sábado, 30 de abril de 2011

....pobres lotam cadeias, ricos entopem tribunais....

Quando o garantismo não está ao alcance de todos


Na mesma semana em que a polícia divulgou suspeitas que o médico Roger Abdelmassih esteja foragido no Líbano, o ministro Luiz Fux, do STF, negou liberdade a um condenado pelo furto de seis barras de chocolate.

Mesmo reconhecendo o valor ínfimo, Fux rejeitou o trancamento da ação, porque o réu seria "useiro e vezeiro" na prática do crime.

Roger Abdelmassih teve mais sorte. Foi condenado pela Justiça paulista a 278 anos de reclusão, por violências sexuais que teria praticado durante anos contra dezenas de mulheres que buscavam seu consultório para reprodução assistida. Nas férias forenses, ganhou a liberdade em liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes.

Nem tudo está perdido, porém.

O furtador de chocolates não fugiu, e em relação a ele, o direito penal poderá ser aplicado em toda a sua plenitude: um ano e três meses de reclusão. Afinal, por sua reincidência, a insignificância deixou de ser insignificante.

Nos últimos anos, o STF tem sido reputado como o tribunal mais garantista do país no âmbito criminal - o que fez a decisão relatada por Fux chocar ainda mais a comunidade jurídica.

Recentemente, o tribunal tomou uma posição reclamada por doutrinadores, proibindo a decretação da prisão, quando ainda existam recursos pendentes. É com base neste entendimento, por exemplo, que o jornalista Pimenta Neves aguarda solto o desenrolar de seus vários apelos.

A decisão tem justificativa na concepção do processo penal no estado democrático de direito. Todavia, o próprio STF tem sido flexível com este padrão, quando o réu se encontra preso durante o processo. É mais rigoroso, enfim, com quem foi preso desde o início.

Como a "primeira classe do direito penal" raramente é presa em flagrante, na prática acaba sendo a principal beneficiária da jurisprudência liberal.

Um acórdão do STJ fulminou inquérito policial contra empresários e políticos, com o bem fundamentado argumento de que 'denúncia anônima' é ilegítima para justificar a devassa telefônica.

Prisões de centenas de pequenos traficantes país afora, todavia, também costumam ser justificadas por informações obtidas em denúncias anônimas. Por meio delas, policiais revistam suspeitos na rua e pedem buscas e apreensões. Custa crer que a jurisprudência se estenderá a todos eles.

Se as cadeias estão superlotadas de réus pobres, os recursos que entopem nossos tribunais têm uma origem bem diversa.

O Conselho Nacional de Justiça divulgou a lista dos maiores litigantes do Judiciário, onde se encontram basicamente duas grandes espécies: o poder público e os bancos.

Como assinalou o juiz Gerivaldo Neiva, em análise que fez em seu blog (100 maiores litigantes do Brasil: alguma coisa está fora da ordem), os esforços da justiça estariam em grande parte concentrados entre "caloteiros e gananciosos".

Verdade seja dita, o acesso aos tribunais superiores não é apenas protelatório.

Só o Superior Tribunal de Justiça, o "Tribunal da Cidadania", editou nada menos do que quatro súmulas que favorecem diretamente aos bancos, como apontou Neiva. Entre elas a que proíbe o juiz, nos contratos bancários, de considerar uma cláusula abusiva contra o consumidor, se não houver expressamente a alegação no processo.

A decisão, que serve de referência para a jurisprudência nacional, inverte o privilégio criado pelo código do consumidor. Mas a Justiça parece considerar, muitas vezes, que bancos não têm as mesmas obrigações.

O STF, a seu turno, não se mostra tão garantista em outros campos.

Avança na precarização dos direitos trabalhistas, principalmente ao ampliar a aceitação da terceirização. Em relação aos funcionários públicos, destroçou com a força de uma súmula vinculante, a exigência de mero advogado nos processos disciplinares, e com outra a possibilidade de usar o salário mínimo como indexador de adicionais, proibindo ainda o juiz de substitui-lo por qualquer outra referência.

Não há sentido mais igualitário do que o princípio básico da justiça: dar a cada um o que é seu. Regras tradicionais de interpretação das leis privilegiam sempre a equidade. Se tudo isso ainda fosse pouco, a redução das desigualdades é nada menos do que um dos objetivos principais da República.

Por mais que a Justiça julgue cada vez mais e se esforce para julgar cada vez mais rápido, não se pode deixar de lado a questão fundamental da igualdade e com ela a proteção aos direitos fundamentais.

É certo que a sociedade brasileira é profundamente desigual e que a maioria das leis aprofunda esse fosso ao invés de reduzi-lo.

Mas a obrigação de ser o anteparo da injustiça significa também impedir o arbítrio do poderoso, a danosa omissão do mais forte e a procrastinação premeditada do grande devedor.

Temos de entender que o direito existe em função dos homens e não o contrário.

Não há formalismo que possa nos impedir de tutelar a dignidade humana, diante da repressão desproporcional ou da desproteção dos valores mais singelos.

Para que os fortes se sobreponham pela força, a lei da selva sempre foi suficiente.

Deve haver uma razão para que a humanidade a tenha abandonado




Fonte: Blog do Daniel Semer

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Texto Jurídico Verdadeiro e de Morrer de Rir...?

