Tantas vezes esquecido em sua terra natal, o ex-presidente da República Epitácio Pessoa foi alvo, recentemente, de três homenagens que lustram algumas das suas muitas conquistas jurídicas e diplomáticas e contribuem para a melhor compreensão da dimensão do legado do paraibano que ocupou o Palácio do Catete entre 1919 e 1922.
A primeira homenagem, dedicada a relembrar e celebrar o Epitácio Pessoa jurista, foi o recente lançamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de um volume da série Memória Jurisprudencial inteiramente dedicado aos votos, decisões e acórdãos do ex-presidente da República quando de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal, como ministro da Corte, entre 1902 e 1912. O livro, organizado por Mauro Almeida Noleto, assinala que, embora tendo apenas 36 anos ao ser nomeado para o STF, é notável “o protagonismo do Ministro Epitácio Pessoa na formação da jurisprudência do STF durante aquela primeira e decisiva década do século XX”. Segundo Noleto, é de se registrar que o cargo de ministro do STF representa, para a grande maioria de seus ocupantes, o ponto mais alto ou o ponto final de uma carreira jurídica exitosa, contudo, o mesmo não se aplica ao caso de Pessoa, que chegou ao Tribunal antes dos quarenta anos, manteve destacada atuação na Corte e, depois, ainda viria a ser senador da República pela Paraíba, chefe da delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, em 1919, presidente da República e juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional de Haia, na Holanda.
Aliás, é precisamente essa destacada experiência internacional de Pessoa o tema da segunda homenagem que, também recentemente, lhe foi dedicada: a prestigiosa editora inglesa Haus Publishing acaba de lançar o perfil Epitácio Pessoa: Brazil, dentro da sua coleção Makers of the Modern World, em que escrutina o importante mas pouco divulgado papel de Pessoa na Conferência de Versalhes, após o final da I Guerra Mundial. O livro, resultado de uma extensa pesquisa elaborada pelo historiador e jornalista inglês Michael Streeter, menciona que graças ao talento diplomático de Pessoa, definido como um “jurista brilhante e eurófilo”, o Brasil garantiu um assento na principal mesa de negociações da Conferência, ao lado de figuras de grande relevância política como o presidente americano Woodrow Wilson, o primeiro ministro francês Georges Clemenceau e o chanceler britânico Lloyd George, tendo obtido importantes vitórias para o país, como a manutenção da posse de 46 navios alemães confiscados no Brasil em 1917 — para que a Alemanha parasse de torpedear embarcações brasileiras — e o reconhecimento, pela Alemanha, de uma dívida da venda de café, apreendido em portos europeus durante a guerra, como os de Hamburgo, Bremem, Antuérpia e Trieste.
O bom trânsito de Pessoa com as potências que haviam vencido a I Guerra, e com quem dialogara em Versalhes, fez com que, durante a sua presidência, o Brasil implementasse, pela primeira vez na sua história, uma política externa verdadeiramente transatlântica, adquirindo uma relevância nunca antes vista no cenário internacional. Essa sua política externa alcançou especial sucesso quando os EUA foram obrigados a deixar a Liga das Nações, em 1920, uma vez que o seu Senado não ratificara o Tratado de Versalhes, e o Brasil se viu na condição de único país americano no Conselho da Liga, ainda que como membro rotativo, tornando-se uma espécie de porta-voz de todo o continente naquela organização internacional antecessora da ONU. Nas entrelinhas do texto de Michael Streeter, fica claro que foi graças à habilidade diplomática de Pessoa que o Brasil passou, pela primeira vez, a ter algum reconhecimento e voz no cenário internacional. Tanto assim que foi durante o mandato presidencial de Pessoa que, pela primeira vez, governantes estrangeiros se interessaram em vir visitar oficialmente o país, até então pouco conhecido.
Há algumas semanas, li na imprensa econômica especializada que uma delegação composta de autoridades e empresários da Bélgica, presidida pelo príncipe Phillipe, filho mais velho e herdeiro do rei Alberto II, admitiu em São Paulo a inclusão do Brasil como futuro destino de investimentos belgas nas áreas de farmacoquímicos e infraestrutura de logística, como portos e aeroportos. Ao ler essa notícia, não pude deixar de lembrar que foi há 90 anos, em setembro de 1920, que Epitácio Pessoa recebeu precisamente a visita do então rei dos belgas Alberto I, bisavô do Príncipe Philliphe, que passeou pelo Brasil durante quase um mês, acompanhado da rainha Elizabeth, a convite oficial do mais global dos paraibanos. Não seria de todo ingênuo supor que as recordações domésticas do príncipe belga, legadas do bisavô conhecido como “o rei alpinista”, podem certamente ter contribuído para essa decisão. Não por acaso, na passagem por São Paulo, um dos compromissos dessa missão econômica e comercial belga que esteve no Brasil no mês passado foi justamente inaugurar a exposição Visita da Família Real Belga ao Brasil – 1920, em exibição no Museu de Arte Brasileira da FAAP entre 18 de maio a 18 de julho. Pela terceira vez, em tão pouco tempo, se faz justiça ao relevante legado de Epitácio Pessoa, desta feita com essa interessante exposição que reúne fotografias e documentos de coleções brasileiras e belgas, da visita feita pelo rei Alberto, da rainha Elisabeth e do príncipe Leopoldo, em 1920, ao Rio de Janeiro, Teresópolis, Petrópolis, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Ribeirão Preto e Santos.
Em 17 de maio passado, na sequência de um encontro de cúpula realizado em Madrid, a União Europeia e os países do Mercosul decidiram retomar as negociações para um arrojado acordo de livre comércio entre os dois blocos, iniciadas em 1999, mas paralisadas desde 2004. Nesse quadro, não poderia chegar em melhor hora a notícia dessa reaproximação bilateral do Brasil com a Bélgica, centro de poder e diplomacia do poderoso bloco europeu, na sequência dos passos pioneiros de Epitácio Pessoa.
Por Marcílio Toscano Franca Filho
Fonte: Conjur
A primeira homenagem, dedicada a relembrar e celebrar o Epitácio Pessoa jurista, foi o recente lançamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de um volume da série Memória Jurisprudencial inteiramente dedicado aos votos, decisões e acórdãos do ex-presidente da República quando de sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal, como ministro da Corte, entre 1902 e 1912. O livro, organizado por Mauro Almeida Noleto, assinala que, embora tendo apenas 36 anos ao ser nomeado para o STF, é notável “o protagonismo do Ministro Epitácio Pessoa na formação da jurisprudência do STF durante aquela primeira e decisiva década do século XX”. Segundo Noleto, é de se registrar que o cargo de ministro do STF representa, para a grande maioria de seus ocupantes, o ponto mais alto ou o ponto final de uma carreira jurídica exitosa, contudo, o mesmo não se aplica ao caso de Pessoa, que chegou ao Tribunal antes dos quarenta anos, manteve destacada atuação na Corte e, depois, ainda viria a ser senador da República pela Paraíba, chefe da delegação brasileira na Conferência de Paz de Versalhes, em 1919, presidente da República e juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional de Haia, na Holanda.
Aliás, é precisamente essa destacada experiência internacional de Pessoa o tema da segunda homenagem que, também recentemente, lhe foi dedicada: a prestigiosa editora inglesa Haus Publishing acaba de lançar o perfil Epitácio Pessoa: Brazil, dentro da sua coleção Makers of the Modern World, em que escrutina o importante mas pouco divulgado papel de Pessoa na Conferência de Versalhes, após o final da I Guerra Mundial. O livro, resultado de uma extensa pesquisa elaborada pelo historiador e jornalista inglês Michael Streeter, menciona que graças ao talento diplomático de Pessoa, definido como um “jurista brilhante e eurófilo”, o Brasil garantiu um assento na principal mesa de negociações da Conferência, ao lado de figuras de grande relevância política como o presidente americano Woodrow Wilson, o primeiro ministro francês Georges Clemenceau e o chanceler britânico Lloyd George, tendo obtido importantes vitórias para o país, como a manutenção da posse de 46 navios alemães confiscados no Brasil em 1917 — para que a Alemanha parasse de torpedear embarcações brasileiras — e o reconhecimento, pela Alemanha, de uma dívida da venda de café, apreendido em portos europeus durante a guerra, como os de Hamburgo, Bremem, Antuérpia e Trieste.
O bom trânsito de Pessoa com as potências que haviam vencido a I Guerra, e com quem dialogara em Versalhes, fez com que, durante a sua presidência, o Brasil implementasse, pela primeira vez na sua história, uma política externa verdadeiramente transatlântica, adquirindo uma relevância nunca antes vista no cenário internacional. Essa sua política externa alcançou especial sucesso quando os EUA foram obrigados a deixar a Liga das Nações, em 1920, uma vez que o seu Senado não ratificara o Tratado de Versalhes, e o Brasil se viu na condição de único país americano no Conselho da Liga, ainda que como membro rotativo, tornando-se uma espécie de porta-voz de todo o continente naquela organização internacional antecessora da ONU. Nas entrelinhas do texto de Michael Streeter, fica claro que foi graças à habilidade diplomática de Pessoa que o Brasil passou, pela primeira vez, a ter algum reconhecimento e voz no cenário internacional. Tanto assim que foi durante o mandato presidencial de Pessoa que, pela primeira vez, governantes estrangeiros se interessaram em vir visitar oficialmente o país, até então pouco conhecido.
Há algumas semanas, li na imprensa econômica especializada que uma delegação composta de autoridades e empresários da Bélgica, presidida pelo príncipe Phillipe, filho mais velho e herdeiro do rei Alberto II, admitiu em São Paulo a inclusão do Brasil como futuro destino de investimentos belgas nas áreas de farmacoquímicos e infraestrutura de logística, como portos e aeroportos. Ao ler essa notícia, não pude deixar de lembrar que foi há 90 anos, em setembro de 1920, que Epitácio Pessoa recebeu precisamente a visita do então rei dos belgas Alberto I, bisavô do Príncipe Philliphe, que passeou pelo Brasil durante quase um mês, acompanhado da rainha Elizabeth, a convite oficial do mais global dos paraibanos. Não seria de todo ingênuo supor que as recordações domésticas do príncipe belga, legadas do bisavô conhecido como “o rei alpinista”, podem certamente ter contribuído para essa decisão. Não por acaso, na passagem por São Paulo, um dos compromissos dessa missão econômica e comercial belga que esteve no Brasil no mês passado foi justamente inaugurar a exposição Visita da Família Real Belga ao Brasil – 1920, em exibição no Museu de Arte Brasileira da FAAP entre 18 de maio a 18 de julho. Pela terceira vez, em tão pouco tempo, se faz justiça ao relevante legado de Epitácio Pessoa, desta feita com essa interessante exposição que reúne fotografias e documentos de coleções brasileiras e belgas, da visita feita pelo rei Alberto, da rainha Elisabeth e do príncipe Leopoldo, em 1920, ao Rio de Janeiro, Teresópolis, Petrópolis, Belo Horizonte, Ouro Preto, São Paulo, Ribeirão Preto e Santos.
Em 17 de maio passado, na sequência de um encontro de cúpula realizado em Madrid, a União Europeia e os países do Mercosul decidiram retomar as negociações para um arrojado acordo de livre comércio entre os dois blocos, iniciadas em 1999, mas paralisadas desde 2004. Nesse quadro, não poderia chegar em melhor hora a notícia dessa reaproximação bilateral do Brasil com a Bélgica, centro de poder e diplomacia do poderoso bloco europeu, na sequência dos passos pioneiros de Epitácio Pessoa.
Por Marcílio Toscano Franca Filho
Fonte: Conjur
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