domingo, 31 de outubro de 2010

CNJ seleciona 30 finalistas ao prêmio Conciliar é Legal

Já valeu a pena
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) selecionou, na última semana, os projetos de boas práticas de conciliação executados por magistrados e tribunais brasileiros que estão disputando como finalistas o prêmio Conciliar é Legal. O prêmio tem a proposta de homenagear boas experiências na resolução de conflitos judiciais, por meio dessa prática. No total, foram inscritos cerca de cem projetos (dos quais, foram escolhidos 30).

Nesta segunda etapa, uma equipe de juízes e magistrados indicados pelo Conselho percorrerá os estados onde estão sendo executados os projetos finalistas, para avaliar pessoalmente os trabalhos e comprovar a eficácia de cada um. Na prática, as premiações serão feitas por tribunais de Justiça, tribunais regionais do Trabalho e tribunais regionais Federais. Na categoria individual, da mesma forma, estão sendo selecionadas as melhores práticas dos juízes de Direito, juízes trabalhistas e juízes federais.

Tribunais - Em relação aos tribunais de Justiça, concorrem projetos dos tribunais do Rio Grande do Norte (TJRN), Amazonas (TJAM), Pernambuco (TJPE), Santa Catarina (TJSC), Alagoas (TJAL), Espírito Santo (TJES) e Goiás (TJGO). Já no tocante aos tribunais regionais do Trabalho (TRTs), estão concorrendo ao prêmio o TRT 16 (do Maranhão), TRT 8 (que compreende os estados do Pará e Amapá) e TRT 11 (cuja abrangência compreende Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima).

Quanto aos tribunais regionais federais (TRFs) foram selecionados entre os finalistas, o TRF da 3ª Região (TRF 3) – que compreende São Paulo e Mato Grosso do Sul e o TRF da 4ª. Região (TRF 4), cuja abrangência pega os estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Magistrados – A equipe responsável pela seleção também escolheu, dentre as iniciativas individuais, trabalhos dos seguintes juízes de Direito e magistrados de tribunais de Justiça: José Sebastião Fagundes Cunha, do Paraná (TJPR); juiz Ferdinando Scremin Neto, de Alagoas (TJAL); desembargadora Maria Zeneide Bezerra, do Rio Grande do Norte (TJRN); juíza Sulamita Bezerra Pacheco de Carvalho, também do TJRN; juíza Sueli Pereira Pini, do Amapá (TJAP) e juiz João Rolim Sampaio, de Rondônia (TJRO).

Foram selecionados ainda, os juízes Humberto Moglio Dutra, Roberto Coutinho Borba e Rodrigo Granato Rodrigues, do Rio Grande do Sul (TJRS); juiz Adalberto Carim Antonio, do Amazonas (TJAM); juíza Tânia Maria Vasconcelos Dias, de Roraima (TJRR) e juiz Bruno César Azevedo Isidro, da Paraíba (TJPB).

Categoria Individual- Já na categoria dos juízes trabalhistas, dentre os nomes que já foram selecionados como finalistas estão o juiz Manoel Lopes Veloso Sobrinho, do TRT 16; juiz José Geraldo da Fonseca, do TRT 1 e juiz Roberto Vieira de Almeida, do TRT 2. Dentre os juízes federais, concorrem ao prêmio magistrados de Santa Catarina, São Paulo, Paraíba e Paraná. A lista completa, com o nome de todos os magistrados e dos projetos selecionados como finalistas será divulgada pelo CNJ na próxima quarta-feira (3/11).

Por Hylda Cavalcanti
Fonte: CNJ

sábado, 30 de outubro de 2010

O valioso tempo dos maduros

Reflexão poética
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.

As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.'

As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana;

que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade(1893-1945)

Fonte: fatorRRH
* Colaboração da amiga Niza Ramalho, querida aluna e grande incentivadora

Indicação de juíza nos EUA foi desaconselhada

E os bastidores aqui?
Ed Whelan, um blogueiro da revista conservadora National Review, divulgou esta semana uma correspondência privada de Laurence Tribe, um dos mais influentes acadêmicos de Direito dos Estados Unidos e professor de Harvard, ao presidente BaracK Obama. Na carta pessoal, com data de 4 de maio de 2009, Tribe, que é uma espécie de mentor intelectual de Obama na área jurídica, desencorajou explicitamente o chefe da nação a indicar a juíza Sonia Sotomayor ao posto na Suprema Corte do país. Nomeada em agosto de 2009, Sonia Sotomayor é a primeira hispano-americana a chegar ao mais alta corte de Justiça dos EUA.

Na correspondência revelada pelo site da publicação, o professor fez críticas em relação a competência intelectual de Sotomayor e advertiu Obama sobre o temperamento da juíza, que poderia "levá-la a se alinhar à ala conservadora do tribunal".

Laurence Tribe, que atualmente ocupa um cargo de primeiro escalão no Departamento de Justiça, apresentou confidencialmente suas considerações ao presidente Obama assim que o antigo titular do posto na Suprema Corte, o juiz David Souter, anunciou sua aposentadoria. Contudo, o presidente optou por desconsiderar a opinião dele e indicou Sonia Sotomayor ao posto de juíza associada da Suprema Corte. Sotomayor está em seu segundo ano de atividades no tribunal.

Depois que o blogueiro Ed Whelan divulgou a correspondência, o professor Tribe confirmou a autoria do texto. Ainda não se sabe como o colunista teve acesso à carta.

De acordo com o jornal The Wall Street Journal desta sexta-feira (29/10), Tribe apresentou um comentário à imprensa americana, por e-mail. “As reservas que expressei sobre a juíza Sotomayor antes de sua nomeação foram amplamentes refutadas depois de um exame mais cuidadoso de minha parte. Posteriormente, pude testemunhar que minhas considerações não se confirmaram frente a sua atuação como juíza”, ponderou o professor.

Laurence Tribe é um dos mais proeminentes pensadores da área do Direito nos Estados Unidos e um dos mais influentes juristas e intelectuais no campo. É autor de livros-texto consagrados e adotados em intituições como Harvard. Foi ainda professor de Direito Constitucional do próprio presidente Barack Obama, do chefe de Justiça da Suprema Corte (o presidente do tribunal), John Roberts, e da juíza Elena Kagan.

Na correspondência, Tribe endossou a nomeação da então reitora de Harvard, Elena Kagan, em detrimento da escolha por Sotomayor. Kagan foi indicada este ano por Barack Obama, tendo assumido o posto no início do segundo semestre. Na mesma carta, o professor redigiu ainda uma análise do funcionamento da Suprema Corte, esboçando duras críticas aos outros juízes. No texto, Tribe lamentou que "um juiz liberal e cerebral" como Stephen Breyer estava sendo superado no debate público pelo conservador "pugilista" Antonin Scalia.

O porta-voz da Casa Branca reiterou a confiança do presidente na juíza Sônia Sotomayor, sublinhando ainda que, tanto ela como Elena Kagan, "dispõem de credenciais legais impecáveis”. O porta-voz da Suprema Corte informou que a juíza Sotomayor ainda não havia se manifestado sobre o assunto.

Em postagem desta sexta-feira (29/10), o blogueiro Ed Whelan confirmou a opção por não revelar sua fonte, apenas se limitando a dizer que não foi o professor Laurence (Lerry) Tribe que entregou a carta a ele.

Por Rafael Baliardo
Fonte: ConJur

Entrevista - Assuntos vários

Soltando o verbo


Temas vários, como as Tornozeleiras Eletrônicas, Câmaras de Conciliação e outras abordagens. Não poderia deixar de dizer algumas verdades sobre o exdrúxulo instituto dos quintos sucessivos, que esvaziou por completo a idéia do critério merecimento na estrutura do Poder Judiciário. Ou seja, o que vale hoje como juiz, é ficar em uma rede, vendo o tempo passar e fazendo o feijão com arroz.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

90% dos júris acontecem nos Estados Unidos

Nação do Júri
Para boa parte dos fãs de cinema, "Doze homens e uma sentença" talvez seja o filme definitivo sobre o papel de jurados em cortes criminais e, em particular, sobre o modelo norte-americano de Tribunal de Júri. O clássico hollywoodiano de 1957, dirigido por Sidney Lumet e protagonizado pelo ator Henry Fonda, é a referência óbvia quando se pensa em júri popular, sobretudo, ao se considerar a posição fundamental que o veredito proferido por civis, cidadãos leigos, ocupa no sistema de Justiça dos Estados Unidos.

A história sobre a complexa interação entre doze jurados que têm nas mãos o destino de um jovem porto-riquenho suspeito de assassinar o próprio pai consagrou a imagem de homens e mulheres que se veem investidos do árduo poder de absolver ou condenar. Vencedor do Oscar de melhor filme naquele ano, "Doze homens e uma sentença" (12 Angry Men, literalmente 12 homens furiosos no título original) está repleto de embates retóricos, nuances psicológicas e maneirismos sociais que envolvem a composição de um corpo de jurados em um tribunal.

Henry Fonda, no papel de Davis, o jurado de número 8, representa a única personagem convencida da inocência do réu enquanto seus colegas estão decididos por escolher pela condenação. Dos discursos vazios, passando pelo preconceito e sentimentos como irritação, altruísmo e indiferença, o filme esboça um amplo painel de elementos que implicam nas deliberações de jurados em tribunais. Entre as personagens, um especulador da bolsa valores, um professor de escola, um imigrante humilde, todos figuras da sociedade colocados na desafiadora posição de julgar um cidadão como eles.

Ficção à parte, a essência do modelo de Tribunal de Júri dos EUA remonta à vocação democrática presente desde as origens da organização social e institucional do país. A ideia é que as audiências judiciais disponham de um grupo heterogêneo de indivíduos, representantes dos mais diversos extratos sociais e contextos de vida, que se reúnem com o propósito de avaliar e optar por uma decisão que definirá um veredito. De fato, em nenhum outro país, o júri popular é exercido da forma como acontece nos EUA.

