O direito processual penal norte-americano tem características dos modelos de acusatório[1] e de contraditório. No sistema de contraditório as partes trabalham com os fatos e com o direito enquanto o julgador olimpicamente assiste a disputa, garantindo igualdade de tratamento e cumprimento das regras. No acusatório o magistrado representa mais intensamente a sociedade cujas normas teriam sido desrespeitadas. O juiz dirige-se contra o réu, a quem se incumbe provar inocência. O ônus da prova (burden of proof) distingue basicamente os dois modelos. No contraditório o promotor deve provar a culpa do acusado. No acusatório espera-se do réu participação mais ativa[2].
A subjetividade do acusado não suscita variações entre dolo e culpa. Os crimes dividem-se de acordo com as penas. As mais graves, que variam de um ano de prisão à pena de morte, são aplicadas como repressão às felonies. As mais leves, inferiores a um ano de prisão, são aplicadas às misdemeanors[3]. Esse o pano de fundo do processo penal norte-americano, perene fonte de encantamento literário[4], televisivo[5], cinematográfico[6], sociológico[7], transcendendo do meramente jurídico para o objetivamente político, a exemplo de recentes posturas conservadoras[8], direitistas[9] e ativistas da Suprema Corte em Washington[10].
Dada a pulverização de direitos processuais penais estaduais[11], o presente capítulo toma como base a legislação federal, sintetizada num Federal Criminal Code[12], parâmetro de regulamentação de procedimentos penais em todo o país[13]. O código diz-se no propósito de assegurar simplicidade (simplicity), justiça (fairness), economia e rapidez (elimination of unjustifiable expense and delay)[14] nos julgamentos penais.
Provável motivo que justifique acusação é suficiente para confecção e outorga de ordem de prisão (warrant) emitida por juiz competente[15]. Autoridades policiais (que tomam conhecimento do crime) também prendem suposto criminoso, independentemente de warrant, com base em causa provável (probable cause)[16]. A legalidade da detenção fica na dependência da prestabilidade, da adequação e da legalidade do auto de prisão (arrest report)[17].
Embora independente da promotoria[18], a polícia não tem poderes para intimar testumunhas[19]. Inquéritos transitam por conta do poder de sedução e agilidade dos investigadores. Essa imagem[20] é muito bem trabalhada pela literatura norte-americana[21], assim como por seriados de televisão[22]. Programas televisivos como Law and Order insistem na inutilidade do crime, que não compensaria, atitude que plasma a justificação da estratificação social inerente ao espírito do capitalismo, com âncoras no calvinismo e no pietismo, temas essenciais do universo conceitual weberiano[23] e da investigação em torno do papel do direito e da burocracia na sociedade moderna[24].
Além de poderes para a polícia e para a promotoria, o direito processual penal norte-americano prevê também o grande júri no desempenho de papel investigatório[25]. O grande júri, que pode contar com vinte e três membros[26], tem competência limitada a poucos casos, a exemplo de temas afetos ao crime organizado, ao julgamento de políticos envolvidos em crimes comuns e ao abuso de poder particular (como na fixação de preços acima da média tolerada pelo mercado)[27]. Exerce grande poder na condução dos feitos, com ampla autorização para intimar e ordenar testemunhos[28]. Uma das características que marcam o grande júri é o segredo que envolve seu procedimento[29], e que decorreria da necessidade de se proteger testemunhas e de se criar obstáculos para eventual fuga ou manobra procedimental de acusados[30]. O grande júri é procedimento que antecede julgamento definitivo, permitindo o exercício de amplo espectro investigatório. Provoca críticas e senões, por causa das ameaças que representaria ao exercício dos direitos individuais[31].
O promotor (no caso de crimes federais o nosso equivalente ao procurador da República) é chamado de U.S. Attorney. É nomeado pelo presidente da República, com confirmação do Senado[32]. Trata-se de cargo político, decorre de indicação de chefe do executivo. A composição dos escolhidos reflete a cisão clássica entre democratas e republicanos, entre liberais e conservadores[33].
Não menos político é o promotor estadual, muitas vezes eleito, que pode valer-se da atuação no cargo para projetar nome e tentar posições políticas no executivo. O promotor tem discricionaridade (concept of prosecutorial discretion) para desistir da investigação e da ação penal (nolle prosequi), mesmo em grau de apelo[34]. Seu papel assenta-se na peça acusatória inicial, a complaint against the defendant[35], que deve ser protocolada em até quarenta e oito horas após a prisão do acusado[36] e que será revista pelo juiz que aprecia o feito.
O réu então faz sua primeira aparição perante o juíz (first appearance before the judge or magistrate)[37], quando na maioria das vezes conhece seu advogado, se ainda não tem contato com profissional que cuidará de seu caso[38]. Faz-se notícia formal das acusações que militam contra o acusado[39], que conhece os limites do indictment[40]. Fixa-se eventual fiança (bail)[41]. Condição financeira do réu não é o único elemento que informa o valor a ser determinado pelo juiz[42], que exerce discricionariedade. Posteriormente, determinam-se os termos da acusação, em relação a qual o réu e seu advogado tomam definitivo conhecimento, recebendo cópia da peça[43], formalizando-se passo chamado de arraignment[44], em momento solene realizado em juízo[45].
O réu pode exercer uma das seguintes opções[46]: confessa a culpa (plead guilty), nega o teor da acusação (not guilty) ou diz que não vai defender-se (no contest, nolo contendere)[47]. Ao confessar a culpa (plead guilty) o réu obtém como recompensa diminuição na pena. Porém, renuncia a direitos consagrados na constituição, a exemplo do privilégio que teria contra auto-incriminar-se (self- incrimination)[48]. O procedimento é imediato, sumário. O interessado deve comprovar que seu pedido traduz reconhecimento voluntário. Os fatos devem ser suficientes para justificar e demonstrar razoável culpabilidade do réu[49]. Ao protestar que não vai defender-se, no contest, nolo contendere, o réu obtém os mesmos resultados práticos que lograria se confessasse a culpa.
