecido…

Absolutamente, estamos destacando que Sua Excelência, ao fazer sua proposta pessoal de controle preventivo, estribou-se em nossa obra, suso mencionada. O que estamos pontuando é, ao revés, que tal proposta, do nosso ponto de vista, não possui nada de teratológico, eis que, em nossa obra, defendemos precisamente que o Poder Judiciário, como qualquer outro Poder do Estado, possui função política, sendo o devido processo legislativo, como técnica de controle constitucional, exatamente o resgate desse seu papel político, esquecido por longos e longos anos, inclusive, por conta de períodos de exceção política.


E, apesar da proposta do controle ter sido retirada do texto daquela que restou conhecida como “PEC dos Recursos”, não custa encarecer ser sintomático que as discussões em torno da resolução das questões políticas pelo Judiciário esteja se dando exatamente quando nós, brasileiros, estamos experimentando o mais longo período de regularidade democrática já vivenciado, nada indicando que, logo mais à frente, voltaremos aos tenebrosos tempos de antanho. Assim, é de todo salutar, assim como o fizemos precedentemente, assim como Sua Excelência o fez recentemente, que não tenhamos medo ou receio de debater qual o papel político do Poder Judiciário e como ele se entrosa com os demais Poderes do Estado. Já o fizemos em nossa obra. Esperemos que todos façam, agora, mesmo que retirada da proposta apresentada.

Até porque, cremos, o Estado não pode ficar no banco dos réus das considerações da sua sociedade, do seu povo, que espera e aguarda, não qualquer resposta, mas uma resposta verdadeiramente racional, que ponha, de um lado, o processo legislativo no caminho de instrumento fundamental da democracia participativa, com transparência, segurança e equilíbrio, de modo a vermos novamente na lei, não palavra vazia, mas luz cívica, única capaz de impedir ou de determinar nosso comportamento, e, de outro lado, que ponha o assunto da judicialização/ativismo dentro do seu real campo, no campo das discussões da Ciência do Direito.

De fato, o que estamos a observar é uma desconfiança generalizada do povo nos órgãos do Estado, em todos eles. Nada mais propício às fogueiras das revoluções mal conduzidas ou ao aparecimento de profetas ditatoriais. O Estado precisa sair do banco dos réus. E nós ficaríamos extremamente honrados e satisfeitos se, no tablado, o devido processo legislativo fosse chamado a realizar uma de suas necessárias defesas.

Fonte: ConJur

2ª Turma: manutenção de prisão em flagrante deve ser fundamentada

Nova motivação
Por votação unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu, na última terça-feira (17), a J.P.L.S., preso em flagrante delito em dezembro de 2009 sob acusação de roubo qualificado (artigo 157, parágrafo 2º do Código Penal – CP), os efeitos da ordem concedida a corréu, no julgamento do HC 103673, também da relatoria do ministro Ayres Britto.

Em consequência da decisão, a Turma determinou ao Juízo de Direito da 6ª Vara de Campinas a imediata expedição de alvará de soltura. O alvará deve ser cumprido se ele não estiver preso por outro motivo.

Flagrante se exaure por si
Em seu voto, acompanhado por todos os demais ministros presentes à sessão da Turma, o ministro Ayres Britto, na linha da decisão proferida na medida cautelar no HC 106299, observou que “é preciso buscar o regime constitucional da prisão, não só da pena”, fundamentando seu voto em artigos da Constituição Federal (CF), em vez de valer-se para isso somente do Código de Processo Penal (CPP). Isso, segundo ele, porque em muitos casos o cumprimento da prisão em si é mais grave do que a pena imposta.

De acordo com os dispositivos da CF invocados pelo relator – sobretudo os incisos LXI, LXII e LIV, do art. 5º da CF – a prisão só deve ocorrer em situação excepcional.

Assim é que, segundo ele, a prisão em flagrante delito se exaure por si. Ela corresponde ao que ele chamou de “ardência ou calor” daquele momento. Porém se dissipa com a prisão que lhe deu causa. Assim, não deve ir além do aprisionamento e se esvai com ele.

Isso quer dizer, segundo o ministro, que a continuidade da prisão requer a devida fundamentação, não bastando que o juiz mencione o flagrante como causa para manter o denunciado sob prisão preventiva ou provisória.