O jornalista norte-americano especializado em cobertura jurídica, Fred Graham, escreveu em Anatomia de um Tribunal de Júri, edição especial da revista eletrônica mensal e-Journal USA, de julho de 2009, que “os jurados assumem o impressionante poder do Estado de punir ou não punir os cidadãos. Nesse sentido, eles estão acima do soberano — e isso tornou-os objeto de fascínio em todo o mundo”.

O jornalista narra ainda a impressionante história da montagem teatral de Doze homens e uma sentença realizada por detentos do presídio Roumieh, no Líbano, em 2009, ilustrando assim o apelo que a ideia de júri exerce em todos nós, mesmo em países com tradições jurídicas muito diversas. A imagem exportada para o mundo, pelos EUA, do que, de fato, constitui um Tribunal de Júri é responsável pela abrangência que esta “instituição jurídica” conquistou junto aos cidadãos leigos. Estima-se que 90% dos julgamentos por Tribunal de Júri ocorrem somente nos Estados Unidos, e que 29% dos norte-americanos adultos já serviu como jurados.

Herança
Herdado do sistema de Justiça da Inglaterra medieval e adotado pelos colonos americanos do século XVIII, o modelo de Tribunal de Júri dos EUA, ao contrário de muitos países que o adotaram mas o extinguiram gradualmente, sobreviveu aos nossos dias. Quando os Estados Unidos resolveram separar-se da Coroa Britânica, especificaram, ainda nos primeiros anos da jovem república, na sua lendária Declaração de Direitos (incorporada à Constituição Federal em 1791) que “em todos os processos criminais, os acusados terão direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial”. O documento deu margem também à possibilidade de se estender o direito de dispor de Tribunais de Júri inclusive em processos cíveis.

A Suprema Corte, desde então, tem favorecido interpretações que adequam o Tribunal de Júri às mais diversas situações jurídicas. De tal modo, determinados aspectos foram flexibilizados, como o entendimento de que o direito de dispor de julgamento por júri popular não abrange casos triviais, que a composição por doze indivíduos não é necessariamente rígida (sendo suficiente apenas seis participantes) e que nem todas as decisões precisam se dar por unanimidade.

Hoje em dia, em processos cíveis, que geralmente decidem sobre litígios entre particulares, a ampla maioria dos cidadãos abre mão do direito de dispor de julgamento por Tribunal de Júri.

De acordo com a “Pesquisa para a Melhoria dos Júris” promovida pelo Centro Nacional de Tribunais Estaduais dos EUA em abril de 2007, o número estimado de julgamentos por Tribunais de Júri no país é de 154 mil ocorrências por ano (149 mil em cortes estaduais e 5 mil em tribunais federais). Destes, 66% são referentes a processos criminais (a maioria de delitos graves e a minoria de delitos leves) e 31% correspondem a processos cíveis.

Requisitos para participação e atribuições
Na maioria dos tribunais estaduais e federais do país, estão qualificados para prestar serviços de júri cidadãos norte-americanos residentes na jurisdição atendida pelo tribunal, que tenham pelo menos 18 anos de idade, compreendam e falem a língua inglesa, que disponham ainda de competência mental e física e não estejam sob impedimento legal, isto é, sem pendências de nenhuma natureza com a Justiça.

Apesar do Tribunal de Júri, da forma como é adotado, constituir uma peculiaridade do sistema jurídico dos EUA e da alta incidência da prática, se comparada com outros países, ainda assim, a maioria dos processos judiciais nos Estados Unidos são decididos sem ir a julgamento por corpo de jurados.

Ainda que para grande parte da opinião pública do país a sólida tradição de Tribunal Júri expresse os mais nobres valores cívicos e democráticos dos EUA, o tema está longe de ser unanimidade. São muitos os questionamentos sobre se a participação de cidadãos comuns na função de “agentes julgadores” é mais efetiva do que a de um juiz profissional, conhecedor de aspectos mais amplos e sofisticados que envolvem a Justiça, o direito dos réus e o sutil equilíbrio entre a manutenção da ordem pública e as garantias individuais. O comportamento, muitas vezes imprevisível, de jurados e incidentes com júris em julgamentos importantes e de forte apelo midiático têm provocado muitas discussões nesse sentido.

Existem inúmeros estudos que tentam avaliar a competência do júri. Os que o defendem, afirmam que a diversidade de experiências trazidas à corte apenas soma à competência técnica do juiz, que deve se limitar a orientar os jurados sobre as leis e coibir abusos. Há uma série de artigos de analistas da Justiça dos EUA, defendendo o ponto de vista de que a presença de diferentes classes profissionais no júri, como médicos ou então mecânicos de automóveis, por exemplo, é decisiva, em muitos casos, para se chegar a resoluções “mais justas e precisas”.

Os críticos, por sua vez, apontam problemas que envolvem o fato de Tribunais de Júri serem mais complexos, caros e demorados do que julgamentos cuja sentença é proferida por um juiz. E, claro, da sua parte, também apresentam estudos que questionam a decisão de vereditos por leigos, citando casos em que o senso comum e o desconhecimento de aspectos legais e técnicos comprometeram a integridade e o mérito das decisões.

O professor de psicologia forense da Faculdade de Direito da Universidade Maastricht, na Holanda, Peter J. Van Kopen, em artigo sobre assunto, compilado por Anatomia de um Tribunal de Júri, é rigoroso em suas críticas: “O julgamento por Tribunal do Júri também consome muito tempo e muito trabalho. Na verdade, um sistema de Tribunal de Júri é tão caro que só pode ser mantido se a grande maioria dos processos for tratada de forma diferente. Nos Estados Unidos, isso ocorre pela transação penal, acordo feito entre a acusação e a defesa com verificação secundária de um juiz. Na prática, esse é um sistema que, na maioria das vezes, termina sem que ninguém tenha analisado as provas, sem exame público e com um poder desproporcional da acusação”.

Ricardo M. Urbina, juiz federal de primeira instância do Distrito de Columbia, Washington, é um entusiasta dos Tribunais de Júri nos EUA e uma das vozes dissonantes de críticos como Van Kopen. “Em processos criminais, por exemplo, os jurados aderem ao princípio de que o acusado é considerado inocente até que se prove sua culpa além de qualquer dúvida razoável. Além disso, como exige a lei, a Constituição dos EUA e as instruções do juiz, o ônus da prova de culpabilidade é exclusivamente do promotor. Eles entendem que o réu nunca tem de provar sua inocência”, afirmou o juiz, em contraponto ao artigo, de Van Kopen.

Urbina é um dos maiores defensores da ideia de que jurados dispõem de competências mais amplas do que o mero senso comum ou que sejam reféns de preconceitos que possam afetar sua capacidade de decisão. O juiz menciona episódios em que, mesmo certos de que o réu era culpado, ainda assim, os jurados foram capazes de votar pela absolvição, frente à ausência de evidências e à dificuldade da promotoria em esclarecer os fatos “além de qualquer dúvida razoável”.

Voir Dire
De qualquer forma, são 32 milhões de convocações anuais para que cidadãos prestem o serviço de jurado nos Estados Unidos. Destas, 4 milhões não encontram o destinatário; 3 milhões são desqualificados por questões legais; 2 milhões correspondem a cidadãos isentos do serviço; 3 milhões são de pessoas dispensadas por dificuldades financeiras ou questões médicas; 8 milhões se referem a cidadãos liberados por razões de cancelamento ou adiamento de audiências e 3 milhões são de ausentes, que não aparecem mesmo tendo assinado a convocação.

Somente 8 milhões é o número estimado daqueles que, de fato, chegam aos tribunais e se apresentam para desempenhar a função de jurado. Porém, finalmente, apenas 1,5 milhão são de cidadãos arrolados para integrar o júri em audiências judiciais. Os dados são do Centro Nacional dos Tribunais Estaduais.

Cabe ao juiz supervisionar a escolha dos jurados. Em alguns estados, o próprio magistrado faz as perguntas a fim de selecioná-los. Em outros, os advogados que representam as partes fazem uma sabatina com os candidatos e podem excluí-los de participar da audiência levando em consideração os mais amplos critérios de adequação. O processo de seleção prévia de cidadãos convocados é conhecido como voir dire. É a expressão de origem anglo-normanda para o que, em latim, é conhecido como verum dicere, isto é, “dizer o que é verdadeiro”, em outras palavras, “o que implica em verdade” ou “reúne verdade em sua essência”.

Ao contrário do que ocorre em países como o Brasil, em que os jurados estão impedidos de conversar entre si e o que vale é o veredito da maioria por votação, nos EUA, a deliberação dos jurados, em uma sala privada no tribunal, constitui parte fundamental do processo de julgamento em um Tribunal de Júri. A exemplo do que é servir como mesário ou presidente de mesa em uma eleição no Brasil, não é raro encontrar um americano com uma boa história de participação em júris. Ou são casos de convivência intensa e extenuante de quatro dias fechado em uma sala discutindo o processo, ou então reclamações sobre longos períodos de espera e procedimentos intermináveis antes de se ouvir as partes envolvidas. A duração média dos julgamentos por Tribunal de Júri é de cinco dias em casos de processos penais e de quatro para processos cíveis. Os jurados dispõem geralmente de quatro dias para deliberar tanto em julgamentos cíveis ou criminais e recebem pagamento para desempenhar a função. A remuneração média de um jurado nos Estados Unidos é de US$ 22 por dia. Há casos em que o indivíduo recebe apenas US$ 5 para integrar o corpo de jurados.

Em muitas circunstâncias, o júri é constituído apenas para avaliar se há, de fato, um caso que justifique o julgamento judicial. É o chamado “grande júri” e, nesse caso, o número de jurados varia entre 16 e 23 cidadãos. Geralmente o grande júri ocorre mais em processos da Justiça Criminal e em âmbito federal, sendo adotado por uma minoria das cortes estaduais. Caso a proposta de indiciamento for acatada, ela é chamada de “queixa ou denúncia real” (true bill) e se for rejeitada, de “queixa ou denúncia inexistente” (no bill).

Em geral, há flexibilidade em relação a como se deve eleger o presidente do júri e a forma como os jurados deliberam. Não há regras gerais que orientem tanto a escolha do líder ou como devem proceder com as discussões sobre o caso, embora o tempo de deliberação seja determinado previamente pelo juiz. Em geral, a escolha do presidente do júri é feita ainda no início, mas a votação pode ser deixada para mais tarde conforme o grupo interage. Ao juiz cabe, não só supervisionar e chefiar a sessão, mas orientar os jurados quanto à lei. Em muitos casos, depois da decisão do júri e da recomendação da pena a ser cumprida, cabe ao juiz confirmar ou estipular a pena em uma audiência à parte.

O magistrado também dispõe da garantia de reverter a decisão do júri dependendo do caráter e número de evidências que sustentem a decisão dos jurados, ou seja, se ocorreu, de fato, o ônus da prova ou se ainda há espaço para dúvidas.

Os estados: laboratórios do júri
As jurisdições estaduais têm regras diferentes sobre os requisitos para se participar de um júri (como idade, área de residência, tempo decorrido desde a última condenação judicial, entre outros) e sobre os procedimentos para a decisão (se a unanimidade é imprescindível ou se não é necessária).

No caso da exigência de unanimidade na decisão do júri, esta foi estabelecida em 1897 pela Suprema Corte, mas rejeitada em dois julgamentos criminais em 1972. Em esfera estadual, é mais comum ocorrerem casos em que se prescinde da unanimidade. Porém, apenas dois Estados, Lousiana e Oregon, têm uma legislação clara em relação a ausência de concordância entre os jurados. Geralmente, quando o júri não consegue chegar a uma decisão, declara-se que o veredito está suspenso e o impasse deve ser resolvido em uma nova audiência.

As variações entre as jurisdições estaduais são numerosas, porém raramente envolvem mudanças estruturais. A variedade é fruto de, nos EUA, os tribunais estaduais serem em maior quantidade em relação aos tribunais federais. Como a autonomia dos estados em relação ao poder central é um dos pilares da organização política do país (estando o poder federal limitado a garantir a proteção de princípios constitucionais e a integridade e inviolabilidade da união federativa), isso se expressa também no sistema de Justiça, sobretudo na quantidade de cortes estaduais.

Tendo em vista que, nos Estados Unidos, o Direito foi desenvolvido a partir da herança do sistema jurídico da Inglaterra, o chamado Common Law, orientado mais pela jurisprudência e experiência em tribunais, do que no Direito Positivo, como no caso do Brasil, a grande maioria das regulamentações e leis vem da esfera estadual. Cabe aos Tribunais de Júri federais, portanto, os julgamentos de casos que violam leis federais e de abrangência nacional apenas. E estes são sensivelmente menos frequentes que as incontáveis audiências estaduais. Isso faz dos Tribunais de Júri dos estados os verdadeiros laboratórios onde a experiência tem moldado as regras dessa histórica e peculiar tradição jurídica norte-americana.

Por: Rafael Baliardo
Fonte: ConJur

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

MP pode solicitar aos EUA quebra de sigilo bancário de membros da Igreja Universal

Aleluia
O Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo pode solicitar a quebra de sigilo bancário de membros da Igreja Universal do Reino de Deus em instituições financeiras norte-americanas, com base no Tratado de Assistência Legal Mútua entre Brasil e Estados Unidos. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, suspendeu os efeitos de sentença da Justiça paulista que impedia a solicitação das informações.

A decisão do ministro Pargendler se deu ao analisar um agravo regimental (recurso interno) em suspensão de segurança. Ele reconsiderou decisão anterior que negava o pedido do MP. Ao reanalisar o caso, o ministro ponderou que a cooperação jurídica internacional, na modalidade auxílio direto, tem caráter de solicitação, de forma que seu atendimento ou não depende da legislação do Estado requerido.

Como a solicitação do MP foi dirigida a autoridade dos Estados Unidos, o ministro Pargendler entendeu que “nada importa, para esse efeito, o que a legislação brasileira dispõe a respeito. As investigações solicitadas serão realizadas, ou não, nos termos da legislação daquele país”.

O pedido de assistência legal aos Estados Unidos foi solicitado pelo Ministério Público no âmbito de um inquérito civil instaurado para apurar notícias de irregularidades praticadas por membros da Igreja Universal, como desvio de dinheiro da igreja para enriquecimento de particulares. Além de quebra de sigilo bancário de pessoas físicas e jurídicas, há também a solicitação de congelamento de bens.

A igreja impetrou mandado de segurança contra ato do promotor Saad Mazlum. A juíza de primeiro grau concedeu a ordem para tornar nula a solicitação do MP, por entender que o pedido de quebra de sigilo bancário precisava de prévia autorização judicial no Brasil. O tribunal de Justiça paulista também entendeu ser necessário o cumprimento das formalidades de lei nacional para se obter informações bancárias, ainda que por meio de cooperação internacional.

Primeiramente, o ministro Ari Pargendler havia concordado com a interpretação dos magistrados do Judiciário paulista. Contudo, após avaliar trabalho doutrinário do ministro Gilson Dipp, também do STJ, Pargendler reviu sua posição. Ele ficou convencido de que, no pedido de auxílio jurídico direto, o Estado estrangeiro não se apresenta na condição de juiz, mas de administrador. Nessa situação, não há o encaminhamento de uma decisão judicial a ser executada, mas uma solicitação de assistência para que, em outro território, sejam tomadas providências para satisfazer o pedido.

Fonte: STJ

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Juiz de Campina Grande entende que norma que institui sistemas de cotas na UEPB é inconstitucional


Entendimento
O juiz Ruy Jander Teixeira da Rocha, titular da 3ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Campina Grande, concedeu, em parte, a segurança para garantir a Reginaldo Teixeira Ferreira Júnior o direito de isenção da taxa de inscrição no vestibular 2011 da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). No entanto, negou ao referido candidato o direito a concorrer a vagas reservadas para alunos egressos de escolas públicas, alegando a inconstitucionalidade da norma que instituiu o respectivo sistema de cotas. Dessa decisão cabe recurso.

Reginaldo interpôs Mandado de Segurança com pedido de liminar em face de ato tido por abusivo e ilegal do presidente da Comissão Permanente do Vestibular (Comvest) da UEPB. Este havia indeferido o seu pleito de concorrer a uma vaga no curso de Direito, com isenção de taxa de inscrição e, também, a participação nas vagas destinadas à cota de inclusão para os candidatos que tenham realizado, integralmente, o Ensino Médio em escolas públicas do Estado da Paraíba.

A liminar anteriormente concedida pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, que estava substituindo o titular, foi retificada.

O magistrado, analisando a questão de reservas de vagas, observou que esta pode ser uma atitude “preconceituosa, desarrazoada e desproporcional”. O juiz entendeu que a norma da UEPB cria um grupo social, étnico ou não, que supostamente necessita de proteção diferenciada e que, somente com esta ação afirmativa teria iguais oportunidades e acesso a direitos fundamentais.

“Ao longo da vida assistimos exemplos cotidianos de estudantes pobres que conseguiram vencer na vida e realizar seus sonhos profissionais e também de estudantes que tinham tudo nas mãos e não conseguiram realizar seus planos, nem mesmo ter acesso à universidade, ou seja, não se pode ter como uma máxima o fato de que apenas com sistemas de cotas discriminantes o estudante de escola pública pode galgar o acesso ao ensino superior, nem que todo estudante de escola pública tem conhecimentos inferiores aos estudantes de escolas particulares”, ressaltou.

O juiz defendeu, ainda, que o sistema de inclusão por meio de cotas pode levar ao ponto de “alunos de escolas particulares somente poderem concorrer a vestibular em instituição de ensino particular, porque as públicas vão acabar sendo destinadas, exclusivamente, aos alunos da rede pública de ensino, como suposta forma de inclusão social, que, ao mesmo tempo, pode passar a trazer exclusão social de outros, violando o principio da igualdade e do direito universal à educação”.

A sentença também diz que a norma da UEPB afronta o principio da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, além de ferir a igualdade nas condições de acesso ao ensino superior segundo a capacidade de cada um, pelo mérito.

Com a decisão, o juiz declarou a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º da Resolução/UEPB/Consepe/06/2006 e do item 4 do Edital nº 01/2010 da UEPB e da Comvest, com base nos artigos 22, XXIV, e, ainda, o artigo 5º, caput, 206, I, 208, V, da Constituição Federal.

Com isto, Reginaldo Teixeira Ferreira Júnior perde o direito líquido e certo de concorrer participando das vagas destinadas às cotas de inclusão, devendo lhe ser assegurado, apenas, a isenção de pagamento da taxa de inscrição, na forma prevista da lei.

com a colaboração do estagiário Herberth Acioli
Fonte: TJPB

Direito intertemporal: reinterrogatório em processos anteriores à Reforma de 2008?

Alteração legislativa
Existe ainda um contingente expressivo de processos iniciados anteriormente à Reforma de 2008, em cujos autos constam interrogatórios realizados de acordo com as antigas regras. À falta de disciplina própria de transição, surgiram duas posições práticas quanto à necessidade de reinterrogatório: i) deve-se promover o reinterrogatório, visto que pela nova sistemática a oitiva do réu é posterior à inquirição das testemunhas; ii) o interrogatório promovido à luz das regras então vigentes continua válido, de tal modo que não é necessário repeti-lo. A questão adquire grande relevância em processos à beira da prescrição (= corre-se o risco de a prestação jurisdicional frustrar-se) ou com medidas coercitivas decretadas (= corre-se risco de haver relaxamento por excesso de prazo). Note-se: estamos falando aqui de imposição; num ou noutro caso, é sempre possível reinterrogar o acusado caso surjam motivos concretos para tal (CPP 196).

Até as mudanças implementadas no procedimento comum, o interrogatório se dava antes da inquirição das testemunhas de acusação e defesa – salvo nos raros casos de prova testemunhal colhida antecipadamente ou de comparecimento tardio do réu:

Art. 394. O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do assistente.

Art. 395. O réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas.

