segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Estado é responsável por falta de vagas no semiaberto

Sistema inchado
A sociedade brasileira e as instituições públicas demonstraram, nos últimos anos, constante preocupação em aproximar a Justiça brasileira da população. E é justamente sobre algumas dessas iniciativas que gostaria de tecer considerações e sugestões.

O sistema carcerário padece de diversas mazelas e algumas medidas simples, do ponto de vista jurídico ou legislativo, permitiriam um melhor equacionamento das vagas hoje existentes. A população carcerária ultrapassa 473 mil presos e o sistema conta com déficit de mais de 194 mil vagas. Uma das diversas causas da superpopulação nos presídios é o fato de que os presos não têm defesa.

Ciente desse quadro, em agosto de 2009, foi criada a Força Nacional da Defensoria Pública em execução penal, por meio de termo de cooperação entre Ministério da Justiça, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública dos Estados, com o escopo de levar Assistência Jurídica aos presos e familiares.


Em outras palavras, o objetivo da Força, que já atuou em vários estados da Federação, é levar o trabalho do Defensor Público ao preso que já cumpriu pena ou foi condenado a um regime menos severo, mas que continua encarcerado e contribuindo para o problema da ausência de vagas. A Força Nacional, portanto, volta-se para garantir uma política pública de acesso a direitos aos detentos.


Ainda no que toca o sistema carcerário, mas agora no âmbito de atuação da sociedade civil, a Pastoral Carcerária, em conjunto com a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), relata que, apenas no estado de São Paulo, maior população carcerária do Brasil, com aproximadamente 164 mil pessoas, existem cerca de sete mil pessoas no regime fechado, com direito ao regime semiaberto. Quer dizer, estão ocupando vagas em penitenciárias, quando, na verdade, deveriam estar em colônia penal agrícola.


Em visita à penitenciária Nilton Silva, em Franco da Rocha (SP), voltada para receber presos em regime fechado, Pastoral e Anadef constataram, no mês de outubro de 2010, que, dos 1.413 presos, 587 encontravam-se em situação irregular, pois tinham direito assegurado ao regime semiaberto, mas lá ainda estavam custodiados.


Resta muito claro, portanto, que milhares de presos, apesar de terem direito a cumprir pena em regime mais brando, seja por assim mandar o édito condenatório, seja porque assim deferiu o Juízo das Execuções (pedido de progressão ao regime semiaberto), por uma inoperância do próprio Poder Público, acabam sendo responsabilizados pela culpa do Estado.

A Defensoria Pública da União tem inúmeros Habeas Corpus protocolados em favor de assistidos, junto ao Supremo Tribunal Federal, com provimentos favoráveis no sentido de responsabilizar o Estado pela ausência de vagas no semiaberto, determinando o encaminhamento do preso ao aberto, até a abertura de vagas no regime apropriado.

Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal, muitos tribunais pelo país ainda insistem em atribuir a responsabilidade pela ausência de vagas no semiaberto, ao próprio condenado.

O que causa perplexidade é que uma questão decidida pelo STF, a Corte mais alta do país, o tribunal que dá última palavra, receba decisão diferente, em causas idênticas, nos tribunais e juízos inferiores, obrigando o condenado a interpor recursos, percorrendo um caminho difícil, penoso, demorado, para, depois de anos e anos, chegar ao Supremo a fim de obter a reforma daquela decisão.

Nessa linha, Anadef e Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária, com o escopo de ver assegurado em todos os tribunais do país o entendimento do STF, apresentaram minuta, em maio de 2010, de súmula vinculante, à Defensoria Pública da União.

Caso a proposta chegue ao STF, que tem inúmeros precedentes favoráveis à tese levantada, estaríamos contribuindo para diminuir o inchaço no sistema, sem a necessidade de construir novos presídios.


Apenas no Distrito Federal quase três mil presidiários extrapolam a capacidade das cadeias. Estima-se, segundo dados da Secretaria de Segurança do DF, que para viabilizar a criação de uma nova cadeia, com capacidade para 1,5 mil presos, a obra custaria R$ 70 milhões e levaria ainda três anos para ficar pronta.


Conjugando essas propostas com programas de reinserção social, estaríamos, também, trabalhando para a melhoria da relação dos apenados com a sociedade.


Por Luciano Borges dos Santos
Fonte: ConJur

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Tribunais do DF, Goiás, Paraíba, Rio e São Paulo recebem selo do Começar de Novo

Nova oportunidade
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entregou, nesta quinta-feira (24/02), selos do Programa Começar de Novo aos cinco tribunais de Justiça cuja atuação resultou nos maiores números de vagas de trabalho – abertas e preenchidas – para detentos e egressos do sistema carcerário. Os tribunais agraciados são os do Distrito Federal, Goiás, Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo. A solenidade contou com as presenças da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon.O DF criou 28 vagas, Goiás, 322; Paraíba, 15;Rio de Janeiro, 96 e São Paulo,156.

Criado pelo CNJ em 2009, o Começar de Novo é um conjunto de ações voltadas à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil com o propósito de coordenar, em âmbito nacional, as propostas de trabalho e de cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de cidadania e promover a redução da reincidência na criminalidade.

Receberam o selo os cinco tribunais que conseguiram os melhores resultados após atuarem junto a instituições públicas e privadas em favor da inclusão produtiva dos atendidos pelo Começar de Novo. A entrega dos selos ocorreu durante workshop, na sede do CNJ, em Brasília, que reuniu magistrados e servidores engajados no programa de todas as unidades da federação.

Os cinco tribunais agraciados nesta quinta-feira se juntam a outros 23 parceiros que já haviam recebido o selo do Começar de Novo, entre eles a Cia. Hering, o Sport Club Corinthians Paulista e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Os pilares do Começar de Novo são a inclusão produtiva, com qualificação profissional, e proteção social às famílias, considerados fundamentais para a reinserção dos egressos do sistema carcerário à sociedade. Nos casos em que essas ações são adotadas, aliadas a projetos de humanização e acesso a atividades religiosas, os índices de reincidência são reduzidos consideravelmente. Em dezembro, o programa recebeu o VII Prêmio Innovare, como prática do Judiciário que beneficia diretamente a população. A seguir, quadro com os tribunais agraciados e as vagas abertas e preenchidas:

Por Jorge Vasconcellos
Fonte: CNJ

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Falta tornozeleiras eletrônicas no Rio Grande do Sul

Outra opção
A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul entrou, no dia 18 de fevereiro, com pedido judicial de prisão domiciliar para os apenados que utilizavam tornozeleiras eletrônicas na região do Vale do Sinos (Grande Porto Alegre). A solicitação foi feita pelas defensoras públicas da Comarca de Novo Hamburgo, Denise Rocha Porto, Lucinara Oltramari e Naira Sanches, que atuam na Vara de Execuções Criminais (VEC). No total, 70 presos, do regime aberto, tiveram de retornar às suas unidades prisionais de origem pela falta do equipamento.

O pedido se deve à suspensão do uso das tornozeleiras, causada pelo término do contrato emergencial de locação dos equipamentos. “O contrato terminou, e a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), órgão do Estado responsável pelo programa, não concluiu a licitação em tempo hábil para a continuidade do sistema. Contudo, os apenados não podem ser prejudicados no exercício de seu direito em decorrência da ausência de previsão do Estado de dar continuidade a um programa que ele originou como modalidade de minimizar as caóticas situações prisional e carcerária vigentes”, argumenta a defensora Lucinara Oltramari.

A suspensão do uso desses equipamentos por parte do Poder Público, conforme a defensora pública, contraria o princípio constitucional do não-retrocesso, o qual esclarece que os direitos adquiridos não podem ser suprimidos pela administração pública sem que o administrado tenha dado causa a tal supressão. “A incongruência nessa atitude também se dá no fato de que o uso dos equipamentos eletrônicos é legislado por leis federais e estadual, não se tratando, portanto, de mera discricionariedade da administração pública, sendo que a suspensão do exercício deste direito somente poderia ser determinada por norma de igual quilate, o que não ocorreu”, lembra Lucinara.

O dispositivo, em uso desde agosto de 2010, tem a função de monitorar a movimentação dos apenados por meio de tecnologia via satélite, que permite a localização exata da pessoa.

Por Jomar Martins
Fonte: ConJur

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Advogados também têm que passar por detector de metais

Vale para todos
Os advogados têm que se submeter às mesmas normas de segurança dos tribunais aplicadas às demais pessoas, como detector de metais, raios X e revista de bolsas. A decisão foi tomada na última terça-feira (15/02) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que negou provimento ao pedido de providência nº 0004470-55.2010, impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A seção da OAB no Espírito Santo alegou que o TRF submetia os advogados a constrangimento, como revista de bolsas, na entrada do tribunal. E argumentava que a identificação profissional deveria dispensar a passagem por equipamentos de segurança.

“A revista de pasta e bolsa não impõe qualquer óbice ao exercício da advocacia”, ressaltou o conselheiro Paulo Tamburini, relator do processo. Ele lembrou que todos os tribunais do país têm adotado medidas de segurança para garantir a integridade física dos magistrados, servidores e dos próprios advogados. As medidas foram adotadas depois da ocorrência de vários casos de violência contra magistrados.

Na avaliação dos conselheiros Marcelo Nobre, Jefferson Kravchychyn e Jorge Hélio Chaves de Oliveira, a Justiça Federal no Espírito Santo está discriminando os advogados. Eles fizeram visita ao Tribunal e constataram que só os advogados são revistados. Servidores, magistrados e visitantes não são submetidos à revista. “É uma questão discriminatória”, reclamou Kravchychyn.

O conselheiro Walter Nunes da Silva Jr. lembrou que a Resolução 104 do CNJ estabelece que “todos devem se submeter ao detector de metais”, sem exceção. “Isso é imprescindível à segurança”, acrescentou a ministra Eliana Calmon, corregedora Nacional de Justiça, para quem os magistrados devem dar o exemplo submetendo-se às normas de segurança.

Por Gilson Euzébio
Fonte: CNJ

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CBF volta atrás e reconhece o Flamengo como campeão em 1987

Óbvio mais que ululante
O Flamengo brigou, lutou e nesta segunda-feira, enfim, teve o reconhecimento do título brasileiro de 1987. A presidente Patrícia Amorim se encontrou com o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, na Barra, para formalizar o fim da polêmica questão.

Agora, para a CBF, houve dois campeonatos brasileiros naquele ano, um conquistado pelo Fla, outro pelo Sport. Inter e Guarani são os vices.

- Com o a unificação dos títulos no ano passado, há outros casos de dois campeões no mesmo ano. Foi passado a limpo o futebol brasileiro - disse Ricardo Teixeira, que no ano passado divulgou parecer contundente afirmando que o Flamengo não era o campeão de 1987.

O diretor jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes, garantiu que a entidade tomou a decisão respaldada legalmente.

- O Flamengo apresentou no início de fevereiro um estudo complexo pedindo que a CBF reconsiderasse a decisão de 1987 e reconhecesse o Flamengo como campeão junto com o Sport. O presidente Ricardo Teixeira repassou para mim o estudo e, diante dos novos argumentos, vimos que seria justo e isso não causaria problemas jurídicos a ninguém - disse.

Carlos Eugênio Lopes considerou os argumentos do Flamengo bastante convincentes e lembrou que após a unificação dos títulos desde 1959 seria injusto não resolver a pendência da Copa União. Na cerimônia de distribuição das faixas, em dezembro do ano passado, Ricardo Teixeira disse que, como havia uma decisão judicial transitada em julgado a favor do Sport, poderia ser preso se desse a taça aos rubro-negros. A diretoria do Flamengo respondeu com ironia. Em nota oficial, os dirigentes afirmaram que, se Teixeira viesse a ser preso, não seria pela polêmica de 87.

Nesta segunda, o diretor jurídico da CBF garantiu que, judicialmente, não há o que o Sport contestar.

- O estudo enviado pelo Flamengo tem vários anexos, inclusive um documento em que o Sport reconhece o Flamengo também como campeão em 87 -afirmou.

Patrícia Amorim comemorou muito a vitória nos bastidores.

- Esse é um dia histórico para o Flamengo. Quero homenagear todos os jogadores da campanha de 87 e o técnico Carlinhos. Vocês são agora os legítimos campeões de 87, e o Flamengo tem de direito seis títulos de campeão brasileiro - disse, em entrevista ao site oficial da CBF.

Longa batalha política
Em abril de 2010, a CBF havia batido o martelo de que a Taça das Bolinhas deveria ser entregue ao São Paulo, oficialmente considerado o primeiro time a ganhar cinco vezes o Brasileiro. Na ocasião, Ricardo Teixeira disse que a decisão era irrevogável. Dois dias antes, Fábio Koff havia sido reeleito presidente do Clube dos 13 com apoio de Patrícia Amorim. Ricardo Teixeira preferia que o eleito fosse Kléber Leite.

Na eleição de Koff, Patrícia estava ao lado de Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo. Na semana passada, o dirigente tricolor recebeu oficialmente a Taça das Bolinhas, apesar dos protestos da diretoria rubro-negra. A CBF argumenta que a taça foi entregue pela Caixa Econômica Federal.

No site oficial tricolor, Juvenal Juvêncio publicou uma carta para dar satisfação a Patrícia Amorim sobre o caso. O presidente foi respeitoso, elogiou Patrícia, mas argumentou que não poderia abrir mão de um troféu "que materializa o símbolo de algumas das mais importantes conquistas desportivas dessa entidade". No dia da entrega da taça, Juvenal comentou que "ia se deliciar" com o troféu.

O Flamengo respondeu com um pedido de busca e apreensão na 50ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.

Fonte: G1

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Reunião na Granja Santana

Encontro produtivo
Reunião na noite de ontem por quase 2h na Granja Santana, sede social do Governo do Estado da Paraíba, com o governador Ricardo Coutinho, ao centro, a sua direita o secretário da Administração Penitenciária, Dr. João Alves Formiga, os Juízes das Execuções Penais de João Pessoa, Dr. Carlos Beltrão, o das Execuções Penais de Campina Grande, Dr. Fernando Brasilino e Eu, representando as Execuções Penais de Guarabira. Aqui estava presente 75% do PIB de presos da Paraíba. O governador sempre atento e anotando tudo. Mostrou conhecimento da situação, pois muito bem assessorado pelo secretário, que é competente e honesto. Requisito imprescindível para está à frente do Sistema Prisional.

Entrega solene de um projeto em nome da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, para a Defensoria Pública do Estado. A idéia é transformar a Defensoria, deixando-a muito mais atuante e muito mais próxima da comunidade acadêmica. A UEPB, com a missão de contribuir para as principais situações do nosso estado, como universidade pública e gratuita, sustentada pelo nosso povo, procurou contribuir. O governador gostou muito da ideia e já despachou na capa, remetendo ao Defensor Público Geral. Custo zero para o estado e melhoria nos serviços para a população. Compromisso das universidades, UEPB, FACISA, IESP, FESP...


Saldo positivo - nem tudo foi conversa. Da reunião restou decidido:
um foco: fechar o Presídio do Róger
uma revolução e coringa: implantar as tornozeleiras eletrônicas
uma conquista: livrar o sistema penitenciário e a comunidade do Bairro do Róger dessa chaga (Presídio do Róger), que há 60 anos mancha a todos nós.
uma vitória: transformar o espaço hoje destinado ao Presídio em uma espaço de cultura e de convivência para a população do Bairro do Róger.
uma certeza: conhecendo o governador, pelo seu histórico, ele fará tudo isso.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Déficit prisional equivale a 396 novos presídios

Tamanho do problema
Grande parcela do “boom carcerário” brasileiro se deve ao estrondoso crescimento do número de presos provisórios (44% de 1990 a 2010). Este cenário caótico, por si só, já constitui motivo bastante para a tomada de medidas internacionais permanentes contra o Brasil. Mas ele não existe isoladamente, posto que acompanhado de outro gravíssimo problema: o déficit de vagas prisionais.

Ao longo dos últimos 20 anos, observamos o crescimento constante no número de vagas no sistema penitenciário, já que o número de presídios construídos no Brasil, no período compreendido entre 1994 a 2009, mais que triplicou, passando de 511 para 1806, respectivamente (Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Luiz Flávio Gomes – http://www.ipcluizflaviogomes.com.br, a partir dos dados do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional).

Mas tudo que foi feito não foi suficiente! Esse dado, por si só, já provaria o quanto vivemos numa sociedade absolutamente nada sadia. O ano de 2010 fechou com déficit de 198.000 vagas. Se algum governante, num momento de insanidade mental, quisesse acabar com o déficit prisional de uma só vez, seria necessária a construção de mais 396 prisões (cada um com capacidade para 500 detentos) para sanar a deficiência do sistema (de acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ).

Isso possibilitaria, é certo, retirar os presos que se encontram empilhados em delegacias (cerca de 70.000, segundo o Ministério da Justiça), cadeiões ou até mesmo, num grau absurdamente caótico e desumano, em contêineres, como o caso recente do Presídio Pascoal Ramos do Mato Grosso (dado retirado do Conselho Nacional de Justiça - http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13095:maior-presidio-de-mt-aprisiona-detentos-em-conteineres&catid=1:notas&Itemid=169&utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed). Mas não acabaria, seguramente, com a desumanidade do sistema prisional brasileiro.

O déficit prisional referido está ligado diretamente ao uso e abuso das prisões provisórias que, em regra, são desproporcionais e descabidas. Recorde-se: a prisão provisória, no nosso ordenamento jurídico, é (deveria ser) a exceção. Regra é a liberdade. Claro que todos devemos reagir contra a criminalidade, inclusive duramente, quando necessário. Claro que a prisão provisória, em alguns casos excepcionalíssimos, não ofende o princípio da presunção de inocência (previsto tanto no inciso LVII, do artigo 5º da Constituição Federal, como no artigo 8º, nº 2 do Pacto de São José da Costa Rica).

Mas o Estado não tem o direito de transformar o criminoso em vítima dos seus abusos e das suas atrocidades. Nossa solidariedade com todas as vítimas (vítimas dos criminosos, vítimas das desumanidades dos agentes do Estado) nos leva a criticar duramente o atual modelo carcerário brasileiro.

Nossa reação emocionada (passional) contra o delito revela um dos sentimentos mais atávicos do ser humano: a vingança (que é típica do estado de natureza, como dizia Hobbes). Mas esse sentimento, por mais forte que seja, não pode ter existência isolada. Junto com o sentimento de vingança temos que desenvolver (civilizadamente) outros sentimentos (típicos das sociedades maduras): de justiça, de solidariedade (com as vítimas do crime e vítimas das atrocidades do sistema carcerário), de respeito aos direitos das outras pessoas etc.

O sentimento desmedido de vingança, que parte do clamor público e passa pela mídia, chegando aos juízes (o percentual de presos provisórios era de 18% em 1990 e alcançou 44% em 2010), racionalmente, deveria ser freado o mais pronto possível, como medida preventiva de contenção do torturante sistema penitenciário brasileiro.

Por Luiz Flávio Gomes*
Natália Macedo**
**Advogada, pós graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
Fonte: LFG

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Nos últimos 30 anos, Justiça nos EUA é pró-mercado

Direito Comparado
"Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos", afirma o professor Edward A. Purcell Jr., uma das mais respeitadas autoridades sobre a história da Suprema Corte e do sistema federal de Justiça dos Estados Unidos, ao comentar pesquisa feita pelo The New York Times que apontou aumento no número de casos em que interesses corporativos foram preservados na Suprema Corte do país, sob a presidência do juiz John G. Roberts Jr., indicado pelos Republicanos.

Segundo Purcell, nos últimos 30 anos os tribunais do país se moveram politicamente para a direita, com uma postura pró-mercado, como reflexo do peso da maioria conservadora. "Isso cria um contexto um tanto restritivo para aqueles que pretendem processar grandes corporações e instituições governamentais. Também pode ser restritivo em termos de direitos civis, em casos de ações de classe e ações conjuntas", afirma, mas ressalva que a análise das decisões não depende só da ideologia dos juízes. "Quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples."

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, em seu espaçoso gabinete na New York Law School, no sul de Manhattan, em uma tarde gelada de janeiro, no rigoroso inverno nova-iorquino, Purcell também falou sobre a lentidão da Justiça norte-americana. Segundo ele, a conciliação tem sido uma ótima alternativa para não ter que esperar por tanto tempo o reconhecimento de direitos.

Lá, a maior parte dos processos (entre 96% e 98%) acaba em primeira instância, não chega aos tribunais, quanto mais à Suprema Corte. "Se você é autor da ação e sabe que o réu pode fazê-lo esperar cinco anos para receber seu dinheiro, a melhor coisa a fazer é negociar, abrir mão de parte do que avalia ser seu direito, para antecipar a resolução. Em outras palavras, trocar dinheiro por tempo."

Autor de diversos livros sobre a história e aspectos do funcionamento da Justiça nos Estados Unidos, o professor Purcell interessou-se por questões relacionadas à lei quando estudava a história americana do século 20. Ele passou a pesquisar sobre o que é chamado nos EUA de "realismo legal" (conjunto de teorias que exploram a natureza e a estrutura das leis, surgidas no país na primeira metade do século 20).

"Minha pesquisa sobre o realismo legal me fez perceber que eu estava lidando com questões que eu não entendia completamente e então percebi que precisava aprender sobre Direito", revelou posteriormente em uma nota biográfica, ao comentar sua carreira.

Sua incursão por temas jurídicos em Harvard, nos anos 1970, além de o conduzir à prática da advocacia, o levou também a concluir o seu primeiro livro A crise da teoria democrática (sem tradução para o português), em que examina a história intelectual dos Estados Unidos e sua relação com as leis e a organização política do país. A obra recebeu o prêmio Frederick Jackson Turner Prize, da Organização de Historiadores Americanos.

Durante a conversa com a ConJur, Purcell falou, entre outros temas, sobre o peso da política no funcionamento da Suprema Corte dos EUA. "Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos", explicou. "Quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples."

O professor falou ainda sobre o papel da imprensa americana ao cobrir a Justiça, avaliando a dificuldade do jornalismo especializado na área. "Reportar casos como os que estão na Suprema Corte, de forma pertinente, inteligente e informativa, é um trabalho muito duro", disse.

Edward Purcell recebeu o título de "Joseph Solomon Distinguished Professor" da New York Law School, uma das mais antigas escolas independentes de Direito do país, onde atualmente dá aulas. Foi professor de História americana na Universidade de Missouri, de onde se licenciou depois que seu interesse em Direito e Justiça o conduziram à Universidade Harvard, onde atuou como bolsista "Charles Warren Fellow" na área de História Legal dos EUA.

Leia a entrevista:

ConJur — Seu interesse em questões legais e constitucionais surgiu quando o senhor estudava a história dos Estados Unidos do século 20, mais especificamente quando pesquisava as teorias conhecidas como “realismo legal”. Seu primeiro livro, A crise da teoria democrática: naturalismo científico e o problema do valor (The Crisis of Democratic Theory: Scientific Naturalism & the Problem of Value, University Press of Kentucky, 1973) tem origem a partir desses estudos iniciais, certo? O senhor poderia falar mais sobre a concepção de sua obra de estreia?
Edward A. Purcell Jr. — Essa é uma pergunta complicada porque estamos falando de 30, 35 anos atrás. De fato, eu estudava a história americana do século 20 e acabei interessado em questões relacionadas à história intelectual do país. É confuso tentar resgatar isso tudo assim de memória, mas imagino que parte do interesse surgiu com ideias que vieram à tona quando me voltei à questão dos direitos civis aqui nos Estados Unidos. O assunto chamou minha atenção quando examinei o surgimento e a consolidação de um conjunto de conclusões e afirmações de natureza moral que culminaram na ascensão do movimento por direitos humanos no país. Meu interesse era avaliar sobre que bases os cidadãos faziam esse tipo de asserções morais e éticas, de onde saíam tais juízos de valor que resultaram na luta por direitos civis.

ConJur — O que conseguiu constatar?
Edward Purcell — Havia um paralelo entre essa questão e outros períodos de nossa história intelectual. Refiro-me aos anos 1920 e 1930, com a ascensão do nazismo e fascismo na Europa. Nesse contexto, a maioria dos americanos defendia a democracia e a justificava como sendo o “bem”, ou seja, o que é certo e correto acima de qualquer dúvida, e o nazismo como sendo simplesmente o “mal puro”. E esse é um raciocínio simples de fazer, elementar. Eu estava interessado nesse padrão de pensamento e certezas categóricas. Principalmente, considerando um cenário anterior aos anos 40 e 50, quando teve lugar o proclamado relativismo, o Darwinismo, a própria ciência em si. Enfim, eu queria entender como uma visão objetivista, científica — em que você assume a neutralidade para estudar um objeto neutro — reage quando confrontada com algo que parece claramente “mal”, como o fascismo e o nazismo, e como conciliar essas duas visões de mundo e posturas. Esse foi o tipo de problema histórico com que me deparei. E com o meu primeiro livro tentei explorar a raiz da questão.

ConJur — Em dezembro do ano passado, o The New York Times publicou o resultado de uma pesquisa financiada pelo próprio jornal e empreendida por estudiosos da Northwestern University e da Universidade de Chicago, na qual foram analisadas 1.450 decisões da Suprema Corte do país desde o ano de 1953. De acordo com os pesquisadores, a porcentagem de casos relacionados a interesses comerciais cresceu durante a presidência do juiz-chefe John G. Roberts Jr., assim como o número de casos em que os interesses corporativos saíram preservados, sobretudo nos processos de interesse da Câmara de Comércio do país. O senhor aborda este tema em seu segundo livro, Litígio & Desigualdade: a Jurisdição Federal na América Industrial, 1870-1958 (Litigation & Inequality: Federal Diversity Jurisdiction in Industrial America, 1870–1958, Oxford University Press, 1992). Como avalia o resultado do estudo publicado?
Edward Purcell — Não me surpreende o resultado do estudo. Não é exatamente uma novidade que os tribunais do país, nos últimos 30 anos, se moveram politicamente para a direita, sustentando uma visão pró-negócios, uma postura pró-mercado. O que cria um contexto um tanto restritivo para aqueles que pretendem processar grandes corporações e instituições governamentais. Também pode ser restritivo em termos de direitos civis, em casos de ações de classe e ações conjuntas. O resultado do estudo parece confirmar a expectativa. Atualmente, isso apenas reflete o peso da maioria conservadora na composição da Suprema Corte. Isso, claro, pode ser problemático em inúmeros aspectos. Mas essa influência não é tão simples assim. Em primeiro lugar, nenhum juiz admitiria que sustenta certo posicionamento político ou que representa qualquer um dos dois partidos, tampouco reconheceria que sua visão de mundo interfere em suas decisões. Pelo menos, isso é muito raro. Ao contrário, os juízes sempre insistem que suas decisões se baseiam na lei e na metodologia. Isto é, que priorizam um tipo de originalismo e textualismo em suas decisões, o que, em certos aspectos, me parece que há alguma verdade nisso.

ConJur — No Brasil, a tensão política se faz presente no Judiciário, sobretudo considerando o nosso Supremo Tribunal Federal, sua influência e o papel que desempenha. Mas não como ocorre nos EUA, em que qualquer cidadão sabe que há uma ala conservadora e outra liberal na Suprema Corte, sendo os juízes que compõem a primeira indicados por presidentes republicanos, e os segundos, por democratas. Aqui, além de a polarização ser mais acentuada, ela é mais aberta. Quando o presidente Obama indicou Elena Kagan ao cargo de juíza associada, não era segredo que a estratégia era diminuir a influência conservadora na Suprema Corte e ampliar o número de juízes favoráveis às políticas de sua administração.
Edward Purcell — A complexidade e a sutileza do sistema de Justiça americano abriga a tensão entre o textualismo, a lei, o método e questões de ordem política. Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos. O peso desse tipo de influência varia. Muitas vezes, o processo é suficientemente claro, dispensando maiores interpretações. Ou, ainda, a lei é explícita, não havendo dúvidas sobre sua aplicação. Mas essa simplicidade nem sempre ocorre. É muito difícil um caso chegar à Suprema Corte. Sobretudo nos últimos 100 anos, senão em toda a história do tribunal. Somente casos muito complexos, em que os argumentos de ambos os lados parecem ser legítimos e juridicamente corretos, representando um verdadeiro impasse legal. Especialmente, agora no século 21, nenhum processo relativamente simples chega à Suprema Corte, ao menos que um tribunal de primeira instância ou de apelação tome uma decisão muito controversa. De forma geral, a Suprema Corte só aceita julgar casos que sejam tão complexos, que ambas as partes consigam legitimar argumentos e sustentá-los amplamente em termos legais.

ConJur — A complexidade do processo, e não somente uma suposta orientação ideológica ou política, explicaria o resultado da pesquisa também?
Edward Purcell — A pergunta a ser feita é: quando há argumentos jurídicos legítimos de ambos os lados, como as decisões são tomadas? Que outros aspectos influenciam? Algumas vezes pode ser um caso de má interpretação das leis, em outras, o desempate ocorre quando um dos pontos de vista se impõe. O que quero dizer é, quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples como “vou decidir assim porque simpatizo com esses caras ou com tal ideia”, mesmo que os juízes possam avaliar questões jurídicas levando em consideração um conjunto de valores e crenças, seja o que pensam sobre Deus, moralidade, ideias sociais e econômicas.

ConJur — Em seu livro mais recente, Originalismo, Federalismo e o Empreendimento da Constituição Americana — Uma Investigação Histórica (Originalism, Federalism, and the American Constitutional Enterprise — A Historical Inquiry), o senhor traça a evolução do federalismo através dos séculos e refuta a noção de que os fundadores dos Estados Unidos, para citá-lo, “cuidadosamente estabeleceram o equilíbrio constitucional entre os estados e o poder do governo federal”. Isso, em alguns aspectos, não contraria o que a maioria das pessoas pensa sobre a organização política dos EUA, sobre a questão da autonomia dos estados diante da influência da União?
Edward Purcell — Não creio. Esta não é propriamente uma ideia nova. Não sei se compreendo o que você quer dizer com “contraria” e se respondo sua pergunta desta forma, mas é justo pensar que os fundadores tinham, sim, uma preocupação com a autonomia dos estados, até onde podemos fazer afirmações sobre seus objetivos. Um dos meus argumentos é que não podemos simplesmente assumir que esta era uma questão central para eles. O que podemos dizer é que os fundadores pretenderam reservar aos estados algum caráter de independência e autonomia. Havia a preocupação para que os estados pudessem governar a si próprios e ainda assim criar um governo central que tivesse poder nacional. Os fundadores preocuparam-se com os dois aspectos, local e central, e, de certo modo, o conceberam. O problema é: onde está a linha divisória? E meu argumento é que não havia uma. Nem na Constituição nem em qualquer outro documento. Como grupo, eles não estabeleceram claramente uma linha divisória entre o poder local e nacional. Portanto, afirmar que eles “cuidadosamente estabeleceram o equilíbrio constitucional” entre os estados e a União é verdadeiro se você quer dizer que os fundadores criaram duas instituições distintas, o estado e a União, que deviam estabelecer alguma forma de relação duradoura uma com a outra e não poderiam jamais serem extintas. No entanto, se com “equilíbrio cuidadoso” você quiser dizer que tinham uma ideia concreta sobre o limite e a natureza do equilíbrio de poder entre os estados e o governo federal, então isto não é correto.

ConJur — Mas essa é uma questão recorrente no embate político no país. O Partido Republicano questiona a lei de reforma do sistema financeiro e a criação de um sistema público de saúde em nível nacional com base nesse argumento e, quase sempre, apela à redução do tamanho e dos poderes da administração federal com base na suposta intenção dos fundadores da nação.
Edward Purcell — Sim. A questão é que quando o país foi concebido, os fundadores estabeleceram uma nação de estados independentes que poderia agregar mais e mais estados, o que fizemos durante os séculos 19 e 20. Temos então um governo federal constituído por três poderes, e um desses poderes é o Congresso dividido em duas partes, com cada uma dispondo de certas atribuições e limites estabelecidos pela Constituição. Porém, como os poderes devem se relacionar um com o outro e quão longe cada um deles pode ir nessa relação, isso não foi claramente abordado. Também não ficou detalhado como, por exemplo, um dos poderes deve interagir com os outros dois ou como dois dos poderes interagem ou confrontam um terceiro. Por isso, não acredito que houve uma concepção de equilíbrio original. Mesmo em nível federal, não há uma ideia de equilíbrio além do entendimento que os três poderes estabelecidos seriam permanentes, inextinguíveis e capazes de fiscalizar um ao outro.

ConJur — Quer dizer, a Constituição não estabeleceu como devem interagir os três poderes e nem como se dá a atribuição compartilhada.
Edward Purcell — Exatamente. Por exemplo, as leis de comércio são a maior fonte de poder federal. Mas nunca esteve claro o que exatamente a cláusula de comércio [na Constituição] significava ou quão ampla deveria ser sua interpretação. Ao longo do tempo, seu entendimento mudou de muitas formas. Não apenas a cláusula comercial em si, mas o que chamamos de "Cláusula de Comércio Dormente”, que tratam do efeito que essa lei comercial prevista na Constituição exerce sobre o trabalho legislativo quando o Congresso faz leis sobre comércio. [Também conhecida nos EUA como "Cláusula Negativa de Comércio", são as diretrizes legais estabelecidas pela Suprema Corte que os tribunais consideram quando avaliam a extensão da Cláusula de Comércio do Artigo 1º da Constituição americana]. Isso nos leva de volta ao século 19 quando a Suprema Corte definiu termos constitucionais para orientar e limitar as leis feitas nos estados. Ou seja, até onde chega o que a Constituição estabeleceu de forma ampla e vaga? A questão é que a Suprema Corte não conseguiu, neste caso, especificar até onde essas leis “amplas e vagas” podem ir, como devem orientar o trabalho dos legisladores quando estes propõem novas leis. Os termos estabelecidos pela corte, nos caso da cláusula comercial, podem ser interpretados de formas diferentes. Os outros elementos que estabelecem a divisão entre os poderes e, também entre o nível federal e estadual, sofrem da mesma ambiguidade. Você não chega a lugar algum questionando “o que os fundadores intencionavam?” Eles simplesmente não tinham uma intenção original para estas questões.

ConJur — Eles tinham algumas preocupações e estabeleceram parâmetros para elas, certo?
Edward Purcell — Em alguns pontos, tinham uma intenção original, mas não lidavam com o tipo de problema que lidamos hoje. E, de fato, esses problemas devem ser pensados de forma pragmática e prática dentro de certos limites constitucionais. É evidente, por exemplo, que o governo federal não pode abolir um dos 50 estados. A autoridade do governo federal tem, portanto, limites em relação aos estados, assim como os estados têm de observar a Constituição ao se organizarem. Mas os termos dessa relação não foram detalhados. Isso é o que argumento em meu livro. Este é um assunto de extrema relevância aqui nos Estados Unidos, porque, nos últimos 25 anos, um grande número de pessoas tem chamado a si mesmas de originalistas e apresentam uma série de argumentos sobre essas questões, sobre a intenção dos fundadores da nação. Não se trata apenas de dizer que o originalismo tem uma série de incongruências analíticas, mas questionar a fonte sobre a qual ele se ampara. O argumento de que não se pode discutir certos aspectos das leis por contrariar a natureza original da Constituição apareceu depois da Constituição, não surgiu com ela.

ConJur — Qual é a maior peculiaridade do sistema de Justiça dos Estados Unidos? O que o torna diferente de outros países no mundo?
Edward Purcell — Em termos de comparação, não conheço o suficiente sobre outros sistemas legais. Uma das semelhanças é que, ao longo dos tempos, mais países têm adotado o modelo de uma corte suprema como instituição, com outro nome talvez, mas com a mesma ideia de que o processo judicial é a forma conhecida mais eficaz de resolver determinadas questões constitucionais. Suponho que os EUA exerceram e exercem alguma influência nesse sentido em outros sistemas jurídicos a partir de nosso modelo de Suprema Corte. O mesmo ocorre com o federalismo, que tornou-se um sistema de organização política relativamente comum. Muito depende de como você define “federalismo”, mas, em termos gerais, cerca de 2/3 dos países no mundo se organizam em alguma forma de sistema federal. Os modelos de federalismo adotados por outros países são diferentes em inúmeras formas, mas a ideia de unidades que desfrutam de um grau de independência, mas compartilham de uma união política é mesma. A União Europeia é um exemplo recente de como um grupo heterogêneo de países pode ir em direção a este sistema, embora seja um caso distinto por estarmos falando de nações autônomas e soberanas.

ConJur — Como avalia o trabalho da imprensa americana ao cobrir a Justiça? Como atuam as emissoras de televisão, os jornais, as revistas em termos de profundidade, imparcialidade e impacto junto à opinião pública?
Edward Purcell — Isso também é muito difícil de avaliar. Eu acompanho o New York Times e a qualidade do que fazem é bastante boa. Eles já tiveram correspondentes muito bons nessa área, especialmente na cobertura da atuação da Suprema Corte. O acompanhamento de casos é consistente e mantém uma boa regularidade. Eu vivi em outras cidades do país e, comparando como o NYT, a cobertura feita por outros jornais costuma ser menos ampla e menos informativa. Já a TV transmite algumas informações básicas, mas é muito irregular. Os canais de jornalismo da TV a cabo, definitivamente, não contribuem em nada em termos de se pensar seriamente sobre Justiça. De fato, o noticiário da TV a cabo piora as coisas. Às vezes, não posso deixar de concluir que os canais de jornalismo da TV a cabo nos Estados Unidos foram a pior coisa que nos aconteceu nessa área. É provavelmente um exagero de minha parte, mas o que quero dizer é que algumas coisas são realmente terríveis.

ConJur — O senhor se refere à polarização entre emissoras conservadoras e liberais?
Edward Purcell — Também. Parte do problema é que reportar qualquer tipo de coisa que ocorre em um tribunal durante um caso significativo é um trabalho complexo e não depende só de considerações acerca da lei e política. Em alguns casos, as especificidades de um processo podem ser muito interessantes em certo sentido e despertar a atenção da opinião pública, mas, em termos jurídicos, serem irrelevantes. Sem mencionar o apelo que o sensacionalismo e as personagens envolvidas exercem na mídia. Reportar casos como os que estão na Suprema Corte de forma pertinente, inteligente e informativa, é um trabalho muito duro.

ConJur — Como o senhor avalia a resistência do Partido Republicano em relação à reforma do sistema de saúde no país promovida pela administração do presidente Obama? Trata-se de uma avalanche de processos judiciais para tentar embargar a implantação de um sistema público de saúde nos Estados Unidos.
Edward Purcell — Em primeiro lugar, apoio a iniciativa de se criar um sistema público de saúde. A reforma deveria ser ainda mais ampla e consistente, mas, sem dúvida, é um passo importante na direção certa. O que provoca essa oposição irascível? Esta é uma fascinante pergunta empírica. É muito difícil compreender exatamente o que significa isso tudo, o que os opositores reivindicam, de fato. Eles alegam que os custos aos cofres públicos serão catastróficos e que os benefícios estabelecidos pelo sistema de Seguro Social [a previdência social dos EUA] e pelo Medicare [o plano de saúde do governo para idosos e cidadãos que se adequam a certos critérios prestabelecidos] serão arruinados. Alguns dos críticos da reforma têm ainda falado sobre socialismo, sobre esta ser uma reforma de natureza socialista. É evidente que não existe qualquer compreensão sobre o que é socialismo e o que ele representou, e esta me parece o pior e mais baixo tipo de polêmica política. E claro, há preocupações legítimas em termos de orçamento, sobre que efeitos a expansão do sistema público de saúde irá causar ao sistema em vigor, o Medicare, sobre como conceder benefícios há 40, 50 milhões de pessoas e controlar os custos. Estas são questões sérias e legítimas. Mas, ao mesmo tempo, a disputa política e as coisas que estão sendo ditas, essas críticas todas passam ao largo de preocupações mais sérias.

ConJur — Como o senhor avalia a eficiência e a rapidez da Justiça nos EUA, em termos de custos e tempo médio até o encerramento do processo?
Edward Purcell — Este certamente é um problema nos Estados Unidos assim como na maioria dos sistemas legais mundo afora, eu imagino. Considerando os recursos e a decisão final, podemos falar de anos. Três, quatro, cinco ou mesmo dez anos. Sabemos, empiricamente, que a maioria dos agravos não chega aos tribunais. São resolvidos pelas partes, de uma forma ou outra. As queixas que chegam à corte, não estou familiarizado com as últimas estatísticas — elas variam entre cada jurisdição — mas estão entre 96% e 98%. Destes, proporcionalmente, a maioria é encerrada com o acordo entre as partes perante o juiz, sendo que uma minoria vai a julgamento. Desta minoria, poucos chegam às cortes de apelação. E por fim, quase nenhum chega à Suprema Corte. É como a imagem de uma pirâmide, você já deve ter visto uma dessas imagens, com as queixas que terminam com acordos ocupando a base, seguidas pelas que vão a julgamento e, então, logo acima, os processos que tiveram recursos, e aí por diante, até o topo, com os raros casos que chegam à Suprema Corte. A maioria dos casos se resolve com acordos ou na primeira instância, mas uma das considerações a serem feitas é quanto tempo leva para que casos como estes se encerrem? Se você é o autor da ação e sabe que o réu pode fazer você esperar por cinco anos para receber seu dinheiro, a melhor coisa a fazer, em certas circunstâncias, é negociar, abrir mão de parte do que avalia ser seu direito, para antecipar a resolução. Em outras palavras, você troca dinheiro por tempo.

ConJur — Isso não acontece apenas por conta de o sistema ser lento, certo?
Edward Purcell — Certo. Eu explorei o tema em meu segundo livro, Litígio e desigualdade. Mesmo em casos em que podem se resolver muito rapidamente, que não levam muito tempo para serem concluídos, a espera e o atraso podem vir a desempenhar um papel determinante e acabam por redefinir o caráter e os limites da ação. Desse modo, a forma como você vai lidar com o tempo, sua flexibilidade em esperar e fazer ou não concessões é que acaba por determinar o perfil do processo. O atraso não é mera questão em termos de espera e prazos.

ConJur — Mas em questões complexas você pode esperar por anos?
Edward Purcell — Sim, este também é um problema aqui nos EUA. Tanto que instituições como a Suprema Corte têm criado programas de incentivo à resolução de casos via mediação e acordo. Uma série de outras formas para se resolver questões legais têm sido implantadas, sobretudo nos últimos 20, 30 anos. Por exemplo, é muito comum que as partes assinem contrato de prestação de serviços com juízes aposentados ou com advogados experientes, a fim de evitar os tribunais e agilizar o procedimento perante a lei. Há vantagens e desvantagens, claro. Você pode economizar tempo e dinheiro assim. Porém, muitas vezes, a simplificação pode levar a erros, a negligenciar certos aspectos do processo, que passam despercebidos. Pode ocorrer que uma das partes saia, eventualmente, prejudicada. Não é sempre que o resultado obtido na negociação corresponde ao que ocorreria em um tribunal, em frente ao juiz.

Por Rafael Baliardo
Fonte: ConJur

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mais de 5 mil presos usam tornozeleiras no Brasil

Ir e vir
Mais de 5,5 mil presos que cumprem pena em regime aberto, semiaberto, ou são beneficiados com saída temporária já estão usando tornozeleiras eletrônicas em pelo menos cinco estados do país: São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Mato Grosso do Sul. A utilização do equipamento esteve no centro dos debates do Workshop de Boas Práticas de Gestão das Varas Criminais e de Execução Penal, em Brasília, na quarta-feira (9/2).

Segundo o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Walter Nunes, com as tornozeleiras, “o foco não é a redução da população carcerária, mas garantir o controle das determinações impostas pelo juiz”. São Paulo é o estado com o maior número de presos que usam a tornozeleira eletrônica. Para o juiz titular da 1ª Vara de Execuções Penais de Bauru, Davi Márcio Silva, “o resultado está sendo muito positivo, pois com isso os próprios detentos se sentem monitorados pelo Estado ficando mais estimulados a buscar a ressocialização”.

No estado de São Paulo, 4.635 detentos foram monitorados na saída de final de ano. Apenas em Bauru, 300 presos que prestam trabalhos externos usam as tornozeleiras desde a última semana. A ferramenta utiliza a tecnologia de GPS e um software para mostrar a exata localização do detento. A partir de uma central, localizada na Secretaria de Segurança do estado ou nas varas de execução penal, as autoridades competentes conseguem monitorar a movimentação do detento. Quando ele sai da área de circulação imposta pelo juiz, é emitido um aviso e entra-se em contato com o portador pelo telefone celular. Se ocorrer a infração, o detento pode até regredir de regime.

A ferramenta tem um custo unitário que varia de R$ 240,00 a R$ 600,00, dependendo do tipo e da empresa fornecedora. Segundo o secretário de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, Wantuir Jacini “mesmo que a tornozeleira saia por R$ 660,00, vale a pena, pois isso equivale a um terço do custo de um preso para o sistema, que é de R$ 1.800,00”.

Além de São Paulo, no Rio Grande do Sul 273 detentos do regime aberto estão sendo monitorados eletronicamente, e em Mato Grosso do Sul, 15. No Rio de Janeiro, 300 pulseiras eletrônicas foram adquiridas para a mesma função, e Rondônia está concluindo o aluguel de 300 tornozeleiras para monitor os detentos do estado.

O aparelho funciona com bateria, que dura 19 horas e deve ser carregado por duas horas. Alguns possuem sistema de som pelo qual a autoridade pode emitir avisos.

Casos de rompimentos
No primeiro teste da tornozeleira eletrônica feito em São Paulo, durante a saída de fim de ano de 2010, a Secretaria da Administração Penitenciária do estado informou que 64 detentos romperam o aparelho. Dos 23.639 presos que obtiveram o benefício, 4.635 usavam o equipamento. As informações são do jornal Folha de São Paulo.

Apesar dos rompimentos, em 2010, 1.681 dos presos do estado não voltaram após a saída de fim de ano, o que equivale a 1,4% menos do que em 2009, quando 1.985 detentos não retornaram às unidades prisionais após o benefício.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deve gastar R$ 41 milhões com as tornozeleiras, disse que a "avaliação é extremamente positiva". Com informações da Assessoria de Imprensa do Conselho Nacional de Justiça.

Fonte: ConJur

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Julgamento dará definição mais clara a direitos de homossexuais

Avanço
O reconhecimento da união homoafetiva com os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher foi defendido, nesta terça-feira (8), pela ministra Nancy Andrighi, ao iniciar na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento de um recurso especial do Paraná. “O afeto homossexual saiu da clausura”, disse a ministra ao final de seu voto. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Sidnei Beneti.

Segundo a relatora, este é o primeiro caso em que o STJ vai firmar uma posição ampla e de mérito sobre os direitos relativos à união homoafetiva. Em processos anteriores, o Tribunal já reconheceu direitos específicos, como em relação à adoção de crianças, benefícios previdenciários e cobertura de planos de saúde.

O processo do Paraná corre em segredo de Justiça. Duas mulheres, L. e S., conviveram em relação estável de 1996 a 2003, quando S. morreu em consequência de complicações após um transplante de pulmão. Segundo os autos, durante o período de convivência, o patrimônio registrado em nome de S. foi aumentado, com o acréscimo de uma chácara e de parte dos direitos sobre um apartamento. Após a morte, os familiares de S. pediram a partilha dos bens entre eles, excluindo L.

A companheira sobrevivente vem lutando, desde então, para garantir a meação do patrimônio, que, segundo diz, foi constituído conjuntamente. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reconheceu a sociedade de fato entre as duas, mas considerou que L. não conseguiu demonstrar sua participação no esforço comum para a formação do patrimônio, razão pela qual não reconheceu seus direitos sobre os bens.

Para a ministra Nancy Andrighi, no entanto, a prova do esforço comum não deve ser exigida, pois “é algo que se presume”, tanto quanto no caso da união entre heterossexuais. Ela afirmou que, à falta de leis que regulamentem os direitos dos homossexuais, deve-se recorrer à analogia, aplicando as mesmas regras válidas para a união estável. “A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas”, acrescentou.

De acordo com a relatora, desde que a relação afetiva seja estável e pública e tenha o objetivo de constituir família – como se exige para a caracterização da união estável –, negar à união de homossexuais as proteções do direito de família e seus reflexos patrimoniais seria uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e a dois objetivos fundamentais estabelecidos pela Constituição: a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

O voto da ministra Nancy Andrighi – aplicando por analogia o instituto da união estável para reconhecer os direitos reivindicados por L. sobre os bens adquiridos a título oneroso durante o relacionamento – foi seguido, no aspecto patrimonial, pelo ministro Massami Uyeda, presidente da Terceira Turma. Faltam votar os ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino e o desembargador convocado Vasco Della Giustina.

Fonte: STJ

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Reconhecida repercussão geral de processo em que estado é responsabilizado por crime de detento

Omissão no controle do preso
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 608880, em que se discute a responsabilidade de estado – no caso, o de Mato Grosso – por crime de latrocínio cometido por detento que cumpria pena em regime semiaberto.

Sob relatoria do ministro Marco Aurélio, o RE foi interposto pelo governo mato-grossense contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-MT), que responsabilizou a administração estadual pela morte decorrente do latrocínio cometido por detento sob sua custódia e condenou o governo estadual a indenizar a família do falecido pelos danos morais e materiais sofridos, bem como ao pagamento de pensão.

Em sua decisão, o TJ-MT entendeu que o estado foi omisso na vigilância do preso, condenado a cumprir pena em regime fechado e já havia fugido duas vezes para cometer novos crimes. Segundo aquela corte, ante esse histórico criminal do autor do latrocínio, existia para a administração estadual o dever de zelar pela segurança dos cidadãos em geral. O tribunal considerou, também, ser incontroverso o dano causado, bem como o nexo de causalidade entre o crime e a conduta omissiva do estado, que deixara de exercer o devido controle do preso sob sua custódia.

Alegações
No Recurso Extraordinário interposto contra essa decisão na Suprema Corte, o governo mato-grossense contesta o entendimento do TJ-MT. Segundo ele, não existe nexo entre a fuga do preso e o ato por ele praticado, tendo em vista que ele se evadiu do presídio em novembro de 1999 e, três meses depois, em fevereiro de 2000, praticou o latrocínio. Assim, alega, o crime deve ser considerado ato de terceiro, capaz, por si só, de excluir a responsabilidade do estado em indenizar a família da vítima.

Alega, além disso, que a manutenção da condenação representa impacto significativo para os cofres públicos e destaca a importância jurídica do debate sobre os limites da responsabilidade estatal.

A parte contrária no recurso e autora do pedido inicial de indenização (filhos da vítima) insiste no acerto do acórdão (decisão) do TJ-MT de responsabilizar a administração estadual, lembrando que o autor do latrocínio era rebelde contumaz, cumpria pena em regime fechado e fugiu duas vezes para cometer novos crimes, cada vez mais graves.

Repercussão geral
Ao se pronunciar pela repercussão geral da matéria, o relator, ministro Marco Aurélio, disse que “a controvérsia dirimida pelo Tribunal de Justiça do estado de Mato Grosso extravasa, em muito, os limites subjetivos do processo com o qual se defrontou, podendo repetir-se em vários outros processos”.

“Está-se diante da definição do alcance do artigo 37 da Carta Federal quanto aos fatos, incontroversos, envolvidos na espécie”, observou o ministro. “No Brasil, a responsabilidade do Estado ainda não mereceu atenção maior. Cumpre ao Supremo defini-la, considerado o direito constitucional posto”.

Fonte: STF

Desumano: CNJ vai investigar denúncias de presos em Cajazeiras

Falhas
O mesmo açude que recebe o esgoto produzido diariamente pelos 172 detentos do Presídio de Segurança Máxima de Cajazeiras (PB), município do Alto Sertão do Estado, fornece a água para ser bebida pelos mesmos presos. Sempre que a principal fonte de água da prisão – um poço furado nas proximidades – deixa de encher a caixa d´água, um carro-pipa recolhe água em um açude ali perto para enfrentar à falta praticamente diária de água na unidade.

A denúncia foi feita por detentos do presídio à equipe do Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, durante inspeção realizada semana passada à penitenciária do município, distante 480 quilômetros de João Pessoa. “A água já chega fedendo (na cela)”, confidencia um dos presos da ala superior, sem querer se identificar. O coordenador do mutirão na Paraíba, juiz Paulo Irion, recolheu denúncias semelhantes ao percorrer as instalações da penitenciária. “Não é possível adiantar o que incluiremos no relatório final, mas pediremos providências imediatas. É desumano viver sem água nessa região”, afirmou.

O racionamento força os presos a usarem baldes e garrafas PET para guardar a água que bebem, a mesma que é usada para cuidar da higiene pessoal e fazer funcionar as descargas da casa prisional. “Muitas vezes (a água) vem salobra. Outras vezes temos de retirar as borboletas que caem na caixa d´água e acabam vindo junto”, reclama outro preso das celas do mezanino.

Como a descarga não funciona por quase todo o do dia e as necessidades fisiológicas não têm hora para acontecer, a solução é improvisar uma descarga com baldes d´água e se acostumar com o mau cheiro que se espalha por todas as celas. Quando algum preso adoece, muitas vezes por causa da má qualidade da água, a direção do presídio chama o SAMU ou uma viatura da instituição para levar o preso ao hospital porque médico só visita a unidade a cada duas semanas.

Sede – Tanto a população carcerária quanto os funcionários da unidade, em funcionamento há apenas seis meses, confirmam a frequente carência de água.

Os presos são unânimes em afirmar que só podem contar com um copo d´água por dia, na hora do almoço. “Se não fossem os agentes e nossas famílias, que nos trazem água de fora, morreríamos de sede”, conta um detento que prefere não se identificar.

Reservadamente, alguns agentes carcerários contam que as constantes panes da bomba que puxa a água do subsolo também explicariam as constantes interrupções do fornecimento de água na casa.

Uma agente admite que só não trabalha com sede porque traz água de sua casa, em Sousa, município que fica a 45 quilômetros de Cajazeiras. Além de ameaçar sobretudo a sobrevivência de quem cumpre pena, a falta de água compromete a higiene na instituição. A mesma agente relata ainda que já testemunhou uma seca de três dias na unidade. “Os presos passaram três dias sem sequer tomar banho”, recorda-se.

O diretor da instituição, José Antônio de Almeida Neto, admite que a alternativa dada para fornecer água ao edifício é problemática e espera uma solução definitiva, como a ligação do presídio ao sistema de abastecimento de água do município paraibano.

O secretário de Administração Penitenciária do Estado, José Alves Formiga, disse que conta com o apoio de todas as instituições ligadas à questão carcerária (Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público do Estado e organizações não-governamentais, além do próprio governo do estado) para dar uma resposta à precária infraestrutura de muitos presídios do estado.

Velho e novo – Embora receba detentos definitivos e provisórios desde agosto do ano passado, o prédio ainda não foi inaugurado oficialmente. Uma decisão judicial ordenou a transferência imediata dos presos da então superlotada Cadeia Pública de Cajazeiras para o presídio que demorou 12 anos para ser construído, independente de cerimônia de inauguração.

Por CNJ
Fonte: PB Agora

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Servidores empossados tardiamente por erro na prova do concurso ganham indenização

Entendimento
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) unificou a posição jurisprudencial de admitir indenização a candidatos aprovados em concurso público que foram impedidos de assumir o cargo em razão de ato da Administração reconhecido como ilegítimo por decisão judicial transitada em julgado.

A decisão foi proferida no julgamento de embargos de divergência de autoria do Distrito Federal contra acórdão da Primeira Turma do STJ. Os embargos apontaram contradição entre decisões das Turmas da Primeira e da Terceira Seção do STJ.

A divergência foi constatada. Enquanto as Turmas de Direito Público entendem que a indenização é devida, as Turmas da Terceira Seção haviam firmado o entendimento de não admitir indenização nesses casos, por considerar que isso implicaria o pagamento de remuneração sem a correspondente prestação do serviço público.

A relatora do caso na Corte Especial, ministra Eliana Calmon, destacou que, segundo o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a responsabilidade civil do Estado por atos praticados por seus agentes é, em regra, objetiva. Para configurar o cabimento da indenização basta a prática de ato ilícito ou abusivo, a existência do dano e de nexo de causalidade.

No caso analisado, os aprovados foram impedidos de tomar posse no cargo público devido a ato ilícito da Administração, reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Portanto o dano foi constatado, assim como o ato lesivo e a ligação entre eles, de forma que a indenização é devida.

Para afastar a tese até então adotada nas Turmas da Terceira Seção, a relatora explicou que não há pagamento de salário – contraprestação por serviço prestado. O que ocorre é o reconhecimento do direito à indenização, cujo parâmetro quantitativo é a remuneração que os aprovados deveriam receber, caso tivessem assumido o cargo no momento adequado, com as deduções do que já foi recebido.

Eliana Calmon destacou, ainda, que esse entendimento está alinhado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Todos os ministros da Corte Especial acompanharam o voto da relatora.

O caso
A ação de indenização foi proposta por candidatos aprovados no concurso público para o cargo de auditor tributário do Distrito Federal. Eles constataram que duas questões da prova objetiva tinham duas respostas corretas. O recurso administrativo foi negado e os candidatos foram à Justiça.

Finalizado o concurso, os aprovados foram nomeados em julho de 1995, com exceção dos recorrentes, que estavam questionando o concurso no Judiciário. Ao julgar recurso especial de autoria dos candidatos, o STJ reconheceu a nulidade das questões discutidas e determinou que os pontos fossem atribuídos aos candidatos, o que alterou a posição de todos. Assim, os recorrentes foram nomeados em julho de 2002.

O relator dessa decisão, ministro Jorge Scartezzini, atualmente aposentado, esclareceu que não compete ao Judiciário apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação e correção de provas. Porém, uma vez estabelecido um critério legal – no caso, via decreto distrital – estabelecendo que a prova tem uma única resposta, e estando as questões mal formuladas, com duplicidade de respostas, constatada por perícia oficial, cabe análise do Judiciário. Para corrigir o erro da banca examinadora e assegurar a legalidade, o magistrado pode anular as questões, com atribuição de pontos a todos os candidatos, e não somente aos recorrentes.

A partir dessa decisão, os servidores ajuizaram ação pedindo indenização no valor equivalente aos vencimentos do cargo de auditor tributário que deixaram de receber de julho de 1995 a julho de 2002.

Fonte: STJ

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A biografia do novo ministro do STF, contada por ele

Top de verdade
O depoimento autobigráfico, a seguir, foi dado pelo ministro Luiz Fux ao portal de internet da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para o projeto "Faculdade de Direito da UERJ — 70 Anos de História e Memória". A presidente Dilma Rousseff escolheu o ministro para ocupar a vaga de Eros Grau no Supremo Tribunal Federal. A indicação foi publicada na Seção 1 do Diário Oficial da União (DOU) nesta quarta-feira (2/2). Ele será sabatinado pelo Senado Federal.

"Meu nome completo é Luiz Fux. Nasci no dia 26 de abril de 1953, no Rio de Janeiro. Sou carioca da gema, como se dizia antigamente. Minha mãe é Lucy Fux. Meu pai chama-se Mendel Wolf Fux, imigrante romeno, brasileiro naturalizado. Meu pai é advogado. Ele era contador e, já depois da família crescida - eu tenho mais duas irmãs - resolveu fazer o curso de Direito, tendo o concluído com uma certa idade. Atua na área de contencioso Cível, normalmente em causas adstritas às justiças locais. Meu pai nunca advogou lá no Tribunal Superior.

A minha família é de exilados de guerra, da perseguição nazista. Tenho origem judaica. Meu avô e a minha avó se reencontraram no Brasil, após três anos separados. A minha avó conseguiu vir primeiro, exilada, depois é que veio o meu avô. Chegando aqui, meu avô exerceu uma função bastante humilde. Ele vendia roupas para pessoas de classe baixa, nas populações mais carentes.

Meu avós morreram com uns 92 anos. Eles foram muito gratos ao fato de terem sido bem acolhidos no Brasil. Tanto que o meu avô também assumiu uma entidade que era casa de acolhida de idosos, pessoas mais velhas desvalidas. Já minha avó era presidente de uma entidade que acolhia crianças abandonadas, o Lar das Crianças Israelitas.

Certa vez, um episódio bastante significativo ocorreu... Uma colega minha de sala do colégio, falou assim: “você sabe que nós somos parentes?”. Respondi que não sabia e ela continuou: “eu sou sua aparentada porque fui criada pela sua avó. Eu fui criada no Lar das Crianças”. Achei aquilo uma coisa lindíssima. Um momento espetacular de minha vida. Fiz uma grande amizade e a levei para rever minha avó. Ela já era mãe de família e tinha muita saudade de minha avó. Estes meus avós se chamavam Bertha Fux e Moisés Fux.

Por parte de mãe, talvez, se alguém acredita, vamos dizer assim, nessa absorção por osmose hereditária, o pai de minha mãe era um homem que exercia função de juiz arbitral na coletividade. Era um homem muito culto, dedicado às questões da justiça. Não tinha formação jurídica, mas era considerado justo. O nome dele era Luiz Luchnisky. Era um homem muito procurado, pela sua inteligência e sensibilidade. Intermediava vários conflitos entre pessoas influentes na sociedade. Era um homem do qual até hoje ouço falar muito bem. Não o conheci, mas deixou-me um nome magnífico, ligado à justiça, caridade e sensibilidade.

Nós nascemos na comunidade judaica, ali no Andaraí, pertinho da UERJ. Eu tive uma infância com as limitações naturais de filhos de pessoas que não tinham uma colocação, digamos assim, expressiva na sociedade. Meu pai era técnico em contabilidade e lutava com muita dificuldade para manter os filhos. Minha mãe era do lar, como eram as mulheres de antigamente. A minha primeira grande chance foi quando eu passei para o Colégio Pedro II. Era um colégio público que tinha uma qualificação de ensino muito destacada. O Colégio Pedro II deu-me uma boa base para que eu pudesse, então, depois, fazer o vestibular para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que sempre foi rigorosíssimo. Claro, hoje, o índice de demanda no vestibular da UERJ aumentou muito. Tanto mais que o Direito se transformou em carreira com muitas opções. A formação enciclopédica que o curso de Direito dá, permite ao alunado optar por várias profissões. Enfim, o conhecimento é multidisciplinar.

No Colégio Pedro II, nós tínhamos um diretor muito rígido, o professor Lacerda. Ele tinha uma característica que eu achava admirável: instigava no aluno o amor à bandeira, o amor ao Brasil. Os padrões morais e éticos eram muito exigentes. Ainda naquela fase inicial da adolescência, quando o jovem não tem muita noção dos critérios que deve seguir, nós não iniciávamos as aulas sem cantar o Hino Nacional. Havia ali uma catequese positiva no sentido de amor à coisa pública. Creio que aquilo ali acabou influindo nesse meu desejo de seguir a carreira pública.

No Pedro II fiz o ginásio e o clássico. O primário foi no Colégio Liessin. Era na Visconde de Ouro Preto. Eu tenho impressão que a formação escolar me conduziu para as Ciências Sociais. Talvez, aquelas matérias do Clássico acabaram gerando em mim um pendor por uma leitura mais compatível com a ciência jurídica. Por outro lado, e isso é inegável que acaba exercendo influência, comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos de idade. Eu era boy do escritório do meu pai. Acompanhei meu pai sair da atividade da contadoria para a advocacia. Ele me levava para freqüentar o fórum desde 14 anos de idade. Eu admirava os juízes, eu assistia aos concursos. Todos os escreventes me conheciam. Ele me obrigava a ir de terno e gravata com 14 anos...

Fui admirando aquela liturgia, aquela solenidade que era característica do mundo jurídico. Meu pai sempre me deu uma noção muito exacerbada da ética. E, naquela oportunidade, o meio jurídico era um meio em que a moralidade, a ética, eram, pode-se dizer, os dois cânones maiores da profissão. Aquilo absolutamente me encantava.

Depois de uma certa idade minha mãe decidiu seguir a carreira médica. Tenho muita admiração pelos médicos. São muito serenos, homens que se dedicam à vida humana. Eu sou espiritualista. Dou mais valor a essas questões sensíveis do ser humano. Mesmo no exercício da minha profissão. O ser é mais importante que o ter. Sou mais um homem que vive os grandes problemas existenciais do ser humano. Gosto de pesquisar isso, de me dedicar a isso, gosto de ler sobre. Tenho verdadeira paixão pela leitura das vicissitudes da alma humana.

A escolha da UERJ...
Dois fatores levaram a essa escolha. Primeiro porque a UERJ era universidade pública. Depois, a UERJ também era uma universidade, vamos dizer assim, de ponta. Tinha um grau de exigência muito bom. Era a melhor universidade do Brasil. Eu tenho certeza que a UERJ, na época em que eu fiz o vestibular, tinha um grau de excelência superior a várias universidades que, hoje, têm nível A. Naqueles tempos, para não cometer nenhuma injustiça, a única que se equiparava à UERJ era a USP.

Eu entrei em 72 e me formei em 76. Foi a formação do Pedro II, o Clássico do Pedro II, que me possibilitou entrar na UERJ. Não tenho dúvida.

Lembro do primeiro dia de aula. Eu iniciei o meu curso no Catete. Foi a primeira turma que se formou na UERJ do Maracanã. Eram turmas imensas, 150 alunos de manhã e 150 alunos à noite. Eu estudava à noite, porque trabalhava o dia inteiro. Era até o ‘Benjamin’, o mais novo do turno da noite. Só estudava à noite o pessoal mais velho, que tinha que trabalhar o dia inteiro. Não era comum um jovem estudar à noite. Eu tinha um bom desempenho e isso chamava muito a atenção.

Os meus amigos tinham 60 anos. Eu, com 23. Um ou outro era da minha geração. Nós tínhamos um grupinho pequeno. Sempre fui muito querido pelos amigos. Até hoje nós que nos formamos em 1976 e já temos 30 anos de formados, nos reunimos.

Conseguia trabalhar e estudar. O meu pai fazia questão que, no meio do trabalho, eu tirasse algumas horas para estudar. Ele, às vezes, me poupava de ter que fazer alguma coisa para eu poder estudar. Ao mesmo tempo, me impunha responsabilidades até bem além de minha idade, para que pudesse, desde cedo, adquirir maturidade suficiente, bem como ciência dos ônus sociais que um homem tem que assumir, em razão do seu trabalho, de sua vida pessoal.

Tinha “trote”, mas era um “trote” saudável. Por exemplo, o meu “trote” foi o seguinte: nós tivemos uma aula com um aluno que se fez passar por professor. Aí, todo mundo quieto, prestando atenção, ele falando um monte de besteira, ninguém entendendo nada. Até que chegou um momento, porque a turma era de pessoas mais velhas, que começaram a comentar: “Puxa, mas esse professor não está dizendo nada com nada. Acho que ele está achando graça da nossa cara porque não é possível que o que esteja dizendo tenha fundamento”. Até que, em um dado momento, se descortinou a brincadeira.

Mesmo grandes, as turmas eram muito unidas, em todos os sentidos. Nós participamos de blocos, blocos de rua mesmo. Uma vez nós fomos do Catete até o Bola Preta, todo mundo com gravata na cabeça.

Tínhamos um bloco da faculdade. Aquilo era saudável. Tínhamos até uma música própria. Havia uma cantoria que fazia chacota com o Sr. Magalhães, que era um secretário duríssimo. Dizia mais ou menos assim: “não há quem agüente nas noites e nas manhãs esse tal de Magalhães”. Por aí ia embora...

O chope era em um bar da esquina, que tinha um nome característico pelo fato de que, por ser muito estreito, nós ficávamos metade dentro do bar, metade fora. A gente chamava esse bar de “Meio Corpo Fora”... “vamos lá no Meio de Fora”, iam os professores também.

Os professores...
Marcou muitíssimo a primeira aula que nós tivemos com o professor Simão Benjó. Era queridíssimo, foi nosso paraninfo. Ele, além de ser professor, se propunha a ser amigo dos alunos. Nos deu uma belíssima base de Direito Civil e, além disso, aos fins de semana, nos levava para sua casa e oferecia “festas”, verdadeiros encontros culturais. Ele promovia um trabalho muito interessante que chamava de Maratona de Direito Civil. Premiava os alunos através de um concurso, que era bem difícil. O aluno, no final do curso, tinha que fazer uma prova sobre toda a matéria. Os finalistas disputavam a final em prova dificílima que tinha como prêmio uma importância que seria, hoje, o equivalente, talvez, a R$1.000,00. Quando ganhei o prêmio Maratona do Direito Civil gastei tudo em chope com os colegas.

A Maratona era para estimular o estudo, a competitividade. O professor Benjó sempre nos passava a idéia de que era muito útil fazer um concurso público no início de carreira. Porque as instituições estavam necessitando de alunos novos, pessoas jovens, sem vícios, que pudessem dar de si para o Estado. Ao mesmo tempo, era a chance de iniciar uma carreira promissora, muito difícil de conseguir com pouco tempo de formado.

E ele tinha toda razão porque o que se vê, hoje, é que o jovem quando sai da faculdade fica submetido a um regime de estagiário, de submissão ao escritório onde trabalha até que ele consiga se firmar. É mais difícil. Sempre estagiei em órgãos públicos e graciosamente. Estagiei na Defensoria Pública e no Ministério Público.

No último ano de faculdade, mediante concurso público, exerci uma função remunerada e que foi meu primeiro passo profissional, na Shell do Brasil. A Shell era uma grande companhia, o concurso era muito difícil e só tinha duas vagas. Graças à minha formação da UERJ consegui lá ingressar.

Nós ainda vivíamos uma época de repressão bastante grande. Recordo-me que o professor Heleno Fragoso, quando dava aulas, iniciava dizendo o seguinte: “Boa noite, pessoal do DOPS. Boa noite, pessoal do SNI. Vocês estão trabalhando, mas eu também estou. Vamos começar a aula”. Então ele dava aquela noção de independência. Noção que acabou me contaminando, porque ali participávamos de debates políticos, tinha coragem suficiente, tinha problemas decorrentes. Lembro-me que quando o centro acadêmico da UERJ teve dificuldades em conseguir um telefone, por problemas políticos, intercedi e consegui o primeiro telefone do centro. O Centro Acadêmico estava aberto, mas com atuação bastante mitigada. Só voltou a ter uma atuação mais expressiva quando comecei a dar aula, já em 1977, 1978, foi quando o Centro começou a tomar corpo de novo.

As apostilas da UERJ...
Lembro-me que nosso patrono, um grande professor que, por admiração – o grande elemento do relacionamento humano – fez-me seguir a carreira do magistério, o professor Barbosa Moreira, sempre nos sinalizava para o fato de que devíamos ler os livros, que as apostilas não eram revistas etc. Mas, na UERJ havia uns dois grupos de apostilas disputadérrimos. Eram as apostilas do professor Barbosa Moreira e as apostilas do professor Ebert Chamoun, que eram utilizadas em concursos. Os cursos divulgavam essas apostilas.

Eu, no concurso para a Magistratura, ainda tinha essas apostilas. Estudei para uma banca que era composta pelo Barbosa Moreira e pelo Chamoun. Então, queria saber qual era a linguagem deles, muito embora tivesse freqüentado as aulas do professor Barbosa Moreira, que, aliás, fora meu patrono. Também trabalhei com o professor Barbosa Moreira na Procuradoria Geral do Estado, fui estagiário dele lá.

A verdade é que muitos tiveram a primeira formação científica na matéria à luz dessas apostilas. Eles tinham estilos diferentes. O professor Barbosa Moreira, além de profundo, é muito didático. O professor Chamoun era um professor que tinha uma exposição muito lógica. Eu, para traçar um perfil de metodologia de aula, me vali muito do estilo do professor Barbosa Moreira. Sempre fui um professor muito didático, fui muito preocupado em entender a matéria da forma mais simples possível para poder repassar aos alunos. Inclusive, nas palestras, procuro ser muito claro. É mais importante ser claro do que falar difícil. O alunado só entende aquilo que consegue perceber na essência. O professor Barbosa Moreira não lia nada, levava um sumário daquilo que ia falar e dava a aula pelo sumário. E assim também sempre fiz. Faço meu sumário e, dali, desenvolvo todas as idéias. Sempre tendo o Código presente, a fundamentação legal daquilo que vou dizer.

Até mesmo na hora de votar tento ser didático. Nunca li um voto. Não leio os meus votos. Explico qual é a idéia que tenho do caso e, eventualmente, só para fechar o raciocínio, leio a síntese do voto. Essa metodologia de ficar lendo, ninguém presta atenção, ninguém agüenta. A pessoa gosta de saber porquê foi acolhida, porquê foi rejeitada, e da forma mais simples do mundo. Hoje há um movimento muito grande pela simplificação do Direito. O Direito é muito hermético. As pessoas não entendem. É a mesma coisa um médico, se começar a falar de doença com termos médicos, não se entende nada. O que se quer saber é o que se tem. Qual é o problema e qual a solução.

Tive uma professora de Direito do Trabalho, professora Alexandrina Fonyat. Ela era muito didática, uma excelente professora. Também havia a professora Dora Martins de Carvalho, de Direito Comercial, mas o meu mestre foi o professor Theophilo Azeredo Santos. Na parte de Direito Civil, mais esporadicamente, também lecionava a professora, Regina Gondin.

Metade da turma era mulher, metade homem. E de noite também. As mulheres à noite eram mais velhas. A gente saía muito para desfile de escola de samba, no Mourisco, na Portela. Nós tínhamos um amigo que faleceu, vítima de uma bala perdida. O Salim, que tinha uma casa no Grajaú, onde fazíamos muitas festas e feijoadas. Era famoso “o Arroz do Salim”, aos sábados. Depois de lá, íamos para a escola de samba ou para a boate, New York City, que era na zona sul.

Também tínhamos uma banda.
Tínhamos um conjunto musical, eu tocava guitarra. Tinha um colega meu que cantava, até hoje ele continua... O conjunto se chamava The Five Thunders, os Cinco Trovões. Mesmo como professor, continuei tocando minha guitarra nas festas dos alunos. E o José Márcio do Couto continuou a carreira dele. Quando fiz 40 anos de idade, consegui reunir todo mundo que tocava em nossa época. Fizemos um revival do conjunto e tocamos, cantamos, ensaiamos durante uma semana. Estava todo mundo em forma, deu tudo certo. Foi uma festa bonita em um lugar chamado Un, Deux, Trois, que tinha ali na Bartolomeu Mitre.

Dos 18 aos 19 ou 20 anos, cantava em uma boate chamada Don Quixote, que ficava na Bartolomeu Mitre. Na infância aprendi a tocar violão. Abandonei porque aquilo era muito maçante, era mais uma matéria. Comecei a tirar de ouvido. Já juiz, tinha lá na noite uma música... o pessoal me chamava para ir ao palco tocar... Eu ia. Toquei uma vez em um evento enorme quando estava começando a carreira da Daniela Mercury. Lá no Nordeste. Nunca tinha tocado em um lugar com tanta fumaça, super diferente... Tive que começar a podar um pouco isso porque a liturgia do cargo de magistrado exige um certo comedimento. Muito embora isso seja uma coisa popular.

Quando fui nomeado Ministro, alguns jornalistas, não sei movidos por qual sentimento, puseram que o ministro indicado era um faixa preta de Jiu-Jitsu e tocador de guitarra. Como se isso fosse algum demérito.

Durante minha juventude, fiz esporte, fui realmente faixa preta de Jiu-Jitsu, conhecido aqui no Rio de Janeiro. Muito embora nunca tenha criado nenhuma confusão, como hoje se vê aí, infelizmente. Na minha época, os lutadores de Jiu-Jitsu, o professor faixa preta, davam o exemplo da retidão, de como devia ser um lutador. Esse foi o exemplo que tive com a família Gracie, com o meu professor, Oswaldo Alves, com Carlson Gracie, que Deus o tenha, morreu agora, tem uma semana que ele faleceu em Chicago. Na nossa geração de Jiu-Jitsu nunca ninguém criou problema nenhum.

O professor Celso Albuquerque de Mello não foi meu professor. Mas foi meu diretor na PUC. Fui professor da PUC também. Definia o professor Celso Mello como um homem de uma inteligência notável. Absolutamente despido de toda e qualquer liturgia e de vaidade. Era um homem simples, cultíssimo, queridíssimo pelos alunos, dedicado à atividade acadêmica, que era tudo o que gostava de fazer. Era admirado por todos. Sempre ouvi falar muito bem dele. No Mestrado, nós nos encontramos algumas vezes, em bancas examinadoras.

Minha formatura foi um grande festival, eram 300 formandos. Disputei arduamente e venci o concurso para orador de turma. Confesso sem qualquer pieguice, fui um estudante que lutei com bastante dificuldade. A UERJ era um padrão de referência. E, na época, infelizmente não existe mais, havia uma editora que dava um prêmio, que era o Prêmio Companhia Editora Forense. Formei a minha primeira biblioteca, porque ganhei o Prêmio por ter tirado em primeiro lugar durante os cinco anos de faculdade. Ganhei o que seria hoje R$3.000,00, aproximadamente, em livros. Era coisa demais. Hoje já é mais ou menos. Na minha turma não tinha essa questão de competitividade nociva. Foi uma turma que me apoiou muitíssimo. Eles tinham em mim, porque era um grande boa praça, o primeiro aluno da faculdade e o maior farrista, um amigo admirável.

O tom do discurso de formatura foi de gratidão, afetivo. Agradecia muitíssimo o que os professores tinham feito por nós, o que os colegas tinham feito para a nossa formação, falava um pouco da miséria do Brasil, a miséria da fome e a miséria intelectual, dizia das nossas perspectivas em vários campos, no campo da advocacia, do Ministério Público, da Magistratura ou do próprio Magistério, e terminava com uma lição de grande esperança. Tal como sou como pessoa. Sou uma pessoa que tem muita fé, muita esperança, sou muito perseverante, tenho nos meus ideais a minha grande bandeira. Cheguei muito cedo em tudo o que fiz porque nunca perguntei a ninguém qual era a minha hora. Eu sempre fiz a minha hora. Nunca admiti, dentro da minha independência pessoal, talvez por tudo o que eu tenha passado desde 14 anos, que ninguém me dissesse qual era a hora que eu tinha para dar início a minha vida profissional.

Já fui até criticado por isso. Porque diziam: “tudo na vida tem antiguidade”. Não é nada disso. O Brasil é um país que dá chance a todo mundo. E quem tem a chance e quem acha que está na sua hora, tem que procurar o seu caminho. A minha família, ela é uma família que me apóia. Então, ela não diz a minha hora. Ela acompanha a minha hora. Essa é a minha filosofia de vida. Então, às vezes, pago um preço caríssimo por isso. Eu me machuco muito, mas não desisto.

O convite para dar aula na UERJ me faz dar um mergulho muito bonito no meu passado. Ele foi formulado pelo professor Oscar Dias Correia, que era diretor da faculdade. Isso foi em 1977. Tinha um ano de formado. Ele disse assim: “Fux, eu queria montar o escritório modelo da UERJ. Então, eu preciso que você comece na prática forense, comece a estudar isso para mim, porque você foi um aluno exemplar e a gente quer começar de uma forma exemplar. O secretário da faculdade, o professor Júlio, que substituiu o Magalhães, ele acha que você é a pessoa indicada”.

Se bem que, na faculdade, dava aula desde quando estudante. O professor Benjó, no último período, me incumbiu de ser seu assistente em Direito Civil. Foi a área onde comecei.

Entrei na UERJ em 1972
E nunca mais saí. Nós estamos em 2006, eu nunca saí da UERJ. Nem um segundo. Mesmo agora, em Brasília, compatibilizo a minha carga horária no Mestrado, no Doutorado. Para não sair da UERJ, confesso que já dei aula de tudo. Já dei aula até de Direito Financeiro. Direito Financeiro, Direito Civil, Prática Forense. Só não dei Medicina Legal, que devia até ter dado porque Medicina Legal, aprendi com o professor Nilson do Amaral Sant’Anna. O Nilson foi diretor do Instituto Médico Legal. Foi a pessoa mais querida que a UERJ já teve. Ele dizia para o meu pai o seguinte: “você tem um filho que você divide comigo”.

O Nilson dizia o seguinte: “Fux, um menino de 23 anos é um menino. E você é um menino de 23 anos que freqüenta rodas de pessoas muito mais velhas que você, e com muito pouco tempo de idade você goza de muita respeitabilidade e isso vai marcar a sua vida”. E dito e feito. Tudo o que aconteceu na minha vida foi muito cedo. Fui juiz muito novo, o juiz mais novo da época. Hoje não, hoje há juízes mais novos. Passei no concurso da Magistratura com 27 anos, em primeiro lugar. Eu saí no Jornal Nacional, porque era uma coisa importante. Depois, fui o desembargador mais novo. Fui o Juiz de Alçada mais novo. E durante um bom tempo fui o Ministro mais novo do Superior Tribunal de Justiça.

A saída do Catete para o Maracanã foi uma tristeza muito grande. O prédio era histórico. E o prédio era a história da faculdade de Direito. Houve resistência. Nós fomos instados a nos mudar para a UERJ, uma faculdade com uma infra-estrutura muito melhor do que o Catete. No Catete eram carteiras de duas pessoas. Você estudava sentado ao lado de um colega. E só nas provas é que tinha que dividir as salas para todo mundo sentar sozinho. O Sr. Magalhães me chamava de Beckenbauer, porque o Beckenbauer era um meio de campo que distribuía bem a bola na seleção alemã. Ele dizia que eu sentava no meio da sala para distribuir cola para os alunos.

Mas voltando, o professor Oscar Dias Correa me chamou e aí nós dividimos o escritório modelo em área Cível, área de Família e área Criminal. Começamos o trabalho atendendo aquele pessoal da Mangueira, pessoal pobre, fazendo uma segunda mão com a Defensoria Pública. Aquilo ali deu certo. Foi proveitoso mesmo. O pessoal gostou muito. O professor Oscar se afastou da faculdade para ser ministro da Justiça. Depois ele foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Eu ainda contei com ele em duas ocasiões. Um evento que fiz sobre Direito Constitucional, quando me chamaram para ser supervisor da Gama Filho, e tive que pedir licença da UERJ para ajudar a Gama Filho. E quando concorri ao cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, ele também se engajou em minha campanha, me deu algumas orientações. Recentemente, encontrei com ele já doente. Nos sentamos em um restaurante e recordamos os tempos de UERJ. Ele sempre foi um grande amigo. Dos melhores... Fiz uma homenagem a ele quando faleceu, no Superior Tribunal de Justiça. Fiz constar da ata essa homenagem.

Primeiro fui contratado como instrutor. Aí, fiz a livre-docência, porque não havia Mestrado e Doutorado. Livre-docência em Processo Civil, acho que em 1988. Depois, fui professor titular também em Processo Civil, em 1995. Esse concurso para livre-docência foi um concurso dificílimo. Nós tínhamos uma prova escrita, uma prova didática e tínhamos a defesa da tese. Então, eram três provas: na prova escrita, tínhamos seis horas, depois se lia a prova para a banca; na prova didática sorteava-se um ponto e esse ponto era objeto de uma aula que se dava, não só para banca, mas também para os alunos presentes.

A minha livre-docência foi sobre ‘intervenção de terceiros’. Bom, a banca era duríssima. Era composta pelo Barbosa Moreira, pelo professor Muniz de Aragão, professor Calmon de Passos, Celso Agrícola Barbi e o professor Hortêncio Catunda de Medeiros.

Já para professor titular a banca foi diferente: Barbosa Moreira, Muniz de Aragão, Cândido Dinamarco, Adroaldo Furtado Fabrício e Gustavo Tepedino. Quer dizer, ali aconteceu uma coisa interessante porque, muito embora quem tenha levado o Gustavo Tepedino para a faculdade tenha sido eu, ele fez um concurso para professor antes de mim. Então, ele acabou me examinando.

Tenho o hábito de dormir pouco. Eu já dormia pouco. Na prova de aula, preparei-me de dia, dormi de noite, acordei no dia seguinte e fui dar aula. Mas, na titularidade é que houve um fato sui generis, porque houve uma posse no Supremo Tribunal Federal, se não me engano, uma posse no Supremo ou no Superior Tribunal de Justiça, e aí, dois membros da banca foram a essa posse. Então, houve uma inversão e nós fizemos a defesa de tese antes da prova didática. Normalmente, seria a prova escrita, a prova didática, e depois, a defesa de tese. Mas, no concurso para a titularidade, a prova de aula foi uma prova posterior à prova de tese. Então, o que aconteceu? Eu terminei a defesa da tese, sorteei o ponto para a aula e a aula era no dia seguinte de manhã. Terminei a defesa de tese 4 horas da tarde, mais ou menos, 3 horas, por aí. Sorteei o ponto e era um ponto difícil. Fiquei com dificuldade de dormir. Dormi de sete da noite a uma da manhã. Acordei uma hora da manhã e, aí, já com a cabeça mais descansada, preparei a aula toda. O tema era “mandado de injunção”, matéria nova, que ninguém ainda sabia. Tive até o apoio de um estagiário, Marcelo Carpenter, que fez as pesquisas para mim enquanto eu dormia. Ao acordar peguei o material e saí escrevendo. E ele era um rapaz muito, muito amigo. Tinha algum parentesco com o Luiz Carpenter. Um rapaz de valor, trabalha hoje no escritório Sergio Bermudes.

Tem que ter muita disciplina. Quando chegou, assim, oito horas da manhã, estava preparado para a aula. Peguei um headphone, fiquei ouvindo música até dez horas da manhã. Dez horas fui embora para a faculdade, dei uma aula normal. E ali, nesse dia, saíram divulgadas as notas.

Tenho um grande amigo na faculdade, que é o Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. O PC, Paulinho, ele sempre foi muito meu amigo. Tanto que usou uma frase interessante no concurso dele. Fiquei emocionado quando ele falou isso... Eu estava na banca e ele sendo examinado por mim. Eu era professor titular e ele não era. O levei para dar aula na UERJ, e ele, inclusive, me preparou para o Ministério Público, quando fui promotor. Ele era muito querido, muito amigo. Quando o examinei, antes de começar a me responder, falou assim: “Fux, nós somos amigos desde a época em que nós não éramos nada”. Uma pessoa sensível. Porque nós éramos amigos quando a gente era nada mesmo! Nada. Eu já era desembargador e ele era procurador da Justiça. Ele concorrendo para titular de TGP. Quando acabei meu concurso de cátedra, o Paulinho levou o pessoal da banca para o aeroporto. E nós viemos para a minha casa às quatro horas da tarde. Ai, eu falei: “Paulinho, só resta nós dois para comemorar. Vamos comemorar”. Tinha ganho de presente uma garrafa de Royal Salute, que era o whisky mais caro que tinha. Então, eu e Paulinho, às quatro horas da tarde, tomamos uma garrafa de Royal Salute sentados na mesa da minha sala. Conversando. Nós nunca nos esquecemos disso.

Aquilo ali fazia parte da carreira. Eu não me admitiria continuar na UERJ sem fazer esses concursos. Porque a UERJ, ela legitima muito a carreira do professor que faz concurso. O alunado da UERJ é muito exigente. Ele não é condescendente com professor que está ali dando aula para experimentar. O aluno quer saber se o professor tem estrutura para dar aula. O concurso legitima a sua permanência. E sempre fui assim muito voltado para o estudo, muito dedicado. Eu só me meto em coisa difícil, só arranjo coisa que não é frugal. A vida se torna mais difícil também. Mas é o meu temperamento.

Hoje tenho na UERJ ligação com o mestrado, com o doutorado e com o grupo de pesquisa. Por quê? Porque isso me dá uma flexibilidade de horário maior. Sou Ministro, então, tenho que estar sempre em Brasília. Vou uma vez por semana à UERJ. E, além disso, para cumprir a minha carga horária, faço parte de quase todas as bancas de concurso. E tenho uma relação tão afetiva com a UERJ, que até admitiria, sem problema nenhum, até porque não sacrifica a minha carreira de Ministro, nunca sacrificou, daria aula de graça na UERJ. Eu tenho amor pela UERJ. A UERJ faz parte da minha vida.

Também fui chefe do Departamento de Processo Civil da UERJ. E sou candidato novamente a ser, pelo rodízio. Pretendo ser de novo.

O ensino jurídico sempre foi um ensino muito hermético, muito conceitualista. Ensino de conceitos, onde não se procurava levar o aluno a pensar. Talvez até por uma influência política que visava engessar a inteligência do aluno de Direito. Nós estamos em uma época em que você não forma só um aluno para ser advogado. Você forma um cientista do Direito. Então, ele tem que ter uma visão interdisciplinar do fenômeno jurídico. Hoje o ensino jurídico é diferente, porque não é mais positivista. O professor deve levar ao aluno o conhecimento das virtualidades da lei, da necessidade da aplicação da lei à luz dos fins sociais a que a se destina. O homem do Direito não pode ser alheio à realidade do que está aí na rua, dessa pobreza. Ele não pode ser alheio à necessidade de se aplicar o Direito levando em consideração novos valores trazidos pela Constituição Federal. Não há mais possibilidade de se fazer um estudo estanque do Direito. O estudo do Direito hoje é um estudo à luz de princípios éticos, morais.

Como magistrado
Primeiro procuro ver qual é a solução justa. E depois, procuro uma roupagem jurídica para essa solução. Não há mais possibilidade de ser operador de Direito aplicando a lei pura. Nós aprendemos assim por força de um engessamento levado pela política de repressão, e que hoje não existe mais. Então, hoje é muito importante que o professor se despoje desse ranço da ortodoxia do ensino, de que fica vinculado a só uma questão legalista. O Direito vive para o homem, e não o homem para o Direito. É preciso dar solução que seja humana. A justiça tem que ser caridosa e a caridade tem que ser justa. É preciso estar atento às aspirações do povo, porque, no meu modo de ver, assim como o Poder Executivo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Legislativo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Judiciário se exerce em nome do povo, para o povo. A justiça é uma função popular. Na faculdade deve-se partir desse ensino com a cabeça bem aberta para tudo isso. Porque aí se formam pessoas que farão as suas opções.

Estou agora lançando o projeto Conhecendo a Constituição. O projeto começou em Aracajú, onde um instituto quis lançar pela primeira vez em homenagem a um jovem que falecera. Envolvi-me com a questão afetiva desse pai, que criou um instituto para dar educação graciosa a mil crianças. Sendo um homem muito rico, como tudo pertenceria por herança ao filho dele, resolveu criar esse instituto. Achei isso o máximo. E quis começar por ali, porque ele foi ao meu gabinete e falou que queria fazer essa homenagem ao filho. Chama-se Instituto Luciano Barreto Júnior, o nome desse menino faleceu. Fui a Sergipe e lancei o projeto “Conhecendo a Constituição” lá.

E teve uma repercussão tão grande que, hoje está sendo levado ao MEC para que se introjete no ensino médio as noções elementares do que é que cada Poder da República faz, os direitos fundamentais da pessoa humana, para que o jovem, já desde cedo, tenha noção da cidadania e possa avaliar se o homem está cumprindo suas funções. Deu divinamente certo. Ninguém faz nada sem a mão de Deus. E nem acontece nada na vida que não seja desígnio de Deus. Quando você consegue alguma coisa, teve uma grande ajuda de Deus. Quando você não consegue é porque Deus achou que aquilo não era o melhor para você. E isso é uma forma de você se contentar, desde que você lute.

Eu diria aquilo que já coloquei em um livro: “a UERJ é uma das melhores partes de mim mesmo”. No curso da minha existência, é uma das melhores partes de mim mesmo. Tenho o meu lado humano, minha história, minha vida. Nessa história da minha vida, a UERJ tem um papel fundamental. Tenho um amor e um carinho muito grande pela casa. Os tempos mudaram um pouco, mas não mudou o meu grau de afeição. Eu gosto muito da UERJ e espero um dia que o destino me permita voltar integralmente para lá. Não sei. Eu tenho isso na minha cabeça. De voltar a ser um professor também do bacharelado.

O aluno de Direito da UERJ do século XXI, tem que ser um homem voltado incessantemente para o estudo, incessantemente. Incessantemente voltado para o trabalho. E ser um homem crítico do sistema. Não há mais lugar para o homem neutro. É preciso desenvolver o que há de relevante, a independência.

A UERJ é uma escola emblemática no Rio de Janeiro. Merece ser lembrada a todo momento, porque ela divulga o que o Rio de Janeiro tem de melhor. Todo mundo imagina que o Rio de Janeiro é bonito pelas suas praias, pelos lugares encantadores, pelo carnaval e futebol. Por um povo alegre. Mas, como eu e outros colegas dizemos nas palestras, e que logra obter grande acolhida dos auditórios, o Rio de Janeiro é maravilhoso, é lindo, mas entre uma caipirinha e outra, também se faz ciência.

Fonte: ConJur