quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O lugar do Direito na obra de Erasmo de Roterdã

Embargos Culturais

Erasmo de Roterdã foi um crítico da inflação legislativa, dos advogados, dos julgamentos, das demoras dos processos. Nasceu na Holanda, em meados do século XV, provavelmente em 1465. Foi ordenado padre, viveu em Paris, em Oxford, em Londres, onde teria escrito o Elogio da Loucura, um dos livros mais emblemáticos de nossa tradição cultural ocidental.

Erasmo esteve por toda a Itália, travou amizades com as mais altas personalidades de sua época. Símbolo do humanismo, sua vasta cultura proporcionou-lhe o epíteto de “o príncipe dos humanistas”.

Erasmo formulou um modelo próprio de pronúncia de grego clássico, chamada erasmiana ou etacista. Chegou a intervir em favor de Lutero, publicou obra sobre o livre arbítrio, mudou-se para Friburgo, na região fronteiriça entre Alemanha e França.

Ocupo-me aqui das opiniões de Erasmo sobre o lugar do Direito no contexto no qual viveu. São excertos que extraio do célebre Elogio da Loucura, primeiramente publicado em Paris, em 1511.

Imaginando que a humanidade conhecera em algum lugar do passado uma época de ouro, Erasmo escreveu:
“Nessa época, os legisladores eram inúteis, porque, reinando os bons costumes, não havia necessidade de leis.” [1]

Em seguida, Erasmo atacou aos advogados. São suas as seguintes palavras:
“Depois dos médicos, vêm imediatamente os rábulas ou jurisconsultos. Eu não saberia dizer-vos ao certo se esses supostos filhos de Têmis precederam os sequazes de Esculápio: disputam a precedência entre si. O que é fora de dúvida é que os filósofos, quase que por consenso unânime, ridicularizam os advogados e, com muita propriedade, qualificam essa profissão como ciência de burro. Mas, burros ou não, serão sempre eles os intérpretes das leis e os reguladores de todos os negócios.” [2]

Erasmo polemizou com a opinião dos filósofos em geral. Escreveu que eles, com muita propriedade, qualificam a advocacia como profissão de burros. Mais a frente, contemporizou, anotando que burros ou não, serão sempre eles os intérpretes das leis e reguladores de todos os negócios.

Na sequência, Erasmo fechou questão, criticando os advogados de forma ainda mais virulenta:
“Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eruditos e fazem um grande conceito da sua arte. Ora, para vos ser franco, a sua profissão é, em última análise, um trabalho de Sísifo. Com efeito, eles fazem uma porção de leis que não chegam a conclusão alguma. Que são o digesto, as pandectas, o código? Um amontoado de comentários, de glosas, de citações. Com toda essa mixórdia, fazem crer ao vulgo que, de todas as ciências, a sua é a que requer o mais sublime e laborioso engenho. E, como sempre se acha mais belo o que é difícil, resulta que os tolos têm em alto conceito essa ciência.“[3]

Na visão de Erasmo, uma megalomania corporativa atingiria a nós advogados, na medida em que existiria uma tendência de reduzirmos a existência ao campo jurídico. Tentativa inócua, na visão de Erasmo, que se valeu do mito de Sísifo para qualificar o trabalho do advogado.

Sísifo fora condenado (segundo a mitologia grega) a fazer rolar uma enorme pedra até o topo de uma montanha. Quando chegava ao cume, a pedra rolava para baixo, e então todo o trabalho seria recomeçado. Simboliza a inutilidade de um esforço e, invocando a triste figura, Erasmo certamente quis caracterizar a dificuldade da advocacia.

As críticas ao Direito Romano fulminam os praxistas da época e, curiosamente, não deixam de evidenciar uma contradição no pensamento de Erasmo. É que o Humanismo valorizava o mundo greco-romano, a cultura clássica, de modo que nos parece contraditória e incoerente a apologia de escritores como Terêncio, Apuleio, Cícero (que era jurista), Juvenal e outros, concomitantemente a uma crítica ao Direito Romano. Erasmo sugere que o jurista potencializaria a dificuldade de sua ciência, de modo a aumentar sua cotação no campo epistemológico.

Em outro ponto do Elogio da Loucura, ao comentar os negociantes, Erasmo dirige mais farpas ao jurídico, escrevendo:
“Enfurecem-se as partes com a demora do processo, parecendo apostar qual das duas tem mais a possibilidade de enriquecer um juiz venal e um advogado prevaricador, cujo intuito não é senão prolongar a demanda, que só para eles traz vantagens.”[4]

Ao suscitar um imaginário juiz venal e um hipotético advogado prevaricador, Erasmo acenou-nos com o desencanto para com o Direito, circunstância cultural que parece ser recorrente no agitado tempo no qual viveu.

Bibliografia
ROTTERDÃ, Erasmo de. Elogio da Loucura. In Os Pensadores. São Paulo: Abril cultural, 1979.
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[1] Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, pág. 52
[2] Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, pág. 53
[3] Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, págs. 92 e 93
[4] Erasmo de Rotterdam, Elogio da Loucura, pág. 85

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

sábado, 21 de janeiro de 2012

Lista de causas ridículas causa riso e revolta nos EUA

Banalidades jurídicas

A Câmara do Comércio dos Estados Unidos, entidade que representa os interesses do setor corporativo no país, abriu um espaço em seu website, no fim de 2011, para que usuários credenciados votassem nos “piores, mais ridículos e pertubadores” litígios do ano, a fim de montar uma lista dos “pesadelos do litígio” de 2011.


“Embora alguns desses processos variem do ultrajante para o ridículo, ações abusivas não são motivo de riso”, declarou, ao Legal Times, Lisa Rickard, presidente do Instituto pela Reforma Legal, braço jurídico da Câmara do Comércio dos EUA.


Para quem pensa que a eleição é um mero passatempo de fim de ano, vale lembrar que a Câmara do Comércio dos Estados Unidos está presente na maioria dos casos envolvendo decisões de ampla importância sobre o universo dos negócios nos EUA. A entidade milita abertamente a favor da diminuição do direito dos reclamentes nos tribunais, principalmente em ações de classe contra grandes corporações, como foi o caso recente do Wal-Mart na Suprema Corte dos Estados Unidos.


A votação sobre os litígios mais ridículos é anual, sendo levada muito a sério pelos organizadores. Para o Instituto de Reforma Legal, a lista é uma importante ferramenta de campanha pela causa. “A pesquisa anual dos mais ridículos processos judiciais nos ajuda a lembrar que ações abusivas afetam pessoas de carne e osso, negócios de verdade e podem ainda provocar consequências prejudiciais na vida, no trabalho e mesmo para o crescimento econômico do país”, disse Rickard.


Entre todos os casos listados no site, o vencedor da votação como o mais ultrajante processo na Justiça americana em 2011 foi a ação movida por um sequestrador contra suas vítimas, um casal rendido por ele dentro de sua própria casa. De acordo com o autor da ação, o casal teria descumprido o acordo para ajudá-lo a fugir da Polícia. O reclamante, que está na cadeia, processa o casal atacado por ele e quer US$ 235 mil por quebra de contrato. De acordo com ele, o casal sequestrado teria prometido ajudá-lo a fugir da Polícia em troca de dinheiro.


O tabloide semanal de assuntos da Justiça, The National Law Journal, listou alguns dos finalistas da pesquisa feita pelo Instituto de Reforma Legal da Câmara do Comércio dos EUA em dezembro passado. Entre eles:


• A ação ajuizada por um homem que entrou armado em um bar (a arma era ilegal), se envolveu em um tiroteio e agora reclama na Justiça que não foi revistado pelos seguranças do bar.


• O processo movido por uma mãe da Califórnia contra o mascote-propaganda da rede de fast food Chuck´n´Cheese. Ela alega que os jogos promovidos pelo “ratinho de pelúcia” da cadeia de lanchonetes constituem formas ilegais de jogos de azar. Ela pede US$ 5 milhões.


• Um senhor de 60 anos, processado por discriminar terceiros por conta da idade, solicitou ao juiz que julga seu caso que seja substituído por “ser velho demais” para avaliar adequadamente e com isenção o processo. O juiz tem 88 anos.


• Dois jovens adultos, de 20 e 23 anos, processaram a própria mãe por ela demonstrar explicitamente que tinha um filho preferido, não dar a mesma atenção a todos e, que embora fossem ricos, por presenteá-los apenas com cartões e não com presentes. Os dois jovens também alegam que, uma vez que entraram na universidade, a mãe não enviou um “kit com mimos” até ambos estarem cursando o sexto semestre [Nota: nos EUA, alguns pais costumam preparar, por tradição, kits de sobrevivência, os chamados care package, quando os filhos saem de casa para ingressar na faculdade].


Porém, nem todos riram da lista. Ainda segundo o The National Law Journal, a Associação Americana para a Justiça, que atua do outro lado da trincheira, trabalhando por políticas favoráveis ao direito dos reclamantes, divulgou uma nota repudiando a iniciativa. “Ausente da lista formulada pela Câmara estão as mais de 100 ações ajuizadas anualmente por esta instuição com a finalidade de demolir os padrões de segurança do trabalho e abolir as garantias de proteção ao consumidor”, disse, em nota oficial Michelle Widmann, porta-voz da AAJ.


“Porém quem esperaria menos hipocrisia do grupo de front das corporações, sustentado justamente por dinheiro de recordistas em poluição, pelos bancos de Wall Street e pelas gigantes farmacêuticas”, concluiu.


Por Rafael Baliardo


Fonte: ConJur

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tribunal de Justiça aprova criação de grupo para monitoramento e fiscalização do sistema carcerário

Paraíba avança na Execução Penal

Na tarde desta quarta-feira (18), o Pleno do Tribunal de Justiça aprovou, por unanimidade, um projeto de resolução que institui o grupo de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário de que trata a resolução nº 96 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. O Projeto tem como objetivo planejar e coordenar os mutirões carcerários para a verificação das prisões provisórias e processos de execução penal, além da implantação do Projeto “Começar de Novo”.

De acordo com o artigo 1º do projeto, o grupo de monitoramento e fiscalização do Sistema Carcerário será constituído pelos magistrados atuantes na Execução Penal das comarcas onde tem presídio regional, presidido por um dos juízes corregedores, indicado pelo Corregedor Geral de Justiça. Já o seu artigo 2º, determina que poderão ser designados para atuar no grupo de que trata a resolução, servidores também lotados nas Varas de Execução Penal, indicados pelo Juiz da vara da Execução Penal da comarca da Capital.

A resolução aprovada terá também como objetivo fomentar, coordenar e fiscalizar a implantação de projetos de capacitação profissional e de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário, e de cumpridores de medidas e penas alternativas. Outro compromisso do projeto é o de estimular a instalação de unidades de assistência jurídica voluntária aos internos e egressos do Sistema Carcerário, assim como propor soluções em face das irregularidades verificadas nos mutirões carcerários e nas inspeções em estabelecimentos penais, inclusive hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e delegacias públicas.

Fonte: Gecom/TJPB
c/estagiária Karla Noronha

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Criminalista Evandro Lins e Silva completaria 100 anos

Advogado do século
Como o próprio criminalista Evandro Lins e Silva disse, ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras em 1998, aquela seria a quarta veste talar que usaria na vida. Até então, ele contava 88 anos de idade e três outras indumentárias: a beca de advogado, a beca de procurador-geral da República e a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Nesta quarta-feira (18/1), ele completaria 100 anos.

Na academia, ele foi o quinto ocupante da cadeira número 1. Apesar disso, não escreveu uma obra estritamente literária sequer. "O estilo forense, normalmente, não seduz; é produzido, em geral, de modo tosco, rotineiro, cheio de lugares-comuns, fórmulas repetitivas, sem nenhum encanto", declarou, na posse na ABL.

Bem antes disso, nos quase seis anos em que foi ministro do Supremo, de setembro de 1963 a janeiro de 1969, proferiu votos em mais de cinco mil processos — alguns deles chegaram a ser publicados na Revista Trimestral de Jurisprudência do STF. Participou do julgamento de mais de uma centena de presos políticos, como dos intelectuais Caio Prado Júnior e Ênio Silveira. Nesse período, concedeu Habeas Corpus que não agradaram os militares.

Na década de 1940, em pleno Estado Novo, também tomou atitudes contrárias ao governo. Defendeu mais de mil presos políticos gratuitamente, afirmando-se, nesse momento, como advogado. Ele foi, ainda, um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro, em 1947, ao lado de João Mangabeira, Hermes Lima, Domingos Velasco, Alceu Marinho Rego, Rubem Braga e Joel Silveira. No arquivo do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 1924, revelado mais tarde, ele foi apontado como militante comunista.

"Se esse é o serviço secreto brasileiro, ele é muito pouco eficiente", declarou, quando soube do material, em 2000. "E depois é falso. Não é verdade. Eu jamais pertenci ao Partido Comunista", contou, lendo o documento, "jamais liderei grupos de assessores esquerdistas. Eu era chefe da Casa Civil do presidente João Goulart".

Saiu do Supremo forçado, cassado pelo Ato Institucional 5, de 1968. Definitivamente, ele não coaduna com o pensamento dos novos líderes. Assim como ele e com ele, também se aposentaram os ministros Victor Nunes Leal e Hermes Lima. Aposentado sem querer, o piauiense foi trabalhar, primeiro, com o civilista Nelson Motta, e, por volta de 1974, com o sobrinho, o também criminalista Técio Lins e Silva.

"Aqui ele advogou até morrer, com 91 anos", conta Técio. "Vinha gente do Brasil todo procurando por ele, pedindo conselhos. Ele gostava de ser procurado pelos colegas e se entusiasmava com essa abordagem. Tratava os clientes dos outros advogados como se fossem clientes dele. O Evandro fazia por amor ao debate", conta.

Ele compareceu ao escritório diariamente, até o final da vida. Dias antes da queda, que aconteceu em 17 de setembro de 2002 e que acabou em sua morte, no Aeroporto Santos Dumont, ele havia tomado posse como Conselheiro da República, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Advogado do júri
Foi longe da toga que Evandro Lins e Silva ficou conhecido do grande público, na defesa do corretor de ações Raul Fernando do Amaral Street, o "Doca Street", que matou sua namorada, Ângela Diniz, figurinha constante nas colunas sociais. O advogado também se destacou no apoio ao movimento pelo afastamento do presidente Fernando Collor de Melo.

O primeiro episódio aconteceu em 1979, em Búzios. Argumentando legítima defesa putativa da honra, não conquistou a absolvição de Doca, mas conseguiu com que ele fosse condenado a um ano e cinco meses de prisão, com direito a sursis da pena. Na época, entidades femininas caíram em cima do criminalista. Ele pediu ao júri, formado por cinco homens e duas mulheres, que refletissem "até que ponto a participação da vítima contribuiu, mais ou menos fortemente, para a deflagração da tragédia". Técio escreveu toda a instrução do processo.

Mas, como faz questão de ressaltar o neto mais velho de Evandro Lins e Silva, o também criminalista Ranieri Mazine, hoje com 48 anos, ao contrário do que se pensa, a tese foi usada, pela primeira vez, na defesa de uma mulher que matou o marido, trinta anos antes. "Curiosamente, e há um erro histórico aí, meu avô aplicou a tese pela primeira vez na defesa da dona Zulmira Galvão Bueno, que matou um advogado muito conhecido aqui no Rio de Janeiro, Stélio Galvão Bueno. Ela era maltratada pelo marido e descobriu que era traída por ele", conta Mazine, muito calmo, relembrando o caso de 1950. A ré, ao contrário de Doca, teve uma sorte diversa: foi absolvida.

O neto, que morou a maior parte da vida com o avô e que fala sobre ele como um homem "generoso intelectualmente", conta que assistiu ao júri de Doca. Tinha, então, 15 anos. O julgamento durou quase 24 horas e, quando acabou, já de volta à casa de Doca, em Cabo Frio, Evandro Lins e Silva quis tomar um banho de mar. "Meu avô adorava praia. Gostava de pescar", lembra. Durante o julgamento, anunciou seu canto do cisne. Todos acreditaram que aquela seria, de fato, sua última aparição.

A história do assassinato passional de Ângela Diniz, conhecida também como a Pantera de Minas, rendeu livro, A defesa tem a palavra — O caso Doca Street e algumas lembranças. A obra, que não era editada há dez anos anos, volta às prateleiras. O relançamento acontece nesta quarta-feira (18/1), na Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, e coincide com o centenário de nascimento de Evandro Lins e Silva. Além do livro, que retrata um dos casos que até hoje teve maior repercussão na mídia, o criminalista escreveu outros oito.

O criminalista também foi responsável, atendendo a pedidos da Ordem dos Advogados do Brasil — entidade da qual foi conselheiro — e da Associação Brasileira de Imprensa, por elaborar a notícia crime de responsabilidade contra o ex-presidente Collor. Ele atuou na equipe de acusação, embora, como lembra Mazine, gostasse de dizer que estava, na verdade, no papel de advogado do país. Subiu com ele, na tribuna, o também advogado Fábio Konder Comparato, sobrinho de sua mulher, Maria Luisa Konder, que ele chamava de Musa.

Com tantas atuações memoráveis, Evandro Lins e Silva, em 2002, em entrevista ao documentário O vício da liberdade, produzido por sua neta, Flávia Lins e Silva, contou que, sim, tinha um júri do qual não esquecia. "Uma situação, em especial, me atormenta até hoje: um médico teria matado um rapaz que fazia barulho na rua. Acusei, o júri popular condenou e ele se matou na prisão. Eu estava convencido de que ele era culpado, mas e se não fosse? E me arrependo de ter acusado. E se a decisão tivesse sido mais resultado de minha eloquência que dos indícios concretos? Penso nisso até hoje, 40 anos depois. Se um pecado cometi na profissão, foram as poucas vezes em que acusei. Das defesas não me arrependo de nenhuma", contou. O documentário foi exibido pelo canal GNT e pode ser assistido aqui.

Ele não gostava de acusar. Com longa trajetória no júri — foi ele que criou, por exemplo, os hoje conhecidos memoriais que são distribuídos aos jurados antes da sessão — sua última defesa foi justamente lá. Vinte e um anos depois, quebrou sua própria promessa feita no julgamento de Doca Street.

Defendeu José Rainha Júnior, líder dos sem terra, no Tribunal de Júri de Vitória. O homem era acusado de homicídio de um fazendeiro e de um policial militar. No primeiro julgamento, havia sido condenado a 26 anos de prisão. Nesse segundo veredicto, o réu foi absolvido. Ao ser perguntado porque teria defendido o agricultor, disse que "o julgamento de um homem que está lutando pela melhoria das condições de vida de uma minoria deve merecer uma compreensão". Dessa vez, seria mesmo seu último júri.

Na homenagem que aconteceu na Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, o orador foi o ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, que por dois anos foi assessor do gabinete de Evandro Lins e Silva. A proximidade entre os dois era tamanha que o ministro batizou seu filho de Evandro Luís. A semelhança entre os dois nomes é inegável.

As cinco leituras
Evandro Lins e Silva também escreveu O salão dos passos perdidos: depoimento ao CPDOC. O livro traz detalhes sobre o início da profissão, depois de pouco frequentar as aulas na Faculdade Nacional de Direito, dos grandes criminalistas com quem conviveu e dos tempos de jornalismo em uma época na qual bacharéis de Direito percorriam tribunais em busca do quente da hora. Nisso, passou pelos Jornal de Notícias, A Batalha, A Nação e O Jornal.

Como promessa de uma nova geração de criminalistas, Evandro Lins e Silva incluiu, em sua lista, o nome de Luís Guilherme Vieira. "Eu não sabia de nada. Quando vi que eu estava no livro, chorei", conta ele. "Minha relação com o Evandro foi de mestre e aprendiz. Ainda na década de 1980, quando eu comecei na advocacia criminal", explica.

Do relacionamento com seu mestre, o criminalista tirou alguns ensinamentos. "O Evandro ensinava com muita tranquilidade. Ele era generoso pra isso", conta. Uma dessas lições — que é repetida, inclusive, pelo neto Ranieri — é que todo processo precisa ser lido, tim-tim por tim-tim, pelo menos cinco vezes. "Apesar de não demonstrar, ele se envolvia muito nos casos. Vi um no qual ele chegou a chorar no final", lembra.

Também veio dele outro ensinamento. "Ele falava: 'Nunca vá à delegacia sem terno ou gravata'. Essas coisas vão ficando", diz. O neto também lembra que o avô lia, sempre, os autos originais. "E isso era difícil de conseguir", conta, rindo, Mazine, que advogou com Evandro Lins e Silva, mas começou como estagiário. A exigência tinha uma justificativa. "Uma vez, ele encontrou no verso de uma página dos autos originais uma informação que o ajudou na defesa. Atuar com ele é como jogar no time do Pelé. Ele tinha talento para enxergar coisas que ninguém via no processo. Ele sabia os detalhes de cor."

Luís Guilherme Vieira conta do dia em que, durante a CPI do Sistema Financeiro, em 1996, seu cliente se recusou a assinar um termo de compromisso e depor como testemunha e a consequente prisão. O advogado foi então expulso do Senado Federal. No mesmo dia, Evandro Lins e Silva ligou para ele, indignado.

Ricardo Lira, de 79 anos, advogado com quem Evandro Lins e Silva conviveu nos últimos de vida, conta que "embora criminalista, o ministro aposentado expunha seus argumentos, nos julgamentos, de forma semelhante a um civilista. A sustentação era baseada na racionalidade".

Foi ele que, na presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros IAB), concedeu a maior distinção da entidade, a medalha Teixeira de Freitas. Além dela, em novembro de 2002, o criminalista recebeu o prêmio outorgado durante o congresso da Union Ibero Americana de Colegios e Agrupaciones de Abogados (UIBA) realizado em Lima, no Peru. Já a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp) concedeu-lhe o título de "O Criminalista do Século", em 1999.

Ranieri Mazine conta que botafoguense de coração, o avô, em um domingo, três dias antes de cair e morrer, torceu entusiasmadamente pelo Santos, que disputava com o Corinthians a final do Brasileirão. "O time do Santos era muito bom. Ele torcia pro Robinho e pro Diego. A imagem do meu avô, empolgado, torcendo, me marcou bastante."

Por Marílio Scriboni
Fonte: ConJur