“A prisão é excepcional”, observou o ministro Ayres Britto. “Daí a necessidade de seu permanente controle pelo órgão do Judiciário, para revogá-la ou dar-lhe continuidade”. Segundo ele, trata-se de “um vínculo funcional com o Poder Judiciário que é ineliminável”. E isso, observou, se dá até em situação de estado de defesa, quando “a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário”, conforme dispõe o artigo 136, parágrafo 3º, inciso III, da CF.

Ao endossar o voto do relator, o ministro Celso de Mello observou que a decisão desta terça-feira se apoia em jurisprudência do próprio STF. Ele lembrou que a inovação jurisprudencial quanto ao caráter da prisão em flagrante data de 1997, quando o ex-juiz e ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) Silva Franco concluiu que o auto do flagrante, mesmo revestido de todas as formalidades legais, não bastava mais para manter prisão em flagrante. “É preciso demonstrar os requisitos subjetivos e objetivos do réu para justificar a prisão preventiva”, afirmou.

Na sequência, o ministro Ayres Britto lembrou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como regra, se apoia em dispositivos do Código de Processo Penal. Seu voto, entretanto, extrai da própria Constituição Federal a necessidade de motivação judicial para a continuidade da prisão.

Fonte: Contexto Jurídico

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Segunda instância pode impedir subida do agravo aplicando a regra dos recursos repetitivos

Evitando o congestionamento

Não cabe agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base na Lei dos Recursos Repetitivos. O entendimento é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar questão de ordem levantada pelo ministro Cesar Asfor Rocha em processo envolvendo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra e algumas empresas.

No caso, a Cosan S.A Indústria e Comércio e outra interpuseram agravo de instrumento contra decisão na qual a vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) não admitiu o recurso especial “pela alegação de violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil e, no que se refere às demais alegações, considerando estar a decisão proferida em consonância com o entendimento consolidado na Corte Superior, nos termos do artigo 543-C, parágrafo 7º, inciso I, do CPC”.

No agravo, as empresas alegam que a vice-presidente invadiu a jurisdição do STJ, “adentrando ao mérito do recurso”. Quanto ao artigo 543-C, do CPC, elas indicam precedentes antigos do Tribunal, publicados em 2004, que decidiram favoravelmente à revogação das contribuições para o Funrural e para o Incra após a edição das Leis n. 7.787/1989 e 8.212/1991.

Em seu voto, o ministro Cesar Rocha destacou que a edição da Lei n. 11.672/2008, que modificou o referido artigo do CPC, decorreu da explosão de processos repetidos junto ao STJ, ensejando centenas e, conforme matéria, milhares de julgados idênticos, mesmo após a questão jurídica já estar pacificada.

Para o ministro, criado o mecanismo legal para acabar com inúmeros julgamentos desnecessários e inviabilizadores de atividade jurisdicional ágil e com qualidade, os objetivos da lei devem, então, ser seguidos também no momento de interpretação dos dispositivos por ela inseridos no CPC e a ela vinculados, sob pena de tornar o esforço legislativo totalmente inócuo e de eternizar a insatisfação das pessoas que buscam o Poder Judiciário com esperança de uma justiça rápida.

Assim, o ministro Cesar Rocha afirmou que a norma do artigo 544 do CPC, editada em outro momento do Poder Judiciário, deve ser interpretada restritivamente, incidindo, apenas, nos casos para os quais o agravo de instrumento respectivo foi criado, ou seja, nas hipóteses em que o órgão judicante do Tribunal de origem tenha apreciado efetivamente os requisitos de admissibilidade do recurso especial.

Usurpação de competência
Em sua decisão, o ministro também analisou se o tribunal de segundo grau, através de seu órgão competente, pode impedir a subida do agravo de instrumento aplicando a regra do artigo 543-C do CPC.

“Penso que sim, anotando, desde logo, que tal decisão, obstando o prosseguimento do agravo, não representa, em princípio, usurpação da competência da Corte. Isso por se tratar de recurso absolutamente incabível, não previsto em lei para a hipótese em debate e, portanto, não inserido na competência do STJ. Da mesma forma, manter a possibilidade de subida do agravo para esta Corte implica viabilizar a eternização do feito, obstaculizando o trânsito em julgado da sentença ou acórdão e lotando novamente esta Corte de recurso inúteis e protelatórios, o que não se coaduna com o objetivo da Lei n. 11.672/08”, afirmou o ministro.

