Adequação
Não há como escapar à sensação de que, ante a evidente ineficiência do sistema de contenção ao crime, é indispensável reforma urgente da legislação abrigada nos códigos Penal e Processual Penal. Como também urge mudanças profundas no funcionamento do aparelho judicial. As modificações até agora implementadas sob impulso de ideias admitidas como modernizadoras não se revelaram hábeis, pelo menos quanto à aplicação equilibrada das disciplinas punitivas. Por igual, não produziram avanço nenhum no tocante aos compromissos assumidos com a ONU sobre o respeito aos direitos humanos.
O Brasil, signatário do Pacto de San José da Costa Rica, é réu na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em pelo menos trinta processos, sobretudo por maus-tratos à população carcerária. Enjaulam-se seres humanos como feras, de regra em ambientes infectos. Só como exceção há espaço superior a um metro quadrado para cada um mover-se e respirar. É o que ocorreu, por exemplo, em Vitória (ES), com a detenção em contêneires de infratores flagrados pela polícia.
Mas, se falham os controles sobre abusos da espécie, outras disfunções da mesma intensidade, embora em lado oposto, agravam os modelos da prevenção e repressão criminais. O caso do estupro e assassinato de seis jovens em Luziânia (GO) é emblemático. O autor da monstruosidade, diagnosticado como psicopata, distúrbio de personalidade irreversível, jamais poderia merecer o benefício da progressão penal, no caso para gozo do regime aberto. A liberação nem sequer deveria ter sido permitida com a ressalva da vigilância e assistência psicológica do beneficiado, como foi proposta e não cumprida. A psiquiatria forense, segundo autorizados especialistas, se firma no pressuposto de que a psicopatologia é incurável.
Sempre que eventos da espécie traumatizam o país, logo despontam pressões da opinião pública para a que a lei se torne mais rigorosa. Leis mais severas, na maioria das vezes, não suscitam declínio na atividade criminosa. Todavia, o episódio trágico de Luziânia colocou em cena o problema da progressão da pena. A Constituição (art. 5°, XLIII) elencou a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia. Nas mesmas restrições incluiu os crimes hediondos.
A Lei n° 8.072/90 capitulou como crimes hediondos, assim inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia, o homicídio qualificado, o latrocínio, o atentado violento ao puder e a extorsão mediante sequestro, entre outros. O Supremo Tribunal Federal (STF) estampou na lei o lacre da inconstitucionalidade. Um dos efeitos da decisão foi abrir aos condenados por crimes hediondos a aplicação da progressão penal. Tais criminosos passaram a ter direito ao regime semiaberto depois de cumprirem um sexto do confinamento na cadeia. O Congresso reduziu o abrandamento mediante elevação para o mínimo de dois quintos (e três quintos para reincidentes) a custódia prisional de estupradores, torturadores, genocidas e traficantes. Para os demais delitos, permanece a liberação do sentenciado quando completar um sexto da sanção aplicada. A lei consagra a indulgência, quando deveria apenas ser justa.
Da tragédia de Luziânia se extrai lição com dois capítulos sintomáticos de situação calamitosa. De um lado, vê-se que o encadeamento dos atos para avaliação do sistema progressivo não funciona. De outro, a possibilidade de alguém condenado a 30 anos de reclusão, devido à prática de crimes brutais, ser despachado para a liberdade depois de seis anos nas grades. Não parecem necessárias outras abordagens à questão para se concluir pela ingência de reforma urgente e profunda na legislação penal. Sem ignorar providências de igual premência para criar instituições prisionais mais atentas à proteção dos direitos humanos.
Por Josemar Dantas
Fonte: Direito & Justiça
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