Art. 396. Apresentada ou não a defesa, proceder-se-á à inquirição das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em primeiro lugar.

Parágrafo único. Se o réu não comparecer, sem motivo justificado, no dia e à hora designados, o prazo para defesa será concedido ao defensor nomeado pelo juiz.


Ao contrário do que alguns supõem, no nosso sistema processual penal a regra padrão de direito intertemporal é a do tempus regit actum, expressamente adotada pelo CPP 2º, não tendo mais aplicação alguma os dispositivos da Lei de Introdução ao CPP. Assim:

Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob vigência da lei anterior.

A discussão sobre a regra do tempus regit actum foi retomada com especial vivacidade pelo STF no sempre lembrado julgamento de questão de ordem no Inquérito 571, em cujos autos – superando obscuro e infundado preconceito – se decidiu que o recebimento de denúncia (ou queixa) contra futuro parlamentar não era invalidado pela diplomação. Em outras palavras: o deslocamento da competência penal originária para o Supremo Tribunal Federal não acarreta a nulidade dos atos processuais praticados pelo órgão jurisdicional até então competente. Desse momento em diante, nunca a Corte pôs em dúvida a idoneidade de atos processuais efetuados a seu tempo conforme a lei vigorante:

EMENTA: – Inquérito Penal. Questão de ordem. Requerimento de sustação do pedido de licença à Câmara dos Deputados por falta de ratificação, pela Procuradoria-Geral da República, da denúncia oferecida antes da ocorrência da competência desta Corte por prerrogativa de função. – Este Plenário, ao julgar questão de ordem relativa ao Inquérito nº 571, decidiu, reformulando a jurisprudência que se firmara anteriormente, que “não há razão suficiente para que, advindo a diplomação do réu, na pendência de um processo já instaurado, à diplomação superveniente do juízo originário, se concedam efeitos retro-operantes de nulidade dos atos anteriormente praticados, dos quais nunca se cogitara de outorgar à necessidade superveniente da licença para o processo”, não havendo, portanto, ilegitimidade superveniente do autor da denúncia, o que afrontaria o postulado tempus regit actum e o princípio da indisponibilidade da ação penal. Daí, haver-se decidido nessa questão de ordem que, inclusive, é válida a denúncia oferecida pelo Ministério Público antes de ocorrer a competência superveniente desta Corte, independentemente de ratificação pela Procuradoria-Geral da República. Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da diligência requerida.

(Inq 1028 QO-QO/ES, rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, 03.04.1997, DJ 16.05.1997, p. 19.953)

EMENTA: Penal e Processual Penal. Denúncia oferecida. Arts. 288, caput; 312, § 1º; e 297, § 1º, todos do Código Penal. Investidura superveniente no cargo eletivo de Deputado Federal. Deslocamento de competência. Art. 53, § 1º, da Constituição Federal. Validade dos atos antecedentes. Precedentes. Ausência de justa causa para o exercício da ação penal. Hipótese de rejeição da denúncia (art. 395, inc. III, do CPP). A diplomação do acusado, eleito Deputado Federal no curso de inquérito policial, em que já fora oferecida a denúncia, acarreta a imediata cessação da competência da Justiça local e o seu deslocamento para o Supremo Tribunal Federal. Não ocorre nulidade superveniente da denúncia, nem dos atos praticados anteriormente à alteração da competência inicial, por força da intercorrente diplomação do acusado. Precedentes. Na atual redação do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal (dada pela Lei n° 11.719, de 20.06.2008), a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Denúncia rejeitada.

(Inq 2.767, rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, 18.06.2009, DJE 03.09.2009)

PRERROGATIVA DE FORO – TERMO INICIAL. Recebida a denúncia em data anterior ao fenômeno gerador da prerrogativa de foro, descabe entender insubsistente o ato judicial formalizado, não se podendo concluir pela existência de vício considerado o fator tempo.

(HC 91.593/MG, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, 11.09.2008, DJE 16.04.2009)

DENÚNCIA – RECEBIMENTO – VALIDADE.

Surgindo do contexto probatório o fato de a denúncia haver sido recebida em data anterior à diplomação de acusado como Deputado Federal, fica afastada a ocorrência de constrangimento ilegal.

(HC 91.449/MG, rel. Min. Marco Aurélio, pleno, 07.11.2007, DJE 17.04.2008 – caso José Genuíno)

Também à hipótese de modificação do procedimento se aplica o tempus regit actum, segundo entendimento tranquilo de ambas as Turmas do STF:

APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO – NORMA INSTRUMENTAL. Envolvida na espécie norma instrumental, como é o caso da revelada no artigo 384 do Código de Processo Penal, tem-se a validade dos atos praticados sob a vigência da lei anterior – artigo 2º do Código de Processo Penal. [...]

(HC 96.296, rel. Min. Marco Aurélio, T1, 11.05.2010, DJE 02.06.2010)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR DATIVO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES. ART. 370, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ESTUPRO. CRIME HEDIONDO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 9º DA LEI 8.072/1990. ORDEM DENEGADA.

I – A intimação do defensor dativo para apresentação de contrarrazões ao recurso especial ocorreu em data anterior à publicação da Lei 9.271/1996, o que, pela aplicação do princípio do tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade da intimação pessoal do defensor dativo.

[...] V – Ordem denegada.

(HC 97.788, rel. Min. Ricardo Lewandowski, T1, 25.05.2010, DJE 24.06.2010)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO QUANTO À DATA DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NULIDADE RELATIVA. FALTA DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. PRECLUSÃO. ART. 370, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ORDEM DENEGADA.

I – A falta de intimação da defensoria quanto à data de julgamento da apelação gera apenas nulidade relativa.

II – A alegação de eventual nulidade decorridos mais de quatorze anos do trânsito em julgado da condenação importa no reconhecimento da preclusão.

III – A partir da edição da Lei 9.271/96, que incluiu o parágrafo 4º ao art. 370 do CPP, os defensores nomeados, dentre os quais se inclui o defensor dativo, passaram também a possuir a prerrogativa da intimação pessoal.

IV – A condenação do impetrante-paciente ocorreu em data anterior à publicação da Lei 9.271/96, o que, pela aplicação do princípio do tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade da intimação do defensor dativo.

V – Ordem denegada.

(HC 95.641-6/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, T1, 02.06.2009, DJE 30.06.2009)

EMENTA: HABEAS CORPUS. SESSÃO DE JULGAMENTO DE APELAÇÃO. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO PELA IMPRENSA OFICIAL ANTERIOR À LEI 9.271/1996. ORDEM DENEGADA.

Somente com o advento da Lei 9.271/1996, que incluiu o § 4º ao art. 370 do Código de Processo Penal, passou a ser exigida a intimação pessoal do defensor dativo. Como o defensor dativo do paciente foi intimado pela imprensa oficial antes da entrada em vigor da Lei 9.271/1991, não há que se falar em nulidade por falta de intimação pessoal para a sessão de julgamento da apelação interposta. Inaplicável o disposto no art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950 (com redação dada pela Lei 7.871/1989), dado que tal dispositivo legal não se refere ao defensor dativo. Ordem denegada.

(HC 90.963, rel. Min. Joaquim Barbosa, T2, 19.08.2008, DJE 18.12.2008)

EMENTA: HABEAS CORPUS. DEFENSOR DATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA (DEZEMBRO DE 1994). ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO. INEXISTÊNCIA. LEI Nº 9.271/1996, QUE ADICIONOU O § 4O AO ART. 370 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ORDEM DENEGADA.

É pacífica a jurisprudência do STF no sentido de que, em obediência ao princípio do tempus regit actum, somente a partir da edição da Lei nº 9.271/1996 (que adicionou o § 4º ao art. 370 do CPP) é que se tornou obrigatória a intimação pessoal do defensor nomeado pelo Juízo (Defensor Dativo). Precedentes: HC 89.315, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski; HC 89.710, Relatora a Ministra Carmem Lúcia; e HC 89.081, de minha relatoria. Habeas corpus indeferido.

(HC 90.964/SP, rel. Min. Carlos Britto, T1, 11.09.2007, DJE 08.11.2007)

EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM PROCESSO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA, POR DESCUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL. NULIDADES.

Não há nulidade no despacho monocrático de recebimento da denúncia, tendo em vista que o mesmo ocorreu anteriormente à edição da Lei nº 8.658, de 26.05.93, que determinou a aplicação nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais das normas da Lei nº 8.038, de 28.05.90, relativas às ações penais originárias. Jurisprudência do STF.

Alegação de quebra do contraditório que se repele, porque não caracterizada. Habeas corpus indeferido.

(HC 76.163, rel. Min. Ilmar Galvão, T1, 02.12.1997, DJ 20.02.1998, p. 15)

A não ser que haja uma inesperada reviravolta da jurisprudência – mais do que improvável a esta altura -, a solução é uma só: é sim possível o reinterrogatório, caso o órgão jurisdicional considere haver razões fundadas (CPP 196). Mas isso não é obrigatório – nem aconselhável, se o requerimento da defesa for protelatório -, pois a alteração topológica empreendida pela Reforma de 2008 não subtrai ao interrogatório original – realizado segundo as regras então vigentes – sua validade. O resto são lantejoulas.

Por André Lenart
Fonte: Reserva de Justiça

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Convênio entre TJPB, Esma e Defensoria Pública vai aperfeiçoar 311 defensores em todo Estado

Reciclagem
Um convênio histórico vai capacitar todos os defensores públicos da Paraíba. O documento foi assinado na tarde desta segunda-feira (25) pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Silvio Ramalho Júnior, o defensor-geral do Estado, Elson Pessoa de Carvalho, e o representante da Escola Superior da Magistratura (Esma), Manoel Abrantes. A parceria vai permitir aprimorar os conhecimentos de 311 profissionais nas áreas Cível, Penal e de Família. A capacitação terá início ainda este ano, nas salas da Esma.