Pau no nome...
No dia 5 de Março de 2002, o Tribunal de Justiça de Brasília, recebeu o seguinte requerimento:

Esmeraldas, 5 de Março de 2002.
Eu, Maria José Pau, gostaria de saber da possibilidade de se abolir o sobrenome Pau de meu nome, já que a presença do Pau tem me deixado embaraçada em várias situações. Desde já, antecipo agradecimento e peço deferimento. Maria José Pau.

Em resposta, o Tribunal lhe enviou a seguinte mensagem padrão:

Cara senhora Pau,
Sobre sua solicitação de remoção do Pau, gostaríamos de lhe dizer que a nova legislação permite a retirada do seu Pau, mas o processo é complicado. Se o Pau tiver sido adquirido após o casamento, a retirada é mais fácil, pois, afinal de contas, ninguém é obrigado a usar o Pau do marido se não quiser. Se o Pau for de seu pai, se torna mais difícil, pois o Pau a que nos referimos é de família, e vem sendo usado por várias gerações. Se a senhora tiver irmãos ou irmãs, a retirada do Pau a tornaria diferente do resto da família. Cortar o Pau de seu pai, pode ser algo que vá chateá-lo. Outro problema, porém, está no fato de seu nome conter apenas nomes próprios e poderá ficar esquisito caso não haja nada para colocar no lugar do Pau. Isso sem falar que, caso tenha sido adquirido com o casamento, as demais pessoas estranharão muito ao saber que a senhora não possui mais o Pau de seu marido. Uma opção viável, seria a troca da ordem dos nomes. Se a senhora colocar o Pau atrás da Maria e na frente do José o Pau pode ser escondido, porque a senhora poderia assinar o seu nome como Maria P. José. Nossa opinião é a de esse preconceito contra esse nome já acabou há muito tempo e que, já que a senhora já usou o Pau do seu marido por tanto tempo, não custa nada usá-lo um pouco mais. Eu mesmo possuo *****, sempre o usei, e muitas poucas vezes o P.I.N.T.O me causou embaraços.

Atenciosamente, Geraldo P.I.N.T.O Soares
Desembargador Tribunal de Justiça - Brasília/DF

Fonte: Yahoo Respostas

terça-feira, 26 de abril de 2011

O julgamento de Zé Bebelo em Grande Sertão: Veredas

Aprendendo com a literatura
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil vem obtendo graduais conquistas democráticas. Mas se nesses pouco mais de vinte anos nossa democracia avançou bastante no aspecto eleitoral, muitas práticas autoritárias persistem em nossa vida política. Comparando-nos a outros países que passaram pelo processo de democratização mais ou menos na mesma época, conseguimos alcançar invejável nível de estabilidade e de respeito aos procedimentos de decisão política. Porém, ainda é comum que se procure compensar nossa pouca experiência democrática depositando esperanças em lideranças dotadas de virtudes cívicas notáveis.

Boa ilustração desse tipo de líder repleto de boas intenções é o coronel Zé Bebelo, de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Ligado ao governo, ele tenta controlar uma região dominada pela ordem privada de fazendeiros e jagunços. Zé Bebelo é uma personagem dúbia. Simultaneamente arcaico e moderno, jagunço e diplomata. Assume para si a missão salvadora de emancipar o sertão do domínio de chefes retrógrados.
Acha-se emissário da civilização e do progresso. Pretende varrer do sertão aqueles coronéis ignorantes que exploravam o povo. Contudo, ele próprio é um coronel sertanejo que assegura seu poder com as armas de jagunços. É um exemplar da espécie que pretende exterminar. Como um déspota esclarecido, adota as mesmas práticas autoritárias de seus oponentes.

Porém Zé Bebelo é derrotado na guerra. Por intervenção do protagonista Riobaldo, é capturado e levado à presença de seus adversários. Esse passo imprevisto cria um drama inusitado. Numa guerra entre homens embrutecidos, a morte do inimigo seria o fim inevitável. Mas com a captura os coronéis são postos num dilema, pois viam Zé Bebelo como um deles. Não era um reles braço d'armas. Naquele lugar empobrecido, aqueles proprietários rudes eram a aristocracia rural da região. Eles se identificavam com o inimigo derrotado, o que tornava sua execução fora de combate algo não tão simples.

Sem qualquer premeditação, armou-se um julgamento no qual o principal dos vencedores, Joca Ramiro, pai da célebre Diadorim, fez a acusação e pediu o voto dos demais. Instaura-se verdadeiro processo judicial no qual cada acusador expõe suas razões para serem contestadas pelo acusado. Os mais astutos e articulados, como Joca Ramiro, são capazes de demonstrar a força coercitiva dos melhores argumentos, tecendo explicações de tal modo que “não havia jagunço que não aceitasse o razoável da ponderação, o relembrado”.