Fonte: STF

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Regra de merecimento deve prevalecer, diz parecer

Ainda há juízes em Berlim?

"O magistrado Aluisio Gonçalves de Castro Mendes deve ser nomeado por merecimento, constituindo o ato da Exma.presidente da República, que o preteriu, ato de manifesta inconstitucionalidade." A opinião é do parecerista Ives Gandra da Silva Martins, contratado por três associações de juízes para se manifestar sobre a recusa da presidente Dilma Rousseff em nomear o juiz Aluisio Gonçalves de Castro Mendes para a vaga de desembargador federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

O caso levou o juiz, a Associação dos Juízes Federais do Brasil, a Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e a Associação dos Magistrados Brasileiros a entrarem com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal, pedindo a suspensão da posse do juiz federal Marcelo Pereira da Silva para a vaga. A cerimônia estava marcada para o dia 18 de maio, mas uma liminar expedida na última terça-feira (10/5) pelo ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a nomeação.

A vitória preliminar conseguida pelas associações e pelo juiz Aluisio Mendes se deveu aos argumentos mencionados por Ives Gandra em seu parecer. Segundo a manifestação, o Poder Executivo não tem a prerrogativa de negar eternamente a posse de magistrado indicado pelo Judiciário para a vaga, pelo critério de merecimento, por três vezes seguidas ou cinco alternadas, como previsto no artigo 93, inciso II, item a, da Constituição Federal.

"Se se admitisse que um magistrado ― que sempre tenha sido bem avaliado pelo tribunal com competência para indicá-lo, único capaz de atestar seu merecimento ― ficasse indefinidamente em lista tríplice, nada obstante seu valor, por não agradar ao Executivo, haveria o ferimento direto à independência e à harmonia entre os poderes", diz Ives Gandra na peça juntada aos autos do Mandado de Segurança.


A vaga em disputa foi aberta com a aposentadoria do desembargador Alfredo França Neto, que se aposentou no ano passado. Depois que a presidência da República ignorou a terceira presença do juiz Aluisio Mendes nas listas encaminhadas pelo Judiciário, o TRF-2 resolveu nomear o juiz Marcelo Pereira da Silva para o lugar.

A raiz da discussão está em dois incisos do mesmo artigo 93 da Constituição. O inciso II prevê que a promoção de juízes pelo critério de merecimento deve obrigatoriamente privilegiar aquele que consta por três vezes seguidas ou cinco vezes alternadas nas listas tríplices enviadas ao Executivo. Já o inciso III diz que deverá haver alternância entre os critérios de merecimento e antiguidade. Ou seja, se o último juiz indicado para desembargador tiver sido nomeado por merecimento, o próximo terá de ser o mais antigo.

No entanto, para o parecerista, ambos os incisos devem ser interpretados "sistematicamente", em conjunto. A tese se baseou em doutrina dos constitucionalistas Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva e José Tarcízio de Almeida Melo, citados no parecer. Todos concordam que, apesar de as vagas terem de ser preenchidas alternadamente, a regra obriga que os indicados por três vezes consecutivas ou cinco alternadas assumam imediatamente.

"É de se realçar o magnífico currículo do magistrado preterido, intocável em seu desempenho, ético e profissional, pois nunca sofreu qualquer processo correcional ou de outra natureza. A experiência adquirida como juiz substituto no TRF da 2ª Região por muitos anos, por outro lado, tem merecido reconhecido respeito de seus pares, advogados e membros do parquet, tudo a justificar sua indicação, por três vezes consecutivas, na lista por merecimento, e de ter sido — o que é extremamente relevante — o mais votado da lista", conclui Ives Gandra.

Fonte: STF

terça-feira, 10 de maio de 2011

No Brasil, exame criminológico é uma farsa

Expansionismo Penal

Ao requerer perante os juízos de execução penal do país o reconhecimento do direito à progressão de regime (artigo 112 da Lei 7.210/84, chamada de Lei de Execução Penal; e artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.072/90, denominada de Lei dos Crimes Hediondos) ou ao livramento condicional (artigo 83 do Código Penal e artigo 131 da Lei de Execução Penal), o condenado provavelmente irá enfrentar a farsa do exame criminológico, requisito não mais contemplado pela lei, mas que tem servido insidiosamente aos propósitos do expansionismo penal.

Não obstante cumpra o condenado com os requisitos objetivos (fração de pena cumprida e, quando exigido por lei, a reparação de dano à vítima) e subjetivos para o reconhecimento do direito (bom comportamento carcerário e, quando exigido por lei, a demonstração da possibilidade de prover licitamente a sua subsistência), sói acontecer de o juiz da execução penal decidir pelo indeferimento do pleito, somente em razão do contido nos laudos técnicos, ignorando todos os demais requisitos elencados pela lei.

Quanto aos conteúdos dos laudos psicológicos e psiquiátricos que formam o chamado “exame criminológico”, estes são, pelo que se observa na prática, extremamente lacônicos e sem apuro técnico, de modo que não poderiam tais documentos, por si sós, impedir a concessão da medida, ainda mais levando em consideração que eles não vinculam o juiz (ex vi do artigo 182 do Código de Processo Penal).

É inegável que o laudo tem valor relativo em razão de sua natureza meramente opinativa, devendo ser analisado conjuntamente com os demais requisitos exigidos para a concessão da progressão de regime ou do livramento condicional. Assim, o juiz não fica adstrito às conclusões extraídas pelos peritos, ainda mais quando as condições pessoais do requerente indicam a viabilidade da fixação de regime prisional mais brando ou até mesmo a sua colocação em liberdade condicional.

Note-se que os Tribunais têm reconhecido o valor relativo do laudo:

“Não se pode beneficiar em demasia o exame criminológico, que representa, apenas, um instrumento de auxílio do Juiz, sem vinculá-lo às suas conclusões. Assim, a autoridade judiciária não fica adstrita às opiniões ou presunções estabelecidas no trabalho pericial, podendo decidir contrariamente a elas sempre que julgar conveniente em nome do interesse maior que é o social” (STJ – RT 716/422).

“O Magistrado não está vinculado de modo absoluto à conclusão do laudo criminológico, para fins de progressão de regime prisional, vez que aquele tem natureza meramente opinativa” (TACRSP – RJDTACRIM 24/31).

O que se verifica na prática é que muitas vezes o requerente “reprovado” no exame criminológico apresenta bom comportamento carcerário, conduta tranqüila, saúde psíquica e, frequentemente, apoio familiar. Condições essas, portanto, mais do que favoráveis para a concessão da medida requerida.

Ademais, tais condições, por demonstrarem a intenção do apenado de retornar à sociedade, deveriam preponderar sobre as conclusões supostamente desfavoráveis dos laudos técnicos, estes de vago teor subjetivo, os quais se restringem a afirmar, sem maior fundamentação, que o condenado “apresenta juízo crítico empobrecido e ausência de arrependimento”, que “não está apto a progredir de regime, apesar de apresentar normalidade psíquica”, “que não manifesta arrependimento sobre seus atos” ou que “não está preparado para introjetar novos valores sociais” – apenas para citar alguns dos clichês comumente empregados pelo expertos.

Aliás, a experiência profissional do autor deste artigo como advogado criminalista não deixa escapar o fato de que o conteúdo dos laudos são em sua maioria idênticos a outros já realizados e referentes a outros condenados, como se, curiosamente, todos os indivíduos encarcerados tivessem o mesmo perfil psicológico.

Outro fato que chama atenção é a falta de indicação das razões que levaram à conclusão do perito. O perito conclui, por exemplo, que o requerente apresenta “ausência de autocrítica”, mas os motivos de tal conclusão nunca são expostos no laudo. O perito afirma “é isso”, empregando uma linguagem técnica, vazia de sentido e hermética, sem indicar no laudo os dados em que se baseou a sua investigação.

Além do mais, os laudos não respeitam o contraditório, pois não indicam a metodologia empregada pelos expertos. Não se sabe se a avaliação se dá com base em uma mera entrevista, e qual sua duração (30min., 1h, etc), ou se a avaliação toma como base toda a vida carcerária do indivíduo, levando em consideração seu comportamento no cárcere, sua relação com os agentes penitenciários, com os demais encarcerados, suas relações familiares, etc. E mais: não se sabem sequer quais foram as perguntas formuladas ao encarcerado durante o exame. Tudo isso é kafkaniano!