“Esse convênio é um marco para a Defensoria Pública. Esse curso será obrigatório e vai beneficiar todos os defensores da Paraíba. O corpo docente da Esma possui reconhecido saber jurídico e conhece o cotidiano do defensor público”, comentou Elson Pessoa de Carvalho. A Defensoria vai encaminhar para a Esma as inscrições, para futuro contato da Escola com os inscritos, a fim de prestar os esclarecimentos a respeito do calendário das aulas.

Para o presidente do TJPB, essa parceria tem como finalidade básica a melhor prestação jurisdicional, com o aperfeiçoamento na defesa dos direitos das pessoas mais carentes da sociedade. “Com essa medida de extrema importância, o Tribunal, a Esma e a Defensoria mostram seu real interesse em resolver questões que envolvem os cidadãos que mais precisam”, ressaltou Ramalho Júnior. O convênio também vai capacitar os defensores em relação às mudanças da legislação e novas técnicas e entendimentos jurisprudenciais do Direito.

Conforme os termos do convênio, a Escola cede parte de sua infraestrutura, como salas de aula equipadas com multimídia, em João Pessoa e Campina Grande e, também, se compromete em fazer o planejamento acadêmico dos assuntos e metodologias de seus professores, além do acompanhamento, avaliação de aprendizagem e a certificação dos alunos aprovados.

Por sua vez, a Defensoria Pública vai se encarregar de remunerar os professores disponibilizados pela Esma pelos serviços prestados, nos valores adotados pela Instituição e arregimentar os interessados em fazer os cursos. A Defensoria Pública é um órgão que possibilita o acesso da população de baixa renda ao Judiciário, sendo responsável por grande parte da demanda de processos.

Ainda participaram da solenidade de assinatura do convênio o corregedor da Defensoria Pública-Geral, Francisco Ramalho; o chefe de gabinete da Defensoria, Adamastor Queiroz; o secretário-geral do TJPB, Robson Cananéa e o secretário administrativo do Tribunal, Aurélio Gusmão.

Por Fernando Patriota
Fonte: TJPB

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Justiça Estadual autoriza transexual a mudar de nome sem cirurgia de mudança de sexo

Mudanças
A Justiça Estadual autorizou transexual a retificar seu registro civil de nascimento, mudando o prenome de Antônio para Veronika, mesmo sem ter realizado cirurgia de modificação de sexo. A decisão é do Juiz de Direito Roberto Coutinho Borba, Diretor do Foro e titular da 3ª Vara Cível de Bagé.

A sentença determina, ainda, que o Registro Civil das Pessoas Naturais de Bagé deverá zelar pelo sigilo da retificação do assento da parte, ficando vedado fornecimento de qualquer certidão para terceiros acerca da situação pretérita, sem prévia autorização judicial.

Caso
O autor ingressou com ação de alteração de registro civil alegando que sempre apresentou tendência pela feminilidade, fazendo uso de roupas e maquiagens femininas. Afirmou que sempre se sentiu uma mulher aprisionada em um corpo masculino e referiu que é conhecida em seu meio social como Veronika.

Discorreu sobre o preconceito que enfrenta pela identificação de seu nome de gênero masculino, a despeito der sua aparência feminina, e que se encontra em busca de realização de cirurgia de modificação de sexo. Teceu considerações a respeito do transexualismo e da possibilidade de modificação de seu registro civil, argumentando ser dispensável a prévia modificação do sexo, mediante cirurgia, para a alteração do registro.

O Ministério Público opinou pela prévia realização de cirurgia de modificação de sexo.


Sentença
No entendimento do Juiz Roberto Coutinho Borba, a tutela dos direitos dos homossexuais e dos transexuais há muito encontra resistência nos ordenamentos jurídicos em decorrência do arraigado conteúdo judaico-cristão que prepondera, em especial, nas culturas ocidentais. A despeito do caráter laico da República Federativa do Brasil, parte considerável de nossa legislação infraconstitucional ainda se encontra atrelada às questões de índole religiosa, observa o magistrado. Cumpre, assim, a prevalência, no caso concreto do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Segundo ele, soa desarrazoado que não se outorgue chancela judicial à parte demandante com o condão de evitar prejuízos hipotéticos, quando prejuízos evidentes lhe são impostos cotidianamente, quando é constrangida a exibir documentos de identificação não condizentes com sua aparência física. Fazer com que a autora aguarde realização de cirurgia que não se revela indispensável a sua saúde e, que por tal razão não tem data próxima para ser realizada, seria impor-lhe continuar a enfrentar constrangimentos por toda vez que lhe for exigida a identificação formal, documental, analisa o Juiz.

Conferir a modificação do nome do transexual é imperativo indesviável do princípio da dignidade da pessoa humana, medida que evidentemente resguardará sua privacidade, liberdade e intimidade, diz a sentença. Exigir-lhe a realização do indigitado procedimento cirúrgico é impor-lhe despropositada discriminação, é manter-lhe permanentemente sob o olhar crítico, desconfiado e preconceituoso daqueles que não se adaptam às mudanças dos tempos.


Segundo artigo 58, caput, da Lei dos Registros Públicos, o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos e notórios. A interpretação que a doutrina e a jurisprudência têm outorgado à substituição, em regra, vai limitada às pessoas dotadas de eloquente aparição pública. Porém, reputo que se trata de concepção por demais restritiva da regra supracitada, pondera o magistrado. É dever-poder do julgador, quando instado para tanto, na especificidade do caso concreto, fazer valer o texto normativo constitucional, suprindo lacunas com aplicação da principiologia quando (e se) necessário.

Fonte: TJRS

domingo, 24 de outubro de 2010

Segredo de Justiça: até onde pode ir?

Interesse das partes
A publicidade dos atos processuais é mais do que uma regra, é uma garantia importante para o cidadão, na medida em que permite o controle dos atos judiciais por qualquer indivíduo integrante da sociedade. Ela está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, dedicado às garantias individuais, e também tem previsão legal no Código de Processo Civil (CPC), nos artigos 144 e 444.

“A publicidade gera a oportunidade não só de conhecimento, mas, sobretudo, de controle, na forma legal, de decisões, o que é inerente ao processo legal e à própria essência do Estado de Direito, pois se trata de serviço público, vale dizer, para o público, primordial”, avalia o ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao discorrer sobre o tema.

Tamanha é a importância da publicidade que o ordenamento brasileiro considera nulos os atos realizados sem a observância dessa garantia processual, com exceção das hipóteses de sigilo legalmente permitidas (Constituição Federal, artigo 93, IX, e Código de Processo Civil, artigo 155).

Entretanto, existem situações em que o sigilo interessa ao próprio cidadão, para resguardar-lhe aspectos muito importantes, nos quais a publicidade poderia ferir sua intimidade. O segredo de Justiça é decretado justamente nessas situações, em que o interesse de possibilitar informações a todos cede diante de um interesse público maior ou privado, em circunstâncias excepcionais.

O segredo de Justiça se baseia em manter sob sigilo processos judiciais ou investigações policiais, que normalmente são públicos, por força de lei ou de decisão judicial. Segundo Esteves Lima, ele deve ocorrer apenas em casos excepcionais, quando se questiona, em juízo, matéria que envolva a intimidade das pessoas ou, ainda, nos casos de sigilos de comunicação, fiscais e de dados, conforme prevê a própria Constituição da República (artigos 5º e 93).

“Em tais casos, justifica-se a publicidade restrita aos atores do processo, considerando-se que, em última análise, preserva-se a própria dignidade das partes envolvidas, pois não seria justo que questões pessoais fossem desnudadas ao grande público. Em síntese, o interesse, aí, é, primordialmente, particular, o que torna válido e, mais do que isso, legítimo aplicar a exceção, que é o sigilo processual, em detrimento da regra, que é quase absoluta, da sua ampla publicidade”, afirma o ministro.

No fundo, o legislador resguarda a intimidade do indivíduo e também a integridade da família. Não faz sentido, por exemplo, levar ao conhecimento público toda a intimidade de um casal que enfrenta uma separação litigiosa e/ou disputa a guarda dos filhos. Esse tipo de demanda tem, geralmente, interesse somente para as partes do processo. Ainda que assim não seja, eventual interesse de terceiros fica suplantado pela necessidade de preservar a intimidade dos envolvidos.

Acesso aos processos
A aplicação do segredo de Justiça deve ser sempre avaliada com muita prudência pelo magistrado. Nas investigações policiais, por exemplo, o objetivo é colher provas, regra geral em inquérito policial, sem a interferência da defesa, uma vez que, nesta fase, ainda não há o contraditório.

Entretanto, os advogados reivindicam o direito ao acesso aos inquéritos policiais e civis. Ao julgar um recurso em mandado de segurança (RMS n. 28.949) interposto pela Empresarial Plano de Assistência Médica Ltda. e outro, a ministra aposentada Denise Arruda garantiu aos advogados da empresa o acesso ao inquérito civil instaurado contra eles. Entretanto, a ministra limitou a garantia de acesso aos documentos já disponibilizados nos autos, não possibilitando à defesa o acesso “à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso”.

Em seu voto, a ministra destacou que é direito do advogado, no interesse do cliente envolvido no procedimento investigatório, ter acesso a inquérito instaurado por órgão com competência de polícia judiciária ou pelo Ministério Público, relativamente aos elementos já documentados nos autos que digam respeito ao investigado, e não a dados de outro investigado ou a diligências em curso, dispondo a autoridade de meios legítimos para garantir a eficácia das respectivas diligências. A ministra ressaltou, ainda, que a utilização de material sigiloso, constante de inquérito, para fim diverso da estrita defesa do investigado, constitui crime, na forma da lei.

No julgamento do Recurso Especial n. 656.070, o ministro aposentado Humberto Gomes de Barros definiu que é permitida a vista dos autos em cartório por terceiro que tenha interesse jurídico na causa, desde que o processo não tramite em segredo de Justiça. No caso, o Banco Finasa Ltda. ajuizou uma ação de busca e apreensão de veículo objeto de alienação fiduciária. Exercida a ação, prepostos do banco foram até o cartório verificar se a medida liminar fora deferida. Entretanto, não tiveram acesso aos autos, sob o argumento de que somente advogados e estagiários inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil poderiam fazê-lo.