Todavia, o ofendido não poderá utilizar-se da sentença em ação cível de reparação de danos contra o réu, o que poderia ser feito em face de quem confessa culpa[50]. A exemplo do plead guilty as declarações de nolo contendere evitam julgamentos desnecessários[51] e por isso qualificam adequado procedimento de política judiciária e criminal. Inevitável o debate em torno do plead guilty e do nolo contendere. A favor, argumenta-se que o judiciário não conseguiria apreciar o número de feitos se não existissem essas modalidades de desistência. Por outro lado, critica-se uma filosofia jurídica da alegria (jurisprudence of joy), pela qual a justiça beneficiaria aqueles que confessassem crimes cometidos, em prejuízo dos interesses da sociedade.
Mas há críticas de todos os grupos que se preocupam com política criminal, a exemplo dos falcões (hawks) e dos pombos (doves). Aqueles primeiros hostilizam o plead guilty e o nolo contendere porque acreditam que o controle da criminalidade, com consequente punição, é interesse indisponível da comunidade. Esses últimos também criticam essas desistências, alegando que o réu seria forçado a renunciar direitos que se lhe são constitucionalmente garantidos[52]. Ao negar a acusação, ao dizer-se not guilty, o réu propõe-se a enfrentar a promotoria. O caso será levado a julgamento.
Os debates podem ser antecedidos por requerimentos sucintos[53] que preparam o julgamento (pre-trial motions)[54]. O réu poderá invocar que a denúncia é imperfeita (defective), que não demonstra plausibilidade de culpa. Poderá guerrear o juízo, caracterizando-o como impróprio ou inconveniente (that the venue of the prosecution is improper or inconvenient). Poderá protestar que as provas em poder da promotoria devem ser imediatamente reveladas. Poderá hostilizar essas provas, denunciando-as como obtidas em desrespeito a direitos constitucionais que o réu possui. Poderá dizer que está sendo processado por fato já apreciado (double jeopardy)[55]. Incapacidade do réu em comprovar essas assertivas justifica que o juiz fixe imediata data para o julgamento (trial)[56], dado o direito que o acusado tem de ser julgado com rapidez, speed trial, nos termos da sexta emenda à constituição norte-americana[57].
Exceto nos procedimentos que antecem ao julgamento e nos modelos de exigência de demonstração de culpa, há similitudes entre o processo civil e o processo criminal. É que no cível trabalha-se com provas e demais elementos de fato, antes que a causa seja apreciada, pelo júri ou por magistrado togado. No cível a culpa deve ser demonstrada de forma preponderante, preponderance of evidence. No crime a culpa deve ser demonstrada além de dúvida razoável, beyond reasonable doubt. Os limites entre preponderância de culpa e culpa além de dúvida razoável, identificam no direito anglo-saxão nuances de verdade formal e de verdade real. O réu tem direito a não testemunhar no julgamento criminal[58].
O julgamento poderá ser feito pelo tribunal do júri[59], não obstante a natureza do delito. O réu pode dispensar o júri (waive), com concordância do promotor e do juiz togado[60]. Se formado, o júri poderá contar com doze jurados, número que poderá ser reduzido por estipulação entre as partes[61]. O júri apreciará depoimentos (depositions)[62], testemunhas (testimony of witnesses)[63] regularmente intimadas[64]. Ouvirá os advogados. Será instruído pelo juiz, com elementos especificados pelas partes[65].
O veredito deverá ser unânime, obtido após deliberação, e entregue ao juiz na presença de todos na corte[66]. O júri apenas define a culpabilidade, votando culpado (guilty) ou não culpado (not guilty). Prevenção do réu contra a imparcialidade do júri, por motivos de clamor público, justifica pedido de desaforamento[67]. O procedimento tem caminho idêntico quando apreciado tão somente por juiz singular. Faz-se leitura pública da sentença[68], que é antecedida por um relatório enviado ao juiz por comissão de justiça, a propósito da vida pregressa do réu[69], de modo a instrumentalizar-se o magistrado que fará a dosimetria da pena, que pode ser capital, dada a existência da pena de morte nos Estados Unidos.
Não se permitem fotografias no recinto da sala de julgamento[70]. A Suprema Corte começa a liberar a divulgação de gravações de debates e julgamentos[71]. A apelação dos julgados é dirigida às cortes estaduais intermediárias e depois às cortes estaduais superiores[72], embora a Suprema Corte entenda desde 1894 que os estados não são obrigados a providenciar duplo grau de jurisdição a todos os interessados[73]. O réu pode apelar também para a Suprema Corte, que discrionariamente escolhe os casos que quer apreciar, deferindo os pedidos de writ of certiorari[74]. Pode também o interessado requerer revisão da condenação em habeas corpus, que é proposto contra o responsável pela casa de detenção (warren), demonstrando-se que a condenação fora obtida em violação à constituição[75]. O réu só pode requerer habeas corpus uma única vez[76]. Há pedido de clemência em condenação de pena de morte aos governadores estaduais e ao presidente da República, que são intitulados a comutarem as penas capitais.
Duas correntes debatem[77] a natureza, os propósitos e o modelo do direito processual penal norte-americano[78]. Refletem a divisão política que matiza o país[79]. A corrente do crime control model prega um sistema processual penal de tolerância mínima, centrado na absoluta proteção da sociedade. Tal grupo é vinculado ao partido republicano[80], aos conservadores mais à direita[81], dominantes na Suprema Corte[82] durante a presidência de Warren Burger[83] na década de 1970[84] e de William Rehnquist[85] a partir de 1980. A corrente do due process model centra-se nos direitos dos acusados, exprime conteúdo liberal e humanista[86], dominante durante os anos em que a Suprema Corte fora presidida por Earl Warren[87], na década de sessenta[88]. Para o grupo do crime control model a repressão ao crime seria o mais importante objetivo interno do governo, enquanto que para o grupo do due process model, o fundamental seria a otimização da liberdade humana[89].
Além desse debate, vive-se constante densificação da constitucionalização do processo penal, por meio da aplicação do bill of rights em relação aos acusados[90]. Outorgam-se garantias referentes a procedimentos de busca e de prisão (search and arrest warrants)[91]. Garante-se o grande júri, o devido processo legal e proíbe-se duplo julgamento por um mesmo caso[92]. Prevê-se julgamento justo e expedito[93]. Veda-se excessiva imposição de fianças, assim como penalidades cruéis[94]. Essa última disposição remete-nos ao problema da pena de morte.
Com base nas emendas constitucionais oito e quatorze, a Suprema Corte baniu a aplicação da pena de morte em 1972 ao julgar o caso Furman vs. Georgia[95]. Ponderou-se também que a pena de morte decorria de imposição arbitrária de juízes e jurados[96]. O poder de aplicar penalidade de morte, do monopólio da violência exercido pelo Estado, configuraria crueldade superlativa, no entender do famoso julgado. Tratava-se de réus condenados à pena capital pela prática de crime de estupro, nos estados da Geórgia e do Texas. Determinou-se a suspensão da aplicação da penalidade máxima. Entre os votos divergentes, a opinião do juiz William Rehnquist, que mais tarde será o presidente da Suprema Corte. Em 1976 o mais importante tribunal norte-americano mudou de opinião ao julgar o caso Gregg vs. Georgia[97]. O réu cometera crime de latrocínio (robbery and murder). Entendeu-se que a pena de morte fora cogitada pelos constituintes de 1787 (the framers) e que a medida exprimia política criminal que resultaria na diminuição da criminalidade.
Transitou-se do modelo de due process observado na proibição da pena de morte (centrada na crueldade da mesma) para modelo de crime control verificado na ênfase à repressão ao crime, responsável pela posterior aceitação da penalidade. É por causa desse episódio jurisprudencial que a pena de morte não elenca estatísticas dos anos de 1972 a 1975. Nem todos os estados norte-americanos a aplicam. O estado do Texas tem sido o que mais utiliza essa penalidade e o que contém o maior número de condenados à espera da execução (death row).
A quarta emenda prevê moderação em procedimentos policiais de busca e apreensão (search and seizure), matéria posteriormente regulamentada no código de processo penal federal[98]. A autoridade policial precisa de justificação e causa anterior à busca e apreensão[99]. Equilíbrio entre interesse social na aplicação da lei penal e direitos individuais de propriedade deve orientar a atuação policial[100]. Obtenção de provas mediante gravação de conversas telefônicas suscita reflexão em torno desse anunciado equilíbrio. Até 1967, quando julgou-se o caso Katz vs. United States[101], proibia-se gravações telefônicas por autoridades policiais, com base na ideia de que a atuação qualificava indevida invasão de propriedade (trepass). No caso Katz, a Suprema Corte mudou o entendimento clássico (que vigorava desde 1928)[102]. A moderna tecnologia permite interceptação de conversa telefônica sem que a autoridade policial invada fisicamente propriedade alheia[103] e esse foi o entendimento da Suprema Corte, cujas projeções serão sentidas em interceptação de comunicação cibernéticas, a exemplo de correios eletrônicos (e-mails).
Vigilância aérea (aerial surveillance) também é prática aceita pela jurisprudência norte-americana. Especialmente se ocorrida no espaço navegável aeroespacial (que é público) e se não revele atividades de maior intimidade do ambiente doméstico inspecionado[104]. É o caso de inspeções aéreas que visam detectar plantações de maconha[105]. Também não há proibição de inspeção de lixo (trash)[106]. A autoridade policial está autorizada a revistar (stop and frisk)[107] suspeitos. É a conhecida terry stop, cujo nome decorre do caso Terry vs. Ohio[108], julgado em 1968. Nesse caso, um policial desconfiara de três homens que pareciam vigiar e preparar um furto em uma loja. Aproximando-se dos suspeitos, o policial os revistou e encontrou armas em posse de dois deles, dando ordem de prisão em seguida. Conduta não usual, suspeita, levara o policial a duvidar dos réus. Dada a possibilidade jurídica do uso de armas de fogo nos Estados Unidos, os réus procuraram desqualificar a atuação da autoridade[109], que foi subsequentemente confirmada pelos tribunais.
Ao efetivar prisão, a autoridade policial deve esclarecer ao detento que o mesmo tem direito de permanecer em silêncio. Deve dizer que qualquer informação que dê poderá ser usada contra ele em posterior julgamento. Deve falar que o detento tem direito a um advogado. Deve explicar que o detento pode contar com advogado durante interrogatório. E deve também dizer que se o detento não tem condições de contratar advogado, o Estado vai providenciar indicação de profissional[110]. Tal procedimento decorre de determinação da Suprema Corte ao julgar o caso Miranda vs. Arizona[111] , em 1966, pelo que tais avisos a serem dados pela autoridade policial devem ser respeitados sob pena de ilegalidade da prisão. Esses avisos são conhecidos como Miranda Warnings.
Porém após os ataques terroristas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2002 (que os norte-americanos chamam de nine eleven), suscessivas ordens executivas, novas leis e orientações judiciais e comportamentais têm mitigado o alcance das garantias constitucionais do processo penal, qualificando-se estado de excessão, em nome da luta contra o terrorismo. Prisões, interrogatórios, penalidades e atuação mais agressiva das autoridades policiais parecem qualificar um novo tempo no direito processual norte-americano. Dois séculos de aprimoramento institucional cedem ante à luta contra o terrorismo e contra o tráfico de drogas, instrumentalizada em políticas de tolerância zero para com uma criminalidade assustadora, que enseja imensa população carcerária[112], que hoje alcança mais de dois milhões de presos, seccionando o mundo em grades, que separam dignidade e ilusões perdidas.
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[1] E. Allan Farnsworth, An Introduction to the Legal System of the United States, pg. 111.
[2] William Burnham, Introduction to the Law and Legal System of the United States, pg. 265.
[3] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[4] Na lista dos best-sellers na categoria fiction do The New York Times Book Review ( edição de 6 de abril de 2003), entre quinze títulos, oito têm como tema enredos jurídicos, especialmente em âmbito de direito processual penal.
[5] Helle Porsdam, Legally Speaking, Contemporary American Culture and the Law, especialmente pgs. 89 e ss., quando a autora dinamarquesa analisa programas como The People’s Court.
[6] Dewey Gram, The Life of David Gale, versão cinematográfica de Charles Randolph,
[7] David Rudovsky, Police Practices, in David Kairys (ed.), The Politics of Law, pgs. 434 e ss.
[8] Cristopher E. Smith, Justice Scalia and the Supreme Court’s Conservative Moment.
[9] David A. Schultz e Cristopher E. Smith, The Jurisprudential Vision of Justice Scalia.
[10] Herman Schwartz (ed.), The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right.
[11] Cristopher L. Blakesley, Criminal Procedure, in David S. Clark e Tugrul Ansay (eds.), Introduction to the Law of the United States, pg. 340.
[12] Doravante FCC, como encontra-se disciplinado em 13 de junho de 2002.
[13] FCC, Rule 1.
[14] FCC, Rule 2.
[15] FCC, Rule 4.
[16] William Burnham, op.cit., pg. 266.
[17] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[18] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[19] William Burnham, op.cit., loc.cit. A intimação chama-se de subpoena ( pronuncia-se supina ).
[20] Richard K. Shervin, When Law Goes Pop, the Vanishing Line between Law and Popular Culture, especialmente pgs. 15 e ss.
[21] James Boyd White, The Legal Imagination.
[22] Helle Porsdam, op.cit.
[23] Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism.
[24] Roberto Mangabeira Unger, Law and Modern Society, pgs. 64 e ss.
[25] FCC, Rule 6.
[26] William Burnham, op.cit., pg. 270.
[27] William Burnham, op.cit., pg. 267.
[28] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, Criminal Procedure, Constitutional Limitations, pgs. 129 e ss.
[29] Charles H. Whitebread, Criminal Procedure, An Analysis of Constitutional Cases and Concepts, pg. 383.
[30] Charles H. Whitebread, op.cit., loc.cit.
[31] Charles H. Whitebread, op.cit., pg. 394.
[32] William Burnham, op.cit., pgs. 152 e ss.
[33] Maurice Isserman e Michael Kazin, America Divided, especialmente pgs. 205, quando discute-se o ressurgimento do conservadorismo no início dos anos 70, que começa com Richard Nixon, prolongando-se com Gerald Ford, atingindo auge com Ronald Reagan e George Bush, diminuindo com Jimmy Carter e Bill Clinton e ressurgindo com toda força no fundamentalismo de George W. Bush.
[34] William Burnham, op.cit., pg. 267.
[35] FCC, Rule 3.
[36] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[37] FCC, Rule 5.
[38] William Burnham, op.cit., pg. 268.
[39] Joshua Dressler, Understanding Criminal Procedure, pgs. 7 e ss.
[40] FCC, Rule 7.
[41] Charles H. Whitebread, op.cit., pgs. 343 e ss.
[42] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[43] Joshua Dressler, op.cit., pg. 10.
[44] FCC, Rule 10.
[45] William Burnham, op.cit., pg. 270.
[46] FCC, Rule 11.
[47] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[48] Joshua Dressler, op.cit.,pg.. 560.
[49] William Burnham, op.cit., pg. 274.
[50] Charles Whitebread, op.cit., pg. 408.
[51] Charles Whitebread, op.cit., loc.cit.
[52] Joshua Dressler, op.cit., pg. 580.
[53] Martha Faulk e Irving Mehler, The Elements of Legal Writing.
[54] FCC, Rule 12.
[55] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 10 e ss.
[56] William Burnham, op.cit., pg. 271.
[57] William Burnham, op.cit., pg. 298.
[58] William Burnham, op.cit., pg. 271.
[59] Joshua Dressler, op.cit., pg. 11.
[60] FCC, Rule 23 ( a ).
[61] FCC, Rule 23 (b) .
[62] FCC, Rule 15.
[63] FCC, Rule 26.
[64] FCC, Rule 17.
[65] FCC, Rule 30.
[66] FCC, Rule 31.
[67] FCC, Rule 21.
[68] FCC, Rule 32.
[69] William Burnham, op.cit., pg. 272.
[70] FCC, Rule 53.
[71] Linda Greenhouse, Justice Enter the Radio Age, in New York Times, 6 de abril de 2003, seção 4, pg. 2.
[72] Daniel John Meador, American Courts, pgs. 12 e 21 e ss.
[73] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pg. 474.
[74] Bob Woodward e Scott Armstrong, The Brethren, Inside the Supreme Court, pg. XII.
[75] William Burnham, op.cit., pg. 273.
[76] William Burnham, op.cit., pg. 274.
[77] Philip J. Cooper, Battles on the Bench.
[78] William Burnham, op.cit., pgs. 277 e ss.
[79] David M. O’Brien, Storm Center, The Supreme Court in American Politics.
[80] Edward Lazarus, Closed Chambers, The Rise, Fall and Future of Modern Supreme Court.
[81] Howard Gillman, The Constitution Besieged.
[82] Fred Rodell, Nine Men, A Political History of the Supreme Court of the United States from 1790 to 1955.
[83] Beernard Schwartz, A History of the Supreme Court, pgs. 311 e ss.
[84] Robert B. McCloskey, The American Supreme Court, pgs. 228 e ss.
[85] Herman Schwartz, The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right, pgs. 55 e ss.
[86] Peter Irons, A People’s History of the Supreme Court.
[87] Morton J. Horwitz, The Warren Court and the Pursuit of Justice.
[88] Lucas A. Powe, Jr. The Warren Court and American Politics.
[89] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 23 e ss.
[90] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pgs. 10 e ss.
[91] Emenda 4 à Constituição dos Estados Unidos.
[92] Emenda 5 à Constituição dos Estados Unidos.
[93] Emenda 6 à Constituição dos Estados Unidos.
[94] Emenda 8 à Constituição dos Estados Unidos.
[95] 408 U.S. 238 (1972) .
[96] William Burnham, op.cit., pg. 309.
[97] 428 U.S. 153 (1976).
[98] FCC, Rule 41.
[99] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, Criminal Procedure, pg. 47.
[100] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, op.cit.,loc.cit.
[101] 389 U.S. 347 (1967).
[102] William Burnham, op.cit., pg. 278.
[103] Joshua Dressler, op.cit., pg. 86.
[104] Joshua Dressler, op.cit., pg. 106.
[105] William Burnham, op.cit., pg. 279.
[106] William Burnham, op.cit., pg. 280.
[107] Charles Whitebread, op.cit., pgs. 171 e ss.
[108] 392 U.S. 1 (1968).
[109] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, op.cit., pgs. 119 e ss.
[110] O direito a contar com advogado indicado e pago pelo Estado substancializou-se com o caso do réu Anthony Lewis, que narra sua história no livro Gideon’s Trumpet.
[111] 384 U.S. 436, (1966).
[112] A população carcerária norte-americana em abril de 2003 é de duas milhões e cem mil pessoas. Os números assustadores foram objeto de críticas dos juízes da Suprema Corte, Clarence Thomas e Anthony Kennedy em arguição junto a subcomitê da Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Jornal The Boston Globe, Boston, 10 de abril de 2003
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur
A subjetividade do acusado não suscita variações entre dolo e culpa. Os crimes dividem-se de acordo com as penas. As mais graves, que variam de um ano de prisão à pena de morte, são aplicadas como repressão às felonies. As mais leves, inferiores a um ano de prisão, são aplicadas às misdemeanors[3]. Esse o pano de fundo do processo penal norte-americano, perene fonte de encantamento literário[4], televisivo[5], cinematográfico[6], sociológico[7], transcendendo do meramente jurídico para o objetivamente político, a exemplo de recentes posturas conservadoras[8], direitistas[9] e ativistas da Suprema Corte em Washington[10].
Dada a pulverização de direitos processuais penais estaduais[11], o presente capítulo toma como base a legislação federal, sintetizada num Federal Criminal Code[12], parâmetro de regulamentação de procedimentos penais em todo o país[13]. O código diz-se no propósito de assegurar simplicidade (simplicity), justiça (fairness), economia e rapidez (elimination of unjustifiable expense and delay)[14] nos julgamentos penais.
Provável motivo que justifique acusação é suficiente para confecção e outorga de ordem de prisão (warrant) emitida por juiz competente[15]. Autoridades policiais (que tomam conhecimento do crime) também prendem suposto criminoso, independentemente de warrant, com base em causa provável (probable cause)[16]. A legalidade da detenção fica na dependência da prestabilidade, da adequação e da legalidade do auto de prisão (arrest report)[17].
Embora independente da promotoria[18], a polícia não tem poderes para intimar testumunhas[19]. Inquéritos transitam por conta do poder de sedução e agilidade dos investigadores. Essa imagem[20] é muito bem trabalhada pela literatura norte-americana[21], assim como por seriados de televisão[22]. Programas televisivos como Law and Order insistem na inutilidade do crime, que não compensaria, atitude que plasma a justificação da estratificação social inerente ao espírito do capitalismo, com âncoras no calvinismo e no pietismo, temas essenciais do universo conceitual weberiano[23] e da investigação em torno do papel do direito e da burocracia na sociedade moderna[24].
Além de poderes para a polícia e para a promotoria, o direito processual penal norte-americano prevê também o grande júri no desempenho de papel investigatório[25]. O grande júri, que pode contar com vinte e três membros[26], tem competência limitada a poucos casos, a exemplo de temas afetos ao crime organizado, ao julgamento de políticos envolvidos em crimes comuns e ao abuso de poder particular (como na fixação de preços acima da média tolerada pelo mercado)[27]. Exerce grande poder na condução dos feitos, com ampla autorização para intimar e ordenar testemunhos[28]. Uma das características que marcam o grande júri é o segredo que envolve seu procedimento[29], e que decorreria da necessidade de se proteger testemunhas e de se criar obstáculos para eventual fuga ou manobra procedimental de acusados[30]. O grande júri é procedimento que antecede julgamento definitivo, permitindo o exercício de amplo espectro investigatório. Provoca críticas e senões, por causa das ameaças que representaria ao exercício dos direitos individuais[31].
O promotor (no caso de crimes federais o nosso equivalente ao procurador da República) é chamado de U.S. Attorney. É nomeado pelo presidente da República, com confirmação do Senado[32]. Trata-se de cargo político, decorre de indicação de chefe do executivo. A composição dos escolhidos reflete a cisão clássica entre democratas e republicanos, entre liberais e conservadores[33].
Não menos político é o promotor estadual, muitas vezes eleito, que pode valer-se da atuação no cargo para projetar nome e tentar posições políticas no executivo. O promotor tem discricionaridade (concept of prosecutorial discretion) para desistir da investigação e da ação penal (nolle prosequi), mesmo em grau de apelo[34]. Seu papel assenta-se na peça acusatória inicial, a complaint against the defendant[35], que deve ser protocolada em até quarenta e oito horas após a prisão do acusado[36] e que será revista pelo juiz que aprecia o feito.
O réu então faz sua primeira aparição perante o juíz (first appearance before the judge or magistrate)[37], quando na maioria das vezes conhece seu advogado, se ainda não tem contato com profissional que cuidará de seu caso[38]. Faz-se notícia formal das acusações que militam contra o acusado[39], que conhece os limites do indictment[40]. Fixa-se eventual fiança (bail)[41]. Condição financeira do réu não é o único elemento que informa o valor a ser determinado pelo juiz[42], que exerce discricionariedade. Posteriormente, determinam-se os termos da acusação, em relação a qual o réu e seu advogado tomam definitivo conhecimento, recebendo cópia da peça[43], formalizando-se passo chamado de arraignment[44], em momento solene realizado em juízo[45].
O réu pode exercer uma das seguintes opções[46]: confessa a culpa (plead guilty), nega o teor da acusação (not guilty) ou diz que não vai defender-se (no contest, nolo contendere)[47]. Ao confessar a culpa (plead guilty) o réu obtém como recompensa diminuição na pena. Porém, renuncia a direitos consagrados na constituição, a exemplo do privilégio que teria contra auto-incriminar-se (self- incrimination)[48]. O procedimento é imediato, sumário. O interessado deve comprovar que seu pedido traduz reconhecimento voluntário. Os fatos devem ser suficientes para justificar e demonstrar razoável culpabilidade do réu[49]. Ao protestar que não vai defender-se, no contest, nolo contendere, o réu obtém os mesmos resultados práticos que lograria se confessasse a culpa.
Todavia, o ofendido não poderá utilizar-se da sentença em ação cível de reparação de danos contra o réu, o que poderia ser feito em face de quem confessa culpa[50]. A exemplo do plead guilty as declarações de nolo contendere evitam julgamentos desnecessários[51] e por isso qualificam adequado procedimento de política judiciária e criminal. Inevitável o debate em torno do plead guilty e do nolo contendere. A favor, argumenta-se que o judiciário não conseguiria apreciar o número de feitos se não existissem essas modalidades de desistência. Por outro lado, critica-se uma filosofia jurídica da alegria (jurisprudence of joy), pela qual a justiça beneficiaria aqueles que confessassem crimes cometidos, em prejuízo dos interesses da sociedade.