O que se vê amiúde é que o requerente “reprovado” pelos peritos é um indivíduo comum, que tem suas ambições e que não aceita frustrações, que busca aceitação, que não assume seus erros, que disfarça seus conflitos, que tem dificuldade de se relacionar com outros seres humanos. E só por ser um homem comum, imperfeito, falível, imaturo, angustiado, ele merece a prisão para sempre? Nesse caso, a prisão será a melhor “terapia” para o apenado? Se ele conta com o apoio familiar, tem bom comportamento carcerário, e não é um indivíduo perigoso ou um sociopata, não está ele apto à progressão de regime ainda sim? O que mais se exige de um ser humano normal?

Bem por isso, os Tribunais têm admitido a concessão da progressão de regime e de livramento condicional apesar do laudo criminológico desfavorável:

“Agravo em execução penal. No confronto entre laudos do Centro de Observação Criminológica – COC e a vida prisional, esta prepondera para reconhecimento de direitos do apenado. Agravo provido, para a progressão de regime carcerário” (TJRS – RJTJERGS 209/100).

“Indispensável é a importância do saber técnico especializado, quando se tratar de aferir aspectos íntimos e subjetivos da personalidade do sentenciado, em ordem à progressão de regime. O parecer da Comissão Técnica de Classificação, portanto, só sobrepõe-se à opinião do leigo; mas não é de bom exemplo superestimá-lo, em detrimento do sentenciado que não se mostre, de plano, desmerecedor do benefício. Não raro o prognostico sombrio quanto à recuperação do sentenciado cede à expectativa de que honre o voto de confiança que lhe depositou a Justiça e efetivamente se reeduque para o retorno à comunhão social. Satisfeitos os requisitos da lei, e reconhecida a compatibilidade do condenado com o novo regime, não pode o Juiz negar-lhe a progressão (TACRSP – RJTACRIM 46/35).

O fato de o interno não apresentar discurso e comportamento desejado pelos peritos jamais poderia ser invocado como obstáculo à concessão da medida pleiteada, pois não cabe ao Estado violar a consciência do apenado, forçando-o a “introjetar valores” e a modificar a sua personalidade, tudo para se tornar um “bom cidadão”. Tampouco cabe ao Estado obrigar o sentenciado a admitir sua responsabilidade no crime pelo qual foi condenado, visto que tal circunstância pouca relevância tem para o cumprimento adequado da pena, além do que isso pode servir como tática de intimidação contra aquele que está em posição de subserviência. A aceitação da expiação do “pecado” e a reconciliação são questões de foro íntimo e, como tais, não devem ser esmiuçadas pelos órgãos punitivos estatais.

De qualquer modo, mesmo que ao Estado fosse lícita tal atividade, como poderia o encarcerado não apresentar ”comportamento desviado” se ele se encontra encarcerado, afastado da sociedade dos gentios, e vive em um ambiente cruel em que vigoram outras leis, outra moral?

O papel do Estado na execução penal é o de favorecer a reinserção social do condenado, promovendo a sua alfabetização e profissionalização (o que não o faz adequadamente, diga-se), e não o de impor valores ao apenado (função já dissecada por Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir), de modo a extirpar sua individualidade e torná-lo um indivíduo “dócil”, sem paixões, ou seja, um ser autômato e produtivo, bem ao gosto da sociedade de consumo.

Tal atitude, a de impor valores morais ao condenado, fere o princípio da secularização do Direito Penal, dado que valores extrajurídicos não podem ser invocados para fundamentar a gravidade da pena, ou, neste caso, a sua quase perpetuidade.

Nesse sentido, a jurisprudência endossa a tese defensiva:

“Agravo de execução. Progressão. Supervalorização do fato delituoso, de que resultou condenação, exigindo os peritos que o apenado assuma o delito e se arrependa. O Estado não está legitimado a modificar a personalidade do agente e a prisão não é ‘lavagem cerebral’. A aferição do mérito do condenado se funda em sua conduta presente. Divergência entre as visões jurídico-penal e psiquiátrica. Agravo provido, para deferir progressão” (TJRS – RJTJERGS 197/66).

“Agravo de execução. Progressão e serviço externo. Condições pessoais – O arrependimento do condenado refoge aos objetivos da pena. Ao Estado incumbe propiciar ao apenado condições de reinserção social, sem violentar a sua consciência pessoal. O estado social de direito intervém para proteger (a sociedade) e promover (o individuo condenado), fazendo da execução ‘treinamento’ para a liberdade. E o estado democrático de direito preconiza o direito à divergência (pluralismo). A progressão ao regime semi-aberto não implica soltura do apenado. Agravo provido” (TJRS – RJTJERGS).

Não é demais lembrar que, em outros tempos, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, seguindo a vanguarda da Criminologia e atentos à falácia dos discursos e dos aparatos técnico-psicológicos sobre o comportamento do apenado (ou o biopoder, nos termos de Foucault), já dispensaram, com base na Lei n° 10.792/03 (que alterou o art. 112 da Lei de Execução Penal), a exigência do malfadado “Exame Criminológico” para a concessão das medidas da execução penal. Vejamos os seguintes julgados:

“Agravo em Execução. Cumprimento da pena privativa de liberdade. Progressão de regime fechado para semi-aberto. Bom comportamento carcerário atestado pelo diretor do estabelecimento. Não há que se levar em conta a vida pregressa do réu. Desnecessidade de realização do exame criminológico graças à nova redação do art. 112 da LEP dada pela Lei n° 10.792/03. Satisfeitos os requisitos legais, nasce o direito à progressão. Improvimento do agravo interposto pelo Ministério Público” (Ag. Ex. 473.684-7-00 – 3ª Cam. Crim. – Rel. Junqueira Sangirardi – j. 14.06.05).

“Execução penal. Progressão de regime. Requisitos do art. 112, da LEP. A partir da Lei n° 10.792/03, à progressão de regime, dois são os requisitos: bom comportamento carcerário e cumprimento de 1/6 da pena. Nada mais pode ser exigido, sob pena de violar a legalidade em prejuízo do cidadão. Atendidos os requisitos, o apenado faz jus à concessão da progressão de regime – direito subjetivo público. À unanimidade, deram provimento” (Ag. Ex. 70013715297 – 5ª Câm. Crim., Rel. Amilton Bueno de Carvalho, j. 08.02.06).

O fato é que a avaliação técnica, se fosse o caso de mantê-la, deveria ser feita precipuamente antes de se iniciar a execução da pena (art. 34, caput, Código Penal), no sentido de individualizar o tratamento penitenciário a cada preso, ou seja, com o fim de identificar o melhor modo de execução da pena em relação às peculiaridades comportamentais e emocionais de cada sentenciado. Ora, se o sentenciado apresenta desvio psicológico ou insanidade psíquica, tal circunstância deve ser diagnosticada no início da execução da pena, de sorte a permitir que durante o cumprimento da reprimenda ele seja acompanhado por profissionais que possam prepará-lo para a liberdade. Mas, infelizmente, no sistema atual não é o que ocorre. Na verdade, a execução penal, tal como ela é feita atualmente no Brasil, viola a suposta finalidade terapêutica da pena privativa de liberdade, afrontando a Lei de Execuções Penais e o art. 5º(6), do Pacto de San José da Costa Rica de 1969, ratificado pelo Brasil.

Agora, o que não se pode é exigir que, depois de anos encarcerado nas masmorras do sistema penitenciário nacional, sujeito a toda sorte de infortúnios (brigas entre os internos, luta pela sobrevivência em razão da “lei do mais forte”, rebeliões, truculência dos agentes policiais, marginalização, desumanização, punições sumárias, submissão à barbárie dos Comandos, etc), o sentenciado apresente discurso lúcido e cortês, sanidade psíquica e comportamento nobre. Em outras palavras, exigir que o sentenciado torne-se um cavalheiro, depois de anos encarcerado, é desconhecer o pandemônio que é o sistema prisional brasileiro.

A propósito, a exposição de motivos do Código Penal se refere à prisão como um método de “tratamento” penal muitas vezes inadequado e pernicioso, que pode trazer “conseqüências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho”.

A partir dessa perspectiva, Michel Foucault conclui que “a detenção provoca a reincidência, depois de sair da prisão, se têm mais chances que antes de voltar para ela, os condenados são, em proporção considerável, antigos detentos. (...) A prisão, conseqüentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinqüentes perigosos” (Vigiar e Punir, 17ª ed., Petrópolis: Vozes, 1998, p. 221).

No mesmo sentido, ensina Winfried Hassemer que

“as penas privativas de liberdade estigmatizam e desabituam (entwöhnt). Elas mantêm os presos isolados não só em um espaço, mas também socialmente.’Educação para a liberdade através da privação da liberdade’ não é apenas o título bem elaborado de uma publicação, mas expressa o evidente paradoxo das modernas teoria das da pena. O preso é privado amplamente dos seus contatos íntimos e sociais. Ele é levado a um ambiente social que o mantém afastado dos problemas, nos quais ele fracassou fora do estabelecimento (que lhe criavam também novos problemas). Ele desaprende as técnicas sociais de convívio e de aprovação (e inclusive aprende outras). E ao término do tempo da pena ele volta, desabituado e estigmatizado a um mundo que, fora dos muros da prisão, se desenvolveu de acordo com as suas próprias leis”. O autor prossegue: “a execução do tratamento encontra-se sob a inconveniente condição de que o preso deve ‘expiar’ durante este tempo (ou uma parte deste tempo), sem que ele possa compreender a produtividade deste tempo, de modo que a resistência e o endurecimento pelo menos colocam em grave perigo o êxito do tratamento”. E finaliza com maestria: “O Direito Penal tem a tarefa de limitar o poder, que seja ele praticado com o melhor intuito terapêutico” (em Introdução aos fundamentos do Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 378 e 381).

Além do que foi exposto até aqui, é de se registrar que o malfadado exame não tem mais previsão em lei desde a entrada em vigor da Lei 10.792/03, que alterou a Lei de Execução Penal.

Assim, os juízos de execução penal do país exigem requisito não mais contemplado pela lei para a concessão da progressão de regime ou do livramento condicional, o que viola o princípio-mor do Direito Penal: o da legalidade.

Se não há previsão em lei, como pode o juiz exigir que o requerente se submeta ao exame criminológico? Diz-se que este é facultativo, porém nada diz a lei sobre tal facultatividade. Na verdade, a lei é omissa. Ora, se é omissa, considera-se que o exame não é mais exigível (interpretação mais favorável ao réu e mais harmônica com o princípio da legalidade), e em que pese o teor da súmula vinculante n° 26 do Supremo Tribunal Federal e da súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, a lei antiga, antes da alteração trazida pela Lei 10.792/03, já previa a facultatividade do exame criminológico. Então, se o ordenamento outrora vigente previa a facultatividade do exame e a lei nova retirou por completo qualquer menção da Lei de Execução Penal ao referido laudo não faz sentido dizer que a facultatividade ainda persiste. Se o legislador o extirpou da lei, entende-se que o exame não é mais requisito, obrigatório ou facultativo, para a progressão de regime ou do livramento condicional.

Pela mesma ótica, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em julgamento paradigmático:

“A Lei 10.782/2003, reconhecendo tudo isto, substituiu o parágrafo único do art. 112 da LEP por dois outros parágrafos sem aludir, contudo, ao referido exame. A ausência de previsão expressa sobre a própria existência do exame criminológico quando da apreciação do requerimento de progressão de regime impede, por conta do princípio da legalidade, que o magistrado assim o exija” (HC 2007.059.06898 – 7ª C. Crim. – Des. Rel. Geraldo Prado –j. 19.12.07).

De qualquer maneira, mesmo que se entenda pela suposta facultatividade do exame criminológico (tese que se percebe desprovida de qualquer base jurídico-científica e dirigida por uma política criminal que se destina à segregação a todo custo de marginalizados), a exigência do citado exame “viola o princípio da laicização do Direito, defesa contra a tendência expansionista do Estado de se imiscuir nas liberdades de escolha e de autodeterminação dos indivíduos” (HC 2007.059.06898 – TJRJ).

Tendo em vista esse panorama é que o exame criminológico, requisito não mais exigido por lei (mas ainda exigido pelos juízes!), não passa de uma farsa a serviço do expansionismo penal.

Referências bibliográficas
COSTA, Álvaro Mayrink da. Exame criminológico, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1989.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, 17ª ed., Petrópolis: Vozes, 1998.

WINFRIED, Hassemer. Introdução aos fundamentos do Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

Por José Carlos Portella Júnior
Fonte: ConJur