Já no julgamento de um recurso em mandado de segurança, o ministro Humberto Martins entendeu que não evidencia restrição à liberdade profissional do advogado a não autorização judicial para o acesso aos autos que corram em segredo de Justiça nos quais ele não figurou como patrono. No caso, o advogado recorreu de decisão que não autorizou o seu pedido de vista, bem como a expedição de certidão da sentença de um processo de separação judicial que tramitou em segredo de Justiça. Ele não era o advogado de nenhuma das partes, e sim de um cidadão interessado no processo.

Em seu voto, o ministro lembrou que o artigo 115 do CPC limitou a presença das próprias partes e a de seus advogados em determinados atos, resguardando a privacidade e a intimidade daquelas. Acrescentou que o direito de vista e exame dos autos do processo, nesses casos, restringe-se tão somente às partes e a seus procuradores.

Quebra de sigilo
O segredo de Justiça pode ser retirado quando não mais se justificar, concretamente, a sua manutenção, uma vez que, a partir de determinada fase processual, em lugar da preponderância do interesse particular das partes, sobreleva-se o interesse público da sociedade, que tem direito, em tese, de ficar sabendo do que ocorre naquele processo. “A situação concreta é que permitirá ao juiz da causa fazer tal avaliação e, motivadamente, retirar tal segredo, se for o caso”, afirma o ministro Arnaldo Esteves Lima.

Ao analisar um agravo de instrumento em ação penal, a ministra Nancy Andrighi destacou que, com a determinação da quebra de sigilo fiscal dos investigados, impõe-se a decretação do segredo de Justiça para a tramitação da ação. No caso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra quatro pessoas, entre elas um governador de Estado. A juíza da 2ª Vara Federal de Mato Grosso do Sul determinou o segredo de Justiça com base no que estabelece o artigo 1º da Lei n. 9.296/1996.

Inconformado, o Ministério Público sustentou a revogação do decreto de segredo de Justiça, sob o fundamento de que, com a edição da Lei Complementar n. 135/2010, denominada “Lei da Ficha Limpa”, a matéria discutida deve ter outro tratamento, adequando-se à iniciativa popular refletida na nova lei.

Em seu voto, a ministra ressaltou que o fato de o denunciado ocupar cargo de natureza política e a edição da Lei Complementar n. 135/2010 não impedem o exercício do direito à informação nem transformam os fundamentos da certidão requerida por interesse particular em interesse coletivo ou geral – tampouco autorizam a quebra do segredo de Justiça.

No último mês de setembro, o ministro João Otávio de Noronha acatou parcialmente a manifestação do Ministério Público e retirou o sigilo, em parte, do Inquérito n. 681, que investiga denúncia de desvio de verbas públicas no estado do Amapá, fato esse apurado pela Polícia Federal na “Operação Mãos Limpas”.

O ministro explicou que o sigilo era necessário para resguardar a atividade de colheita de provas, visto que a publicidade das ações poderia prejudicar a apuração do delito e sua respectiva autoria. Ao acolher o pedido do Ministério Público, nesta fase de investigação, o ministro João Otávio ressaltou que, com a realização das buscas e apreensões e as prisões, o caso caiu em domínio público, “e a imprensa tem noticiado fatos com restrição de informações, o que enseja a distorção delas”.

O relator ressalvou, no entanto, que há no inquérito documentos que não podem ser expostos, seja porque ainda não foram concluídas as investigações, seja pela proteção imposta pela Constituição Federal de preservação da intimidade dos investigados.

Outros casos
No julgamento do Recurso Especial n. 253.058, a Quarta Turma definiu que não fere o segredo de Justiça a notícia da existência de processo contra determinada pessoa, somente se configurando tal vício se houver análise dos fatos, argumentos e provas contidos nos autos da demanda protegida.

No caso, uma cidadã escreveu uma carta, enviada a diversos jornais, criticando as festividades de Carnaval na cidade de Caxambu (MG), na qual haveria, também, ofensas pessoais ao prefeito da cidade, bem como ao vice-prefeito e à secretária do Departamento de Cultura, que, em razão disso, ingressaram com uma ação de indenização.

A ação foi julgada procedente, com a condenação da ré ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais e R$ 5 mil para cada uma das autoridades. O extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais reformou a sentença, concluindo que, em relação ao prefeito, não foi caracterizado o dano moral, porquanto “a apelante narra a existência de fato que está sendo objeto de impugnação do mandato na Justiça Eleitoral, cujo processo não é protegido por segredo de Justiça, sendo que a natureza pública do processo afasta a alegada ofensa à honra do prefeito, ainda que posteriormente não venha a ser considerado crime eleitoral”.

No recurso especial ao STJ, o ministro Fernando Gonçalves considerou que, no caso de pessoas públicas, o âmbito de proteção dos direitos da personalidade se vê diminuído, sendo admitida, em tese, a divulgação de informações aptas a formar o juízo crítico dos eleitores sobre o caráter do candidato.

Em outro julgamento, a Terceira Turma admitiu o processamento, em segredo de Justiça, de ações cuja discussão envolva informações comerciais de caráter confidencial e estratégico. No caso, o pedido de sigilo foi deferido no âmbito de ação indenizatória.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que dados de caráter estratégico podem causar sérios prejuízos à empresa se chegarem ao conhecimento de terceiros, em especial de concorrentes. “Seja como for, é incontestável que os fatos discutidos neste processo incluem informações de natureza confidencial, conforme consignado no contrato de ‘joint venture’ celebrado entre as partes. Desta forma, nada obsta a inclusão da hipótese dos autos na esfera de proteção conferida pelo artigo 155 do CPC”, afirmou a ministra.

Preservação da confidencialidade
Em junho de 2010, a ministra Nancy Andrighi levou uma proposta ao Conselho de Administração do STJ, com o objetivo de preservar a confidencialidade dos processos sigilosos. A ministra, fazendo referência a uma questão de ordem suscitada na sessão da Corte Especial, realizada em 16 de junho de 2010, relativa a um determinando inquérito de sua relatoria, propôs a edição de uma resolução, pelo Tribunal, regulamentando a extração de cópias reprográficas de processos sigilosos, bem como limitando a disponibilização de cópias por mídia eletrônica.

“Naquela ocasião, sugeri que as cópias extraídas de processos sigilosos passem a ser impressas em papel contendo marca-d’água, capaz de lhes identificar e individualizar. A filigrana, a ser reproduzida repetidas vezes ao longo de todo o papel, apontará o advogado que requereu as cópias, mediante indicação do número de seu registro junto à OAB, inclusive com a seccional à qual pertence”, afirma a ministra.

A ministra destacou, ainda, que esse procedimento, infelizmente, não se harmoniza com a disponibilização de cópia digital dos autos, pois, ao menos com os recursos de informática atualmente existentes, não há como impedir que o arquivo venha a ser editado de maneira a suprimir a marca-d’água.

A proposta da ministra Nancy Andrighi foi incorporada ao projeto em andamento no Conselho de Administração.

Fonte: STJ

Os números da lentidão no STF

Tudo às claras
A Transparência Brasil, uma organização não governamental brasileira, publicou os dados do seu estudo batizado de “Projeto Meritíssimos”, quem mostram que três dos dez ministros do STF (Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Dias Toffoli) têm, sozinhos, 50% dos 64,4 mil processos que permanecem sem resolução no tribunal (o chamado “congestionamento”).

Dias Toffoli “herdou” mais de dez mil processos que o ex-ministro Menezes Direito deixou sem resolução quando faleceu, em 2009. A Transparência avalia que “o fato de um novo ministro que chega ao tribunal ser literalmente afogado em processos que não foram decididos por seu antecessor revela por si só uma disfuncionalidade nos critérios de distribuição do STF.”

Já no caso dos ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, o acúmulo de processos sem decisão seria resultado de um desempenho “marcadamente mais lento” do que o dos colegas, afirma a Transparência Brasil.

Ministros como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello demoram cerca de 60 semanas, em média, para decidir processos tributários ao passo que Barbosa demora 114 semanas e Marco Aurélio, 82.

A Transparência diz que os ministros têm desempenhos bastante variáveis conforme o ramo do Direito e o tipo de processo. Na classe das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, por exemplo, os ministros Cezar Peluso, com média de 219 semanas, e Celso de Mello, com 218 semanas, são cerca de duas vezes mais lentos do que Ellen Gracie (102) ou Gilmar Mendes (98).


Os processos resolvidos mais rapidamente são os trabalhistas (28 semanas, na média), sendo os mais lentos os do ramo tributário (66 semanas), mas os tempos médios dependem muito do desempenho individual dos ministros.

Joaquim Barbosa demora em média 2,7 vezes mais tempo para concluir processos da área trabalhista do que Celso de Mello, o mais rápido nesse ramo. Para processos tributários, Barbosa é quase duas vezes mais lento do que Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Ellen Gracie.


Diferenças de desempenho semelhantes apresentam-se quando se consideram as classes processuais. A classe mais lenta é a das ações rescisórias, com uma média de 136 semanas (ou seja, mais de dois anos e meio). Uma categoria importante de processos engloba as ADINs. A média do STF para dar solução a elas tem sido de 131 semanas (mais de dois anos).

Alguns ministros contribuem mais para a dilatação desses prazos do que outros. Assim, por exemplo, os ministros Celso de Mello e Cezar Peluso demoram mais do que o dobro do tempo de Ellen Gracie e Gilmar Mendes para concluírem tais processos.


Dado curioso é que na base do STF existem processos ainda alocados formalmente a ministros que já deixaram o tribunal, alguns deles há muito tempo. Ao lado de 2.050 processos ainda oficialmente sob a responsabilidade de Eros Grau, que se aposentou em agosto de 2010, há 27 ainda nas mãos de Menezes Direito (morto em 2009) e um pequeno número sob responsabilidade de outros.


Nos casos de processos ainda alocados a Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence etc, diz a Transparência que isso se deve “a alguma omissão no registro de redistribuição, extinção ou conclusão de processos”.

No caso de Eros Grau, porém, o fato de a presidência da República não ter providenciado um nome que o substituísse implica que os processos que estavam em suas mãos encontrem-se em um limbo: “ninguém está cuidando deles”, alerta a Transparência.

A Transparência Brasil tem opinião forte sobre o alto “congestionamento” do STF: “Sob o ponto de vista de prestação do serviço da justiça (que é a única circunstância que de fato interessa ao cidadão), o congestionamento, os atrasos, a manutenção de processos sem responsável ativo significam falhas graves. As partes interessadas nesses processos nada têm a ver com afastamentos de ministros por algum motivo, qualquer que seja ele (saúde precária tem sido a justificativa apresentada pelo ministro Joaquim Barbosa para seu baixo desempenho), lentidão exagerada, desequilíbrios na alocação de processos a ministros, omissões na redistribuição e assim por diante – circunstâncias às quais se devem adicionar os privilégios absurdos gozados pelos membros do Judiciário, como férias de dois meses por ano e ausência de controle de frequência.”

O relatório garante não pretender oferecer explicações sobre os números comparativos, mas apenas explicitá-los, para que os interessados possam formular perguntas e oferecer respostas.

A Transparência ressalva, porém, que “a criação de indicadores numéricos de desempenho não significa propor que tais números devam ser tomados como único critério de comparação entre magistrados”, pois no caso de juízes, alguns fatores são muitas vezes subjetivos. “No entanto, anotar que há todo um leque de critérios subjetivos que precisam necessariamente entrar na avaliação do desempenho de ministros do STF (ou de qualquer outro profissional) não pode ser usado como argumento para desconsiderar a importância de critérios objetivos, como os tempos que eles demoram para fazer o seu trabalho.”

Fonte: Judiciário e Sociedade

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

As novas súmulas do STJ em matéria penal – brevíssimos comentários

Jurisprudência
Semana passada o STJ sumulou sete temas sobre os quais tinha jurisprudência já bem sedimentada. Eis os enunciados e alguns comentários a respeito

1. Súmula 438: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal“.

A súmula reitera o entendimento da corte acerca da ilegalidade da chamada prescrição virtual ou em abstrato.

Em regra, o prazo prescricional regula-se pela pena máxima do delito (prescrição em abstrato). Depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, o cotejo dos §§ 1º e 2º do art. 110 do CP permite que se projete para períodos anteriores à sentença a análise do prazo prescricional levando em conta a pena efetivamente aplicada – é o que se chama de prescrição retroativa, porque a análise dos novos prazos prescricionais se dá com base na pena cominada mas retroage a marcos interruptivos anteriores à sentença.

Construção pretoriana e jurisprudencial resultou na chamada prescrição virtual ou em perspectiva. Segundo essa tese, é possível analisar, desde logo, a prescrição com base na eventual pena a ser aplicada e não pela pena máxima do delito, sempre que evidente que a sanção ficará próxima ao mínimo. Assim, no furto simples cometido por réu primário, por exemplo, analisa-se a prescrição não com base na pena máxima de 4 anos (que resulta em prazo prescricional de 8 anos), mas na pena mínima de 1 ano (que resulta em prescrição de 4 anos).

Ocorre que não há previsão legal da prescrição virtual. A doutrina enquadra sua construção nas hipóteses de falta de interesse de agir, diante da evidente inutilidade de se prosseguir processo penal que culminará em condenação a pena que, à toda evidência, já se verifica prescrita.

O STJ, porém, deixou claro que a falta de previsão legal impede o reconhecimento do instituto.

Já havia falado mais sobre esse tema aqui.

2. Súmula 439: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada“.

A Lei nº 10.792/2003 retirou da Lei de Execuções Penais a previsão do exame criminológico. Até então, para que qualquer detento progredisse a um regime mais brando, deveria se submeter a exame criminológico a fim de se verificar a possibilidade de reinserção social.

Com a novidade legislativa, sustentou-se que não mais caberia exigir o exame. Alguns juízes mais criteriosos, porém, continuaram a exigi-lo, e a jurisprudência, inicialmente vacilante, pacificou-se no sentido exposto na súmula: é possível exigir o exame, desde que de forma fundamentada.

Sobre o mesmo tema, transcreve-se a Súmula Vinculante nº 26 do STF: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico“.

Na prática, o recente caso de Luziânia demonstrou que a situação é a seguinte: se o juiz exigir o exame e não fundamentar muito, a defesa, com HC, consegue a liberação do detento; contudo, se o juiz conceder a progressão sem exigir o exame (cumprindo à risca a lei), ele que reze, porque se o “reeducando” voltar a delinquir, vão querer mandar é o juiz para a cadeia.

3. Súmula 440: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”.

A fixação do regime de cumprimento de pena segue uma gradação prevista no art. 33, § 2º, do CP, que diz:

§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

O § 3º do mesmo artigo, contudo, confere maior flexibilidade ao Juiz, permitindo a fixação do regime de cumprimento de pena mais gravoso desde que diante da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis:


§ 3º – A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código

Observe-se, ainda, que a interpretação literal da lei levaria à conclusão de que a regra do § 2º somente se aplicaria a réus primários; por consequência, reincidentes iriam desde logo ao regime fechado, independentemente do quantum de pena. Essa interpretação, contudo, tem sido abrandada, admitindo-se a fixação de regime um patamar mais gravoso (semiaberto) em condenações inferiores a quatro anos, desde que presentes todas as circunstâncias judiciais favoráveis. Nesse sentido é a Súmula nº 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais“.

Dito isso, verifica-se que a Súmula nº 440 apenas explicita que, não tendo o juiz reconhecido circunstâncias judiciais desfavoráveis na primeira fase da dosimetria da pena (art. 59 do CP), não pode desprezar a tabelinha do § 2º do art. 33 do CP e fixar regime de pena mais gravoso.

4. Súmula 441: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional“.

No curso da execução penal, o cometimento de falta grave por parte do sentenciado leva-o à regressão de regime (art. 118, inciso I, in fine). Por consequência, ele regredirá a regime mais severo e, da regressão, passará a contar novo prazo para que possa progredir futuramente a regime mais brando. Se já estiver no regime fechado, o apenado – que logicamente não poderá regredir mais – terá reconhecida a falta grave, com dois efeitos: interrupção do prazo para progressão e perda de dias remidos (art. 127 da LEP e SV nº 09 do STF).

Nesse caso, a interrupção do prazo para nova progressão nada mais é do que o reinício de contagem de prazo. Assim, se o réu cumpre pena desde 01/01/2010 e poderia progredir de regime em dois meses, ao cometer falta grave em 30/01/2010 deverá ter sua liquidação de pena refeita, recalculando-se a data de progressão a partir da data da falta grave.

Segundo o STJ, contudo, esse entendimento não se aplica ao livramento condicional. Assim, ainda que o apenado cometa toda sorte de falta grave na execução da pena, o prazo para livramento condicional continua a ser contado a partir do primeiro dia de prisão.

Confesso que discordo desse entendimento, mas prefiro nem perder tempo expondo minhas razões. É mais fácil virar garantista e dá menos trabalho (acho que estou começando a entender porque os tribunais gostam tanto do garantismo).

5. Súmula 442: “É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo“.

Se alguém comete furto em concurso com outra pessoa, sua pena dobra: vai de 1 a 4 anos para 2 a 8 anos. O concurso de agentes, no furto, é qualificadora que define novas balizas de apenamento.

Se essa mesma pessoa comete roubo com seu inseparável comparsa, a consequência é mais branda: a pena é aumentada de um terço até a metade.

Diante dessa diferença, alguns garantistas quiseram construir um tertium genus de Código Penal, aplicando aos casos de furto qualificado pelo concurso de pessoas a pena do furto simples acrescida de um terço, porque o resultado é mais benéfico para o réu.

Felizmente, nesse ponto reinou a sensatez no STJ: o legislador é quem prevê que circunstâncias agravam ou qualificam a pena e de que forma. Não cabe ao intérprete recortar e colar o CP a fim de obter o melhor resultado para o réu.

6. Súmula 443: “O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes“.

Sobre esse entendimento já falei um monte aqui. Reporto-me ao conteúdo desse meu post anterior, de modo que não cabe aqui repisar os argumentos ali expostos.

7. Súmula 444: “Conforme orientação há muito firmada nesta Corte de Justiça, inquéritos policiais, ou mesmo ações penais em curso, não podem ser considerados como maus antecedentes ou má conduta social para exacerbar a pena-base ou fixar regime mais gravoso“.

Essa é antiga e decorre da elástica interpretação que se dá ao princípio da presunção de inocência. Digamos que o sujeito esteja sendo processado e, na hora de proferir a sentença, o juiz passe os olhos pela folha corrida do réu e veja que lá constam anotações de 20 processos e inquéritos, mas nenhum com condenação transitada em julgado. O que fará o julgador? Nada, porque a jurisprudência entende que se as ações penais ainda não foram julgadas em definitivo, elas não existem no mundo jurídico, de modo que o sujeito, ainda que ostentando um curriculum desse porte, deve ser considerado primário e de bons antecedentes(!).

A orientação tem lá sua lógica: vai que o sujeito seja absolvido nessas ações. De fato, ele não pode ser punido (e aumentar a pena em um crime por conta da existência de ações penais relativas a outros não deixa de ser punição) por conta de algo que ainda não é certo, do qual tem a chance de se defender e provar sua inocência.

Para driblar esse entendimento, alguns juízes consideravam as várias ações para aquilatar a conduta social. Por isso, a súmula foi explícita em afastar essa possibilidade.

Com isso, cristaliza-se o entendimento de que maus antecedentes são representados por condenações transitadas em julgado por fatos anteriores ao crime que se apura e que não induzem reincidência (ou seja, aquelas extintas mais de cinco anos antes do cometimento do crime que se apura).