Mas há críticas de todos os grupos que se preocupam com política criminal, a exemplo dos falcões (hawks) e dos pombos (doves). Aqueles primeiros hostilizam o plead guilty e o nolo contendere porque acreditam que o controle da criminalidade, com consequente punição, é interesse indisponível da comunidade. Esses últimos também criticam essas desistências, alegando que o réu seria forçado a renunciar direitos que se lhe são constitucionalmente garantidos[52]. Ao negar a acusação, ao dizer-se not guilty, o réu propõe-se a enfrentar a promotoria. O caso será levado a julgamento.
Os debates podem ser antecedidos por requerimentos sucintos[53] que preparam o julgamento (pre-trial motions)[54]. O réu poderá invocar que a denúncia é imperfeita (defective), que não demonstra plausibilidade de culpa. Poderá guerrear o juízo, caracterizando-o como impróprio ou inconveniente (that the venue of the prosecution is improper or inconvenient). Poderá protestar que as provas em poder da promotoria devem ser imediatamente reveladas. Poderá hostilizar essas provas, denunciando-as como obtidas em desrespeito a direitos constitucionais que o réu possui. Poderá dizer que está sendo processado por fato já apreciado (double jeopardy)[55]. Incapacidade do réu em comprovar essas assertivas justifica que o juiz fixe imediata data para o julgamento (trial)[56], dado o direito que o acusado tem de ser julgado com rapidez, speed trial, nos termos da sexta emenda à constituição norte-americana[57].
Exceto nos procedimentos que antecem ao julgamento e nos modelos de exigência de demonstração de culpa, há similitudes entre o processo civil e o processo criminal. É que no cível trabalha-se com provas e demais elementos de fato, antes que a causa seja apreciada, pelo júri ou por magistrado togado. No cível a culpa deve ser demonstrada de forma preponderante, preponderance of evidence. No crime a culpa deve ser demonstrada além de dúvida razoável, beyond reasonable doubt. Os limites entre preponderância de culpa e culpa além de dúvida razoável, identificam no direito anglo-saxão nuances de verdade formal e de verdade real. O réu tem direito a não testemunhar no julgamento criminal[58].
O julgamento poderá ser feito pelo tribunal do júri[59], não obstante a natureza do delito. O réu pode dispensar o júri (waive), com concordância do promotor e do juiz togado[60]. Se formado, o júri poderá contar com doze jurados, número que poderá ser reduzido por estipulação entre as partes[61]. O júri apreciará depoimentos (depositions)[62], testemunhas (testimony of witnesses)[63] regularmente intimadas[64]. Ouvirá os advogados. Será instruído pelo juiz, com elementos especificados pelas partes[65].
O veredito deverá ser unânime, obtido após deliberação, e entregue ao juiz na presença de todos na corte[66]. O júri apenas define a culpabilidade, votando culpado (guilty) ou não culpado (not guilty). Prevenção do réu contra a imparcialidade do júri, por motivos de clamor público, justifica pedido de desaforamento[67]. O procedimento tem caminho idêntico quando apreciado tão somente por juiz singular. Faz-se leitura pública da sentença[68], que é antecedida por um relatório enviado ao juiz por comissão de justiça, a propósito da vida pregressa do réu[69], de modo a instrumentalizar-se o magistrado que fará a dosimetria da pena, que pode ser capital, dada a existência da pena de morte nos Estados Unidos.
Não se permitem fotografias no recinto da sala de julgamento[70]. A Suprema Corte começa a liberar a divulgação de gravações de debates e julgamentos[71]. A apelação dos julgados é dirigida às cortes estaduais intermediárias e depois às cortes estaduais superiores[72], embora a Suprema Corte entenda desde 1894 que os estados não são obrigados a providenciar duplo grau de jurisdição a todos os interessados[73]. O réu pode apelar também para a Suprema Corte, que discrionariamente escolhe os casos que quer apreciar, deferindo os pedidos de writ of certiorari[74]. Pode também o interessado requerer revisão da condenação em habeas corpus, que é proposto contra o responsável pela casa de detenção (warren), demonstrando-se que a condenação fora obtida em violação à constituição[75]. O réu só pode requerer habeas corpus uma única vez[76]. Há pedido de clemência em condenação de pena de morte aos governadores estaduais e ao presidente da República, que são intitulados a comutarem as penas capitais.
Duas correntes debatem[77] a natureza, os propósitos e o modelo do direito processual penal norte-americano[78]. Refletem a divisão política que matiza o país[79]. A corrente do crime control model prega um sistema processual penal de tolerância mínima, centrado na absoluta proteção da sociedade. Tal grupo é vinculado ao partido republicano[80], aos conservadores mais à direita[81], dominantes na Suprema Corte[82] durante a presidência de Warren Burger[83] na década de 1970[84] e de William Rehnquist[85] a partir de 1980. A corrente do due process model centra-se nos direitos dos acusados, exprime conteúdo liberal e humanista[86], dominante durante os anos em que a Suprema Corte fora presidida por Earl Warren[87], na década de sessenta[88]. Para o grupo do crime control model a repressão ao crime seria o mais importante objetivo interno do governo, enquanto que para o grupo do due process model, o fundamental seria a otimização da liberdade humana[89].
Além desse debate, vive-se constante densificação da constitucionalização do processo penal, por meio da aplicação do bill of rights em relação aos acusados[90]. Outorgam-se garantias referentes a procedimentos de busca e de prisão (search and arrest warrants)[91]. Garante-se o grande júri, o devido processo legal e proíbe-se duplo julgamento por um mesmo caso[92]. Prevê-se julgamento justo e expedito[93]. Veda-se excessiva imposição de fianças, assim como penalidades cruéis[94]. Essa última disposição remete-nos ao problema da pena de morte.
Com base nas emendas constitucionais oito e quatorze, a Suprema Corte baniu a aplicação da pena de morte em 1972 ao julgar o caso Furman vs. Georgia[95]. Ponderou-se também que a pena de morte decorria de imposição arbitrária de juízes e jurados[96]. O poder de aplicar penalidade de morte, do monopólio da violência exercido pelo Estado, configuraria crueldade superlativa, no entender do famoso julgado. Tratava-se de réus condenados à pena capital pela prática de crime de estupro, nos estados da Geórgia e do Texas. Determinou-se a suspensão da aplicação da penalidade máxima. Entre os votos divergentes, a opinião do juiz William Rehnquist, que mais tarde será o presidente da Suprema Corte. Em 1976 o mais importante tribunal norte-americano mudou de opinião ao julgar o caso Gregg vs. Georgia[97]. O réu cometera crime de latrocínio (robbery and murder). Entendeu-se que a pena de morte fora cogitada pelos constituintes de 1787 (the framers) e que a medida exprimia política criminal que resultaria na diminuição da criminalidade.
Transitou-se do modelo de due process observado na proibição da pena de morte (centrada na crueldade da mesma) para modelo de crime control verificado na ênfase à repressão ao crime, responsável pela posterior aceitação da penalidade. É por causa desse episódio jurisprudencial que a pena de morte não elenca estatísticas dos anos de 1972 a 1975. Nem todos os estados norte-americanos a aplicam. O estado do Texas tem sido o que mais utiliza essa penalidade e o que contém o maior número de condenados à espera da execução (death row).
A quarta emenda prevê moderação em procedimentos policiais de busca e apreensão (search and seizure), matéria posteriormente regulamentada no código de processo penal federal[98]. A autoridade policial precisa de justificação e causa anterior à busca e apreensão[99]. Equilíbrio entre interesse social na aplicação da lei penal e direitos individuais de propriedade deve orientar a atuação policial[100]. Obtenção de provas mediante gravação de conversas telefônicas suscita reflexão em torno desse anunciado equilíbrio. Até 1967, quando julgou-se o caso Katz vs. United States[101], proibia-se gravações telefônicas por autoridades policiais, com base na ideia de que a atuação qualificava indevida invasão de propriedade (trepass). No caso Katz, a Suprema Corte mudou o entendimento clássico (que vigorava desde 1928)[102]. A moderna tecnologia permite interceptação de conversa telefônica sem que a autoridade policial invada fisicamente propriedade alheia[103] e esse foi o entendimento da Suprema Corte, cujas projeções serão sentidas em interceptação de comunicação cibernéticas, a exemplo de correios eletrônicos (e-mails).
Vigilância aérea (aerial surveillance) também é prática aceita pela jurisprudência norte-americana. Especialmente se ocorrida no espaço navegável aeroespacial (que é público) e se não revele atividades de maior intimidade do ambiente doméstico inspecionado[104]. É o caso de inspeções aéreas que visam detectar plantações de maconha[105]. Também não há proibição de inspeção de lixo (trash)[106]. A autoridade policial está autorizada a revistar (stop and frisk)[107] suspeitos. É a conhecida terry stop, cujo nome decorre do caso Terry vs. Ohio[108], julgado em 1968. Nesse caso, um policial desconfiara de três homens que pareciam vigiar e preparar um furto em uma loja. Aproximando-se dos suspeitos, o policial os revistou e encontrou armas em posse de dois deles, dando ordem de prisão em seguida. Conduta não usual, suspeita, levara o policial a duvidar dos réus. Dada a possibilidade jurídica do uso de armas de fogo nos Estados Unidos, os réus procuraram desqualificar a atuação da autoridade[109], que foi subsequentemente confirmada pelos tribunais.
Ao efetivar prisão, a autoridade policial deve esclarecer ao detento que o mesmo tem direito de permanecer em silêncio. Deve dizer que qualquer informação que dê poderá ser usada contra ele em posterior julgamento. Deve falar que o detento tem direito a um advogado. Deve explicar que o detento pode contar com advogado durante interrogatório. E deve também dizer que se o detento não tem condições de contratar advogado, o Estado vai providenciar indicação de profissional[110]. Tal procedimento decorre de determinação da Suprema Corte ao julgar o caso Miranda vs. Arizona[111] , em 1966, pelo que tais avisos a serem dados pela autoridade policial devem ser respeitados sob pena de ilegalidade da prisão. Esses avisos são conhecidos como Miranda Warnings.
Porém após os ataques terroristas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2002 (que os norte-americanos chamam de nine eleven), suscessivas ordens executivas, novas leis e orientações judiciais e comportamentais têm mitigado o alcance das garantias constitucionais do processo penal, qualificando-se estado de excessão, em nome da luta contra o terrorismo. Prisões, interrogatórios, penalidades e atuação mais agressiva das autoridades policiais parecem qualificar um novo tempo no direito processual norte-americano. Dois séculos de aprimoramento institucional cedem ante à luta contra o terrorismo e contra o tráfico de drogas, instrumentalizada em políticas de tolerância zero para com uma criminalidade assustadora, que enseja imensa população carcerária[112], que hoje alcança mais de dois milhões de presos, seccionando o mundo em grades, que separam dignidade e ilusões perdidas.
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[1] E. Allan Farnsworth, An Introduction to the Legal System of the United States, pg. 111.
[2] William Burnham, Introduction to the Law and Legal System of the United States, pg. 265.
[3] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[4] Na lista dos best-sellers na categoria fiction do The New York Times Book Review ( edição de 6 de abril de 2003), entre quinze títulos, oito têm como tema enredos jurídicos, especialmente em âmbito de direito processual penal.
[5] Helle Porsdam, Legally Speaking, Contemporary American Culture and the Law, especialmente pgs. 89 e ss., quando a autora dinamarquesa analisa programas como The People’s Court.
[6] Dewey Gram, The Life of David Gale, versão cinematográfica de Charles Randolph,
[7] David Rudovsky, Police Practices, in David Kairys (ed.), The Politics of Law, pgs. 434 e ss.
[8] Cristopher E. Smith, Justice Scalia and the Supreme Court’s Conservative Moment.
[9] David A. Schultz e Cristopher E. Smith, The Jurisprudential Vision of Justice Scalia.
[10] Herman Schwartz (ed.), The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right.
[11] Cristopher L. Blakesley, Criminal Procedure, in David S. Clark e Tugrul Ansay (eds.), Introduction to the Law of the United States, pg. 340.
[12] Doravante FCC, como encontra-se disciplinado em 13 de junho de 2002.
[13] FCC, Rule 1.
[14] FCC, Rule 2.
[15] FCC, Rule 4.
[16] William Burnham, op.cit., pg. 266.
[17] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[18] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[19] William Burnham, op.cit., loc.cit. A intimação chama-se de subpoena ( pronuncia-se supina ).
[20] Richard K. Shervin, When Law Goes Pop, the Vanishing Line between Law and Popular Culture, especialmente pgs. 15 e ss.
[21] James Boyd White, The Legal Imagination.
[22] Helle Porsdam, op.cit.
[23] Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism.
[24] Roberto Mangabeira Unger, Law and Modern Society, pgs. 64 e ss.
[25] FCC, Rule 6.
[26] William Burnham, op.cit., pg. 270.
[27] William Burnham, op.cit., pg. 267.
[28] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, Criminal Procedure, Constitutional Limitations, pgs. 129 e ss.
[29] Charles H. Whitebread, Criminal Procedure, An Analysis of Constitutional Cases and Concepts, pg. 383.
[30] Charles H. Whitebread, op.cit., loc.cit.
[31] Charles H. Whitebread, op.cit., pg. 394.
[32] William Burnham, op.cit., pgs. 152 e ss.
[33] Maurice Isserman e Michael Kazin, America Divided, especialmente pgs. 205, quando discute-se o ressurgimento do conservadorismo no início dos anos 70, que começa com Richard Nixon, prolongando-se com Gerald Ford, atingindo auge com Ronald Reagan e George Bush, diminuindo com Jimmy Carter e Bill Clinton e ressurgindo com toda força no fundamentalismo de George W. Bush.
[34] William Burnham, op.cit., pg. 267.
[35] FCC, Rule 3.
[36] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[37] FCC, Rule 5.
[38] William Burnham, op.cit., pg. 268.
[39] Joshua Dressler, Understanding Criminal Procedure, pgs. 7 e ss.
[40] FCC, Rule 7.
[41] Charles H. Whitebread, op.cit., pgs. 343 e ss.
[42] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[43] Joshua Dressler, op.cit., pg. 10.
[44] FCC, Rule 10.
[45] William Burnham, op.cit., pg. 270.
[46] FCC, Rule 11.
[47] William Burnham, op.cit., loc.cit.
[48] Joshua Dressler, op.cit.,pg.. 560.
[49] William Burnham, op.cit., pg. 274.
[50] Charles Whitebread, op.cit., pg. 408.
[51] Charles Whitebread, op.cit., loc.cit.
[52] Joshua Dressler, op.cit., pg. 580.
[53] Martha Faulk e Irving Mehler, The Elements of Legal Writing.
[54] FCC, Rule 12.
[55] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 10 e ss.
[56] William Burnham, op.cit., pg. 271.
[57] William Burnham, op.cit., pg. 298.
[58] William Burnham, op.cit., pg. 271.
[59] Joshua Dressler, op.cit., pg. 11.
[60] FCC, Rule 23 ( a ).
[61] FCC, Rule 23 (b) .
[62] FCC, Rule 15.
[63] FCC, Rule 26.
[64] FCC, Rule 17.
[65] FCC, Rule 30.
[66] FCC, Rule 31.
[67] FCC, Rule 21.
[68] FCC, Rule 32.
[69] William Burnham, op.cit., pg. 272.
[70] FCC, Rule 53.
[71] Linda Greenhouse, Justice Enter the Radio Age, in New York Times, 6 de abril de 2003, seção 4, pg. 2.
[72] Daniel John Meador, American Courts, pgs. 12 e 21 e ss.
[73] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pg. 474.
[74] Bob Woodward e Scott Armstrong, The Brethren, Inside the Supreme Court, pg. XII.
[75] William Burnham, op.cit., pg. 273.
[76] William Burnham, op.cit., pg. 274.
[77] Philip J. Cooper, Battles on the Bench.
[78] William Burnham, op.cit., pgs. 277 e ss.
[79] David M. O’Brien, Storm Center, The Supreme Court in American Politics.
[80] Edward Lazarus, Closed Chambers, The Rise, Fall and Future of Modern Supreme Court.
[81] Howard Gillman, The Constitution Besieged.
[82] Fred Rodell, Nine Men, A Political History of the Supreme Court of the United States from 1790 to 1955.
[83] Beernard Schwartz, A History of the Supreme Court, pgs. 311 e ss.
[84] Robert B. McCloskey, The American Supreme Court, pgs. 228 e ss.
[85] Herman Schwartz, The Rehnquist Court, Judicial Activism on the Right, pgs. 55 e ss.
[86] Peter Irons, A People’s History of the Supreme Court.
[87] Morton J. Horwitz, The Warren Court and the Pursuit of Justice.
[88] Lucas A. Powe, Jr. The Warren Court and American Politics.
[89] Joshua Dressler, op.cit., pgs. 23 e ss.
[90] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, pgs. 10 e ss.
[91] Emenda 4 à Constituição dos Estados Unidos.
[92] Emenda 5 à Constituição dos Estados Unidos.
[93] Emenda 6 à Constituição dos Estados Unidos.
[94] Emenda 8 à Constituição dos Estados Unidos.
[95] 408 U.S. 238 (1972) .
[96] William Burnham, op.cit., pg. 309.
[97] 428 U.S. 153 (1976).
[98] FCC, Rule 41.
[99] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, Criminal Procedure, pg. 47.
[100] Robert M. Bloom e Mark S. Brodin, op.cit.,loc.cit.
[101] 389 U.S. 347 (1967).
[102] William Burnham, op.cit., pg. 278.
[103] Joshua Dressler, op.cit., pg. 86.
[104] Joshua Dressler, op.cit., pg. 106.
[105] William Burnham, op.cit., pg. 279.
[106] William Burnham, op.cit., pg. 280.
[107] Charles Whitebread, op.cit., pgs. 171 e ss.
[108] 392 U.S. 1 (1968).
[109] Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, op.cit., pgs. 119 e ss.
[110] O direito a contar com advogado indicado e pago pelo Estado substancializou-se com o caso do réu Anthony Lewis, que narra sua história no livro Gideon’s Trumpet.
[111] 384 U.S. 436, (1966).
[112] A população carcerária norte-americana em abril de 2003 é de duas milhões e cem mil pessoas. Os números assustadores foram objeto de críticas dos juízes da Suprema Corte, Clarence Thomas e Anthony Kennedy em arguição junto a subcomitê da Câmara de Deputados dos Estados Unidos. Jornal The Boston Globe, Boston, 10 de abril de 2003
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur
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