Mas isso não é suficiente para que todos aceitassem o estranho processo. Ninguém ali estava preparado para aquela novidade. O julgamento os obrigou a refletir sobre seus atos e a justificar suas opiniões. E forçados a defender suas posições com argumentos, era inevitável que as contradições se revelassem. Numa passagem cômica, o voto de um acusador mais simplório deixa isso risivelmente claro: “Crime não vejo. Veio guerrear, como nós também. Perdeu, pronto! (....) acho é que se deve tornar a soltar este homem, com o compromisso de ir ajuntar outra vez seu pessoal dele e voltar aqui no Norte, para a guerra poder continuar mais, perfeita, diversificada...”. As divergências políticas que motivaram o conflito perdem o sentido e a disputa por poder torna-se um fim em si mesma.

A experiência de vida daquelas pessoas as levava a naturalizar sua condição. A chefia, a obediência, o poder e a violência são experiências vividas tão intensamente que não se vê alternativa a elas. A inexperiência em lidar com argumentos está na angústia de Riobaldo, que se impacienta com aquelas complexidades, querendo “que se armasse ali mesmo rixa feia (....) que faca e fogo houvesse, e braços de homens, até resultar em montes de mortos e pureza de paz”.

Esse julgamento implausível nos faz refletir sobre o papel do direito em países, como o Brasil, com forte tradição autoritária e pequena experiência democrática. Por vezes nos deparamos com posturas que afirmam que a Constituição de 1988 é por demais idealista, ou que a democracia não é pra nós, que nossa população não é suficiente madura para assumir a responsabilidade que a democracia exige, ou ainda que primeiro o povo deve ser educado e preparado, para só depois ter certos direitos. Ao analisar tais afirmações, é preciso perguntar se os países que julgamos mais democráticos também não contam com diversas tradições autoritárias que persistem até hoje. Será que neles a democracia surgiu perfeita, como dádiva divina ou elaboração de homens de virtude sobre-humana? Se fizermos essas perguntas veremos que a democracia não surgiu pronta em lugar algum, e tampouco foi obra de leis perfeitas. Pelo contrário, seguiu itinerários conturbados, permeados por crises de toda ordem e correndo riscos a todo instante. Mas, principalmente, veremos que o autoritarismo não é monopólio do Brasil, e mesmo em democracias antigas há sempre setores sociais prontos a reivindicar privilégios com base em valores tradicionais.

Toda democracia é fruto de erros e acertos ao se tentar fazer com que os governados possam participar do governo. Essa participação pode se dar tanto por eleições, iniciativa popular no processo legislativo e participação em conselhos de políticas públicas, como por meios indiretos, como a opinião pública e grupos de pressão. Ao conjunto desses canais de participação; e, principalmente, à forma e intensidade com que a sociedade deles se vale; chamamos cidadania. Quando não temos intimidade em usá-los, sentimo-nos incapazes, inaptos em lidar com a complexidade da Administração e da Justiça. Colhemos inúmeros erros e provocamos incontáveis retrocessos. Isso por vezes nos faz querer delegar as decisões políticas a algum líder mais esclarecido ou mais comprometido com a causa pública. Como Riobaldo, a aspirar soluções mais simples, ainda que catastróficas.

Mas somos obviamente capazes de aprender. Em cada uma das crises políticas vividas desde a promulgação da Constituição, a sociedade brasileira se viu obrigada a encontrar meios de enfrentá-las. Aprendemos com nossas experiências, com as de nossos vizinhos e até com as de gerações passadas, o que nos permite enfrentar, e criar, situações cada vez mais difíceis. Experiência - tanto num laboratório quanto nos conflitos achados na rua - nada mais é que aprendizado.

Porém, se o governo priva o povo da responsabilidade por seu destino, sob o argumento de que ainda não está apto à cidadania, também o incapacita para vir a exercê-la algum dia, infantilizando-o permanentemente. Não há outro modo de resolver nosso déficit de democracia e cidadania a não ser experimentando mais democracia e mais cidadania. A solução de conflitos por meio da argumentação jurídica exige a fundamentação das decisões, o que abre a possibilidade da crítica pública e, consequentemente, da inclusão do cidadão na contínua busca por legitimidade das leis sob as quais vivemos. Nesse sentido, o direito revela-se como condição da democracia.

A grande revolução nesse processo de legitimação democrática da política não é derrubar governos, pois pouco adiantaria substituir dirigentes rústicos como Joca Ramiro e seus camaradas por dirigentes polidos e bem intencionados como Zé Bebelo. O desafio está em aprimorar os canais de participação popular nas esferas de decisão, seja no Estado ou nas instituições civis. Isso só se dá como aprendizado, pondo a todo momento em teste nossa própria experiência passada.

O julgamento de Zé Bebelo é exemplar porque ilustra o confronto público de argumentos, expostos até mesmo à arraia dos jagunços. Não há garantia que o julgamento será justo. Não há garantia que será eficiente. E nem há garantia que os subalternos concordarão com a decisão final. Mas é uma experiência que abre possibilidades de ruptura da ordem estabelecida, pois, como é um procedimento público, as partes se expõem à crítica e se comprometem com suas próprias declarações.

Riobaldo afirma que é “mais fácil obedecer, que entender”. Porém, mesmo não desejando entender, o redemoinho da vida o joga em encruzilhadas, forçando-o a decidir o rumo a tomar. Em situações como o julgamento de Zé Bebelo, em que as pessoas precisam usar argumentos para defender suas posições perante os outros, mesmo as pretensões mais autoritárias devem ser expostas em termos que possam ser compreendidos e aceitos como válidos pelos demais. Por isso o processo jurídico é um caso emblemático da ação comunicativa e demonstra o caráter sempre emancipatório do direito, pois nos obriga a tratar os outros como pessoas capazes de
compreender e decidir.

O exercício de cidadania que temos vivido nos últimos vinte anos nos tem diariamente colocado diante do mesmo dilema daqueles jagunços: como decidir de forma justa. É possível optar pela obediência a chefes virtuosos e bem intencionados, sobre cujos ombros jogaremos a responsabilidade por nossos fracassos. Mas ao apostarmos no poder transformador de tais líderes, alienamo-nos do processo democrático e abrimos mão de sermos cidadãos. Por outro lado, é também possível assumir os riscos impostos pela experiência democrática e enfrentar o desafio de aprender a lidar com nossa cidadania, para nos libertar não só da opressão alheia, mas, sobretudo, como nos diz o Rosa, das “prisões que estão refincadas no vago, na gente”.

Por Damião Alves de Azevedo
Fonte: UnB - Constituição & Democracia

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Sorte de uns, azar de outros: o entendimento do STJ em processos sobre loterias e outras apostas

Sorte ou azar
Pé de pato, mangalô três vezes... No Brasil, é difícil encontrar quem não “faz uma fezinha” para ganhar na loteria. Para isso, vale apostar sozinho ou entrar em bolões. Mas... E se o bilhete premiado é extraviado? E se a casa lotérica falha no repasse do cartão ganhador à Caixa Econômica Federal? Nessas horas, o cidadão não beija figa, nem carrega trevo de quatro folhas ou roga a São Longuinho. A Justiça tem sido o caminho dos brasileiros que buscam solucionar impasses que podem significar milhões em prêmios.

Recente pesquisa, realizada em março de 2011, feita pelo Sistema Justiça do STJ, revela que tramitaram ou tramitam na Casa 67 processos envolvendo diretamente o tema loteria/prêmios. Um número que pode parecer pequeno para um universo de mais de três milhões de processos autuados até hoje, mas que é significativo se levarmos em conta que o Tribunal da Cidadania é responsável por uniformizar o debate sobre as questões infraconstitucionais. Portanto, os recursos que chegam ao STJ refletem as demandas da sociedade.

Vale o que está impresso
Foi o caso de um apostador da Supersena (REsp 902.158), que tentava receber um prêmio de R$ 10,3 milhões. O cidadão alegava que havia apostado no concurso n. 83, mas o jogo acabou sendo efetivado para o sorteio seguinte (n. 84), por erro no registro da aposta. Devido à falta de provas, a peleja jurídica atravessou as primeira e segunda instâncias.

Entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso no STJ, considerou que saber o momento exato da aposta não era relevante, pois: “o que deve nortear o pagamento de prêmios de loterias federais, em se tratando de apostas nominativas, é a literalidade do bilhete, o que está escrito nele, uma vez que esse tipo de comprovante ostenta características de título ao portador”, conforme dos artigos 6º e 12º do Decreto-Lei n. 204/67. Desse modo, o apostador não levou a bolada milionária, mas poderá recorrer com uma ação de responsabilidade civil. A decisão é abril de 2010.

Noutro caso, um apostador recorreu ao STJ pedindo o reconhecimento de sua participação em “bolão” premiado da Mega-Sena (REsp 1.187.972), organizado por uma casa lotérica, e a condenação do estabelecimento a pagar a sua cota do prêmio. Para tanto, alegou que a lotérica estaria agindo de má-fé. Todavia, o STJ entendeu que a empresa demonstrou ter tomado todas as providências para informar os apostadores sobre os números que compunham seus jogos automáticos. Por isso, não haveria má prestação do serviço.

A Terceira Turma reiterou a orientação de que o pagamento de aposta da loteria é regido pela literalidade do bilhete não nominativo, não importando o propósito do apostador, a data da aposta e as circunstâncias da mesma, já que o direito gerado pelo bilhete premiado é autônomo e a obrigação se incorpora no próprio documento.

Já um cidadão de Minas Gerais teve mais sorte: o STJ manteve a decisão de segunda instância (não conheceu do recurso especial), garantindo o direito do apostador de receber o valor do prêmio da quina da Loto em concurso realizado em 1994 (REsp 824.039). O apostador registrava os mesmos números regularmente. Desse modo, conseguiu comprovar, por meio da apresentação de dez bilhetes anteriores, que a aposta premiada na casa lotérica Nova Vista era sua, mesmo tendo inutilizado o bilhete da aposta do sorteio 75 da Caixa Econômica Federal.

Apostas on line
Mas não é apenas na loteria que o brasileiro busca fazer fortuna. Em março do ano passado, o STJ julgou, pela primeira vez, um caso envolvendo dívida de apostas em corrida de cavalos (REsp 1.070.316). A Terceira Turma decidiu que o débito pode ser cobrado em juízo, mesmo que tenha sido feito por telefone e mediante a concessão de empréstimo em favor do jogador.

O apostador questionou na Justiça a legalidade da ação de execução no valor de R$ 48 mil. Sustentou, entre outros pontos, que o título que fundamentou a cobrança promovida pelo Jockey Club de São Paulo era inexigível, uma vez que a legislação só permite a realização de apostas de corridas de cavalo em dinheiro e nas dependências do hipódromo, não prevendo a concessão de empréstimos em dinheiro e a realização de apostas por telefone.

Entretanto, a Terceira Turma seguiu a posição defendida no voto-vista do ministro Massami Uyeda: “Não existe qualquer nulidade na execução do título extrajudicial, pois, embora as referidas normas legais prevejam a realização de apostas em dinheiro e nas dependências do hipódromo, em nenhum momento proíbem que as mesmas sejam feitas por telefone e mediante o empréstimo de dinheiro da banca exploradora ao apostador. No Direito Privado, ao contrário do Direito Público, é possível fazer tudo aquilo que a lei não proíbe”, concluiu.

Falhas Humanas
A Quarta Turma do Tribunal da Cidadania também determinou que a Caixa pagasse o prêmio da loteria esportiva a um apostador, por falha da casa lotérica, que não enviou o bilhete premiado à instituição (REsp 803.372). Para o relator do processo, ministro Cesar Asfor Rocha, a Caixa não poderia se eximir da obrigação de indenizar o apostador por ser a instituição responsável pelo credenciamento e fiscalização de seus revendedores.

Segundo as informações processuais, a lotérica em questão já havia sido punida diversas vezes. “Demais disso, se a ré é quem credencia os estabelecimentos, cabe-lhe arrostar com as consequências de sua má escolha, que no caso foi reconhecida. Tampouco há como obrigar o jogador a diligenciar pelo andamento de seu cartão, como se não devesse confiar na idoneidade da loteria ou das instituições que a promovem”, concluiu Asfor Rocha.

Outro processo envolvendo uma falha humana no sistema de apostas foi julgado em 2008 (REsp 960.284). O apostador recorreu à Justiça com uma ação de cobrança contra a Caixa para receber um prêmio da loteria federal que renderia mais de 23 mil reais. O cidadão alegava que formalizou seu bilhete numa casa lotérica autorizada, tendo acertado todos os resultados das partidas de futebol dos campeonatos daquela rodada.

Entretanto, ao tentar receber a premiação, a Caixa constatou que o bilhete emitido pela lotérica trazia os jogos de futebol do concurso anterior. “Houve, portanto, comprovada falha na atividade humana, na manhã de 7/10/2002, com inclusão para apostas, dos jogos ocorridos na semana anterior, correspondente ao concurso precedente ao de n. 36, sorteio no qual o recorrente efetivou suas apostas. São fatos incontroversos, notadamente em se tratando de loteria, na qual prevalece o que consta do título ao portador”, finalizou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

Deu zebra
Quem não se lembra do matemático Oswald de Souza e suas estatísticas e probabilidades apresentadas na TV? Pois os conhecimentos numéricos do professor não foram suficientes para garantir o direito de indenização contra a Caixa pela suposta quebra de contrato envolvendo a criação da loteria “Certo ou Errado”, desenvolvida para a Loteria Esportiva Federal (REsp 586.458). Segundo a defesa de Oswald de Souza, a instituição teria quebrado a cláusula da proporcionalidade dos valores das apostas na Sena, Loto e da própria “Certo ou Errado”, que comporiam a remuneração devida ao matemático.

No STJ, ele alegou que houve modificação unilateral do contrato. Todavia, o ministro Raphael de Barros Monteiro, relator do processo na Quarta Turma, não acolheu a tese, concluindo que o matemático assumiu o risco de somente receber a remuneração na hipótese de a Caixa dobrar a arrecadação da loteria “Certo ou Errado”. Além disso, a CEF não se comprometeu a manter invariável a proporcionalidade entre os preços dos referidos produtos lotéricos e, portanto, não violou deliberadamente o contrato, como alegava Oswald de Souza.

Azar também para o Grêmio Esportivo Brasil, de Pelotas (RS). O clube do interior gaúcho vai permanecer fora do concurso de prognósticos denominado “Timemania”. Presidente do STJ em 2008, Barros Monteiro indeferiu o pedido em defesa do clube, que queria a inclusão na listagem publicada pelo Ministério do Esporte para compor a loteria (MS 13.295).

Para o ministro, não havia os requisitos necessários pra a concessão da liminar. Com a decisão, o clube continua fora da loteria criada pelo governo federal com o objetivo de gerar receita para as agremiações esportivas por meio da cessão de suas marcas (brasões).

Concessões
E os contratos para exploração de serviços de loteria não podem ser prorrogados indefinidamente. Esse foi o entendimento do ministro Mauro Campbell Marques, integrante da Segunda Turma do STJ (REsp 912.402). A empresa Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda. pretendia manter o contrato para exploração de loterias em Goiás, mas perdeu o recurso no Tribunal. O relator, ministro Mauro Campbell Marques, considerou que a decisão do Tribunal estadual foi correta ao afirmar que o artigo 175 da Constituição diz: em respeito às concessões, deve haver licitação na modalidade concorrência e ter prazo determinado para tal fim.