Fonte: Blog do Marcelo Bertasso

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Juízes de Marrocos integram órgão máximo da Justiça

Constituição do Marrocos
A África é realidade complexa que não pode ser redutoramente unificada. O continente vive processo assustador de desumanização, marcado por marginalizações, apartheids tecnológicos, Estados predatórios, confrontos por identidades étnicas. Por conta do fundamentalismo islâmico, não obstante as formulações múltiplas protagonizadas pelas instituições islâmicas, há tendência de se excluir o Magrebe, o norte da África de fala compulsória francesa, do contexto africano, como resultado de influências maometanas e do posterior imperialismo francês e que redundaram em impulso revolucionário que agita historicamente o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia.

Independente desde 1956, o Marrocos tem história que se confunde com os movimentos recentes de descolonização afro-asiática que marcaram os anos posteriores à Segunda Guerra mundial, ao lado da bipolarização que tomou conta da Guerra Fria.

O contato com a cultura e religião islâmicas, comportamentos normativos autênticos, relativos a normatividade realista, centrado na Sharía, e seus naturais reflexos na concepção de um Estado Muçulmano moderno, marcam modelo político contemporâneo híbrido, típico de realidade marcada pela diversidade, e que se vê sufocada e ameaçada por modelos importados e por transposições jurídicas. É desse Estado contemporâneo que trato agora.

O Reino do Marrocos é definido constitucionalmente como um Estado Muçulmano Soberano cuja língua oficial é o árabe. Indica-se que o território do país faz parte do Grande Magreb Árabe. Tem como objetivo a realização da unidade africana, na medida em que se coloca como Estado africano. O Reino do Marrocos, por meio do preâmbulo de sua constituição, subscreve princípios, direitos e obrigações resultantes dos compromissos internacionais, vinculando-se também à defesa de direitos humanos, da forma como se encontram universalmente reconhecidos. O Reino do Marrocos afirma empenho em lutar pela paz e pela segurança mundiais.

O Marrocos define-se como monarquia constitucional, democrática e social. Decreta-se que a soberania pertence à Nação, que a exerce diretamente por meio de referendo e indiretamente por intermédio das instituições previstas na constituição. Proíbe-se o monopartidarismo. Partidos políticos, sindicatos, conselhos locais e associações profissionais participam na organização do Estado e na representação dos cidadãos. Indica-se que a lei é a suprema expressão do desejo da Nação. Escreveu-se que todos devem se submeter à vontade da lei. Proíbem-se leis com efeitos retroativos. Todos os marroquinos exercem direitos de igualdade em face da lei.

A religião islâmica é oficial. Garante-se a todos os muçulmanos a liberdade de culto. A constituição do Marrocos prevê um mote para o país: Deus, Pátria, Rei. Homens e mulheres detêm direitos políticos homogêneos. Todos os cidadãos de ambos os sexos são eleitores, exigindo-se apenas idade legal, além do pleno exercício dos direitos civis e políticos.

O texto constitucional do Marrocos prescreve liberdade de movimento e possibilidade de se estabelecer em qualquer ponto do país. Garante-se a liberdade de opinião, de expressão e de reunião, de organização e de filiação sindical. Proíbe-se que a lei estabeleça limites para o exercício dessas liberdades previstas pela constituição. Veda-se a prisão e a punição, exceto nos casos previstos em lei. Tem-se o domicílio como asilo inviolável. Proíbem-se buscas, diligências e inspeções, a menos que exista previsão legal específica. Consignou-se o sigilo de correspondência.

Determinou-se que a todos os cidadãos são garantidos o acesso às funções e empregos públicos, à educação e ao trabalho. Garante-se o direito de greve. Lei orgânica determina condições e formas para o exercício desse direito. Prescreveu-se o direito de propriedade, cuja extensão e condições podem ser limitadas no interesse econômico e social. Medidas de desapropriação exigem prévia identificação por lei.

De todos se exige contribuição para a defesa da pátria. Ainda, em nicho tributário, determinou-se que todos devem contribuir para os gastos públicos, na medida da capacidade econômica, na forma determinada por lei. Consagraram-se princípios de capacidade contributiva e de legalidade tributária. Também se exige que todos contribuam para eventuais custos decorrentes de calamidade pública.

O Rei é o supremo representante da nação. É símbolo da unidade do país, garantia da permanência e da continuidade do Estado, garantidor da perenidade da religião e da constituição. É o protetor dos direitos e liberdades dos cidadãos, dos grupos sociais e das coletividades. Garante também a independência da Nação e a integridade territorial do reino em relação a suas fronteiras autênticas, adjetivo eloquente adotado pela constituição do Marrocos.

A coroa do Marrocos é hereditária. Direitos constitucionais também são hereditários. Esses direitos são transmitidos de pai para filho, em linha masculina descendente do Rei Hassan II, a menos que o Rei, ao longo de sua vida, designe entre seus herdeiros um sucessor que não seja o filho mais velho. Na inexistência de descendentes masculinos diretos, o trono é outorgado ao parente colateral masculino mais próximo, sob as mesmas condições. A maioridade do Rei é atingida aos dezesseis anos. Um conselho de regentes exerce os poderes inerentes ao trono, com exceção de prerrogativas de revisão constitucional. Esse conselho é liderado pelo juiz presidente da Suprema Corte, e é composto por autoridades civis e religiosas nomeadas pessoalmente pelo Rei; esse último é assessorado pelo conselho. Uma lei orgânica prevê e disciplina o funcionamento do referido conselho.

O Rei detém apanágios não extensivos aos demais cidadãos. O texto constitucional do Marrocos nomina o Rei de inviolável e sagrado. O Rei indica o primeiro-ministro. Por proposta desse último, o Rei aponta os demais membros do governo. O conselho de ministros é presidido pelo Rei. O Rei promulga as leis passados 30 dias da comunicação de que a norma foi aprovada. Ao Rei também se autoriza dissolver a câmara de representantes. O Rei pode dirigir-se à câmara de representantes e à nação; o conteúdo de suas comunicações não pode ser sujeito a nenhuma forma de debate. O Rei indica juízes, exerce o poder de perdoar e pode decretar estado de emergência.

O Rei exerce por decreto os poderes que lhe são especificamente outorgados pela constituição do Marrocos. O Rei é o supremo comandante das forças armadas reais do Marrocos. É ele quem indica o pessoal militar e civil, podendo delegar tal função. Ao Rei compete também nomear embaixadores do país para representação em outros países e nas organizações internacionais. É o Rei quem assina e ratifica tratados internacionais. No entanto, tratados relativos a finanças do Estado dependem de ratificação ou de aprovação prévia da câmara de representantes. Os tratados que provoquem conflitos com a constituição do Marrocos são aprovados guardando-se os mesmos procedimentos exigidos para reforma constitucional.

Os membros da câmara dos representantes devem os respectivos mandatos à Nação. O poder de voto é pessoal e não pode ser delegado em hipótese alguma. Nenhum membro da câmara de representantes pode ser preso ou julgado por delitos de opinião, exceto quando se manifeste em relação ao sistema monárquico, à religião muçulmana e quando falte com respeito para com o Rei. Os debates na câmara são públicos e minutas são publicadas na gazeta oficial. O mandato tem prazo de seis anos. A iniciativa legislativa pertence ao primeiro-ministro, e também aos representantes do legislativo. O executivo pode expressar objeção a qualquer proposta ou emenda que não esteja em seu campo de competência legislativa. Nesse caso, um conselho constitucional decide em oito dias, a partir do requerimento da câmara ou do próprio governo. Durante recesso parlamentar o governo está autorizado a outorgar decretos-lei, que serão considerados e aprovados pela câmara, quando do retorno do referido recesso.

A expressão governo, nos termos da constituição do Marrocos, refere-se ao primeiro-ministro e demais membros do ministério. O governo é responsável perante o Rei e a câmara de representantes. Após nomeação do governo pelo Rei, o primeiro-ministro deve apresentar programa de ação, sujeito a debate junto à câmara de representantes. O primeiro-ministro chefia o Poder Executivo, podendo delegar para seus ministros parcela dos poderes que recebe com sua nomeação. O Rei tem poder para dissolver a câmara de representantes, depois de ouvir o presidente do conselho constitucional. Uma nova câmara deve ser eleita e composta dentro de três meses da aludida dissolução.

O conselho constitucional conta com quatro membros escolhidos pelo Rei, por um período de seis anos. Conta também com quatro membros nomeados pelo mesmo período pelo presidente da câmara de representantes. O Rei ainda indica o presidente do conselho, que confere número par ao colégio anunciado. Lei orgânica identifica os contornos e o funcionamento do conselho.

O Poder Judiciário é independente dos Poderes Legislativo e Executivo. As sentenças são confeccionadas e aplicadas em nome do Rei. Um conselho superior de magistratura indica os nomes dos juízes que serão escolhidos pelo Rei. A inamovibilidade é característica do juiz marroquino. O conselho superior de magistratura é presidido pelo Rei e composto pelo ministro da Justiça (que é o vice-presidente do conselho), pelo presidente da corte suprema e por representantes da magistratura de primeiro grau, eleitos entre seus pares. O referido conselho supervisiona o comportamento dos magistrados, no que toca, especialmente, à disciplina dos mesmos. A Corte Suprema do Marrocos conta com número de membros definido por lei ordinária, que também especifica a forma como tais juízes são eleitos.

A constituição do Marrocos prevê um conselho econômico e social, a quem cabe assessorar o governo, respondendo consultas, especialmente com referência a tendências e características da economia do país.

A revisão constitucional decorre de iniciativa do Rei ou da Câmara de Representantes. O Rei, no entanto, pode imediatamente submeter a referendo projeto de revisão que tenha iniciado. A revisão exige, para sua aprovação, da concordância de dois terços dos membros da câmara de representantes. O referendo torna definitiva a revisão constitucional. Veda-se reforma constitucional que se refira à forma monárquica de Estado e à religião islâmica.

Tem-se constituição de feição ocidentalizante, em contexto islâmico, que se desenvolve em solo africano, sob influência histórica de recente presença europeia, em ambiente globalizado, desenhando-se instituições exógenas, oriundas de vários nichos e consequentemente pouco eficientes nas circunstâncias presentes.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur