Dignidade do trabalhador
Durante a década de 1880, a liberdade de contrato foi reconhecida apenas para afirmar que a Constituição protegia a livre negociação, de modo a proibir, relativamente a ela, qualquer intervenção injustificada por parte do Estado. Tais decisões eram, todavia, tomadas, à época, apenas por cortes estaduais. A Suprema Corte norte-americana aplicou esse direito uma só vez, no caso Allgeyer vs. Louisiana, julgado em 1897. O juiz Rufus Peckham, que redigiu a decisão da Corte em Allgeyer, também a redigiu para Lochner.
Em Lochner, Peckham afirmou que a liberdade protegida pela Décima Quarta Emenda incluía o direito de comprar e vender a força de trabalho. Por essa razão, qualquer lei que interferisse nesse direito seria nula, “a menos que houvesse circunstâncias que o excluíssem”. A liberdade de contrato era reconhecida, mas não absoluta. Deveria assim ser sopesada com um poder legítimo do Estado: o poder de polícia.
Peckham, no entanto, tinha uma concepção estrita de poder de polícia quando escreveu a decisão para Lochner. Para ele, apenas a legislação destinada a proteger a moralidade pública, a saúde, a segurança, a paz e a ordem representava o exercício legítimo do poder de polícia do Estado. Com isso, a questão a ser decidida em Lochner era se o Bakeshop Act representava uma medida necessária para proteger a saúde pública ou a dos padeiros. Respondendo à questão, Peckham afirmou ser “sabido por todos” que as padarias não ofereciam perigo à saúde dos padeiros nem à população. Logo, a legislação sob análise não expressava um legítimo exercício do poder de polícia, o que a tornava, portanto, inconstitucional.
Peckham afirmou, relativamente à questão da insalubridade nas padarias, que a decisão da Corte não substituía o julgamento da assembléia legislativa de Nova York. Apesar disso, muitos analistas contestaram tal afirmação. Isto porque o Bakeshop Act foi aprovado à unanimidade por 119 representantes eleitos e, se comparado ao da assembléia, o conhecimento da Corte sobre as condições de trabalho nas padarias não era superior. Dessa forma, não estaria, a Corte, segundo eles, em melhor posição para decidir sobre a prejudicialidade das padarias face à saúde dos padeiros. Além disso, a usurpação de uma autoridade legislativa e a evidente “subjetividade” da decisão de Peckham puseram o caso em evidência: em 1910, o presidente Theodore Roosevelt mencionou Lochner ao manifestar a opinião de que o Judiciário representava um obstáculo às reformas sociais. Nas três décadas seguintes, Lochner simbolizou um exemplo de uso abusivo do poder por parte do Judiciário norte-americano.
Contudo, em Muller vs. Oregon, julgado em 1908, a Corte apoiou a limitação da jornada de trabalho diária para as mulheres, e em Bunting vs. Oregon, julgado em 1917, manifestou-se a favor da fixação do teto máximo de dez horas diárias para o trabalho de homens, mulheres e crianças na indústria. A questão de maior importância foi, portanto, o fundamento do qual se utilizou a Corte em Lochner, o qual a permitiu declarar nulas legislações estaduais que refletiam um exercício “ilegítimo” do poder de polícia do Estado.
Em 1937, na decisão do caso West Coast Hotel vs. Parrish, a Corte abandonou tais fundamentos. Até essa data, inúmeras tentativas de reforma, que visavam à melhoria das condições sociais e econômicas nos Estados e incidiam, principalmente, sobre salário mínimo, direitos trabalhistas de menores, seguros, transportes e regulamentações de serviços bancários, haviam sido “vetadas” pela Corte. Por essa razão, as décadas que atravessaram os anos de 1905 a 1937 ficaram conhecidas como “era Lochner”.
O caso Lochner foi julgado em 17 de abril de 1905, e decidido por 5 votos contra 4.
No final do século XIX, era comum padeiros trabalharem mais de cem horas por semana em cidades norte-americanas. As padarias funcionavam normalmente nos porões das residências, e a exposição prolongada à umidade, à poeira do trigo e à variação de temperatura, além de afetar a produção, era por muitos considerada prejudicial à saúde dos padeiros.
Atentando para o fato, os legisladores nova-iorquinos aprovaram, em 1895, o Bakeshop Act, uma legislação reformista para melhorar as condições sanitárias e de trabalho dos padeiros, bem com reduzir sua jornada laboral para 10 horas diárias ou 60 semanais.
Os proprietários de pequenas padarias sentiram-se prejudicados pela medida: a maioria empregava não mais que cinco padeiros e operava sob pequena margem de lucro.
Atentando para o fato, os legisladores nova-iorquinos aprovaram, em 1895, o Bakeshop Act, uma legislação reformista para melhorar as condições sanitárias e de trabalho dos padeiros, bem com reduzir sua jornada laboral para 10 horas diárias ou 60 semanais.
Os proprietários de pequenas padarias sentiram-se prejudicados pela medida: a maioria empregava não mais que cinco padeiros e operava sob pequena margem de lucro.
Em 1902, Joseph Lochner, proprietário de uma pequena padaria em Utica, Nova York, foi multado em 50 dólares por permitir a um de seus empregados trabalhar mais de sessenta horas numa semana. Inconformado, Lochner recorreu à Divisão de Recursos da Suprema Corte de Nova York, onde perdeu por 4 votos contra 3. Na Corte de Apelações deste Estado, teve novamente seu pedido indeferido.
Ironicamente, o primeiro líder dos trabalhadores, Henry Weismann, resolveu prestar-lhe ajuda. Após romper com o Sindicato dos Padeiros, Weismann abriu duas padarias, e tornou-se um ativo membro da Associação dos Padeiros Empregadores de Nova York; havia estudado Direito e, com a ajuda do advogado Frank Harvey Field, fez chegar o recurso de Lochner à Suprema Corte norte-americana.
Nesta ocasião, Lochner sustentou que o Bakeshop Act violava a Décima Quarta Emenda, que dispõe que ninguém será “privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. O devido processo legal representava, à época, a mera garantia de que, na aplicação das leis, deveriam ser obedecidos procedimentos judiciais corretos e preestabelecidos. Tal entendimento foi modificado pela Corte no final do século XIX. Com o que se convencionou chamar “devido processo legal substancial”, os tribunais passaram a assumir o poder de analisar também o conteúdo da legislação.
Lochner alegou que a legislação nova-iorquina violava a “liberdade de contrato”. Este direito não estava escrito na Constituição, mas Lochner sustentou ser ele decorrente do devido processo legal, previsto na Décima Quarta Emenda.
Ironicamente, o primeiro líder dos trabalhadores, Henry Weismann, resolveu prestar-lhe ajuda. Após romper com o Sindicato dos Padeiros, Weismann abriu duas padarias, e tornou-se um ativo membro da Associação dos Padeiros Empregadores de Nova York; havia estudado Direito e, com a ajuda do advogado Frank Harvey Field, fez chegar o recurso de Lochner à Suprema Corte norte-americana.
Nesta ocasião, Lochner sustentou que o Bakeshop Act violava a Décima Quarta Emenda, que dispõe que ninguém será “privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. O devido processo legal representava, à época, a mera garantia de que, na aplicação das leis, deveriam ser obedecidos procedimentos judiciais corretos e preestabelecidos. Tal entendimento foi modificado pela Corte no final do século XIX. Com o que se convencionou chamar “devido processo legal substancial”, os tribunais passaram a assumir o poder de analisar também o conteúdo da legislação.
Lochner alegou que a legislação nova-iorquina violava a “liberdade de contrato”. Este direito não estava escrito na Constituição, mas Lochner sustentou ser ele decorrente do devido processo legal, previsto na Décima Quarta Emenda.
