terça-feira, 21 de junho de 2011

Recursos são parte da cultura jurídica do país

Roguemos pelo futuro
É público e notório que, há muito tempo, o sistema recursal brasileiro vem sendo objeto de reflexão por todos nós, operadores e acadêmicos do Direito.

E quando eu marco temporalmente a discussão, dizendo que o fazemos há muito tempo, o faço de forma proposital, exatamente para sinalizar que a quantidade de recursos previstos em nossos códigos processuais e a demora de seus julgamentos são preocupações muito anteriores à famosa discussão ensejada pela PEC dos Recursos.

Esta PEC foi idealizada pelo ministro Cezar Peluso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, e definida pelo próprio, no último dia 7 de junho, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, como sendo “uma revolução pacífica para melhorar a eficiência da Justiça brasileira contra um sistema jurisdicional perverso e ineficiente.”.

Segundo me parece, a PEC dos Recursos tem o objetivo explícito de permitir a execução imediata das decisões proferidas nos tribunais estaduais, em segundo grau de jurisdição, mas também tem outro objetivo, não tão explícito, mas tampouco implícito, que seria o de esvaziar as prateleiras abarrotadas dos tribunais superiores, restringindo a subida de recursos àquelas Cortes, como se hoje já não fosse extremamente difícil e árduo, mesmo sem a PEC, fazer um Recurso Especial ou um Recurso Extraordinário viajar dos estados (hoje virtualmente) até as Cortes Superiores, em Brasília.

Aliás, um parêntese inicial para dizer que, mesmo sem estatísticas rígidas sobre o tema, uma mera e rápida leitura dos Diários Oficiais dos Judiciários estaduais do país permitirá ver a enorme incidência de recursos inadmitidos pelas Vice-Presidências dos Tribunais do País, muito conhecidas, nos corredores forenses, como trancadoras oficiais de Recursos Especiais e Extraordinários, e famosas por proferirem decisões genéricas e abstratas nos mais diversos casos. Significando isto dizer que, talvez, a PEC dos Recursos esteja pretendendo resolver a quantidade de processos nas prateleiras erradas, já que as dos Tribunais Estaduais estão muito mais abarrotadas — e, mesmo com a PEC, continuarão muito mais abarrotadas — do que aquelas dos Tribunais Superiores.

Voltando à problemática central que me motivou a escrever sobre o tema, me parece consensual a necessidade de discutir o nosso sistema recursal e agora, mais do que nunca, devido à PEC, me parece obrigatório estender a discussão e fazê-lo de forma crítica e franca, explicitando todos os prós e contras que possamos, juntos, imaginar.

Nessa linha, tenho lido, diariamente, inúmeros e interessantes artigos opinativos acerca do tema. E, como de hábito, alguns se posicionando a favor e outros contra a PEC dos Recursos. E foi exatamente esta lógica, de ser a favor ou contra, que me motivou a pensar o tema recursal a partir de outro viés, tal como exponho neste pequeno texto reflexivo.

O nosso sistema jurídico e judicial, pensado e reproduzido por via dogmática, está enraizado no contraditório de opiniões e de teses e está fundamentado em uma lógica que permite que sempre haja uma opinião diferente sobre o mesmo tema e que sempre haja uma forma diferente de se interpretar determinado dispositivo legal, a tal ponto de dizermos, desde os bancos das faculdades, em tom de brincadeira, mas com fundo de verdade, que “em Direito, a melhor resposta para qualquer pergunta é sempre: depende”.

Pois bem. Esta forma estruturante do sistema acaba por fomentar a crença, que tem correspondência empírica, de que sempre há uma possibilidade diferente de resolver determinado problema ou, processualmente falando, de que sempre há uma possibilidade diferente de o processo judicial acabar contra ou a favor dos interesses de cada parte.

E, uma vez naturalizada esta lógica, a que isto pode levar?

Isto pode levar ao que já nos trouxe até aqui: a uma prática judiciária e a uma atuação profissional que buscam, permanentemente, encontrar eco nesse caminho processual incessante de identificação de teses.

Melhor dizendo: notadamente os advogados (em sentido lato), que defendem interesses específicos nos processos e que têm um lado determinado na causa, acabam por internalizar essa lógica de que vale a pena tentar, até a última instância, encontrar alguém que interprete o direito de forma a acolher a sua tese, já que isso é sempre possível.

E, sendo assim, interpor recursos nada mais é do que aderir a essa lógica e manifestar concordância com essa forma estruturante do sistema, que permite, sempre, múltiplas formas de interpretação da lei e, ao fazê-lo, curiosamente, não só particulariza, como, ao mesmo tempo, estende a possibilidade de, a partir de um caso particular, existir, no curso processual, alguém que se identifique com a tese sustentada e, acolhendo-a, “julgue procedente o pedido” ou, em outra instância, “dê provimento ao recurso”.

Ou seja, a possibilidade de sempre haver uma forma diferente de interpretar a lei e de se decidir no caso concreto acaba por incentivar uma atuação profissional insistente por parte daqueles que buscam direitos através dos processos, fazendo com que se estimulem a tentar encontrar eco no sistema de administração da justiça, ainda que, para tanto, seja necessário ir até a última instância processual, o STF.

Desse modo, me parece, muito claramente, que os cada vez mais desprezados recursos, ao contrário de vilões, são estruturantes do nosso sistema judicial e conformam a nossa lógica processual.

Em um sistema cuja lógica estruturante permite uma extensa possibilidade de formas de interpretação da lei e de aplicação do direito é aconselhável que, diante da previsão de recursos, os atores, em seu múnus público, e por dever de ofício, façam uso deles da forma igualmente mais extensa possível, razão por que me chama a atenção não apenas o fato de se pretender restringi-los, como, principalmente, o de categorizá-los como protelatórios ou temerários.

Em outros sistemas, pode ser que os recursos sejam prescindíveis, mas, no brasileiro, é aconselhável que pensemos que o seu extermínio, ou mesmo a sua restrição, se choca com uma lógica arraigada e constitutiva da nossa cultura jurídica e, portanto, não é tão fácil acabar com eles quanto a promulgação de uma PEC pode pretender fazer parecer ser.

Por Bárbara Gomes Lupetti Baptista
Fonte: ConJur

Decisão contra união homoafetiva causa perplexidade

Insegurança jurídica
A decisão do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia, que cancelou a declaração de união estável de um casal homossexual de Goiás na sexta-feira (17/6), certamente será derrubada pelo Supremo Tribunal Federal se o casal recorrer à Corte. Foi o que disse à revista Consultor Jurídico nesta segunda-feira (20/6) o ministro Marco Aurélio.

Para Marco Aurélio, a decisão "causa perplexidade". De acordo com o ministro, o Supremo não reescreveu a Constituição Federal, como afirmam muito dos críticos da decisão na qual o tribunal equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres.

"O Supremo Tribunal Federal interpretou a Constituição. E a decisão foi formalizada em um processo objetivo. Portanto, ela repercute além dos muros do próprio processo", afirmou o ministro. Marco Aurélio lembrou que a decisão do STF sobre união estável homoafetiva tem eficácia erga omnes. Ou seja, se aplica a todos, indistintamente.


O ministro lembrou também que a decisão do Supremo em relação à matéria foi unânime. "Será que todos nós erramos? Será que esse juiz é o dono da verdade?", questionou.


Apesar de criticar a posição do juiz, Marco Aurélio acredita que ele não deve ser punido: "Não cabe a punição. O que cabe é utilizar o remédio jurídico [no caso, a Reclamação] adequado para rever a decisão". Para ele, não é possível "compreender o ofício judicante sem independência".

Na opinião do ministro, a decisão do juiz de Goiás é ruim para o Judiciário porque o "cidadão leigo não entende esses descompassos, que geram um contexto de insegurança jurídica". Mas Marco Aurélio defende que é necessário preservar a independência do juiz, mesmo diante de seus erros. "Prefiro mil vezes um juiz que erre, do que um juiz intimidado", disse. "O juiz tem de ter segurança para agir de acordo com sua ciência e consciência", concluiu.


De acordo com o ministro do Supremo, o Conselho Nacional de Justiça não teria competência para punir o juiz. Como a decisão do juiz goiano não foi um ato administrativo, mas judicial, uma possível punição extrapolaria as atribuição do CNJ que é "um órgão estritamente administrativo".

Em fevereiro passado, o ministro Marco Aurélio suspendeu liminarmente a decisão do CNJ que afastou de suas atividades, por dois anos, o juiz Edilson Rodrigues. O magistrado proferiu decisões contrárias à Lei Maria da Penha e, nas decisões, usou termos discriminatórios em relação às mulheres. Para o ministro, o afastamento do juiz foi inadequado "porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão".


Na ocasião, Marco Aurélio também se baseou na independência do juiz em matéria jurisdicional para suspender a decisão do CNJ. Na decisão liminar, o ministro ressaltou que "entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção".


Por Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Indenização em dinheiro por dano moral não pode ser substituída por retratação na imprensa

Mais dinheiro e menos desculpas
Indenização pecuniária por dano moral não pode ser substituída por retratação na imprensa, a título de reparação dos danos morais sofridos por pessoa jurídica. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A tese foi discutida no julgamento de recurso especial, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Ele lembrou que o STJ já consolidou o entendimento de que pessoa jurídica pode sofrer dano moral passível de indenização. Está na Súmula 227. Para o ministro, negar indenização pecuniária à pessoa jurídica viola o princípio da reparação integral do dano.

A disputa judicial começou com uma ação ordinária de nulidade de duplicata cumulada com obrigação de fazer e pedido de indenização por danos morais, movida pela Villa do Forte Praia Hotel Ltda contra a microempresa Globalcom Comercial e Distribuidora Ltda, pelo protesto indevido de duplicata mercantil. Ocorre que nunca houve negócio jurídico entre as duas empresas.

A sentença deu parcial provimento ao pedido para anular a duplicata e condenar a Globalcom ao pagamento de indenização por dano moral equivalente a dez vezes o valor do título anulado, corrigido desde a data do protesto. Esse montante chegou a aproximadamente R$ 24 mil.

Ao julgar apelação das duas empresas, o Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo reformou a sentença para substituir o pagamento da indenização em dinheiro por publicação de retratação, na imprensa, a título de reparação por danos morais à pessoa jurídica. Por entender que pessoa jurídica não sente dor, os magistrados avaliaram que a melhor forma de reparar o dano era a retratação pública. O hotel recorreu ao STJ contra essa decisão.

Segundo Sanseverino, a reparação dos danos pode ser pecuniária (em dinheiro) ou natural, que consiste em tentar colocar o lesado na mesma situação em que se encontrava antes do dano. Um exemplo disso seria restituir um bem semelhante ao que foi destruído. Ele explicou que os prejuízos extrapatrimoniais, por sua própria natureza, geralmente não comportam reparação natural. Então resta apenas a pecuniária, que é a tradição no Direito brasileiro.

O relator destacou que a reparação natural e a pecuniária não são excludentes entre si, em razão do princípio da reparação integral, implícita na norma do artigo 159 do Código Civil (CC) de 1916, vigente na época dos fatos. Essa regra encontra-se atualmente no artigo 944 do CC/2002. Para Sanseverino, a substituição feita pelo tribunal paulista viola esse dispositivo.

Seguindo as considerações do relator, todos os ministros da Terceira Turma deram parcial provimento ao recurso do hotel para manter a indenização em dinheiro fixada na sentença e negar o pedido de aumento desse valor. Como o recurso não contestou a publicação de retratação na imprensa, essa determinação do tribunal paulista não foi analisada pelo STJ, de forma que fica mantida.


Fonte: STJ

terça-feira, 14 de junho de 2011

Lei de prisão cautelar pode mudar feição do Judiciário

Esperança de uma nova cultura
Começam a pulular acerbas críticas à nova sistemática de prisão cautelar (flagrante e preventiva). A partir do próximo 4 de julho,com a vigência da Lei 12.403, o processo criminal poderá mudar a cara do Judiciário. Avaliações preliminares indicam que cerca de cem mil presos serão imediatamente colocados em liberdade. Para alguns, a Lei inviabilizará a decretação da prisão preventiva, permitindo que autores de delitos graves permaneçam soltos durante o processo. Além disso — o que já não é pouco — praguejam contra as inovadoras medidas cautelares, que despontam como alternativas ao cárcere antes da condenação definitiva. O Estado, argumentam esses críticos, não terá condições de fiscalizá-las. Enfim, proclama-se a coroação da impunidade no Brasil.

Os dotes da nova Lei, porém, não podem ficar obnubilados pelo pessimismo incauto. As mudanças são boas e vêm de encontro ao degradante e crescente “populismo judicial”, que fez da fama ou fortuna do acusado requisito de prisão cautelar. É alvissareira a lei. Obrigará o juiz a estudar autos de flagrante e decidir, desde logo (artigo 310), pelo relaxamento da prisão, quando ilegal; pela conversão do flagrante em prisão preventiva, na hipótese de ineficácia — inadequação ou insuficiência — da medida cautelar; ou, pela concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança.

O conteúdo misto das normas estabelecidas pela lei acarretará a aplicação imediata dos dispositivos de natureza processual, sem prejuízo dos atos anteriores, ao mesmo tempo em que retroagirá quanto aos normativos penais benéficos. Portanto, com a vigência das novas regras, juízes e tribunais deverão imediatamente chamar à conclusão todos os feitos (inquéritos e processos) envolvendo prisão provisória para a indeclinável confrontação com o nascituro modelo.

Perceba-se a sutileza da mudança: os presos que deixarão imediatamente o cárcere, ao contrário do que pregam os antagonistas da lei, serão justamente aqueles que nele não deveriam estar. Para os casos realmente necessários, caberá ao juiz fundamentar, concretamente, os motivos que recomendam a prisão do agente antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Por outro lado, a nova sistemática confere ao Estado maior controle sobre o indiciado ou réu. Se entre a liberdade e a prisão nada mais havia, doravante o juiz terá à sua disposição um elenco de nada menos que nove medidas cautelares (artigo 319) de alto impacto pessoal e social. Perceba-se: as medidas cautelares funcionarão como uma espécie de “período de prova preventivo” durante o processo. O descumprimento de obrigações impostas renderá ensejo para o decreto prisional.

A sociedade poderá ficar mais tranquila sabendo que um possível culpado, solto, estará sendo monitorado durante o processo, ao mesmo tempo em que um presumido inocente não será levado à prisão injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Desde 1988, nossa Carta Política impõe ao Estado que ninguém seja levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade (inciso 66 do artigo 5º), presumindo-se inocente o agente enquanto não passar em julgado a sentença condenatória (inciso 57 do artigo 5º). A prisão é a ultima ratio.

Enfatize-se, por conseguinte, que a lei não acaba com a prisão preventiva como apregoam os mais afoitos. Será ela de três tipos: inicial, derivada e substitutiva. Inicial quando decretada durante a investigação ou processo; derivada se resultar da conversão do flagrante; e, substitutiva, em lugar de medidas cautelares descumpridas pelo agente.

Os pressupostos, como antecedente indispensável à aplicação da medida extrema, passam a ser de três ordens cumulativas: prova da existência do crime, indícios sérios de autoria (artigo 312, in fine) e ineficácia — inadequação ou insuficiência — das medidas cautelares (artigo 282, parágrafos 4º e 6º, c.c. artigo 312, parágrafo único). Os requisitos da preventiva, como exigência de validade do ato, continuam os mesmos (artigo 312, 1ª parte) e são alternativos: garantir a ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal, ou necessidade da instrução criminal.

Presentes as citadas hipóteses, alguma das seguintes condições haverá de estar presente (artigo 313), alternativamente: prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; ou prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade, possuindo o agente condenação definitiva anterior por crime doloso; ou para garantir a execução de medida protetiva aplicada em crimes envolvendo violência doméstica e/ou familiar; ou, por último, em face de dúvida séria e fundada sobre a identidade civil do autor do crime, que se recusa a solvê-la.

Em situações excepcionais, a prisão preventiva poderá ser substituída pela prisão domiciliar (ex. idoso ou gestação de risco). A liberdade, com ou sem fiança é a regra. O instituto da fiança ganha status de medida cautelar e prestigia sobremaneira a vítima, que nela poderá buscar a reparação dos danos sofridos (artigo 336). O valor da fiança é expressivo e alcançará, em algumas situações, a considerável cifra de cento e seis milhões de reais (artigo 325). A prudência, circunstâncias do fato e condições do agente nortearão sua fixação.

A Lei 12.403/2011 constitui, sem dúvida alguma, um avanço e importante instrumento de Justiça. Caberá ao Poder Judiciário traçar estratégias e aplicá-la com vontade e criatividade, para dela extrair o máximo de efetividade. Não se deve aguardar por ações de outros órgãos ou instituições. A nova lei, enfim, poderá mudar a cara e a imagem da Justiça Criminal, que ainda deve à sociedade presença mais marcante com o fito de desestimular a crescente criminalidade e acabar com o sentimento de impunidade que grassa no país.

Por Ali Mazloum
Fonte: ConJur

domingo, 12 de junho de 2011

O advogado que garantiu a liberdade de Battisti

A Defesa tem a palavra
Dia 8 de junho de 2011. Às 22h, na parte de trás do prédio que abriga o plenário do Supremo Tribunal Federal, o advogado Luís Roberto Barroso sacode vagarosamente uma cópia do alvará de soltura de Cesare Battisti que lhe chegou às mãos, com um sorriso que não lhe cabia no rosto, e pergunta, para si mesmo, e para os advogados de sua equipe que o cercam: "E agora? Como se tira uma pessoa da cadeia?". Certamente, um problema bem menos angustiante do que a equipe enfrentou nos últimos meses.

A vida do advogado às vezes parece uma montanha russa. O trabalho de equipe é fundamental, mas as principais decisões são solitárias. Todo profissional é familiarizado com frustrações e os mais experientes sabem o quanto é importante dosar a emoção na hora da vitória. O caso que Barroso acaba de enfrentar, contudo, permite a exceção.


Seis horas antes, Barroso ocupara a tribuna do Supremo em defesa da liberdade do italiano, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos 1970 na Itália, preso há quatro anos no Brasil por conta de pedido de extradição feito pelo governo daquele país. Pela primeira vez, tinha subido nervoso à tribuna que ocupa com frequência.

"Raramente me exalto e dificilmente fico nervoso. Este foi um dos poucos dias da minha vida que me senti como um corredor de Fórmula 1, que chega à última volta com chances de ganhar, mas morrendo de medo de bater. Era essa a sensação", afirmou o advogado à revista Consultor Jurídico. Barroso ganhou a corrida, sem cobrar um centavo pelo trabalho. Foi a estrela do processo. Sem seu empenho, provavelmente Battisti estaria, a esta altura, num avião com destino à Itália.

A defesa do caso Battisti foi um ponto fora da curva na carreira de Luís Roberto Barroso. O advogado nunca havia trabalhado em um processo que envolve questões criminais e não deve voltar a fazê-lo. "Embora tenha sido uma experiência pessoal, humana e profissional extraordinária, eu acho que este caso basta", afirmou. Daí sua dúvida sobre o procedimento diante do alvará de soltura.

Habituado a lidar com teses judiciais abstratas, em que não é necessário olhar nos olhos dos milhares de pessoas que são afetadas pelas decisões, o advogado teve de mudar sua rotina e se preparar para a batalha em um terreno ainda desconhecido por ele. Não era o primeiro caso polêmico que assumia no Supremo, mas era uma novidade sob todos os ângulos.



O advogado atuou no processo que se transformou na Súmula Vinculante que vedou o nepotismo nos três poderes da República, participou como amicus curiae da ação que legitimou as pesquisas com células-tronco embrionárias e liderou a ação na qual o tribunal equiparou a união homoafetiva à união estável entre casais convencionais. Saiu vitorioso em todos os casos. Está à frente, também, da ação que pede que as gestantes possam interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.


Nada foi tão avassalador em termos pessoais quanto a defesa de Battisti: "A intensidade das paixões que ele mobilizou eu não sou capaz de identificar a origem. Nem a discussão da anencefalia ou do nepotismo, em que muita gente foi afetada, causou tamanha reação. Esse foi o único caso em que eu recebi muitos insultos, e-mails e mensagens de pessoas dizendo coisas horrorosas".


O que não quer dizer que se arrependa. "Não tive qualquer dúvida. Tive alguns sofrimentos pessoais, porque, muitas vezes, as pessoas se convencem tanto de suas próprias razões que acham que não precisam se comportar bem. Mas faria tudo novamente", garante.


Luís Roberto Barroso nunca havia colocado os pés em um presídio, mas passou a ir ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, com regularidade. "Nas primeiras vezes, não sabia nem como me comportar. Visitava o Cesare pelo menos uma vez por mês. Às vezes, duas." Para um advogado que vivia em um mundo mais de ideias do que de gente, foi um show de vida real.


Em 13 de abril de 2009, pouco mais de dois anos antes de conseguir a liberdade do italiano, o advogado assumiu sua defesa ao lado do colega Luiz Eduardo Greenhalgh. Na nota em que anunciou a entrada no processo de extradição que tramitou no Supremo, Barroso afirmou que "viola as tradições jurídicas e humanitárias brasileiras o encarceramento perpétuo de uma pessoa não perigosa e de longa data ressocializada, tendo se passado mais de 30 anos dos episódios que deram causa à condenação criminal".


Começava aí seu trabalho, que terminou na madrugada de quinta-feira (9/6) quando entregou a Cesare Battisti, na Papuda, seu alvará de soltura. Agora, o caso de Battisti está de volta às mãos de Greenhalgh.


Causa bonita
Barroso assumiu a defesa de Cesare Battisti a pedido da escritora francesa Fred Vargas. No começo de 2009, o advogado recebeu uma ligação da escritora que lhe contou o caso e pediu sua intervenção. O pedido foi feito pouco depois de o então ministro da Justiça, Tarso Genro, ter concedido refúgio ao italiano, em janeiro daquele ano. Na ocasião, se vislumbrava um longo caminho a ser percorrido. O ministro Cezar Peluso, relator da ação, já havia sinalizado não ser simpático à causa de Battisti.


A primeira condição de Barroso foi que sua entrada no processo tivesse a concordância de Greenhalgh, o colega que, até ali, cuidava sozinho da ação. Tratava-se de uma questão ética. "Um advogado não entra na causa de outro, salvo por pedido ou convite do próprio advogado. Ou quando ele é destituído, o que não era o caso."


Depois da ligação de Greenhalgh o convidando para atuar, recebeu o substabelecimento e foi estudar os 18 volumes da ação, que continha todos os detalhes dos processos em que Battisti foi condenado por quatro homicídios entre os anos de 1977 e 1979.


Sua equipe fez a leitura de todas as peças e uma seleção do que achava relevante que o próprio Barroso estudasse. "Quando acabei de ler o processo, já não tinha nenhuma dúvida de que lado eu queria estar nessa briga. Teria de defender o Cesare", disse. Barroso se convenceu que as ações contra Battisti não seguiram o devido processo legal e que seu direito à ampla defesa fora desrespeitado.


O primeiro obstáculo foi vencer a desconfiança dos próprios familiares. Ouviu do pai, da sogra, da mulher e dos amigos próximos a mesma pergunta: "Por que você aceitou esse caso?". Não foi diferente com seus clientes: "Barroso, um velho comunista?". As explicações iniciais foram uma preparação singela perto do que viria mais à frente.


"O senso comum é todo o contra o Cesare porque é pragmático. O senso comum questiona por que o Brasil tem de se indispor com a Itália para defender um sujeito não tem nada a ver com o país. Não quer saber se é um cidadão que teve direitos fundamentais desrespeitados. Como disse, é pragmático", opina Barroso.


Por que, então, embarcar nessa aventura? "A causa era bonita", justifica. O advogado viu beleza no fato de defender "um velho comunista, que faz parte do lado derrotado da história, e que a Itália, 30 anos depois, veio perseguir no Brasil". Acima de tudo, Barroso acreditou em Battisti. "O Cesare me olha nos olhos e diz: 'Não participei de nenhum desses homicídios'. Eu acredito no que ele me diz. Mas, independentemente da minha certeza subjetiva, a leitura do processo traz muitas dúvidas objetivas", explica.


Para abraçar a causa, Barroso somou a crença nas palavras do italiano às falhas dos processos que geraram sua condenação na Itália. De acordo com o advogado, não havia provas suficientes para embasar as condenações pelos homicídios.


"Não havia armas apreendidas, perícias, nada. Apenas testemunhos que se contradiziam. Cesare foi levado a julgamento junto com outros membros dos PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e não foi sequer acusado de cometer os assassinatos. Foi condenado por subversão. Depois, quando ele já estava na França, um dos líderes do grupo, Pietro Mutti, acusado pelos homicídios, colocou a culpa em Cesare e foi beneficiado pela delação premiada", conta Barroso.


E completa: "Julgado pela segunda vez à revelia, dez anos depois, com a defesa feita por um advogado que nunca falou com ele e que foi constituído pelos membros do grupo que estavam se livrando graças à delação, foi condenado”, afirma Barroso. O advogado cita as mesmas contradições nos processos italianos que o próprio Battisti apontou em entrevista exclusiva concedida à ConJur antes do julgamento pelo Supremo. Esses foram os fatos que o convenceram, aliados à palavra de seu mais famoso cliente.


Como todo bom advogado sabe, quando o juiz começa seu voto elogiando a sustentação oral, é porque votará contra os interesses do advogado. Ao falar da Itália, Barroso usa do mesmo expediente. Frisa que respeita o país e suas instituições, para, então, fazer as ressalvas. Como crer que na Itália, uma pujante democracia já naquela época, não foi respeitado o devido processo legal? "Provavelmente, a democracia italiana era mais truculenta do que a ditadura brasileira", justifica.


Estratégia de defesa
Convencido de que a causa era justa e valia à pena, Barroso passou a estudar sua estratégia, bolar as teses e se debruçar sobre a jurisprudência do STF que dizia respeito ao tema. Foram vários brainstorms e conference calls com suas equipes dos escritórios do Rio de Janeiro e de Brasília.


A primeira tese, que inicialmente aparentava ser a mais segura, estava à mão: quando o governo concede refúgio a um preso, o processo de extradição contra ele é arquivado pelo Supremo. Três anos antes de o advogado assumir a causa, a Corte tinha decidido exatamente isso no processo do colombiano Padre Medina, integrante das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.


O advogado iniciou o périplo pelos gabinetes dos ministros do Supremo, como é praxe. Foi recebido pessoalmente por sete dos nove ministros que votaram no caso — nos gabinetes de Ellen Gracie e Gilmar Mendes foi atendido por assessores. "Muito bem atendido", ressaltou. Entregou memoriais e defendeu suas razões.


Nos encontros, percebeu, mesmo antes do julgamento, que a tese de que o refúgio faz arquivar o processo de extradição corria riscos. "Não faço prognósticos. Mas, evidentemente, faço uma contabilidade íntima. Como os ministros não dão pistas, você passar a fazer leitura corporal, facial, e com base no que conhece da Corte, faz suas apostas."


Barroso tinha para si que o placar, contrário ou favorável, seria apertado. Isso fez com que lançasse mão de outros argumentos técnicos que, na sua avaliação, davam conforto jurídico à defesa. O prazo de prescrição dos crimes, a anistia brasileira e as razões ponderáveis do refúgio eram três deles.


O advogado tinha ciência de que a discussão sobre o caráter político dos crimes seria polêmica. "Não é uma questão banal a qualificação do que seja um crime político, mas a qualificação do que seja devido processo legal é razoavelmente simples", sustenta. E este foi outro ponto técnico que usou em sua defesa. Consistia em demonstrar que seu cliente foi julgado uma segunda vez, com base em delação premiada dos membros do PAC e defendido por um advogado indicado pela organização. "Em qualquer lugar do mundo se acenderia uma luz amarela, de que ali não houve devido processo legal."


O receio de Barroso se confirmou e sua primeira tese foi derrubada pelo Supremo em novembro de 2009. Por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que o ato de refúgio do ministro da Justiça é sujeito ao controle judicial. Em consequência, acolheram o pedido de extradição do governo italiano. O advogado insistia — e ainda insiste — que se trata de um ato político, discricionário: "Com o respeito devido e merecido, o Supremo errou".


Barroso ressalva que mesmo o ato político tem de ser plausível. Ou seja, se o ministro da Justiça concede refúgio a um estrangeiro com o argumento de que seres de Marte invadiram o Brasil e tentaram abduzi-lo, o ato pode ser anulado. Por motivos óbvios. "Mas o ato embasado no fato de que, no clima que vivia a Itália no início da década de 1980, não era possível assegurar as garantias de um acusado de extrema esquerda ao devido processo legal, é bastante plausível", diz o advogado ao defender o ato do atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro.


A virada
A possibilidade, que veio a se confirmar, de perder na discussão sobre a tese de que o refúgio não poderia ser anulado pelo Supremo, fez com que Luís Roberto Barroso, antes do julgamento, se dedicasse a uma nova frente de batalha. O advogado trabalhou para manter a jurisprudência da Corte de que a última palavra em extradição é do presidente da República.


Havia o receio de que o tribunal mudaria sua posição tradicional também nesse quesito. Assim, no julgamento de 2009, eram duas as preocupações da defesa. Não perder por um placar muito elástico na extradição e resguardar a competência do presidente da República para que ele pudesse ratificar, com base em outros fundamentos, a posição do ministro Tarso Genro.


Nesse ponto, Barroso venceu. Pelo mesmo placar de cinco a quatro, o STF manteve a competência presidencial e abriu o caminho para a vitória final do advogado na última quarta-feira (8/6). Um placar elástico pela nulidade do refúgio e em favor da extradição colocaria o presidente em uma situação politicamente difícil para negar a entrega de Battisti diante do Supremo.


Efetivamente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou seus fundamentos ao decidir não entregar Battisti para a Itália. Tarso fundou sua decisão do refúgio na falta de devido processo legal na Justiça italiana. Lula se baseou na animosidade demonstrada pelos italianos em relação a Battisti.


O êxito se deveu também à mudança de foco da defesa no curso do processo. Quando Barroso sentiu que não seria capaz de mudar a percepção pública sobre Battisti, partiu para a batalha em torno da autonomia do chefe de Estado para conduzir suas relações internacionais. Nesta autonomia, incluem-se decisões sobre extradição.


"As pessoas já tinham a sua opinião formada e nós não tínhamos espaço na imprensa para reconstruir a imagem do Cesare. A tal ponto que quando saiu o parecer do procurador-geral da República da época, Antonio Fernando de Souza, segundo o qual a concessão de refúgio extinguia o processo de extradição, nós não conseguimos que isso fosse noticiado em nenhum órgão da grande imprensa", lembra Barroso.


Mais do que isso. O advogado explicou para mais de um jornalista importante que tratar Battisti como terrorista era incorreto pelo fato de que ele nunca havia sido acusado ou condenado por terrorismo nos processos italianos. Ouvia como resposta que o termo seria usado por conta da linha editorial do órgão. Barroso lamenta: "Desculpe-me, mas isso não é uma questão de linha editorial. Isso é um fato. É ou não é. No caso, não é".


De qualquer forma, depois de ganhar no quesito competência do presidente da República, o advogado foi a campo. Sem muitos contatos políticos, marcou audiências com autoridades do Planalto pelos meios convencionais e, exatamente como fez com os ministros do Supremo, defendeu suas convicções e entregou memoriais com sua versão e defesa do caso. Falou com o então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, com o ministro da Justiça Luís Paulo Barreto e com o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.


A tarefa não foi simples. Barroso teve como adversário Nabor Bulhões, um dos mais respeitados advogados do país, em defesa da Itália, além de dois ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal: Carlos Velloso, que emitiu parecer em favor da extradição, e Francisco Rezek, que deu declarações públicas em apoio ao pleito italiano.


Depois da passagem pelos gabinetes, a defesa de Battisti, e o próprio, tiveram um longo período para exercitar a virtude da paciência. O trabalho estava feito e era necessário apenas esperar. Mais de um ano depois da primeira decisão do STF sobre o caso, no último dia de seu segundo mandato, em 31 de dezembro de 2010, o presidente Lula decidiu não entregar Battisti à Itália.


Luís Roberto Barroso logo entrou com pedido de liberdade no Supremo. Com o ato de Lula e a decisão da Corte que mantinha sua competência, a defesa alegou que restava apenas libertar Cesare Battisti. Não foi o que entendeu o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. A Corte ainda analisaria se o presidente havia cumprido os limites do tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália.


O governo italiano também recorreu pedindo que Battisti não fosse solto até nova manifestação do STF e alegou que Lula havia descumprido a decisão do tribunal. Ganhou a primeira e perdeu a segunda.


Battisti ficou preso até o novo julgamento, na última quarta-feira, cinco meses depois do ato de Lula. Mas os ministros decidiram, por seis votos a três, que é legal o ato do ex-presidente, que negou a extradição de Battisti pedida pelo governo da Itália. Mais: que o governo italiano sequer poderia ter contestado o ato, por uma questão de soberania nacional. Ou seja, um Estado estrangeiro não pode contestar, no Supremo, um ato do chefe do Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional.


O Supremo também fixou que, depois que a Corte determina a extradição, a decisão de entregar ou não o cidadão que o Estado estrangeiro pede ao Brasil é discricionária. Ou seja, cabe apenas ao presidente da República decidir e o Judiciário não pode rever a decisão. Exatamente a tese que Barroso abraçou logo após perder o debate sobre o refúgio.


Para o bem da verdade, Barroso teve um bom reforço em seu trabalho. Os dois pareceres da Procuradoria-Geral da República que vieram ao encontro de sua tese e os quatro advogados de sua equipe que se dedicaram com afinco ao caso, principalmente no último semestre, por conta de sua estadia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, como professor visitante. Em seu blog, o advogado faz referência aos profissionais: Eduardo Mendonça, Renata Saraiva e Carmen Tiburcio, que trabalharam sob a coordenação de Ana Paula de Barcellos.


Contato pessoal
Paralelamente à batalha jurídica, coube a Barroso também o papel de conselheiro de Cesare Battisti. Depois de conversar com o italiano pela primeira vez e aceitar defendê-lo, sua orientação inicial foi que ele parasse de escrever cartas para as mais variadas pessoas, como sempre fazia. Também pediu que não concedesse entrevistas.


A ideia era fazer uma defesa técnica e evitar discussões pela imprensa. A parte das entrevistas foi simples de cumprir. O difícil para Battisti, preso, era parar de escrever as cartas. Barroso sugeriu: "Continue a escrever, mas mande as cartas para mim". Foi o que ele fez. Com isso, o advogado guarda uma rica e histórica correspondência.


No final de 2009, quando Battisti decidiu fazer greve de fome, Luís Roberto Barroso foi até a Papuda tentar demovê-lo da ideia. Foi franco. "Não posso viver sua vida e tenho de respeitar suas decisões, mas se você tivesse me perguntado, teria dito que não deveria fazer isso", disse-lhe o advogado.


Dias depois, o presidente Lula declarou que não se sentia pressionado pela greve de fome. Barroso voltou ao presídio. "Cesare, a única pessoa que pode decidir seu destino não se comoverá com essa greve de fome. Pense bem antes de continuar com isso", aconselhou.


O advogado recebeu, depois, a notícia de que Battisti havia encerrado seu protesto. Para se certificar, foi até a Papuda com uma caixa de biscoitos caseiros, feitos por sua sogra. Perguntou se ele tinha, de fato, encerrado a greve de fome. Ao receber a resposta afirmativa, Barroso emendou, para se certificar da decisão: "Então, prove um desses biscoitos." Battisti provou.


Os dois últimos conselhos de Barroso a Battisti foram dados já na madrugada de quinta-feira (9/6), pouco antes de o italiano deixar o presídio de carro junto com Luiz Eduardo Greenhalgh. Primeiro, pediu que ele espere um pouco antes de dar entrevistas, que se recomponha, retome sua vida, reveja sua família e, só então, fale. Segundo, que não critique qualquer das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o seu caso. "Olhe para frente e não cultive ressentimentos."

Barroso faz questão de destacar que nutre grande respeito e admiração por todos os ministros do Supremo, inclusive por Cezar Peluso, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, que votaram contra suas teses. "Mesmo quando me vi no dever de criticar o presidente do Supremo porque ele decidiu não libertar o Cesare, fiz a contragosto, porque achei que ele acabou por fazer prevalecer sua posição, que era vencida no julgamento. Mas, às vezes, as pessoas estão em lados opostos", disse.

Apesar da obsessão por procurar limitar seus argumentos ao campo técnico-jurídico em suas ações, Barroso confessa que escolhe as boas causas também com o coração: "Hoje, mais do que quando eu era mais jovem e a vida mais difícil, posso escolher com algum conforto de que lado eu quero estar".

Para ele, o advogado não deve fazer juízos morais. Se o profissional se comporta eticamente e dentro da lei, não importa qual é a acusação contra o seu cliente. Mas, como qualquer pessoa, pode fazer juízos políticos internos para escolher seu campo de batalha.


Se no lugar de Cesare Battisti estivesse um agente das ditaduras latino-americanas acusado de tortura, nas mesmas condições, com o argumento de que foi condenado sem o devido processo legal, o advogado Luís Roberto Barroso o defenderia? "Acho que meu coração não bateria por ele. O que não significa que o direito dele não fosse necessariamente um bom direito. Mas gosto muito de uma frase do Julio Cortázar: 'Eu sei onde tenho o coração e por quem ele bate'."