Mauro Campbell ressaltou, ainda, que o Decreto-Lei n. 6.259/1944, que regula os serviços de loteria, determina a realização de concorrência pública antes da concessão. “A prorrogação indefinida do contrato é forma de subversão às determinações legais e constitucionais para a concessão e permissão da exploração de serviços públicos, o que não pode ser ratificado por esta Casa”, finalizou o ministro.

Crime e cifrões
O STJ também analisou habeas corpus em favor de Adriana Ferreira de Almeida, conhecida como a viúva da Mega-Sena (HC 102.298). A defesa pedia a libertação da cliente, acusada de planejar e ordenar o assassinato de Renné Sena, dois anos depois que o marido ganhou R$ 52 milhões ao acertar os números da loteria. O crime aconteceu em 2007. Os ministros da Quinta Turma, com base no voto da relatora, Laurita Vaz, concederam o habeas corpus porque ficou configurado o constrangimento ilegal da ré em função da demora no julgamento pelo Tribunal do Júri. Até a data da decisão (2008), Adriana já estava presa há mais de um ano e meio.

Fonte: STJ

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A administração do tempo e o profissional do Direito


Organizando a vida

Administração do tempo / profissional do Direito. A administração do tempo deve ser separada por uma barra do profissional do Direito? Será que uma coisa nada tem a ver com a outra? A resposta é: não, ao contrário, deve ser conhecida e aproveitada.

Evidentemente, o curso de Direito não se preocupa com este tipo de estudo. Afinal, tantas e tão complexas são as matérias da graduação, que ninguém teria tempo de pensar em administração do tempo, oratória, relacionamento humano, condução de reuniões e outros temas paralelos às profissões jurídicas. Só que eles serão, mais tarde, decisivos. Podem ser a diferença entre o fracasso e o sucesso.

Minha preocupação com o assunto começou quando era juiz de primeira instância. Percebi que não bastava trabalhar muito para ter a Vara em dia. Era preciso eliminar atos inúteis. Atualmente, o tema desperta maior interesse, principalmente na área da administração de empresas. Há uma grande quantidade livros,[1] cursos, inclusive alguns por preço irrisório (R$ 30),[2] outros on line, beneficiando quem não mora nos grandes centros.[3] No mundo jurídico, contudo, a matéria é praticamente ignorada.

Mas, como, onde e quando o operador jurídico pode (ou deve) administrar o seu tempo? A resposta varia conforme a profissão. Há, todavia, uma premissa que vale para todas: o profissional que vive às voltas com dezenas de coisas, perdido em meio a papeis, que não almoça porque não tem tempo e sai do trabalho depois das 21 h, não é um herói nacional, na verdade, é um incompetente.

Se uma pessoa adota este tipo de vida e faz dele sua rotina, é porque não sabe cuidar de si próprio, de sua família, de sua profissão. Quem não consegue pôr ordem na sua rotina, como cuidará de seu gabinete ou do seu escritório? Não fomos colonizados por ingleses, por isso, respeitar horários não é nosso forte. Mas um pouco de organização não faz mal à vida de ninguém.

Entre os profissionais do Direito, o magistrado, por ser o condutor do ritual judiciário, é o ator principal. Cabe-lhe cuidar do tempo em respeito à administração da Justiça e a todos que dela necessitam. Só que isto não lhe é ensinado nas Escolas da Magistratura, faz por iniciativa própria ou não faz. Vejamos alguns exemplos.

O juiz de primeira instância, que marca duas ou mais audiências para horários próximos e deixa as pessoas esperando, não só é um mau administrador do tempo como pode chegar a ser um irresponsável. Na sala de testemunhas podem estar um médico cheio de compromissos, um policial com muito serviço à sua espera, uma mãe que necessita apanhar o filho na escola ou simplesmente alguém que, com todo o direito, deseja ir caminhar em um parque. Portanto, audiências devem ser marcadas com um mínimo de previsibilidade de horário e, se houver atraso, um pedido de desculpas com justificativa cairá muito bem.

Nas solenidades do Judiciário nunca se começa na hora. Imagine-se uma posse de desembargador. O convite é para as 17 h. O relógio marca 17h45 e nada. As autoridades estão em uma sala VIP tomando café e falando sobre amenidades. Mas aquele que, cumprindo o horário, às 17 h colocou-se no auditório, tem que esperar. Como se seu tempo de nada valesse. Óbvio que nada justifica tal atraso (nem mesmo esperar a chegada do governador) e que isto constitui um desrespeito.

Nas sessões de julgamentos nos Tribunais, pouca importância se dá ao tempo de duração. Alguém já pensou sobre o gasto de dinheiro público com uma simples hora de discussões desnecessárias? Imagine-se os vencimentos dos magistrados, dos servidores envolvidos, energia elétrica, aparelhos e toda a estrutura necessária.

Evidentemente, não estou a dizer que o julgamento deve ser rápido para que haja economia. Mas estou a observar que quando as discussões são absolutamente desnecessárias, está-se, sim, a gastar dinheiro público inutilmente. Por exemplo, em casos repetitivos, o relator não precisa ler o extenso relatório e um voto cheio de citações de doutrina e jurisprudência para concluir o que todos já sabem. O seu precioso tempo deve ser reservado para as discussões de teses controvertidas. Neste particular o ministro Luiz Fux, do STF, tem conduta exemplar, pois apenas explica o seu voto e lê a ementa.

Nos escritórios de advocacia há uma noção mais acentuada de que tempo é dinheiro. Alguns advogados, mais refinados, cobram os honorários com base no tempo de atendimento. Mas, ainda assim, nunca é demais lembrar que um advogado organizado não faz o cliente aguardar na sala de espera, não se atrasa para as audiências (mesmo sendo o tráfego caótico), nelas não faz perguntas inúteis, mantém um arquivo de petições que lhe permite agilizar os serviços do escritório, só procura falar pessoalmente com o juiz quando é realmente necessário e daí é direto e objetivo, não faz sustentação oral em casos que a dispensam (v.g., de jurisprudência pacífica).

Tudo o que se disse vale para o caso de intimação para comparecer no Ministério Público, seja como testemunha em um inquérito civil, seja para uma reunião para deliberar sobre um TAC.

Também nas delegacias de Polícia, onde não se justifica, exceto por absoluta impossibilidade, deixar a vítima aguardando para que seja lavrado um B.O. ou uma testemunha para prestar um depoimento. Felizmente, agora, nos casos de prisão em flagrante os depoimentos são tomados e vítima e testemunhas dispensadas, enquanto no passado tinham que aguardar o término do auto.

Os professores de Direito também devem organizar o seu tempo. Não podem converter-se em tutores de seus alunos, mesmo dos orientandos. Fixar hora para início e término de uma reunião e um dia da semana para troca de e-mails será uma boa forma de administrar o tempo.

Finalmente, os alunos. Dividir o tempo de estudo, os prazeres da juventude, o estágio e as atividades paralelas, é uma arte. Se não for bem exercida, fatalmente se pagará por isso mais tarde.

Em suma, o bom profissional sabe separar o tempo e dele tirar o máximo proveito, inclusive para cuidar de sua vida, saúde e felicidade. Aqueles que não têm agenda, não delegam, mandam e respondem e-mails 24 horas por dia, almoçam às 3h da tarde e saem do trabalho às 21 h, não são modelos a serem seguidos. Quem não sabe administrar sua vida não sabe administrar seu trabalho. É a minha opinião, com todas as vênias e até uma condescendente simpatia aos “trapalhões jurídicos”.

Por Vladimir Passos de Freitas

Fonte: ConJur

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Plenário da Câmara aprova projeto do novo CPP

Novo Código

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (7/4), o substitutivo ao Projeto de Lei 4.208/01, que altera o Código de Processo Penal.


No texto são criadas medidas cautelares como alternativas à prisão preventiva e é mantida a prisão especial para autoridades, graduados e determinados profissionais. A proposta integra a Reforma do Processo Penal, iniciada em 2001 (PL 4208/01).


O texto foi aprovado originalmente pela Câmara dos Deputados em junho de 2008 e após modificações feitas pelo Senado, foi votada de novo. O projeto segue para sanção presidencial. O texto cria medidas para limitar direitos do acusado de cometer infrações com menor potencial ofensivo:o monitoramento eletrônico; a proibição de frequentar determinados locais ou de se comunicar com certas pessoas; e o recolhimento em casa durante a noite e nos dias de folga.



Dessa forma, a prisão preventiva só poderá ser aplicada aos crimes de maior potencial ofensivo; dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; casos de reincidência; e às pessoas que violarem cautelares. O Executivo e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) preveem que as medidas cautelares diminuam o índice de presos provisórios do país, que chega a 44% da população carcerária atual.


Por outro lado, o texto ampliou a prisão preventiva nos crimes de violência doméstica, permitindo o encarceramento de acusados de abusos contra crianças, adolescentes, idosos, enfermos e portadores de deficiência. Atualmente, ela só é prevista nos casos de crimes contra a mulher.


Mandados de prisão

O texto desburocratiza os mandados de prisão ao determinar que o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação que permita verificar a autenticidade do documento.


Também é criado o Cadastro Nacional de Mandados de Prisão, para permitir que o acusado seja preso em outro estado sem que o juiz que decretou a prisão precise contatar o juiz do local em que a pessoa se encontra.


Fiança

O substitutivo amplia os casos em que a concessão de fiança poderá ser aplicada e também aumenta seu valor máximo de 100 para até 200 salários mínimos, que poderá ser multiplicado por mil vezes, dependendo da condição econômica do preso.



Prisão Especial

O artigo 4º do PL 4.208/01 que foi excluído pelos senadores determinava que a prisão especial para autoridades ou detentores de diploma deveria ser decretada por ordem fundamentada do juiz ou do delegado diante de ameaça ao preso.


Na última terça-feira (5/4), o presidente da Associação Naciona dos Membros do Ministério público (Conamp), César Mattar Jr., se reuniu com o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, para tratar da matéria. Mattar Jr. alertou para o possível excesso de poder que seria dado aos juízes e aos delegados, caso o dispositivo fosse aprovado, já que a prisão especial deixaria de estar vinculada ao cargo e dependeria de autorização.


Assim como o MP, a Ordem dos Advogados do Brasil defendia a supressão do artigo. Segundo o presidente da OAB Nacional, Ophir Cavalcante, "ao defender o cliente, um advogado pode ter embates com magistrados, integrantes do Ministério Público e até com policiais. Nessas situações, o advogado seria presa fácil para um delegado arbitrário que quisesse jogá-lo numa cela com um homicida. Isso pode acontecer também com um líder sindical e com outras profissões".



Fonte: ConJur

domingo, 3 de abril de 2011

Monitoramento eletrônico não é aplicado na maioria dos estados

Alternativa positiva
Sancionada há nove meses pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei que regulamenta o monitoramento eletrônico de presos no país ainda não foi aplicada na maioria dos estados. Apenas nove concluíram testes com as tornozeleiras eletrônicas para acompanhar a rotina de detentos fora das penitenciárias. Outros dois estados e o Distrito Federal estão em fase de experimentação. Dez unidades da federação ainda estudam a possibilidade de examinar o uso do mecanismo, embora ainda sem previsão.

Levantamento produzido pelo jornal O Globo revela que os testes foram realizados em pequena escala, com pouco mais de 4.500 presos voluntários e de bom comportamento nos 12 estados. Foram detectados problemas em pelo menos 244 casos (5,4% do total). Destes, mais de 230 detentos não voltaram às cadeias, saíram da área determinada pelo juiz ou romperam o dispositivo. Na semana passada, um detento do Rio quebrou a tornozeleira eletrônica e foi preso . Em Goiás, houve perda de sinal entre uma tornozeleira e o satélite. Em outros quatro casos, todos no Distrito Federal, os presos desistiram do teste após pequenos ferimentos provocados pelo equipamento, que pesa 250g.

São Paulo foi um dos primeiros estados a examinar o mecanismo, antes mesmo da lei. Também foi o único a fazer teste em larga escala e a implantar em definitivo o sistema. No fim do ano passado, 23.629 presos do estado foram beneficiados com a saída temporária de Natal e ano novo. Deste total, 3.944 saíram com tornozeleiras eletrônicas. O índice de não retorno entre os presos sem dispositivo foi de 7,1% e, entre os que saíram com o aparelho, foi de 5,7%.

CNJ diz que tornozeleiras não impedem fugas
O supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Nunes, defende o monitoramento eletrônico, mas diz ser ilusão pensar que o sistema evitará fugas: - A importância do monitoramento é saber por onde o detento circula quando está em liberdade. Ele tem que cumprir exigências do juiz, que traça perímetros em que o apenado não pode circular, como ambientes propícios à prática de crimes. " Avaliei como válida a experiência porque é possível ter controle total do deslocamento dos presos ".

Mesmo com os problemas, os estados que experimentaram as tornozeleiras eletrônicas avaliam como positivo o sistema. Dois deles - além da Bahia, que não fez teste - estão em fase de licitação para adquirir os dispositivos. São Paulo já concluiu o processo. Juntos, estes estados terão licitado cerca de 15 mil tornozeleiras. O Rio Grande do Sul é um dos estados que estão em processo de licitação após testes. O superintendente de Serviços Penitenciários do estado, Gelson Treiesleben, destaca que "o preso se sente observado pelo Estado" ao usar a tornozeleira eletrônica: - Avaliei como válida a experiência porque é possível ter controle total do deslocamento dos presos.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma ser contra o uso de tornozeleiras eletrônicas e alerta que elas podem dificultar na ressocialização: " Acreditamos que o simples fato de colocar tornozeleiras não resolve. Sem estrutura de fiscalização e de reinserção social, a solução é paliativa - disse o presidente da entidade, Ophir Cavalcante.

Lei sancionada não diminui déficit de vagas em presídios
Com 494.237 presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. Mais de 30% são presos provisórios, que aguardam julgamento. De acordo com especialistas consultados pelo O Globo, a lei não ajuda a diminuir o déficit de 194.650 vagas nos presídios país afora porque prevê que somente detentos do semiaberto e em prisão domiciliar façam uso de tornozeleiras eletrônicas.

A medida que poderia aliviar o déficit de vagas consta no projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Senado em dezembro do ano passado e que aguarda a análise da Câmara. - Ao invés de decretar a prisão provisória, o juiz pode submeter o acusado ao uso de monitoramento eletrônico - explica Bruno Azevedo, juiz na comarca de Guarabira (PB), a primeira a testar tornozeleiras eletrônicas, em meados de 2007.

Em tese, os custos com os presos provisórios poderiam ser reduzidos, já que o preço unitário das tornozeleiras varia de R$ 240 a R$ 700, enquanto manter um detento no sistema prisional de um estado custa, em média, R$ 1.800. Segundo dados apresentados em um evento do CNJ no mês passado, a Suécia implantou o monitoramento eletrônico em 1995 e, desde então, 17 mil penas privativas foram substituídas pelo uso de tornozeleiras. Com isso, dez unidades prisionais foram fechadas. - É, na realidade, uma prisão virtual. Você determina à pessoa que o horário em que ela estará em casa e os lugares em que ela não ir. A tendência a partir de agora é essa - disse Treiesleben.

O presidente nacional da OAB reconhece que a medida pode solucionar parte do problema, mas é preciso ir com calma: - Em tese sim (ajuda a reduzir a população carcerária), mas depende do caso concreto. Não é uma fórmula de bolo.

Fonte: Conselho Federal da OAB