Durante a década de 1880, a liberdade de contrato foi reconhecida apenas para afirmar que a Constituição protegia a livre negociação, de modo a proibir, relativamente a ela, qualquer intervenção injustificada por parte do Estado. Tais decisões eram, todavia, tomadas, à época, apenas por cortes estaduais. A Suprema Corte norte-americana aplicou esse direito uma só vez, no caso Allgeyer vs. Louisiana, julgado em 1897. O juiz Rufus Peckham, que redigiu a decisão da Corte em Allgeyer, também a redigiu para Lochner.
Em Lochner, Peckham afirmou que a liberdade protegida pela Décima Quarta Emenda incluía o direito de comprar e vender a força de trabalho. Por essa razão, qualquer lei que interferisse nesse direito seria nula, “a menos que houvesse circunstâncias que o excluíssem”. A liberdade de contrato era reconhecida, mas não absoluta. Deveria assim ser sopesada com um poder legítimo do Estado: o poder de polícia.
Peckham, no entanto, tinha uma concepção estrita de poder de polícia quando escreveu a decisão para Lochner. Para ele, apenas a legislação destinada a proteger a moralidade pública, a saúde, a segurança, a paz e a ordem representava o exercício legítimo do poder de polícia do Estado. Com isso, a questão a ser decidida em Lochner era se o Bakeshop Act representava uma medida necessária para proteger a saúde pública ou a dos padeiros. Respondendo à questão, Peckham afirmou ser “sabido por todos” que as padarias não ofereciam perigo à saúde dos padeiros nem à população. Logo, a legislação sob análise não expressava um legítimo exercício do poder de polícia, o que a tornava, portanto, inconstitucional.
Peckham afirmou, relativamente à questão da insalubridade nas padarias, que a decisão da Corte não substituía o julgamento da assembléia legislativa de Nova York. Apesar disso, muitos analistas contestaram tal afirmação. Isto porque o Bakeshop Act foi aprovado à unanimidade por 119 representantes eleitos e, se comparado ao da assembléia, o conhecimento da Corte sobre as condições de trabalho nas padarias não era superior. Dessa forma, não estaria, a Corte, segundo eles, em melhor posição para decidir sobre a prejudicialidade das padarias face à saúde dos padeiros. Além disso, a usurpação de uma autoridade legislativa e a evidente “subjetividade” da decisão de Peckham puseram o caso em evidência: em 1910, o presidente Theodore Roosevelt mencionou Lochner ao manifestar a opinião de que o Judiciário representava um obstáculo às reformas sociais. Nas três décadas seguintes, Lochner simbolizou um exemplo de uso abusivo do poder por parte do Judiciário norte-americano.
Contudo, em Muller vs. Oregon, julgado em 1908, a Corte apoiou a limitação da jornada de trabalho diária para as mulheres, e em Bunting vs. Oregon, julgado em 1917, manifestou-se a favor da fixação do teto máximo de dez horas diárias para o trabalho de homens, mulheres e crianças na indústria. A questão de maior importância foi, portanto, o fundamento do qual se utilizou a Corte em Lochner, o qual a permitiu declarar nulas legislações estaduais que refletiam um exercício “ilegítimo” do poder de polícia do Estado.
Em 1937, na decisão do caso West Coast Hotel vs. Parrish, a Corte abandonou tais fundamentos. Até essa data, inúmeras tentativas de reforma, que visavam à melhoria das condições sociais e econômicas nos Estados e incidiam, principalmente, sobre salário mínimo, direitos trabalhistas de menores, seguros, transportes e regulamentações de serviços bancários, haviam sido “vetadas” pela Corte. Por essa razão, as décadas que atravessaram os anos de 1905 a 1937 ficaram conhecidas como “era Lochner”.
O caso Lochner foi julgado em 17 de abril de 1905, e decidido por 5 votos contra 4.
Na foto, Joseph Lochner e sua família.
Fonte: Direito Constitucional Americano
Fonte: Direito Constitucional Americano
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir