sábado, 31 de julho de 2010

Novo CPC: retrocesso?

Questionando
Diferentemente de outros países com cultura jurídica mais avançada, aqui o que nos importa é mudar leis; aplicá-las é outro problema. Ninguém se ocupa em aplicar bem o que já existe, mas apenas em mudar o que estabelecido.

É certo que a passagem do tempo e as consequentes modificações da realidade social tornam necessárias pontuais revisões de legislação. No entanto, no Brasil o que se vê é a necessidade de sempre se manter em pauta um ou alguns projetos de modificação total de códigos – isso rende palestras, cursinhos preparatórios, novos livros e bastante assunto para discutir.

As bolas da vez são os novos CPC e CPP. Neste post vou falar apenas sobre o primeiro.

A tônica da mudança seria a necessidade de acelerar o andamento de processos judiciais e simplificar o sistema processual. Há um lado bom nisso: finalmente alguém se deu conta de que a modificação da legislação processual é o caminho mais eficaz para se conferir celeridade ao andamento de processos e ordem no caos do sistema judiciário nacional.

Assim, a comissão destinada a redigir o novo CPC iniciou seus trabalhos sob o mote da simplificação e da celeridade. Esperava-se, assim, um novo código enxuto, moderno e voltado à simplicidade. Particularmente, sempre acreditei que o caminho para a melhoria seria a simples extirpação de alguns institutos arcaicos (sobre isso já escrevi aqui) e o aprimoramento de outros.

Concluída a versão final do projeto da comissão, o site Espaço Vital publicou uma lista das principais novidades que serão trazidas pela nova codificação. Sua leitura desaponta aqueles que esperavam uma nova legislação marcada pela simplicidade. De início, porque um novo diploma que traz mais de cem novidades relevantes certamente não pode ser classificado como simples ou mesmo enxuto. O mais grave, porém, é que o novo diploma retrocede em muitos pontos que atualmente já estão bem resolvidos pelo atual CPC. Passo a comentar algumas das novidades.

5 – Será conferida aos advogados a faculdade de promoverem a intimação pelo correio do advogado da parte contrária, de testemunhas etc., com o uso de formulários próprios e a juntada aos autos do comprovante do aviso de recebimento.

Intimação é ato do Judiciário. Terceirizar atos não resolve muita coisa, transfere ao advogado um ônus que não é dele e ainda abre um vastíssimo campo para fraudes (quem garante que o que foi enviado dentro do envelope com AR é mesmo uma carta de citação?). Trata-se, porém, de uma alteração de pouca expressão (desnecessária, mas irrelevante).

9 – As leis de organização judiciária de cada Estado e do Distrito Federal poderão prever a instituição de mediadores e conciliadores para auxiliar os magistrados.

Nunca vi com bons olhos essa tentativa exacerbada de conciliar. Na maioria das vezes, se as partes vêm ao Judiciário é porque já tentaram outros meios de composição e não conseguiram. Quando ingressam com um processo, querem uma solução dada por terceiro. Forçar a conciliação, em minha opinião, e com todo o respeito aos muitos juízes e advogados que pensam o contrário, é um mero paliativo, um atestado de que o Judiciário, não dando conta da carga de trabalho que lhe é imposta, precisa recorrer a outras formas de solução do conflito.

Assim, o estabelecimento de fases de conciliação apenas emperra o trâmite processual e faz a solução demorar ainda mais. Muitas vezes, gera indevido incômodo às partes, que não querem ou não podem ficar vindo a Juízo discutir um problema que já queriam ver resolvido. Além disso, há casos em que todos sabem que não haverá conciliação (experimente ingressar com processo contra uma empresa de telefonia pedindo danos morais: nunca haverá proposta de acordo).

Dessa forma, a sistemática atual, que permite ao juiz designar audiência de conciliação apenas quando reputar possível a conciliação (arts. 125, IV e 331 do CPC) é muito mais adequada, evitando desnecessárias e infrutíferas tentativas de conciliação quando já se sabe, de antemão, que elas não produzirão resultado.

14 – O sistema atual de nulidades será mantido, prestigiando-se os princípios da instrumentalidade, do prejuízo e da efetividade processual, desprezando-se invalidades e preliminares, caso o juiz possa decidir o mérito a favor da parte a quem favorece o acolhimento daquelas.

Parece boa a parte final da novidade, mas gera uma situação estranha de pré-julgamento. Ora, se o juiz pode desprezar preliminares que favoreceriam uma das partes caso possa julgar o mérito em seu favor, pode-se afirmar, a contrario sensu, que se o juiz acolher a preliminar é porque iria julgar contra a parte favorecida pelo acolhimento da preliminar. Pré-julgamento implícito? Parece que sim.

15 – O cancelamento da distribuição do feito que, em 15 dias, não tiver as custas pagas, será precedido de intimação postal ao advogado.

Já houve (e ainda há) alguma discussão acerca da aplicabilidade do art. 257 do CPC: não havendo recolhimento de custas de ingresso e decorrendo trinta dias, pode o juiz determinar de imediato o cancelamento da distribuição ou tem que intimar alguém.

Ainda que existam alguns poucos julgados em sentido contrário, tem prevalecido o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ ainda no ano de 2001, resumido no seguinte aresto:

PROCESSO CIVIL. PREPARO. EMBARGOS DO DEVEDOR. Quem opõe embargos do devedor deve providenciar o pagamento das custas em 30 dias; decorrido esse prazo, o juiz deve determinar o cancelamento da distribuição do processo e o arquivamento dos respectivos autos, independentemente de intimação pessoal. Embargos de divergência rejeitados.(EREsp 264895/PR, Rel. Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 19.12.2001, DJ 15.04.2002 p. 156)

Não são poucos os advogados que sustentam que deve haver alguma intimação antes do cancelamento da distribuição, fazendo a antiga distinção entre ato da parte e ato do advogado, argumentando que pagamento de custas é ato da parte.

Com todo o respeito que merece a advocacia, não consigo concordar com esse tipo de tese. Bons advogados certamente não necessitam sustentá-la: quem contrata um advogado não quer ficar se preocupando em ver onde, como e quando pagar custas. Trata-se de uma exigência de índole técnica e bons escritórios de advocacia se empenham em evitar que seus clientes tenham que ter esse tipo de incômodo.

Ora, quem ingressa com um processo já deve tomar todas as providências para fazê-lo andar – e isso inclui o pagamento das custas. Caso não haja esse pagamento, o cancelamento da distribuição – mero ato burocrático e administrativo – nada mais é do que solucionar uma pendência ocasionada pela inércia do próprio promovente da ação. Exigir que, não tendo havido pagamento, haja a intimação postal do advogado é apenas emperrar ainda mais a tramitação processual, criando um incidente desnecessário.

De fato, a partir da nova regra, o processo ficará quase dois meses paralisado até que se complete a inicial, com preparo de custas – dois meses de demora que, após as outras fases processuais, entrarão na conta da morosidade da Justiça.

A atual regra do art. 257 do CPC é mais simples, prática e não prejudica ninguém – sobretudo bons profissionais de advocacia, que jamais se vêem às voltas com esse tipo de problema

16 – O juiz de primeiro grau ou o relator do recurso, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades (“amicus curiae”), sem alteração de competência.

Mais um preciosismo desnecessário: o instituto do amicus curiae é importante em processos objetivos, como os de controle de constitucionalidade, que produzem coisa julgada erga omnes. Neles, é até uma exigência democrática a possibilidade de se permitir a ampla participação de interessados no processo, formulando suas tese e tentando contribuir para a formação da convicção do órgão judicial.

O mesmo não ocorre com o transplante dessa regra para os processos subjetivos: aqui, afora as possibilidades de intervenção de terceiros (assistência simples, litisconsorcial etc.) não há sentido para se permitir que pessoas estranhas à lide nela ingressem, tumultuando a tramitação e não contribuindo muito para o deslinde do feito. Trata-se de novidade que vai na contramão da necessidade de simplificação de procedimentos.

O único caso em que tal novidade parece pertinente é para o incidente de resolução de ações repetitivas, outra novidade – esta sim importante – trazida pelo novo CPC.

30 – As matérias cognoscíveis de ofício pelo magistrado, sempre serão submetidas ao crivo do contraditório antes de decididas.

O argumento aqui é o de se evitar a surpresa e garantir o pleno contraditório. De fato, por vezes o juiz extingue o feito por falta de condição da ação ou pressuposto processual invocando argumentos que até então não foram discutidos no processo. A novidade, assim, permitiria que as partes se manifestassem previamente a respeito.

No entanto, essa novidade, além de desnecessária, novamente traz uma situação inusitada de pré-julgamento.

A alteração é desnecessária porque as matérias que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz se referem a condições da ação e pressupostos processuais (matéria de ordem pública), sendo que o art. 301 do CPC estabelece a obrigatoriedade de o réu se manifestar a respeito em contestação. Contudo, como essas matérias não geram preclusão, o próprio CPC admite que o juiz decida com base nessas matérias, mesmo que não invocadas pelas partes, caso em que se aplicará a regra do art. 22: “O réu que, por não argüir na sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, dilatar o julgamento da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor na causa, o direito a haver do vencido honorários advocatícios“. Se é assim, o juiz, ao decidir com base em tema não discutido nos autos previamente, o faz porque as partes deixaram escapar a possibilidade de discuti-lo.

No mais, poderá a parte, sempre, questionar a decisão por recurso, de modo que o contraditório será exercido de forma plena. Não há motivo, assim, para condicionar a apreciação de matérias de ordem pública à prévia manifestação das partes.

O pior da alteração, porém, é a esdrúxula situação de pré-julgamento implícito: o processo vai concluso ao juiz, sem ninguém ter alegado qualquer preliminar. Baixam os autos com o despacho: digam as partes sobre a legitimidade passiva. O que fica claro disso? Que o juiz já antecipou que vai extinguir o feito por ilegitimidade passiva. Mais uma vez, o novo CPC criará uma situação em que o juiz anuncia previamente às partes como irá julgar. Estranho, não?

33 – O procedimento padrão, a critério do juiz ou mediante manifestação das partes inicia-se, em regra, pela audiência de conciliação.

40 – Havendo audiência de conciliação, o prazo para apresentar contestação será contado a partir dela.

O cotejo das duas alterações é que é o problema. Atualmente, o procedimento sumário se inicia com audiência de conciliação. Mas, pela sistemática vigente, o réu deve apresentar contestação na audiência. Isso permite ao juiz sanear desde pronto o feito ou mesmo julgá-lo ali mesmo, em audiência – não são raros os casos em que isso acontece -, pondo-se fim ao processo já na primeira audiência.

No novo CPC, isso não mais poderá acontecer: a audiência de conciliação será só para conciliação. Será impossível sanear ou mesmo julgar antecipadamente em audiência conciliatória pelo simples fato de que não há defesa – de modo que não há como saber quais serão os pontos controvertidos e as teses jurídicas invocadas.

Assim, depois de decorrido o prazo de defesa, virão os autos ao juiz, que saneará ou julgará antecipadamente. Ou seja, mais um mês de atraso na tramitação processual. Isso sem considerar a possibilidade de se manter ainda a atual e famigerada fase – não prevista em lei, mas necessária porque ninguém o faz na inicial e contestação – de especificação de provas.

49 – O cumprimento da sentença por quantia certa dependerá da intimação do executado após o trânsito em julgado e decorrido o prazo referido no artigo 475-J, incidindo os consectários referidos.

52 – É necessária a intimação pessoal do réu, por via postal, para incidir a multa prevista no artigo 475-J, na fase de cumprimento de sentença.

Mais uma vez aqui temos o forte lobby de setores da advocacia. A atual regra do art. 475-J sempre foi muito combatida por advogados, que argumentavam que não podem ser incumbidos de avisar a seus clientes que eles devem pagar a dívida.

O STJ, contudo, sempre rechaçou essa tese, aclamando, atualmente, o entendimento de que o prazo para pagamento corre a partir da intimação do devedor na pessoa de seu advogado.

Já haviam ensaios pretentendo modificar a redação do art. 475-J do CPC, tornando expressa a necessidade de intimação pessoal do devedor. Eles se refletiram na proposta do CPC e configuram nítido retrocesso. Exigir intimação pessoal do devedor é o mesmo que voltar o sistema processual à antiga regra da execução de título judicial, com todos os percalços a ela inerentes: sabendo que será citado, o devedor se esquiva, foge do Oficial de Justiça e se esconde, tornando necessárias os demorados e caros procedimentos de citação ficta (por hora certa e edital).

Toda essa burocracia – hoje desnecessária – voltará para emperrar o andamento dos processos de execução (ou cumprimento, como se diz modernamente) de sentença. É um retrocesso e tanto, que somente interessa para quem deve e não paga.

Para quem é credor, trata-se de mais uma exigência burocrática a tornar mais caro e mais demorado o processo executivo.

60 – O direito à adjudicação pelo exeqüente e pelos demais interessados pode ser exercido após a tentativa frustrada da primeira arrematação. É eliminada a distinção entre praça e leilão. Os atos de alienação (arrematação) serão realizados por leilão eletrônico, salvo se as condições da comarca não permitirem a observância do referido procedimento.

Outro retrocesso importante. Na atual sistemática – art. 685-A – permite-se ao credor optar, desde o princípio, pela adjudicação (desde que observado o valor de avaliação) como forma mais simples e rápida de ver adimplido seu crédito – afinal, os leilões judiciais são caros, demorados e muito pouco efetivos. O credor que realmente quer receber, adjudica o bem e o vende. Somente leva à hasta aquele credor que não tem qualquer interesse em receber o bem ou pretende adquiri-lo, com seu crédito, por valor inferior ao da avaliação, após a segunda hasta.

Retirar do credor essa faculdade de escolher a forma como prosseguir a execução, condicionando-o, sempre, à prévia realização de hasta é burocratizar e tornar desnecessariamente demorado o andamento da execução.

Conclusão
Além das novidades acima transcritas, há várias outras – num total de 121 listadas pelo site. Há várias delas extremamente positivas. No entanto, no cotejo do que muda para melhor e para pior e do que fica como está, conclui-se que o projeto final destoa do que se legitimamente se esperava: um código que mantivesse os avanços e méritos do atual CPC, eliminasse institutos ultrapassados e fosse simples, claro e enxuto.

Pelo que se percebe, o que virá é um código complexo, que retrocede em muitos pontos, que pouco simplifica e não traz novidades que contribuam para a efetiva celeridade.

Nesse cenário, é crucial que haja reflexão acerca de um questionamento fundamental: para que precisamos de um novo CPC nesses moldes? Não seria melhor manter o que já temos? Particularmente, estou fortemente inclinado a afirmar que o atual CPC deixará saudades.

Fonte: Blog do Marcelo Bertasso

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Casal consegue registrar criança de barriga de aluguel

Novos tempos
A Corregedoria do Serviço de Controle das Unidades Extrajudiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou um casal doador de material genético, espermatozóide e óvulo, a registrar em seu nome uma criança gerada na barriga de outra mulher. O processo conhecido como barriga de aluguel não tem vedação legal, apenas não pode ter caráter comercial. O parecer é do juiz auxiliar da corregedoria José Marcelo Tossi Silva, e foi assinado pelo desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares.

Fundamentos aplicados
A criança foi registrada no nome do pai e mãe doadores do material genético, mas o Ministério Público de São Paulo recorreu à corregedoria para que no documento constasse o nome da mulher que a gestou. O juiz levou em conta o fato de a mulher que gestou a criança ter se manifestado no sentido de que ela não era sua filha para concluir que o registro seria prejudicial para o menor. "O será prejudicial à criança que nenhum sustento e educação recebrá dessa genitora", reforçou.

Fonte: Conjur

Penas alternativas são eficazes na recuperação

Prisões falidas
A eficácia da pena alternativa na recuperação do apenado já está comprovada. A opinião é do juiz Carlos Martins Beltrão Filho, titular da 7ª Vara Criminal da comarca de João Pessoa. “O apenado não fica preso, mas sabe do seu compromisso com a Justiça. Com a restritiva de direito, ele tem possibilidade de trabalhar, de participar de cursos, e, com isso, sua recuperação é praticamente certa”, explica o juiz.

A pena alternativa já existia de forma contida no Código Penal, mas foi em 25 de novembro de 1998, com a sanção da Lei 9.714, que os magistrados passaram a ter os parâmetros para aplicá-la. São as hipóteses previstas no artigo 44, incisos I, II e III do Código Penal: quando a pena privativa de liberdade não for superior a quatro anos; se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça; se o crime for culposo; quando o réu não for reincidente em crime doloso e se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que a substituição da pena seja suficiente.

As penas mais aplicadas são prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, penas pecuniárias e limitação de fim de semana. Outras situações estão previstas no artigo 43, inciso II e V.

O juiz observa um agravante nos presídios brasileiros e, especificamente no Estado da Paraíba. As condições de recuperação oferecidas aos encarcerados podem, em muitas vezes, gerar efeito contrário do esperado. “Só pelo fato de estar detida, a pessoa não vai encontrar condições de se recuperar. Ela teria que ter o acompanhamento do Estado, ter condições de saúde, alimentação e outras assistências melhores. E não é o que vem acontecendo nos presídios. Por causa disso, na maioria dos casos, a prisão não recupera e acaba revoltando o preso, fazendo com que ele saia muito pior do que quando entrou.”

De acordo com Carlos Beltrão, a comarca de João Pessoa conta com, aproximadamente, 300 pessoas cumprindo penas restritivas de direitos. Uma economia para os cofres públicos de mais de R$ 1 mil por apenado. Além de ser uma medida que evita a superlotação dos presídios. “Temos que parar de ver os presos apenas como ameaças para a sociedade. A pena não deve ter o caráter simplesmente de punir, mas de recuperar. Nesse sentido, tirar sua liberdade não é garantia de ressociabilizá-lo”, defende o juiz. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-PB.

Fonte: TJPB

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Reforma do CPP prestigia “república dos bacharéis”

Belindia ou Ingana
A tese pela qual habitaríamos uma Belíndia - um país de dois extremos, uma mistura da Bélgica com a Índia - para além da questão econômica que a suscitou, sustenta-se hoje na imensa desigualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei, ou melhor dizendo, perante a Justiça.

Exemplo disso, a famigerada súmula das algemas que só um Cândido acreditaria (e para estes crédulos, eu recomendaria a leitura de Voltaire) que teria como beneficiários os simples cidadãos e não uma seleta clientela de advogados de grife, que são aqueles que têm acesso a ministros do STF, inclusive fora do horário de expediente.

Aliás, não sou eu quem digo que o STF está funcionando como uma sala vip de aeroporto, destinada a receber clientes muito especiais, porque há poucos dias o próprio presidente daquele Tribunal, ministro Cezar Peluso, afirmou com todas as letras à "Veja" que só os que conseguem contratar “bons” advogados chegam ao Supremo.

Se fosse de outro modo, essa bobagem vinculante que transformou em prioridade nacional o combate ao uso abusivo das algemas (produto casuístico de furor legiferante, invadindo seara alheia) teria produzido algo de significativo que não só o espanto geral acerca da novidade, que veio à tona justamente quando a ameaça de um “Estado policial” ousava submeter também banqueiros e algumas altas personalidades.

E apesar da obviedade da situação, quase ninguém repara que esse tal Estado dito policial é já, e desde sempre, a realidade presente e constante na vida de grande parcela dos brasileiros, do que ponho exemplo com as favelas do Rio de Janeiro, onde apesar do sagrado princípio da presunção de inocência, toda morte produzida pela polícia tem de antemão a desculpá-la um infalível álibi pronto: morreu um traficante.

É de fato curiosa a persistência desse estado de guerra ou exceção nestas comunidades, como se o barraco do favelado não merecesse a mesma proteção da mansão dos ricos, porque diariamente são invadidos sem cerimônia pela polícia a pretexto do combate ao tráfico de drogas.

Uma criança morta em sala de aula por uma bala (que nada tem de perdida porque atirada a esmo contra supostos bandidos), o pai de família abatido em casa quando empunhava uma furadeira confundida pretensamente com uma metralhadora, as incontáveis vítimas inocentes dessa guerra urbana, são a constatação da completa supressão dos mais elementares direitos e garantias dos cidadãos: esta é a realidade nua e crua do País, que não mudou em nada mesmo após aquela autoridade mediática do STF ter anunciado, qual Chapolim Colorado, a derrota imposta ao “terrorismo” patrocinado pela Polícia.

Mas na verdade ele estava se referindo exclusivamente à Polícia Federal e aos habitantes privilegiados daquela pequena parte do Brasil onde habitam os “belgas”, porque não me consta que tenha intervindo algum dia em favor dos brasileiros situados na outra extremidade.

Mas o objetivo deste artigo não é questionar o desapego de certas autoridades à realidade do país e sim manifestar minhas preocupações com o projeto em tramitação no Congresso de reforma do Código de Processo Penal, que me parece não atende aos apelos dos cidadãos contra a impunidade, mas ao contrário prestigia a “república dos bacharéis” e sua clientela endinheirada.

Orientado pela filosofia de um “garantismo à brasileira”, o projeto, alheio à realidade, de nada servirá aos “indianos”, porque garantias extremadas não conseguem se converter nunca em direitos efetivos, suscetíveis de serem gozados por todos igualmente.

Se não fosse assim as cadeias não estariam lotadas de presos sem condenação final, quando a jurisprudência do Supremo já consagrou radicalmente o princípio da presunção de inocência.

Por isso recebo como uma dádiva a notícia que o CNJ, subsidiado por algumas associações de juízes, intervirá para expor o ponto de vista dos magistrados sobre este projeto de alteração legislativa que quer, entre outras bobagens, a pretexto da preservação da imparcialidade e atendendo preponderantemente o lobby bastante influente da advocacia criminal, tolher substancialmente o poder dos juízes, transformando-nos em seres autômatos, sem vontade ou determinação, incapazes de influir na busca da verdade, fazendo-nos hipocritamente surdos, mudos e burros, quando já éramos cegos.

Estamos chegando ao ponto de negar a todo juiz, e não somente àqueles com exercício em jurisdição criminal, o poder de determinar uma simples investigação policial, mesmo quando verificarem nos autos a existência de crimes de ação pública, caso em que deverão então recorrer ao Promotor, intermediação que agravará ainda mais o quadro da burocratização de nossa impunidade.

Mas de juiz que se finge de lerdo, o povo está cheio.

Sob o título "A Belíndia é aqui", o artigo supra é de autoria de Danilo Campos, Juiz de Direito da Comarca de Montes Claros (MG).

Fonte: Blog do Fred
* Ingana é o mais novo termo para retratar o nosso País que tem impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana, segundo Edmar Bacha em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 01/07/09

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Pai preso não receberá visita do filho

Protegendo o menor
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha, negou autorização para que uma criança visite o pai na prisão. Embora autorizada pelo juízo da execução, a visita foi proibida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os desembargadores entenderam que o ingresso de crianças no ambiente prisional afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

No pedido de liminar em Habeas Corpus dirigido ao STJ, o preso alegou ofensa ao princípio da dignidade humana e ao direito subjetivo, já que a visita consiste em direito essencial do apenado. Argumentou também que a ressocialização é objetivo central da Lei de Execução Criminal, de forma que a proibição da visita configuraria constrangimento ilegal.

O ministro Cesar Rocha entendeu que não estavam presentes os requisitos necessários para a concessão da medida liminar, como plausibilidade do direito e perigo de demora. Segundo ele, a solução do caso, em razão de sua complexidade, exige profundo exame do próprio mérito do pedido. O mérito do Habeas Corpus será julgado pela Sexta Turma. O relator é o desembargador convocado Celso Limongi.

Fonte: STJ

terça-feira, 27 de julho de 2010

3ª Câmara Cível mantém sentença que autoriza mudança do sexo e do registro civil de cidadão paraibano

Mudança
Os desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado mantiveram, nesta terça-feira (27), por unanimidade, sentença que determina mudança do sexo e do registro civil de K. K. da S. D.. A Apelação Cível nº 200.2009.039406-1/001 teve como relator o desembargador Genésio Gomes Pereira Filho. Desta decisão cabe recurso.

Com o entendimento, os membros do órgão fracionário negaram provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público estadual contra sentença do Juízo do primeiro grau. De acordo com o relatório da sentença do juiz da 7ª Vara Cível da Capital, Romero Carneiro Feitosa, na Ação de Retificação de Registro Civil, o apelado alegou que, no ano passado na cidade de Bangkok (Tailândia), em busca de encontrar a realização pessoal com o universo sexual, efetuou a cirurgia de “redesignação sexual masculino para o feminino”.

Desta forma, K. K. da S. D. pleiteou, na ação, que fosse concedido o direito de alterar seu nome e o seu sexo para feminino, bem como na certidão de nascimento e demais documentos, conforme os termos da Lei nº 6.015/73 e da jurisprudência pátria.

O MP requereu, no recurso, que fosse reformada parcialmente a sentença, pela não alteração do sexo para o feminino.

Na sentença, o magistrado Romero Carneiro Feitosa afirmou que o autor é transexual submetido a cirurgia de transgenitalização e pretende alterar sua documentação, adequando-a à realidade sexual vivenciada, por se sentir anatômica e espiritualmente uma mulher.

“A incoincidência da identidade do transexual provoca desajuste psicológico, não se podendo falar em bem-estar físico, psíquico ou social. Assim, o direito à adequação do registro é uma garantia à saúde, e a negativa de modificação afronta imperativo constitucional, revelando severa violação aos direitos humanos”, disse o magistrado em primeiro grau.

Segundo o relator do processo, desembargador Genésio Gomes Pereira Filho, por envolver questões das mais variadas ordens, a modificação do sexo da pessoa natural é tema tão atual quanto complexo, sendo examinado por diversas áreas do conhecimento humano. “O direito, porém, não poderia recursar-se a enxergar esse fenômeno – de nítidas repercussões sociais, inclusive – de modo que coube a jurisprudência avançar no seu estudo, palmilhando, em certa medida, o caminho a ser seguido aqui”.

Ele também observa a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que admite a modificação do sexo da pessoa natural no registro civil, vedada a menção aos termos “transexual” ou quejandos nas certidões daí extraídas. “Não é lícito introduzir a expressão “transexual feminino”, porque estigmatiza o sujeito e o apoda no seio da sociedade”, afirmou o desembargador-relator.

O desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos e o juiz convocado José Guedes Cavalcanti Neto acompanharam o voto do relator.

Por Marcus Vinícius Leite
Fonte: TJ/PB

EC Nº 66/10: a Emenda Constitucional do casamento

Desatando
O Congresso Nacional acaba de promulgar a Emenda Constitucional nº 66, que alterou a redação do art. 226, § 6º, da Constituição da República, e que passará a ter a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. O confronto desse novo dispositivo constitucional com o antigo — onde se lia que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos” — permite a imediata conclusão de que a norma constitucional suprimiu o instituto da “separação judicial”, uma invenção surgida com a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a Lei do Divórcio, como uma espécie de solução de consenso que se prestou a unir os divorcistas e os antidivorcistas de então, permitindo a introdução do instituto do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro.

Essa solução deveu-se ao fato de que existia, naquele tempo, grave preconceito com a figura do “desquite” e, especialmente, com a “mulher desquitada”, havendo registros de que alguns parlamentares chegaram mesmo às vias de fato, por ocasião da votação da Emenda Constitucional nº 9/77, que introduziu o divórcio no Brasil. A dimensão do dissenso pode ser aferida pelas seguintes opiniões, expressadas durante os debates em plenário: “a desquitada é uma mulher cantável`; `divórcio é fabricação de menores abandonados`; `vamos lembrar a hora da Ave Maria`, de um parlamentar que ocupou a tribuna às 18 horas (fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_16jun1977.htm).

Instituído, enfim, o divórcio no Brasil, a redação do § 1º do art. 175 da Constituição de 67/69, introduzido pela Emenda nº 9/77, ficou assim: “o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos`. A separação judicial passou a ser, então, um degrau necessário no trajeto a ser percorrido entre o casamento e o divórcio, pondo fim aos deveres do casamento (coabitação, fidelidade recíproca entre os cônjuges e mútua assistência), sem dissolver, contudo, o vínculo conjugal. Somente o divórcio é que rompia, juridicamente, os grilhões do casamento, permitindo que os divorciados pudessem casar-se novamente. Por isso, se um casal decidisse se divorciar, seria preciso, primeiro, passar pelo estágio da separação judicial para, somente depois — três anos depois —, chegar ao divórcio.

Com a Constituição de 1988, o casamento passou a poder ser dissolvido pelo divórcio, “após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos`. A nova ordem constitucional inaugurada em 1988, assim, preservou a obrigatoriedade de haver separação judicial entre o casamento e o divórcio, mas não só reduziu o prazo para um ano, como, além disso, permitiu que fosse possível passar de um ao outro sem o estágio intermediário da separação judicial. Nesse caso, bastava ao casal que comprovasse estar separado de fato há mais de dois anos.

A separação judicial criava uma situação interessante: o casal, a rigor, já não era mais um casal, mas os cônjuges continuavam presos um ao outro pelo vínculo do casamento, que não se rompia com a sentença que decretasse a separação judicial. Isso exigia que, após a separação judicial, e eventualmente superados possíveis dramas e traumas próprios do fim de um relacionamento, o casal se visse obrigado a se reencontrar para que fosse possível transformar o casamento em divórcio, reavivando, desnecessariamente, sofrimentos que já tinham sido vencidos.

Nos tempos atuais, nada mais justifica, sob qualquer ponto de vista, a sobrevivência do instituto da separação judicial. A sociedade brasileira de 2010 seguramente não é mais a mesma de 1977. Os valores sociais mudaram muito, com seguro avanço no que se refere a velhos e ultrapassados preconceitos, que, atualmente, são vistos como resquício retrógrado de um passado a que ninguém mais quer retornar. Por outro lado, a sutil diferença jurídica entre a separação judicial e o divórcio — a separação judicial dissolve a sociedade conjugal; o divórcio dissolve o vínculo conjugal — repercute apenas no fato de o divórcio permitir novo casamento, o que não é possível com a só separação judicial. O sofrimento imposto ao ex-casal separado — que, por imposição legal, deve voltar a conversar (e nem sempre isso é possível) para, em nova ida à Justiça, pedir o divórcio — desserve aos anseios de uma sociedade que clama pela felicidade e pelo bem-estar, sendo a todos os títulos inútil e despropositado exigir o prolongamento desse sofrimento, que ultrapassa o casal separado e repercute nos seus filhos, nos seus familiares, nos seus amigos.

A mudança na Constituição permitirá, assim, que os casais que desejem terminar seu casamento dirijam-se à Justiça uma única vez, com economia de tempo e de dinheiro, e peçam desde logo o divórcio, sem requisitos temporais nem, muito menos, sem a necessidade de experimentarem o estágio da separação judicial. A ninguém mais interessa a discussão acerca da culpa pelo insucesso do projeto de um casamento que vem a terminar. O pedido de divórcio passará a ser feito de forma consensual ou litigiosa — isto é, quando não houver acordo sobre guarda de filhos, regulamentação de direito de visitas, pensão de alimentos e partilha de bens, por exemplo, excluída em qualquer caso a discussão sobre possível culpa —, mas sem prévia necessidade de separação judicial ou da demonstração de que o casal esteja separado de fato há tantos anos. Basta ao casal que externe sua vontade de não mais permanecer casado e pronto.

A “aceleração do divórcio”, assim, aliada à dinâmica das relações sociais, certamente permitirá o surgimento de novas uniões e a celebração de novos casamentos, sendo certo que a criação de novos núcleos familiares se dá em prestígio da família plural, que hoje vem substituindo a família mononuclear do passado. Isso reforça a ideia de que a família é indestrutível e haverá sempre de sobreviver às alterações constitucionais e legais que lhe digam respeito.

É por isso que a Emenda Constitucional nº 66/2010 deve ser chamada de “Emenda do casamento” e não de “Emenda do divórcio”, até porque não foi ela que instituiu o divórcio no Brasil. Muito ao contrário, é a partir dela, e das facilidades que dela haverão de decorrer, que a sociedade brasileira poderá avançar em direção a uma nova realidade. Realidade a que, felizmente, o legislador foi sensível, implementando em boa hora, e com sabedoria, as bases constitucionais para esse novo tempo.

Por Arnoldo Camanho de Assis
Fonte: Direito & Justiça

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ex-jogador de futebol não consegue indenização

Cola-colou
A Justiça de São Paulo negou pedido de indenização do ex-jogador de futebol Sandro de Souza Vasconcelos, o Sandro, atacante do Esporte Clube Bahia. Ele entrou com ação contra a Editora Abril por conta da publicação do álbum “Figurinhas da Copa União 88”. Cabe recurso.
A defesa do ex-jogador argumentou que a Editora Abril não tinha permissão, licença ou autorização para o uso comercial de sua imagem. E, por isso, pediu indenização de R$ 80 mil.

A Editora Abril, defendida pelos advogados Lourival José dos Santos e Alexandre Fidalgo, sustentou que não houve responsabilidade civil. E alegou a inexistência de danos ao ex-jogador. Ponderou também a ausência de ato ilícito e dano moral e pediu a improcedência da ação.

O juiz Luiz Otavio Duarte Machado, da 4ª Vara Cível de Pinheiros, fundamentou sua decisão no fato de Sandro não ter descrito quais danos sofreu para ter direito à indenização. “Não se sabe que danos houve”, afirmou. “Não se sabe, aliás, nada a respeito e nem por que caberia à ré o dever de indenizar o autor. Em suma, o autor nada mais fez do que emoldurar uma tela branca”.

Para ele, o tempo passado entre a publicação do álbum (1988) e o ajuizamento da ação (2009) é uma das provas de que o jogador estava de acordo. Além disso, a editora juntou no processo documentos assinados pelo Esporte Clube Bahia, o que, diante da condição profissional dos atletas de futebol da época, bastaria para o uso de imagem.

Por Fernando Porfírio
Fonte: Conjur

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Projeto de Rádio Alternativa na comarca de Guarabira promove recuperação de presos e é modelo no País

Execução Penal
Notícias, prestação de serviços e música de qualidade. Esta é a programação de uma rádio que visa muito mais do que audiência. Pioneira no Brasil, a “Alternativa Esperança” nasceu da necessidade de levar a uma população carcerária de, aproximadamente, 520 presos, mais do que uma palavra de conforto, uma oportunidade efetiva de concretizar a cidadania e a inclusão social.

O projeto foi desenvolvido pelo juiz da Vara das Execuções Penais da comarca de Guarabira, Bruno César Azevedo Isidro. “Foi durante um evento religioso, quando assistia a uma palestra que tive um lampejo de que poderia colocar em prática os princípios da oralidade, celeridade e informalidade, criando uma forma inovadora de apreciar os processos e me dirigir diretamente a todos os presos”, explica o magistrado.

O “lampejo” do juiz logo se concretizou. Em 2006, um esforço conjunto da iniciativa privada e do Tribunal de Justiça da Paraíba conseguiu equipar a rádio com toda a aparelhagem necessária. Os presos das unidades prisionais da comarca passaram a receber, dentre outras informações, a situação de seus processos. E melhor, do próprio juiz.

É o programa “Boletim Diário da Execução Penal”, apresentado pelo idealizador do projeto, que tem o objetivo de informar os presos a respeito do andamento processual, conscientizando-os acerca dos seus direitos.

A rádio apresenta uma programação bem eclética. Programas religiosos, musicais, esportivos e humorísticos. O “Quem é o Cara?”, por exemplo, promove uma eleição que indica o companheiro de todas as horas, aquele que sempre tem um bom conselho em qualquer momento.

A iniciativa do juiz chamou atenção do Ministério da Justiça. Nesta terça-feira (20), um representante da instituição veio de Brasília fazer levantamentos sobre a rádio para aplicar a idéia em outros Estados do País. No ano passado, outros três representantes do Ministério da Justiça fizeram um estudo, in loco, do projeto. Em 2007, a rádio chegou a ser finalista do Prêmio Innovare, sendo visitada, também, por membros da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Quando questionado sobre a importância da “Alternativa Esperança” na recuperação dos presos, Bruno Azevedo é incisivo: “É de suma importância a história da rádio nas Execuções de Guarabira. Sem contar que posso me comunicar diretamente com a população carcerária, envolvendo a sociedade e levantando a discussão sobre a problemática do sistema prisional”.

O nome do projeto não podia ser outro. A Rádio Alternativa Esperança vem mostrando que o sistema carcerário brasileiro pode ainda cumprir bem seu papel: recuperar um cidadão. Os presos não são apenas ouvintes. Atualmente, três apenados colaboram no funcionamento da comunitária, a exemplo de Marconi Macena, um dos âncoras, que passou do regime fechado para o livramento condicional.

“A rádio me deu a oportunidade de sair do presídio, conhecer outras pessoas e me identificar com uma profissão. Sem a “Alternativa Esperança” isso não teria sido possível”, revela Marconi. O apenado, que participa da rádio desde sua fundação, além de controlista é apresentador de dois programas, o “Estação Forró” e “Manhã de Sucesso”.

Todos os dias Marconi Macena passa nas celas recolhendo cartas, pedidos de músicas e registrando os aniversários dos presos. “Seria louvável se as outras penitenciárias do Brasil seguissem esse exemplo. Ajudou na minha recuperação e pode ajudar na de muitos outros também”, ressaltou.

Por Herberth Acioli
Fonte: TJ-PB

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tribunal de Justiça da Paraíba reconhece legitimidade de gari no processo contra Boris Casoy e TV Bandeirantes

Limpando tudo
A Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba deu provimento, por unanimidade, ao recurso de apelação interposto pelo agente de limpeza Francinaldo Oliveira dos Santos contra a sentença do Juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Campina Grande. Com esta decisão, a Câmara afastou a ilegitimidade do apelante, determinando o retorno dos autos à vara de origem para o seguimento do processo. A Apelação Cível nº 001.2010.000.338-1/001 teve como relator o juiz- convocado Flávio Teixeira de Oliveira.

No dia 31 de dezembro de 2009, o “Jornal da Band”, da TV Bandeirantes, veiculou mensagens de feliz ano novo emitidas por dois garis. Não percebendo que o microfone estava ligado, o apresentador Boris Casoy fez comentário polêmico contra a categoria de trabalho dos garis: “ que merda... dois lixeiros desejando felicidades... do alto de suas vassouras...dois lixeiros...o mais baixo da escala do trabalho”.

O agente de limpeza Francinaldo Oliveira dos Santos, da cidade de Campina Grande, indignado com o comentário, decidiu mover Ação de Indenização por Danos Morais, alegando que o comentário “causou-lhe afronta à honra, constrangimentos, tristezas e humilhações, inclusive, que teria atingido também seus familiares”.

De acordo com o relatório, o juiz que prolatou a sentença reconheceu a ilegitimidade ativa do requerente, extinguindo o feito, “ao argumento de que a presente demanda trata de direito coletivo, assim sendo, o demandante é parte ilegítima para postular direitos coletivos”.

Inconformado com a decisão, o apelante interpôs recurso, sustentando que “é parte legítima e que embora a pretensão deduzida no caso em tela possa beneficiar todos os garis do País, isto não implica em óbice a que o mesmo busque, individualmente, um direito fundamental”.

No voto, o juiz-convocado e relator do processo, Flávio Teixeira de Oliveira, “não nega que a pretensão autoral se relacione também com um direito coletivo, mas eleva-se antes de tudo a um direito subjetivo individual, consistente na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, ambos esculpidos como garantia constitucional, consoante o artigo 1º, incisos III e IV da Constituição Federal”.

Disse, ainda, que “a valorização do trabalho humano, sobre a qual é fundada a ordem econômica, tem o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, conforme a regra do artigo 170, da Carta Magna. Assim, como titular desses direitos, o autor pode e deve postular suas legítimas pretensões sem a necessidade de aguardar pacificamente que outros legitimados o façam”.

Participaram do julgamento, nessa quinta-feira (15), os desembargadores João Alves da Silva, que presidiu a sessão, e Fred Coutinho. Representando o Ministério Público, a procuradora Ana Cândida Espínola.

Fonte: TJ/PB(com a colaboração do estagiário Herberth Acioli)

Monitoramento eletrônico do preso

Cortes na lei
A bancada do populismo penal (a que vende a ideia de que todos os males da insegurança pública podem e devem ser resolvidos com mais leis punitivas e exemplares) sofreu uma grande derrota: Lula vetou em quase sua totalidade o projeto de lei sobre monitoramento eletrônico do preso, aprovado em maio de 2010, pelo Congresso Nacional.

A redação final contemplada na Lei 12.258/2010 revela sensatez. Foram banidos os excessos estampados no projeto vindo do parlamento, que pretendia controlar eletronicamente o condenado do regime aberto, os presos recolhidos nos presídios, o liberado condicional, o beneficiário do “sursis” e das penas restritivas de direitos etc.

O caráter populista (eleitoreiro) do projeto era mais do que manifesto, visto que não tangencia o gravíssimo problema da superpopulação carcerária. Criava ônus pesado tanto para o preso quanto para o Estado. A razão central dos vetos reside na questão dos custos. Feito o expurgo necessário, por força da Lei 12.258/2010 somente é possível o monitoramento eletrônico no caso (a) de saída temporária em regime semiaberto e (b) de prisão domiciliar.

O monitoramento eletrônico do condenado (ou liberado) pode reduzir o número de fugas (esse é um propósito salutar), mas é caro (cada uso custa de R$ 500 a R$ 1.500). De outro lado, pode incrementar a estigmatização do liberado, quando visível a pulseira ou tornozeleira eletrônica. Gerará menos reincidência? Nos países que usam esse tipo de monitoramento comprovou-se o seguinte: se ele é implantado secamente, sem nenhuma estrutura ou acompanhamento de pessoas treinadas, para apoiar o liberado, a redução da reincidência é quase invisível. A lei brasileira, seguindo a linha populista, evidentemente não pensou nessa estrutura de apoio.

Mas a maior crítica que devemos dirigir contra a lei é a seguinte: não houve previsão (expressa) da possibilidade do monitoramento como medida substitutiva da prisão cautelar. O monitoramento eletrônico era (e é) muito esperado como substitutivo das prisões cautelares. Há projeto de lei do governo nesse sentido, que tramita pelo Congresso. Também o “novo” CPP (que está tramitando nessa Casa Legislativa) contempla a possibilidade de monitoramento eletrônico como medida substitutiva da prisão cautelar.

Nos nossos comentários ao art. 146-D, II, supra (cf. nosso blog), estamos admitindo, como hipótese de trabalho (como tese), que poderia o juiz substituir a prisão cautelar pelo monitoramento eletrônico (ou pela prisão domiciliar sob monitoramento eletrônico). Mas a essa conclusão só se torna possível chegar pela via da inferência, pela analogia (in bonam partem), posto que a lei (art. 146-D, II), muito lacunosamente, falou em “acusado”.

Nada mais pertinente do que admitir o monitoramento eletrônico para evitar (ou substituir) a prisão cautelar. O Brasil encerrou o ano de 2009 com 473.626 presos. Apresentava déficit de 167.056 vagas. Do total, cerca de 43% são presos provisórios, sendo certo que muitos deles poderiam ser beneficiados com a liberdade sob monitoramento eletrônico. A lei do monitoramento eletrônico já publicada, como se vê, ficou no meio do caminho. Urge que o Congresso Nacional volte ao assunto rapidamente. Não cremos que a Lei 12.258/2010 seja inconstitucional. Mas a aplicação prática do monitoramento eletrônico pode sê-lo, se o juiz não demonstrar, em decisão fundamentada, a excepcionalidade e necessidade do seu uso em cada caso concreto. Todas as medidas restritivas de direitos devem se subordinar ao princípio da proporcionalidade.

Por Luiz Flávio Gomes
Fonte: Direito & Justiça

sábado, 17 de julho de 2010

TJ da Paraíba colhe depoimento por videoconferência

Primeira Vez
O Tribunal de Justiça da Paraíba utilizou, pela primeira vez, recursos para colher depoimento sem dano à vítima menor de idade. Na última quinta-feira (15/7), o juiz substituto Gustavo Procópio ouviu as respostas de uma garota de oito anos, vítima de estupro, por meio de videoconferência. As perguntas foram feitas por uma equipe multidisciplinar, em uma “brinquedoteca” da própria unidade judiciária, e o depoimento foi acompanhado pelo magistrado, na sala de audiências.

Segundo Gustavo Procópio, o depoimento sem dano é um recurso para evitar trauma maior à criança, diante de um possível fato já vivenciado por ela, quando do momento de narrar o caso para prosseguimento do processo. “Estão envolvidos nesse depoimento psicólogos, pedagogos e assistentes sociais e todo o procedimento foi feito com o intuito de preservar a criança, daí transcorrer na brinquedoteca, sendo o áudio e a imagem repassados por videoconferência. A criança não teve o menor contato com juiz, promotor ou advogado”, disse ele.

Para o promotor da 6ª Vara Criminal de João Pessoa, Rodrigo Pires de Sá, responsável pelo caso, o depoimento une e preserva duas grandezas. Ele destaca que no processo penal é necessária a produção da prova, e essa produção tem que ser feita na presença da defesa, para garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa.

“Por outra via, a oitiva de uma criança supostamente vítima de violência sexual, nos moldes tradicionais, é muito complexa e pode se tornar um novo dano àquela que já foi vítima de um trauma anterior. Então, essa nova forma traz a segurança que a produção da prova foi de forma correta e a certeza de que a criança não foi duplamente penalizada”, ressaltou.

A terapeuta da menor, Mônica Domingos Bandeira, estava na sala de audiência e acompanhou todos os detalhes do depoimento. “O procedimento foi correto e o Ministério Público teve o cuidado de colocar um psicólogo conduzindo o processo com a criança e outro psicólogo com o juiz, promotor e advogado, na sala de audiência. Acho muito positivo esse cuidado. Espero que esse sistema seja implantado em toda a Paraíba, porque vai preservar muito a saúde psicossocial da criança ou do adolescente”.

Conforme a Cartilha do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pioneiro no sistema de escuta judicial, chamado “Depoimento Sem Dano”, são envolvidos no procedimento a polícia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário. Utilizando-se de um serviço técnico especializado, a criança ou adolescente é ouvido em um espaço próprio, protegido e especialmente projetado para o delicado momento do depoimento infanto-juvenil. “O trabalho dessas pessoas é esclarecer se fatos investigados pela Justiça ocorreram ou não, no que eles se constituem, se são ou não reprováveis ao olhar da lei, bem como quem os praticou”, diz o texto.

Por TJ/PB
Fonte: Conjur

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Separação rápida

Ponto final
O Congresso Nacional promulgou a emenda constitucional que elimina a exigência de separação judicial prévia para obtenção do divórcio. A nova legislação deixa os recém-separados imediatamente desimpedidos para novos casamentos. De acordo com O Estado de S. Paulo e O Globo, as novas regras, válidas para casais sem filhos menores de idade, entram em vigor a partir de sua publicação, o que deve ocorrer nesta quarta-feira (14/7).

Fonte: Conjur

terça-feira, 13 de julho de 2010

Direito do Trabalhador - Lochner vs. New York, 198 U.S. 45 (1905)

Dignidade do trabalhador
No final do século XIX, era comum padeiros trabalharem mais de cem horas por semana em cidades norte-americanas. As padarias funcionavam normalmente nos porões das residências, e a exposição prolongada à umidade, à poeira do trigo e à variação de temperatura, além de afetar a produção, era por muitos considerada prejudicial à saúde dos padeiros.

Atentando para o fato, os legisladores nova-iorquinos aprovaram, em 1895, o Bakeshop Act, uma legislação reformista para melhorar as condições sanitárias e de trabalho dos padeiros, bem com reduzir sua jornada laboral para 10 horas diárias ou 60 semanais.

Os proprietários de pequenas padarias sentiram-se prejudicados pela medida: a maioria empregava não mais que cinco padeiros e operava sob pequena margem de lucro.

Em 1902, Joseph Lochner, proprietário de uma pequena padaria em Utica, Nova York, foi multado em 50 dólares por permitir a um de seus empregados trabalhar mais de sessenta horas numa semana. Inconformado, Lochner recorreu à Divisão de Recursos da Suprema Corte de Nova York, onde perdeu por 4 votos contra 3. Na Corte de Apelações deste Estado, teve novamente seu pedido indeferido.

Ironicamente, o primeiro líder dos trabalhadores, Henry Weismann, resolveu prestar-lhe ajuda. Após romper com o Sindicato dos Padeiros, Weismann abriu duas padarias, e tornou-se um ativo membro da Associação dos Padeiros Empregadores de Nova York; havia estudado Direito e, com a ajuda do advogado Frank Harvey Field, fez chegar o recurso de Lochner à Suprema Corte norte-americana.

Nesta ocasião, Lochner sustentou que o Bakeshop Act violava a Décima Quarta Emenda, que dispõe que ninguém será “privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. O devido processo legal representava, à época, a mera garantia de que, na aplicação das leis, deveriam ser obedecidos procedimentos judiciais corretos e preestabelecidos. Tal entendimento foi modificado pela Corte no final do século XIX. Com o que se convencionou chamar “devido processo legal substancial”, os tribunais passaram a assumir o poder de analisar também o conteúdo da legislação.

Lochner alegou que a legislação nova-iorquina violava a “liberdade de contrato”. Este direito não estava escrito na Constituição, mas Lochner sustentou ser ele decorrente do devido processo legal, previsto na Décima Quarta Emenda.

Durante a década de 1880, a liberdade de contrato foi reconhecida apenas para afirmar que a Constituição protegia a livre negociação, de modo a proibir, relativamente a ela, qualquer intervenção injustificada por parte do Estado. Tais decisões eram, todavia, tomadas, à época, apenas por cortes estaduais. A Suprema Corte norte-americana aplicou esse direito uma só vez, no caso Allgeyer vs. Louisiana, julgado em 1897. O juiz Rufus Peckham, que redigiu a decisão da Corte em Allgeyer, também a redigiu para Lochner.

Em Lochner, Peckham afirmou que a liberdade protegida pela Décima Quarta Emenda incluía o direito de comprar e vender a força de trabalho. Por essa razão, qualquer lei que interferisse nesse direito seria nula, “a menos que houvesse circunstâncias que o excluíssem”. A liberdade de contrato era reconhecida, mas não absoluta. Deveria assim ser sopesada com um poder legítimo do Estado: o poder de polícia.

Peckham, no entanto, tinha uma concepção estrita de poder de polícia quando escreveu a decisão para Lochner. Para ele, apenas a legislação destinada a proteger a moralidade pública, a saúde, a segurança, a paz e a ordem representava o exercício legítimo do poder de polícia do Estado. Com isso, a questão a ser decidida em Lochner era se o Bakeshop Act representava uma medida necessária para proteger a saúde pública ou a dos padeiros. Respondendo à questão, Peckham afirmou ser “sabido por todos” que as padarias não ofereciam perigo à saúde dos padeiros nem à população. Logo, a legislação sob análise não expressava um legítimo exercício do poder de polícia, o que a tornava, portanto, inconstitucional.

Peckham afirmou, relativamente à questão da insalubridade nas padarias, que a decisão da Corte não substituía o julgamento da assembléia legislativa de Nova York. Apesar disso, muitos analistas contestaram tal afirmação. Isto porque o Bakeshop Act foi aprovado à unanimidade por 119 representantes eleitos e, se comparado ao da assembléia, o conhecimento da Corte sobre as condições de trabalho nas padarias não era superior. Dessa forma, não estaria, a Corte, segundo eles, em melhor posição para decidir sobre a prejudicialidade das padarias face à saúde dos padeiros. Além disso, a usurpação de uma autoridade legislativa e a evidente “subjetividade” da decisão de Peckham puseram o caso em evidência: em 1910, o presidente Theodore Roosevelt mencionou Lochner ao manifestar a opinião de que o Judiciário representava um obstáculo às reformas sociais. Nas três décadas seguintes, Lochner simbolizou um exemplo de uso abusivo do poder por parte do Judiciário norte-americano.

Contudo, em Muller vs. Oregon, julgado em 1908, a Corte apoiou a limitação da jornada de trabalho diária para as mulheres, e em Bunting vs. Oregon, julgado em 1917, manifestou-se a favor da fixação do teto máximo de dez horas diárias para o trabalho de homens, mulheres e crianças na indústria. A questão de maior importância foi, portanto, o fundamento do qual se utilizou a Corte em Lochner, o qual a permitiu declarar nulas legislações estaduais que refletiam um exercício “ilegítimo” do poder de polícia do Estado.

Em 1937, na decisão do caso West Coast Hotel vs. Parrish, a Corte abandonou tais fundamentos. Até essa data, inúmeras tentativas de reforma, que visavam à melhoria das condições sociais e econômicas nos Estados e incidiam, principalmente, sobre salário mínimo, direitos trabalhistas de menores, seguros, transportes e regulamentações de serviços bancários, haviam sido “vetadas” pela Corte. Por essa razão, as décadas que atravessaram os anos de 1905 a 1937 ficaram conhecidas como “era Lochner”.

O caso Lochner foi julgado em 17 de abril de 1905, e decidido por 5 votos contra 4.
Na foto, Joseph Lochner e sua família.

Fonte: Direito Constitucional Americano

sábado, 10 de julho de 2010

Nós, juízes: máquinas, coisas ou seres humanos?

Ser ou não ser
É difícil compreender as ações e condutas que externam vícios. Fantasiosas construções que criam edifício sem quaisquer perspectivas de realidade e, mais incrível ainda, é perceber que ganham sintonia no mundo contemporâneo.

Falta de consciência?

Hannah Arendt já trazia a sua contribuição para tal “descentração” humana, própria de uma sociedade onde o mundo material dita regras e os interesses monetários limitam a visão, sendo, estas elementares, mais um contributivo do holocausto: homens máquinas!

Quantos sábios não estiveram envolvidos na doutrina e modus operandi de Hitler? Quantos, ainda, Autoridades, até a atualidade, desconsideram a humanidade e limitam-se aos interesses mesquinhos, em exploração do outro, inclusive em trabalho escravo?

Ademais, nessas intenções, não são julgados os objetos em si, mas sim nossa representação dele ou o que queremos perceber nele ou assim argumentá-lo. O julgamento estético está, pois, baseado em senso comum reflexivo e, sobre isso, Kant diz que seria uma comparação nossa com o que os outros julgam, com as limitações próprias das nossas abstrações (elementar não reflexiva em nós mesmos).

O alargamento abstruso procede do seguinte ponto: o juízo, então, não depende das minhas experiências e percepções (consciência), mas do jeito que eu sou capaz de imaginar as coisas do ponto de vista dos outros. Isso, pelo que se vê, não se sustenta. Nesse sentido, PAREKH, Serena. Conscience, morality and judgment. Philosophy & Social Cristicism. vol. 34. ns. 1-2. pp. 177-195. Los Angeles, London, New Delhi e Singapore: 2008. p. 188.

Afinal, o que exatamente seriam os direitos humanos e quais seriam as justificativas que teríamos para aplicá-los ou defendê-los? Se não percebo, a partir de mim, em experiência, como realçar o outro sem a experiência da conduta?

Lembremos que recentemente, no Pedido de Providências 200.710.000.010.067 (Conselho Nacional de Justiça), Rel. Cons. José Adônis Callou decidiu que o magistrado não está submetido à jornada fixa de trabalho, mas as atividades desenvolvidas pelo juiz não se restringem e não se exaurem no horário de trabalho. Essa decisão decorreu exatamente do entendimento de que o juiz não é apenas e tão somente servidor público, mas muito mais do que isso, é agente político.

Mas, diante dessa perspectiva ilusionista e desfocada do núcleo essencial, os argumentos foram distorcidos completamente, desconsiderando a existência de direitos fundamentais Universais e inerentes à condição humana, quais sejam: lazer, descanso, saúde, convivência familiar, proibição do trabalho escravo e dignidade decorrente da condição de Ser humano.

Apesar dessa perspectiva, no mesmo sentido do decisório anterior, citado acima, o Conselheiro Jorge Maurique, fez consignar que os magistrados têm direito a três prerrogativas que seriam fundamentais para o bom exercício da jurisdição, quais sejam: a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade e que, por tais garantias, que são os predicamentos da magistratura, não seriam trabalhadores comuns, mas sim agentes políticos do Estado. De tal forma, concluiu o Conselheiro que, como agentes políticos que são, os Magistrados estariam sujeitos a outras obrigações, da qual não podem esperar retribuição, como é o caso de eventual compensação ou remuneração por realização de serviço extraordinário, pelo fato de ficarem à disposição dos jurisdicionados, em regime de plantão (CNJ - PCA 13573 - Rel. Cons. Jorge Maurique - 52ª Sessão - j. 20.11.2007 - DJU 07.12.2007).

Primeiramente, vale-nos consignar: Os direitos humanos não são mais inerentes à condição humana? Os direitos humanos não são mais universais, inalienáveis, imprescritíveis e irrevogáveis?

As prerrogativas da Magistratura (inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos) visam, primordialmente, a própria independência do Poder Judiciário e do julgador, para que, assim, o Magistrado não se sinta temeroso ao decidir sobre interesses políticos de grande monta ou contra pessoas de grande influência. É, portanto, garantia fundamental do cidadão e não somente do Juiz como agente político. Afinal, almeja-se um judiciário menos controlado e mais efetivo na sociedade brasileira.

Jamais tais prerrogativas da Magistratura, portanto, devem ser utilizadas como mecanismo de completa desconsideração da humanidade do Julgador. Nós, juízes, somos seres humanos. Não somos máquinas, apesar de diariamente sermos submetidos às diversas situações de dramas sociais dos mais perversos e sermos chamados a julgá-los com efetivo equilíbrio e em benefício da sociedade, o que nos faz deter a necessidade de uma verdadeira fortaleza emocional.

Mais claramente, observando a sociedade, podemos dizer, por exemplo, que em todos os julgamentos criminais de pós-guerra, de Nuremberg a Abu Ghraib, há uma presunção de que os soldados devem saber que eles estão errados, mesmo se eles pensassem que estivessem dentro da legalidade. A grande fundamentação dos direitos humanos pressupõe essa capacidade de julgamento, que nós estamos hábeis a reconhecer em nossas ações independentemente de norma positiva ou direito, visto que se trata de algo inerente, fisiológico e necessário à própria existência humana.

Ninguém precisa dizer a qualquer Ser Humano que ele precisa repousar, cuidar da saúde, conviver com a família e possuir lazer. Isso, portanto, não se refere apenas ao trabalhador, mas a qualquer pessoa existente na face da terra, independentemente da idade, sexo, etnia, gênero, religião, profissão etc.

Nesse aspecto, segundo Arendt, uma grande contribuição foi dada pelo Nazismo sobre esse movimento de insensibilidade da consciência em relação à moralidade. Viveu-se o absurdo de que contanto que as normas morais fossem socialmente aceitas, ninguém duvidava dos motivos que levavam a acreditar nas mesmas. Não se perguntava por que fazer aquilo, mas somente se posso fazer ou não. Inobstante, há algumas pessoas que resistiram ao nazismo e não participaram desse conceito genocida, o que leva a conclusão de que possuíam certo grau de consciência.

Portanto, quando se chega a esse nível de crise moral na sociedade, precisamos olhar para nós mesmos. Nesse sentido, Arendt aprofunda na discussão ao dizer que a moralidade depende, primariamente, da relação da pessoa consigo mesma. É a inerência, pois, da nossa condição: a humanidade.

Chega de revivermos Hitler ou ditaduras de argumentos desprovidos de conteúdo ético-moral. Afinal, como bem dizia Kant, a penalidade de não seguir o imperativo categórico seria o fato de sermos forçados a desprezar a nós mesmos, uma vez que o nosso próprio auto-respeito estaria em causa diante dessa ação.

Saibamos todos que, os Direitos Humanos são Universais porque delimitam a existência humana. São, pois, inerentes à condição do Ser humano. São morais porque requerem um nível de consciência, em percepção. São normativos porque acrescem um limite à ação do Estado e aos próprios indivíduos.

Portanto, não há norma, lei ou “prerrogativas” capazes de revogar ou inviabilizar os direitos fundamentais e naturais.

Afinal, gostaríamos de ser julgados por máquinas ou zumbis robotizados?

Possamos todos vislumbrar nas entrelinhas dos argumentos a tendência controladora do discurso.

Estejamos preparados, em consciência.

Os Juízes reclamam a sua humanidade, afinal, como bem preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade (artigo XXII); toda pessoa tem direito a condições justas e favoráveis de trabalho (artigo XXIII); toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas (artigo XXIV).

Já não basta trabalharmos diariamente sem a delimitação de horário nos dias corridos da semana, em audiências que se prolongam noite adentro e pelas madrugadas afora, além dos atendimentos às partes e advogados, encontrando, ainda, espaços temporais para, ao mesmo tempo, proferir decisões, despachos e sentenças, atuando, sempre, pois, com o objetivo de preservar direitos e acautelar a vida dos cidadãos em sociedade?

Agora, querem nos dizer que não temos direito à compensação ou retribuição em relação, ao menos, aos plantões de finais de semana, feriados e comemorações de fim de ano?

Nós, juízes, somos seres humanos! Temos família, filhos, pais e mães. Servimos à Justiça e somos os garantidores dos direitos mais básicos do cidadão, ainda que para isso, soframos riscos de vida ao decidirmos pela prisão de grandes monstros sociais ou contra interesses escusos.

Querem nos dizer que aplicamos o direito, mas não temos direito?

Nós, Juízes, não somos máquinas... e, portanto, reclamamos a nossa humanidade, ainda que seja necessário denunciar mais um vez o Estado brasileiro aos organismos internacionais por não respeitarem os tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos.

Imaginem a história revelada: a própria Justiça clamando por Justiça!

É difícil compreender as ações e condutas que externam vícios. Fantasiosas construções que criam edifício sem qualquer perspectiva de humanidade.

Por Amini Hadad
Fonte: Conjur

terça-feira, 6 de julho de 2010

Corte internacional para a internet

Globalização jurídica
Será que a sociedade digital caminha no sentido de criar um ordenamento jurídico global? Como tratar as situações de obrigações ou mesmo de ilícitos ocorridos através de meios eletrônicos que envolvam múltiplos países ou ordenamentos jurídicos? Seria possível elaborar uma carta de princípios gerais aplicável a qualquer um, em qualquer lugar, que pudesse contribuir e facilitar o tratamento das questões digitais, aumentando o grau de segurança jurídica das relações eletrônicas?

Considerando todas as possibilidades que a internet nos trouxe — assim também, mais recentemente, as próprias redes sociais —, não há como garantir o devido processo legal e o próprio exercício e proteção dos direitos dos indivíduos sem que se aceite e compreenda que vivemos um mundo plano, sem fronteiras físicas.

Muitos dos crimes digitais que ficam sem solução envolvem uso de recursos de acesso a internet em países distintos do local das vítimas, dificultando as investigações e aumentando sobremaneira o tempo de uma ação judicial. O fator tempo é crucial em uma sociedade que vive o tempo real. A demora gera a perda das provas e desestimula o cidadão a socorrer-se do Judiciário.

Independentemente da assinatura de acordos internacionais de colaboração nas investigações, como o de Budapeste, dever-se-ia assumir, nas próximas reuniões relacionadas à sustentabilidade da internet, que se faz mister a criação de uma corte internacional para julgar casos digitais. A instituição precisa ser regida pelo princípio do acesso e da celeridade, com uso de recursos de mediação ou arbitragem, bem como ter suas decisões baseadas em um direito costumeiro inspirado nos princípios do direito digital global..

O direito digital supranacional não retiraria a soberania dos Estados. Ao contrário, seria a única forma de garantir a aplicação da justiça na era das fronteiras da informação, em que espaço e tempo foram relativizados, E se os Estados não forem capazes de implementar uma solução viável para os conflitos da era digital, corremos o risco de voltar ao Estado de Natureza, a se `fazer justiça com o próprio mouse`.

A ética e os valores precedem as leis. A sociedade digital precisa reafirmar os valores que serão o fundamento de todo seu regime legal, de harmonização de regras que necessitam nortear as condutas dos indivíduos conectados em rede, em que a ação de um pode atingir e gerar consequências e riscos sistêmicos para todos.

Apesar da Geração Y, da era do individualismo exarcerbado, apenas a compreensão da responsabilidade em se viver em uma grande aldeia global nos permitirá garantir o futuro para as próximas gerações, seja do ponto de vista ambiental, seja na formação de usuários digitalmente corretos.

Por Patrícia Peck Pinheiro
Fonte: Direito & Justiça

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tornozeleiras eletrônicas

Monitoramento
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o governo de São Paulo vai monitorar até 4,8 mil presos do regime semiaberto por meio de tornozeleiras eletrônicas. O contrato com o consórcio vencedor da licitação para a prestação do serviço deve ser assinado em 30 dias. Os cerca de 3 mil detentos que diariamente deixam as prisões para trabalhar serão vigiados por meio do equipamento. No Rio Grande do Sul, 15 condenados que cumprem penas no regime aberto estão portando tornozeleiras eletrônicas desde o fim do mês passado.

Fonte: O Estado de São Paulo