quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Juízes de Marrocos integram órgão máximo da Justiça

Constituição do Marrocos
A África é realidade complexa que não pode ser redutoramente unificada. O continente vive processo assustador de desumanização, marcado por marginalizações, apartheids tecnológicos, Estados predatórios, confrontos por identidades étnicas. Por conta do fundamentalismo islâmico, não obstante as formulações múltiplas protagonizadas pelas instituições islâmicas, há tendência de se excluir o Magrebe, o norte da África de fala compulsória francesa, do contexto africano, como resultado de influências maometanas e do posterior imperialismo francês e que redundaram em impulso revolucionário que agita historicamente o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia.

Independente desde 1956, o Marrocos tem história que se confunde com os movimentos recentes de descolonização afro-asiática que marcaram os anos posteriores à Segunda Guerra mundial, ao lado da bipolarização que tomou conta da Guerra Fria.

O contato com a cultura e religião islâmicas, comportamentos normativos autênticos, relativos a normatividade realista, centrado na Sharía, e seus naturais reflexos na concepção de um Estado Muçulmano moderno, marcam modelo político contemporâneo híbrido, típico de realidade marcada pela diversidade, e que se vê sufocada e ameaçada por modelos importados e por transposições jurídicas. É desse Estado contemporâneo que trato agora.

O Reino do Marrocos é definido constitucionalmente como um Estado Muçulmano Soberano cuja língua oficial é o árabe. Indica-se que o território do país faz parte do Grande Magreb Árabe. Tem como objetivo a realização da unidade africana, na medida em que se coloca como Estado africano. O Reino do Marrocos, por meio do preâmbulo de sua constituição, subscreve princípios, direitos e obrigações resultantes dos compromissos internacionais, vinculando-se também à defesa de direitos humanos, da forma como se encontram universalmente reconhecidos. O Reino do Marrocos afirma empenho em lutar pela paz e pela segurança mundiais.

O Marrocos define-se como monarquia constitucional, democrática e social. Decreta-se que a soberania pertence à Nação, que a exerce diretamente por meio de referendo e indiretamente por intermédio das instituições previstas na constituição. Proíbe-se o monopartidarismo. Partidos políticos, sindicatos, conselhos locais e associações profissionais participam na organização do Estado e na representação dos cidadãos. Indica-se que a lei é a suprema expressão do desejo da Nação. Escreveu-se que todos devem se submeter à vontade da lei. Proíbem-se leis com efeitos retroativos. Todos os marroquinos exercem direitos de igualdade em face da lei.

A religião islâmica é oficial. Garante-se a todos os muçulmanos a liberdade de culto. A constituição do Marrocos prevê um mote para o país: Deus, Pátria, Rei. Homens e mulheres detêm direitos políticos homogêneos. Todos os cidadãos de ambos os sexos são eleitores, exigindo-se apenas idade legal, além do pleno exercício dos direitos civis e políticos.

O texto constitucional do Marrocos prescreve liberdade de movimento e possibilidade de se estabelecer em qualquer ponto do país. Garante-se a liberdade de opinião, de expressão e de reunião, de organização e de filiação sindical. Proíbe-se que a lei estabeleça limites para o exercício dessas liberdades previstas pela constituição. Veda-se a prisão e a punição, exceto nos casos previstos em lei. Tem-se o domicílio como asilo inviolável. Proíbem-se buscas, diligências e inspeções, a menos que exista previsão legal específica. Consignou-se o sigilo de correspondência.

Determinou-se que a todos os cidadãos são garantidos o acesso às funções e empregos públicos, à educação e ao trabalho. Garante-se o direito de greve. Lei orgânica determina condições e formas para o exercício desse direito. Prescreveu-se o direito de propriedade, cuja extensão e condições podem ser limitadas no interesse econômico e social. Medidas de desapropriação exigem prévia identificação por lei.

De todos se exige contribuição para a defesa da pátria. Ainda, em nicho tributário, determinou-se que todos devem contribuir para os gastos públicos, na medida da capacidade econômica, na forma determinada por lei. Consagraram-se princípios de capacidade contributiva e de legalidade tributária. Também se exige que todos contribuam para eventuais custos decorrentes de calamidade pública.

O Rei é o supremo representante da nação. É símbolo da unidade do país, garantia da permanência e da continuidade do Estado, garantidor da perenidade da religião e da constituição. É o protetor dos direitos e liberdades dos cidadãos, dos grupos sociais e das coletividades. Garante também a independência da Nação e a integridade territorial do reino em relação a suas fronteiras autênticas, adjetivo eloquente adotado pela constituição do Marrocos.

A coroa do Marrocos é hereditária. Direitos constitucionais também são hereditários. Esses direitos são transmitidos de pai para filho, em linha masculina descendente do Rei Hassan II, a menos que o Rei, ao longo de sua vida, designe entre seus herdeiros um sucessor que não seja o filho mais velho. Na inexistência de descendentes masculinos diretos, o trono é outorgado ao parente colateral masculino mais próximo, sob as mesmas condições. A maioridade do Rei é atingida aos dezesseis anos. Um conselho de regentes exerce os poderes inerentes ao trono, com exceção de prerrogativas de revisão constitucional. Esse conselho é liderado pelo juiz presidente da Suprema Corte, e é composto por autoridades civis e religiosas nomeadas pessoalmente pelo Rei; esse último é assessorado pelo conselho. Uma lei orgânica prevê e disciplina o funcionamento do referido conselho.

O Rei detém apanágios não extensivos aos demais cidadãos. O texto constitucional do Marrocos nomina o Rei de inviolável e sagrado. O Rei indica o primeiro-ministro. Por proposta desse último, o Rei aponta os demais membros do governo. O conselho de ministros é presidido pelo Rei. O Rei promulga as leis passados 30 dias da comunicação de que a norma foi aprovada. Ao Rei também se autoriza dissolver a câmara de representantes. O Rei pode dirigir-se à câmara de representantes e à nação; o conteúdo de suas comunicações não pode ser sujeito a nenhuma forma de debate. O Rei indica juízes, exerce o poder de perdoar e pode decretar estado de emergência.

O Rei exerce por decreto os poderes que lhe são especificamente outorgados pela constituição do Marrocos. O Rei é o supremo comandante das forças armadas reais do Marrocos. É ele quem indica o pessoal militar e civil, podendo delegar tal função. Ao Rei compete também nomear embaixadores do país para representação em outros países e nas organizações internacionais. É o Rei quem assina e ratifica tratados internacionais. No entanto, tratados relativos a finanças do Estado dependem de ratificação ou de aprovação prévia da câmara de representantes. Os tratados que provoquem conflitos com a constituição do Marrocos são aprovados guardando-se os mesmos procedimentos exigidos para reforma constitucional.

Os membros da câmara dos representantes devem os respectivos mandatos à Nação. O poder de voto é pessoal e não pode ser delegado em hipótese alguma. Nenhum membro da câmara de representantes pode ser preso ou julgado por delitos de opinião, exceto quando se manifeste em relação ao sistema monárquico, à religião muçulmana e quando falte com respeito para com o Rei. Os debates na câmara são públicos e minutas são publicadas na gazeta oficial. O mandato tem prazo de seis anos. A iniciativa legislativa pertence ao primeiro-ministro, e também aos representantes do legislativo. O executivo pode expressar objeção a qualquer proposta ou emenda que não esteja em seu campo de competência legislativa. Nesse caso, um conselho constitucional decide em oito dias, a partir do requerimento da câmara ou do próprio governo. Durante recesso parlamentar o governo está autorizado a outorgar decretos-lei, que serão considerados e aprovados pela câmara, quando do retorno do referido recesso.

A expressão governo, nos termos da constituição do Marrocos, refere-se ao primeiro-ministro e demais membros do ministério. O governo é responsável perante o Rei e a câmara de representantes. Após nomeação do governo pelo Rei, o primeiro-ministro deve apresentar programa de ação, sujeito a debate junto à câmara de representantes. O primeiro-ministro chefia o Poder Executivo, podendo delegar para seus ministros parcela dos poderes que recebe com sua nomeação. O Rei tem poder para dissolver a câmara de representantes, depois de ouvir o presidente do conselho constitucional. Uma nova câmara deve ser eleita e composta dentro de três meses da aludida dissolução.

O conselho constitucional conta com quatro membros escolhidos pelo Rei, por um período de seis anos. Conta também com quatro membros nomeados pelo mesmo período pelo presidente da câmara de representantes. O Rei ainda indica o presidente do conselho, que confere número par ao colégio anunciado. Lei orgânica identifica os contornos e o funcionamento do conselho.

O Poder Judiciário é independente dos Poderes Legislativo e Executivo. As sentenças são confeccionadas e aplicadas em nome do Rei. Um conselho superior de magistratura indica os nomes dos juízes que serão escolhidos pelo Rei. A inamovibilidade é característica do juiz marroquino. O conselho superior de magistratura é presidido pelo Rei e composto pelo ministro da Justiça (que é o vice-presidente do conselho), pelo presidente da corte suprema e por representantes da magistratura de primeiro grau, eleitos entre seus pares. O referido conselho supervisiona o comportamento dos magistrados, no que toca, especialmente, à disciplina dos mesmos. A Corte Suprema do Marrocos conta com número de membros definido por lei ordinária, que também especifica a forma como tais juízes são eleitos.

A constituição do Marrocos prevê um conselho econômico e social, a quem cabe assessorar o governo, respondendo consultas, especialmente com referência a tendências e características da economia do país.

A revisão constitucional decorre de iniciativa do Rei ou da Câmara de Representantes. O Rei, no entanto, pode imediatamente submeter a referendo projeto de revisão que tenha iniciado. A revisão exige, para sua aprovação, da concordância de dois terços dos membros da câmara de representantes. O referendo torna definitiva a revisão constitucional. Veda-se reforma constitucional que se refira à forma monárquica de Estado e à religião islâmica.

Tem-se constituição de feição ocidentalizante, em contexto islâmico, que se desenvolve em solo africano, sob influência histórica de recente presença europeia, em ambiente globalizado, desenhando-se instituições exógenas, oriundas de vários nichos e consequentemente pouco eficientes nas circunstâncias presentes.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

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