Por Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur

sábado, 11 de junho de 2011

A Fonte do Direito são as Sogras dos Juízes

Warat, um argentino baiano
Quando vejo todas essas manifestações de estudantes aprovados em vestibular, a exemplo de cabeças raspadas, trotes os mais diversos e comemorações em família, penso imediatamente também na minha chegada à faculdade de Direito, em 1980. No meu primeiro dia de aula, um “veterano” se
fez passar por professor e nos mandou tomar nota das expressões mais esdrúxulas. Na aula verdadeira, um professor sisudo, terno bem cortado e sempre abotoado, falou-nos sobre a grandeza da “ciência do Direito” e algo parecido com “ubi societas, ibi jus”, ou seja, nós não tínhamos mais saída: onde houvesse sociedade organizada, inevitavelmente haveria o Direito.

Os primeiros assuntos aprendidos estavam sempre relacionados à grandiosidade do Direito na sociedade e na eloquência de sua linguagem. Aquele tal professor sisudo nos embeveceu por algumas aulas discursando sobre o tópico “terminologia jurídica”. Uma glória! A bibliografia recomendada tinha os títulos mais grandiosos que um curso universitário pode ter: notas introdutórias, compêndio, manual, curso disto e daquilo… Mas, na verdade, o que nos fascinava mesmo eram os códigos! Sonhávamos com o dia em que seríamos “obrigados” a trazer os códigos para a aula. Aqueles livros grossos, letrinhas pequenas, papel bíblia e capas com tipos dourados eram quase um fetiche.

As disciplinas propedêuticas passaram despercebidas. Queríamos estudar as leis. Saber os crimes e as penas, sucessões, casamento, contratos, obrigações, direitos trabalhistas… Depois de algum tempo apareceram alguns livros da turma de juristas do Rio Grande Sul, Santa Catarina e Brasília. Eram discussões sobre o Direito Alternativo, a Nova Escola Jurídica e o Direito Achado na Rua. Foram leituras inquietantes e nos despertaram para a possibilidade de um uso “alternativo” ao Direito que estávamos estudando, mas não nos incitava, ainda, para a possibilidade de um “novo” Direito.

Saí da faculdade em 1984 e logo em seguida, ainda em crise com o Direito, buscando sempre novidades, embora fazendo uma advocacia de “combate”, como defendia Roberto Lyra Filho, fiquei encantado com o título de um livro: A Ciência Jurídica e seus dois maridos. Daí, seguiram-se outros mais instigantes ainda: Manifesto do Surrealismo Jurídico, O amor tomado pelo amor, Por quien cantam las sirenas, Surfando na pororoca etc. E o autor desses livros? O argentino mais baiano e brasileiro chamado Luis Alberto Warat.

Muito mais do que títulos invocados, os livros e textos de Warat nos convidava a pensar o Direito de forma diferente. Enfim, era a primeira vez que pensávamos o Direito para além do mero estudo e aplicação das leis. E mais: para além da aplicação alternativa da lei, ou contra a lei, como defendia o Direito Alternativo, agora tínhamos a oportunidade de questionar o que até então conhecíamos como Direito, ou seja, uma ciência baseada apenas na norma. Além disso, para nosso deleite, Warat criticava com força o ensino jurídico do qual nos todos éramos vítimas. Enfim, um ensino jurídico que não nos permitia a transgressão, pois “é difícil perder-se”, como dizia Warat.

No Manifesto do Surrealismo Jurídico, por exemplo, Warat resume assim a diferença entre a pedagogia tradicional e a pedagogia surrealista: “a pedagogia tradicional, baseada na angústia da perda, é um instrumento de controle apoiado no sufocamento da imaginação criativa. Nessa forma de ensino, toda criatividade será castigada. Na pedagogia surrealista isso não acontece. Nela o fundamental será o desenvolvimento da criatividade, dos afetos e dos sonhos.” Em seguida, provoca os professores: “O professor precisa ajudar o aprendiz existencial a transformar o saber num sonho criativo e não deixa-lo com a passividade de uma vaca olhando o trem passar.” A sala de aula, no delírio surreal de Warat, seria “convertida num espetáculo sem passarela. Um lugar onde não existisse mais separação entre a voz do mestre e os ouvidos anestesiados dos alunos. Todos protagonizando a compreensão de seus vínculos com a vida, no plural do fantástico.”

Em “A Ciência Jurídica e seus dois maridos”, Warat se utiliza do romance do Jorge Amado para discutir as “máscaras” do trio famoso (Dona Flor, Vadinho e Teodoro) e desafia os juristas: “Poderão os juristas, como dona Flor, construir uma máscara de Vadinho que incite sua criatividade, que lhes provoque um ardente aspiração à extrema liberdade das ideias? Poderão proteger a criatividade mais que a propriedade”?. É também nesta obra que Warat discute a proposta de “carnavalização”. Em resumo, segundo Warat, “a metáfora do carnaval pode ajudar a entender que não há mais uma autoridade incontestável, fiadora do poder e do saber; ou se você prefere, na democracia não se pode mais aceitar o princípio de um suposto possuidor do sentido da lei, do sentido último do poder e do conhecimento social”.

Finalmente, nesta caminhada de crítica ao ensino jurídico, ao discurso jurídico e ao normativismo, Warat termina despertando, em que lhe compreende, uma relação de amor e ódio ao que conhecemos como Direito ou Ciência Jurídica. O sentimento é de amor quando traduzimos o Direito como garantia da liberdade, do “plural dos desejos”, da possibilidade de emancipação e que se realiza na alteridade, na mediação; de outro lado, o sentimento é de ódio quando o Direito é simplificado no normativismo castrador de todas as possibilidades criativas e a serviço da opressão.

Ano passado, (2010), no livro “A rua grita Dionísio! - Filosofia Surrealista e Direitos Humanos, Warat retoma críticas antigas ao ensino jurídico, aos ressurgimentos do tipo “neoconstitucionalismo” e ao Direito baseado no normativismo. Diz Warat: “Os juristas pretenderam sair, escapar da bárbarie criando seu barroco particular: o normativismo. Geraram um grande boato com pretensões de universalidade, que reforçou ideologicamente os esforços codificadores, servindo ao mesmo tempo de enlace ilusório para criar um efeito de identificação entre as normas e o Estado. O normativismo se estendeu até cobrir com suas crenças a própria ideia de Estado. [...] Este fato se deve ao conjunto de crenças normativistas, os lugares comuns do senso comum teórico dos juristas. Um senso comum que apresenta graves ingenuidades epistêmicas escondidas, que não se fazem visíveis porque estão recobertas por um sofisticado jogo de idealizações, abstrações ou universalizações que garantem a fuga dos juristas até o paraíso conceitual.”

A “Rua grita Dionísio!” é um texto denso e repleto das inquietações de Warat. No Capítulo III, por exemplo, Warat crítica a teoria dos Direitos Humanos a partir de uma perspectiva “exclusivamente normativista” e propõe “pensar os Direitos Humanos como uma concepção emergente do Direito, uma concepção do Direito e a partir daí começar a produzir, a deixar que o novo tenha sua vez”. Nesse mesmo texto Warat nos apresenta o que seria um primeiro esboço de Direitos de Alteridade. Em suas palavras, “uma listagem que me surgiu automaticamente e que pode ser alterada com variadas combinações”. O primeiro desses onze direitos esboçados por Warat seria o “direito a não estar só”, o segundo é o “direito ao amor” e o último é o “direito à própria velocidade, à lentidão”.

Por fim, para justificar também o título dessa comunicação, conversando com Marta Gama e Eduardo Rocha, talvez em uma de suas últimas conversas registradas, Warat detona definitivamente o dogmatismo, o Direito baseado no normativismo e o mito da imparcialidade do Juiz, aprofundando ainda mais em mim a relação de amor e ódio com o Direito:

-No seu entendimento os juízes conseguem ser imparciais? Os profissionais do Direito conseguem ser imparciais?

Eles devem ser imparciais?

- Não, eles não devem.

Há uma questão: se vamos modificar a história de que o juiz é aquele que decide, a imparcialidade perde o sentido. Porque no fundo o problema não é a imparcialidade e sim a arbitrariedade. A sensibilidade permite ao juiz tomar a consciência de que não deve ser insensível. A imparcialidade significa tomar distância e eu creio que estamos buscando através do trabalho de sensibilização implicar o juiz no conflito e não afastá-lo. (http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2010/12/marta-gama-e-eduardo-rocha-entrevistam.html).

Não se assustem meus amiguinhos que estão iniciando agora sua relação com o Direito. Os conflitos e as dúvidas estão começando agora. Muitas ainda virão e com mais intensidade ainda. Isto é bom. Significa, sobretudo, que resolvemos nos apaixonar por um desafio: decifra-me ou devoro-te. Aliás, como disse Warat na entrevista concedida a Marta e Eduardo, antes de resolver nossos conflitos com o Direito, “nós temos que inventar um sentido para nossas vidas.”
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Obras citadas: Warat, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. Santa Cruz do Sul: Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985

. _____, Manifesto do Surrealismo Jurídico. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988.

_____, A Rua grita Dionísio! Direitos Humanos da alteridade, Surrealismo e Cartografia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010

Por Gerivaldo Alves Neiva
Blog: http://gerivaldoneiva.blogspot.com/
Fonte: Judiciário e sociedade

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Remição de pena para preso que estudar é aprovada

Incentivo à Educação
O plenário do Senado Federal aprovou, na quarta-feira (8/6), o projeto que prevê a remição da pena do preso que estudar. Como a proposta já foi aprovada na Câmara dos Deputados, segue para sanção da presidente Dilma Rousseff.

Para o Ministério da Justiça, a proposta insere mais um mecanismo de reintegração social dos apenados e inova ao estender o benefício para os presos em regime aberto e em liberdade provisória.


Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, mostram que dos 496 mil presos do país, apenas 40 mil fazem alguma atividade educacional. Do total de presos, 25 mil são analfabetos e somente 1,8 mil presos possuem ensino superior completo.

O projeto prevê que presos provisórios ou condenados cumprindo pena em regime aberto, semiaberto, fechado ou que estejam em liberdade condicional possam ter a pena reduzida se estudarem. A proposta é deduzir um dia da pena a cada 12 horas de frequência escolar no ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou de requalificação profissional.

A conclusão do curso dará direito ao acréscimo de 1/3 nos dias a serem remidos, exceto nos níveis profissionalizante e de requalificação profissional. Se cometer alguma infração, o preso poderá ser punido com a perda de parte do benefício.

A Lei de Execução Penal já prevê a redução da um dia da pena a cada três dias de trabalho. Uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (súmula n° 341) também havia firmado o entendimento de que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto".


Por Ministério da Justiça
Fonte: ConJur

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Criminalidade pode aumentar com novas exigências

Reflexão
Em linhas gerais, a Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, que entrará em vigor 60 dias após a data de sua publicação oficial, esta aos 5 de maio de 2011, trata da prisão preventiva, prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares.

Quanto à prisão preventiva, objeto dos presentes comentários, somente terá cabimento em hipóteses restritas , desde que não caiba nenhuma medida cautelar diversa desta prisão, a saber:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (artigo 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica.

Ainda, além dos requisitos até então exigidos pela legislação para a decretação da prisão preventiva, exige-se que o crime praticado seja doloso e tenha pena de reclusão ou detenção máxima acima de quatro anos, também cabendo em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares e, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, cabe a prisão preventiva para garantir a execução das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha ( Lei 11.340/2006 ).

E, por derradeiro, também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

E as exigências não param por aí.

Com efeito, se a prisão preventiva tiver mesmo que ser decretada, poderá (entenda-se “deverá”, pois se trata de benefício do réu) ser substituída por prisão domiciliar (esta sendo o recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial ) nos casos do(a) réu(é) : I - maior de 80 anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7o mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Outrossim, o juiz somente poderá decretar a prisão preventiva “ex officio” no curso da ação penal, “id est”, somente depois de oferecida a denúncia “stricto sensu”, ficando proibida a decretação da prisão preventiva pelo juiz , sem provocação da Autoridade Policial ou do membro do Ministério Público, na fase de inquérito policial ( entenda-se “antes do oferecimento da denúncia”, ato que inaugura o curso da ação penal ).

Concluindo, de uma vez por todas privilegia-se, “apertis verbis”, o princípio da excepcionalidade da prisão cautelar, restando, esta, em hipóteses restritas e na impossibilidade de sua substituição por medida menos drástica e também de índole cautelar e, quanto aos resultados, somente o tempo dirá se a prisão cautelar deve ser mesmo excepcional ou se a criminalidade aumentará com tanta exigência para aquela prisão.

Tudo, sempre, “ad referendum” dos Doutos.

Por Décio Luiz José Rodrigues
Fonte: ConJur

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Se réu tem direito a semiaberto, não pode ficar preso

Medida benéfica
Na falta de presídio que permita o cumprimento da pena em regime semiaberto, preso deve ficar no regime aberto ou em prisão domiciliar. Esse foi o entendimento da 6ª Turma do STJ, ao conceder Habeas Corpus a um preso beneficiado com a progressão para o regime semiaberto, que continua em regime fechado por falta de local para cumprimento da pena mais branda.

Os ministros determinaram que ele seja imediatamente transferido para um estabelecimento compatível com regime semiaberto ou, na falta de vaga, que aguarde em regime aberto ou prisão domiciliar. "Constitui ilegalidade submetê-lo, ainda que por pouco tempo, a local apropriado a presos em regime mais gravoso, em razão da falta de vaga em estabelecimento adequado", explicou o ministro Og Fernandes, relator do HC.

O preso foi condenado por homicídio duplamente qualificado. Ele obteve a progressão prisional em outubro de 2010, e deverá cumprir pena até outubro de 2012. Até o julgamento do HC pelo STJ, ele continuava recolhido em regime fechado na Penitenciária de Paraguaçu Paulista (SP), por falta de vaga no regime semiaberto.

A Justiça paulista havia negado o HC por entender que a falta de vagas no regime semiaberto, "embora injustificável por caracterizar eventual desídia estatal", não poderia justificar uma "precipitada e temerária soltura de condenados". Contudo, o STJ considera que a manutenção da prisão em regime fechado nessas condições configura constrangimento ilegal.

Fonte: STJ

sexta-feira, 3 de junho de 2011

STF relativiza coisa julgada e permite nova ação de investigação de paternidade

A última fronteira
Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (02), conceder a um jovem de Brasília o direito de voltar a pleitear de seu suposto pai a realização de exame de DNA, depois que um primeiro processo de investigação de paternidade foi extinto na Justiça de primeira instância do Distrito Federal porque a mãe do então menor não tinha condições de custear esse exame.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 363889, que foi suspenso em 7 de abril passado por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Naquele momento do julgamento, o relator, ministro José Antonio Dias Toffoli, havia dado provimento ao RE para afastar o óbice da coisa julgada (a sentença já havia transitado em julgado) e determinar o seguimento do processo de investigação de paternidade na Justiça de primeiro grau do Distrito Federal, depois que o Tribunal de Justiça competente (TJDFT) havia extinto a ação.

O caso
Uma ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, proposta em 1989 pelo autor da ação, por intermédio de sua mãe, foi julgada improcedente, por insuficiência de provas. A defesa alega que a mãe, então beneficiária de assistência judiciária gratuita, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA para efeito de comprovação de paternidade. Alega, também, que o suposto pai não negou a paternidade. E lembra que o juiz da causa, ao extinguir o processo, lamentou, na época, que não houvesse previsão legal para o Poder Público custear o exame.

Posteriormente, sobreveio uma lei prevendo o financiamento do exame de DNA, sendo proposta nova ação de investigação de paternidade. O juiz de primeiro grau saneou o processo transitado em julgado e reiniciou a investigação pleiteada. Entretanto, o Tribunal de Justiça acolheu recurso de agravo de instrumento interposto pela defesa do suposto pai, sob o argumento preliminar de que se tratava de coisa já julgada, e determinou a extinção do processo. É dessa decisão que o autor do processo e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios recorreram ao STF.

No julgamento desta quinta-feira (02), o ministro Joaquim Barbosa observou que, entrementes, o Tribunal de Justiça do DF já mudou sua orientação e já admitiu a reabertura de um processo semelhante de investigação de paternidade.

Repercussão geral e verdade real
No início da discussão do recurso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a repercussão geral* do tema, porém restringindo sua abrangência a casos específicos de investigação de paternidade como este em discussão, sem generalizá-la.

Na discussão sobre o reconhecimento da repercussão geral, a Corte decidiu relativizar a tese da intangibilidade da coisa julgada, ao cotejar o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que prevê que lei não poderá prejudicar a coisa julgada, com o direito à verdade real, isto é, o direito do filho de saber quem é seu pai. Esse entendimento prevaleceu, também, entre os ministros do STF, nos debates que se travaram em torno do assunto, em abril e hoje, à luz de diversos dispositivos constitucionais que refletem a inspiração da Constituição Federal (CF) nos princípios da dignidade da pessoa humana.

Entre tais artigos estão o artigo 1º, inciso III; o artigo 5º e os artigos 226, que trata da família, e 227. Este dispõe, em seu caput (cabeça), que é dever da família, da sociedade e do Estado, dar assistência e proporcionar dignidade humana aos filhos. E, em seu parágrafo 6º, proíbe discriminação entre filhos havidos ou não do casamento. Foi também esse entendimento que levou o ministro Dias Toffoli a proferir seu voto, favorável à reabertura do caso, dando precedência ao princípio da dignidade da pessoa humana sobre o aspecto processual referente à coisa julgada.

Voto-vista
Ao trazer, hoje, a julgamento do Plenário o seu voto-vista, o ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator, pelo direito do jovem de pleitear a realização de novo exame de DNA. Para isso ele aplicou a técnica da ponderação de direitos, cotejando princípios constitucionais antagônicos, como os da intangibilidade da coisa julgada e, por outro lado, o da dignidade da pessoa humana, no caso presente, envolvendo o direito do jovem de saber quem é seu pai. Ele optou pela precedência deste último princípio, observando que ele é núcleo central da Constituição Federal (CF) de 1988.

Votos
No mesmo sentido do voto condutor, do relator, ministro Dias Toffoli, manifestaram-se, também, os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ayres Britto.

A ministra Cármen Lúcia entendeu que, neste caso, a decisão por falta de provas já sinaliza que não pode ser considerada imutável a coisa julgada – a decisão de primeiro grau. Ao defender o prosseguimento do processo de investigação de paternidade, ela lembrou que o Pacto de San José da Costa Rica prevê o direito do ser humano a conhecer sua história e suas origens. Entre o princípio da segurança jurídica e os princípios da dignidade da pessoa humana, ela optou por esta segunda.
Em seu voto, também acompanhando o do relator, o ministro Ricardo Lewandowski observou que o Estado não cumpriu sua obrigação de dar assistência judiciária e integral e gratuita ao menor, no primeiro processo representado por sua mãe. Por isso, cabe agora suprir esta lacuna.

Ele lembrou ademais que, na doutrina, já se fala hoje até do direito fundamental à informação genética, que já teria sido adotado pela Suprema Corte da Alemanha. Acompanhando essa corrente, o ministro Ayres Britto observou que o direito à identidade genealógica “é superlativo” e se insere nos princípios da dignidade da pessoa humana, à qual também ele deu precedência. No mesmo sentido se pronunciou o ministro Gilmar Mendes, ao também defender o direito à identidade.

Divergência
O ministro Marco Aurélio e o presidente da Suprema Corte, ministro Cezar Peluso, votaram pelo desprovimento do recurso. “Há mais coragem em ser justo parecendo injusto, do que em ser injusto para salvaguardar as aparências de justiça”, disse o ministro Marco Aurélio, ao abrir a divergência. Segundo ele, “o efeito prático desta decisão (de hoje) será nenhum, porque o demandado (suposto pai) não pode ser obrigado a fazer o exame de DNA”. Isso porque, segundo ele, a negativa de realizar o exame não levará à presunção absoluta de que é verdadeiramente o pai.

Segundo o ministro, a Lei 8.560/92, no seu artigo 2-A, decorrente da Lei 12.004/2009 (que regula a paternidade de filhos havidos fora do casamento), prevê que, na ação de paternidade, todos os meios de prova são legítimos. Ainda de acordo com o ministro, a negativa de realizar o exame gerará presunção de paternidade, mas também esta terá de ser apreciada no contexto probatório. E, em tal caso, há grande possibilidade de o resultado ser negativo.

Segundo ele, cabe aplicar a regra do artigo 468 do Código de Processo Civil, que torna a coisa julgada insuscetível de modificação, salvo casos que excetua. Entre eles, está a ação rescisória, possível quando proposta no prazo de até dois anos do trânsito em julgado da sentença. No caso hoje julgado, segundo ele, já transcorreram mais de dez anos. Então, a revisão não é possível.


Último a votar, também para desprover o recurso, o ministro Cezar Peluso disse que se sente à vontade ao contrariar a maioria, porque foi por 8 anos juiz de direito de família e atuou pelo dobro do tempo na Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).


Entretanto, observou, no caso hoje julgado “está em jogo um dos fundamentos da convivência civilizada e da vida digna”. Ao lembrar que se colocou a coisa julgada em confronto com outros princípios constitucionais, aos quais a maioria deu precedência, ele disse que “a coisa julgada é o princípio da certeza, a própria ética do direito”. “O direito não está na verdade, mas na segurança”, disse ele, citando um jurista italiano. “Ninguém consegue viver sem segurança”, afirmou.


Ele observou, neste contexto, que o direito à liberdade é um dos princípios fundamentais consagrados na Constituição. Portanto, no entender dele, a se levar ao extremo a decisão de hoje, nenhuma sentença condenatória em direito penal, por exemplo, será definitiva, já que, por se tratar de um princípio fundamental dos mais importantes, ele sempre comportará recurso da condenação, mesmo que transitada em julgado.


“Incontáveis ações envolvem direitos fundamentais, que obedecem princípios consagrados na Constituição”, afirmou o ministro, lembrando que, mesmo assim, não se vem propondo a desconstituição das decisões nelas proferidas.

Cezar Peluso lembrou que o autor do Recurso Extraordinário julgado hoje propôs várias ações e, nelas apresentou testemunhas, assim como o fez a parte contrária. E em várias delas, desistiu. “Não lhe foi negado o direito de produzir provas. Elas, por si só, poderiam levar o juiz a decidir”, afirmou.


Também o ministro Cezar Peluso considera que a decisão de hoje terá pouco efeito prático, já que hoje o Estado é obrigado a custear o exame de DNA, e nenhum juiz deixará de determinar a sua realização.

“Por tudo isso, eu tenho respeito quase absoluto à coisa julgada”, conclui o ministro Cezar Peluso, lembrando que, no direito romano, “res iudicata” – coisa julgada – era uma instituição jurídica vital, de coisa julgada que não podia ser revista. “E, sem isso, é impossível viver com segurança”, afirmou. Segundo o ministro, o suposto pai do autor do RE também tem direito à dignidade da pessoa humana. E esse benefício não lhe está sendo concedido, já que vem sendo perseguido há 29 anos por ações de investigação de paternidade, que podem ter repercussão profunda em sua vida privada.

Fonte: STF