A tese pela qual habitaríamos uma Belíndia - um país de dois extremos, uma mistura da Bélgica com a Índia - para além da questão econômica que a suscitou, sustenta-se hoje na imensa desigualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei, ou melhor dizendo, perante a Justiça.
Exemplo disso, a famigerada súmula das algemas que só um Cândido acreditaria (e para estes crédulos, eu recomendaria a leitura de Voltaire) que teria como beneficiários os simples cidadãos e não uma seleta clientela de advogados de grife, que são aqueles que têm acesso a ministros do STF, inclusive fora do horário de expediente.
Aliás, não sou eu quem digo que o STF está funcionando como uma sala vip de aeroporto, destinada a receber clientes muito especiais, porque há poucos dias o próprio presidente daquele Tribunal, ministro Cezar Peluso, afirmou com todas as letras à "Veja" que só os que conseguem contratar “bons” advogados chegam ao Supremo.
Se fosse de outro modo, essa bobagem vinculante que transformou em prioridade nacional o combate ao uso abusivo das algemas (produto casuístico de furor legiferante, invadindo seara alheia) teria produzido algo de significativo que não só o espanto geral acerca da novidade, que veio à tona justamente quando a ameaça de um “Estado policial” ousava submeter também banqueiros e algumas altas personalidades.
E apesar da obviedade da situação, quase ninguém repara que esse tal Estado dito policial é já, e desde sempre, a realidade presente e constante na vida de grande parcela dos brasileiros, do que ponho exemplo com as favelas do Rio de Janeiro, onde apesar do sagrado princípio da presunção de inocência, toda morte produzida pela polícia tem de antemão a desculpá-la um infalível álibi pronto: morreu um traficante.
É de fato curiosa a persistência desse estado de guerra ou exceção nestas comunidades, como se o barraco do favelado não merecesse a mesma proteção da mansão dos ricos, porque diariamente são invadidos sem cerimônia pela polícia a pretexto do combate ao tráfico de drogas.
Uma criança morta em sala de aula por uma bala (que nada tem de perdida porque atirada a esmo contra supostos bandidos), o pai de família abatido em casa quando empunhava uma furadeira confundida pretensamente com uma metralhadora, as incontáveis vítimas inocentes dessa guerra urbana, são a constatação da completa supressão dos mais elementares direitos e garantias dos cidadãos: esta é a realidade nua e crua do País, que não mudou em nada mesmo após aquela autoridade mediática do STF ter anunciado, qual Chapolim Colorado, a derrota imposta ao “terrorismo” patrocinado pela Polícia.
Mas na verdade ele estava se referindo exclusivamente à Polícia Federal e aos habitantes privilegiados daquela pequena parte do Brasil onde habitam os “belgas”, porque não me consta que tenha intervindo algum dia em favor dos brasileiros situados na outra extremidade.
Mas o objetivo deste artigo não é questionar o desapego de certas autoridades à realidade do país e sim manifestar minhas preocupações com o projeto em tramitação no Congresso de reforma do Código de Processo Penal, que me parece não atende aos apelos dos cidadãos contra a impunidade, mas ao contrário prestigia a “república dos bacharéis” e sua clientela endinheirada.
Orientado pela filosofia de um “garantismo à brasileira”, o projeto, alheio à realidade, de nada servirá aos “indianos”, porque garantias extremadas não conseguem se converter nunca em direitos efetivos, suscetíveis de serem gozados por todos igualmente.
Se não fosse assim as cadeias não estariam lotadas de presos sem condenação final, quando a jurisprudência do Supremo já consagrou radicalmente o princípio da presunção de inocência.
Por isso recebo como uma dádiva a notícia que o CNJ, subsidiado por algumas associações de juízes, intervirá para expor o ponto de vista dos magistrados sobre este projeto de alteração legislativa que quer, entre outras bobagens, a pretexto da preservação da imparcialidade e atendendo preponderantemente o lobby bastante influente da advocacia criminal, tolher substancialmente o poder dos juízes, transformando-nos em seres autômatos, sem vontade ou determinação, incapazes de influir na busca da verdade, fazendo-nos hipocritamente surdos, mudos e burros, quando já éramos cegos.
Estamos chegando ao ponto de negar a todo juiz, e não somente àqueles com exercício em jurisdição criminal, o poder de determinar uma simples investigação policial, mesmo quando verificarem nos autos a existência de crimes de ação pública, caso em que deverão então recorrer ao Promotor, intermediação que agravará ainda mais o quadro da burocratização de nossa impunidade.
Mas de juiz que se finge de lerdo, o povo está cheio.
Sob o título "A Belíndia é aqui", o artigo supra é de autoria de Danilo Campos, Juiz de Direito da Comarca de Montes Claros (MG).
Fonte: Blog do Fred
Exemplo disso, a famigerada súmula das algemas que só um Cândido acreditaria (e para estes crédulos, eu recomendaria a leitura de Voltaire) que teria como beneficiários os simples cidadãos e não uma seleta clientela de advogados de grife, que são aqueles que têm acesso a ministros do STF, inclusive fora do horário de expediente.
Aliás, não sou eu quem digo que o STF está funcionando como uma sala vip de aeroporto, destinada a receber clientes muito especiais, porque há poucos dias o próprio presidente daquele Tribunal, ministro Cezar Peluso, afirmou com todas as letras à "Veja" que só os que conseguem contratar “bons” advogados chegam ao Supremo.
Se fosse de outro modo, essa bobagem vinculante que transformou em prioridade nacional o combate ao uso abusivo das algemas (produto casuístico de furor legiferante, invadindo seara alheia) teria produzido algo de significativo que não só o espanto geral acerca da novidade, que veio à tona justamente quando a ameaça de um “Estado policial” ousava submeter também banqueiros e algumas altas personalidades.
E apesar da obviedade da situação, quase ninguém repara que esse tal Estado dito policial é já, e desde sempre, a realidade presente e constante na vida de grande parcela dos brasileiros, do que ponho exemplo com as favelas do Rio de Janeiro, onde apesar do sagrado princípio da presunção de inocência, toda morte produzida pela polícia tem de antemão a desculpá-la um infalível álibi pronto: morreu um traficante.
É de fato curiosa a persistência desse estado de guerra ou exceção nestas comunidades, como se o barraco do favelado não merecesse a mesma proteção da mansão dos ricos, porque diariamente são invadidos sem cerimônia pela polícia a pretexto do combate ao tráfico de drogas.
Uma criança morta em sala de aula por uma bala (que nada tem de perdida porque atirada a esmo contra supostos bandidos), o pai de família abatido em casa quando empunhava uma furadeira confundida pretensamente com uma metralhadora, as incontáveis vítimas inocentes dessa guerra urbana, são a constatação da completa supressão dos mais elementares direitos e garantias dos cidadãos: esta é a realidade nua e crua do País, que não mudou em nada mesmo após aquela autoridade mediática do STF ter anunciado, qual Chapolim Colorado, a derrota imposta ao “terrorismo” patrocinado pela Polícia.
Mas na verdade ele estava se referindo exclusivamente à Polícia Federal e aos habitantes privilegiados daquela pequena parte do Brasil onde habitam os “belgas”, porque não me consta que tenha intervindo algum dia em favor dos brasileiros situados na outra extremidade.
Mas o objetivo deste artigo não é questionar o desapego de certas autoridades à realidade do país e sim manifestar minhas preocupações com o projeto em tramitação no Congresso de reforma do Código de Processo Penal, que me parece não atende aos apelos dos cidadãos contra a impunidade, mas ao contrário prestigia a “república dos bacharéis” e sua clientela endinheirada.
Orientado pela filosofia de um “garantismo à brasileira”, o projeto, alheio à realidade, de nada servirá aos “indianos”, porque garantias extremadas não conseguem se converter nunca em direitos efetivos, suscetíveis de serem gozados por todos igualmente.
Se não fosse assim as cadeias não estariam lotadas de presos sem condenação final, quando a jurisprudência do Supremo já consagrou radicalmente o princípio da presunção de inocência.
Por isso recebo como uma dádiva a notícia que o CNJ, subsidiado por algumas associações de juízes, intervirá para expor o ponto de vista dos magistrados sobre este projeto de alteração legislativa que quer, entre outras bobagens, a pretexto da preservação da imparcialidade e atendendo preponderantemente o lobby bastante influente da advocacia criminal, tolher substancialmente o poder dos juízes, transformando-nos em seres autômatos, sem vontade ou determinação, incapazes de influir na busca da verdade, fazendo-nos hipocritamente surdos, mudos e burros, quando já éramos cegos.
Estamos chegando ao ponto de negar a todo juiz, e não somente àqueles com exercício em jurisdição criminal, o poder de determinar uma simples investigação policial, mesmo quando verificarem nos autos a existência de crimes de ação pública, caso em que deverão então recorrer ao Promotor, intermediação que agravará ainda mais o quadro da burocratização de nossa impunidade.
Mas de juiz que se finge de lerdo, o povo está cheio.
Sob o título "A Belíndia é aqui", o artigo supra é de autoria de Danilo Campos, Juiz de Direito da Comarca de Montes Claros (MG).
Fonte: Blog do Fred
* Ingana é o mais novo termo para retratar o nosso País que tem impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana, segundo Edmar Bacha em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 01/07/09
É lamentável que a realidade seja mesmo esta relatada acima ¬¬
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