Em suma, somos todos criadores do Direito, e o juiz, à luz da mais avançada hermenêutica, se bem souber aproveitá-la, só aplica a lei injusta se quiser, podendo, em todas as hipóteses, considerá-la inconstitucional.
(Resumo do livro “A substancial inconstitucionalidade da lei injusta”, de Juarez de Freitas.)
O problema da injustiça das leis torna-se, não raro, central, mormente quando é intenso o contraste entre os valores do ordenamento jurídico positivo e o sentimento de justiça preponderante na sociedade, a qual é – ou deveria ser – epistemologicamente, a fonte jurídica por excelência. [...]
Por outra parte, não se podem aceitar os sofismas e as falácias que, durante séculos, fizeram da lei, ou da idéia de lei, um instrumento exterior ao homem, alheio ao seu íntimo consentimento. O correto é sustentar que a lei, quando rechaçada pela maioria da população, sobretudo pelos espíritos mais desinteressados, é a tal ponto despótica que falecem seus atributos de lei ou se os infirmam parcialmente, por não conseguir ser uma imagem física da lei social. [...]
Cabe ao jurista, neste caso, alicerçando sua postura nos princípios gerais do direito, opor-se a lei que, por iníqua, contrarie tais princípios, os quais garantam a juridicidade ético-política do próprio sistema. [...]
Assim, é preciso que o julgamento do “jurídico”, como todos os riscos que tal idéia implica, não mais se divorcie do problema ético da justiça, fazendo-se com que o Poder Judiciário, assumido como Poder, deixe de ser um mero aplicador do Direito Positivo para ser o garantidor dos princípios da justiça. [...]
O Direito deve, bem compreendido, buscar o prudente, o razoável, tendo-se em vista que seus juízos não são apodíticos ou dogmáticos. Por isso, se quisermos fazer evoluir o Direito, dele, um a um, devemos afugentar todos os dogmas. [...]
O Direito não é, como querem os formalistas, tão somente reino da necessidade. O Direito é o reino da liberdade e da necessidade. Uma e outra se constituem mutuamente. Não pode assim o julgador, de modo simplório, operar exclusivamente com silogismos, pois, se é verdade que este é instrumento útil de que se vale o entendimento, no campo jurídico é de todo desaconselhável abstrairmo-nos da interpretação e da dinamicidade das coisas, pois, em abstraindo-nos, estaremos renunciando ao irrenunciáveis poderes éticos do juiz. [...]
O intérprete precisa pôr-se a caminho do bom senso e da coragem, valendo-se do método integrativo, oposto ao exegetismo positivista, para declarar inconstitucional até mesmo aquele mandamento inserido na própria Constituição que contrariar os princípios políticos e democráticos que ministram ao sistema jurídico a eficácia real e oferecem à Constituição o seu fundamento. O intérprete Constitucional deve, por conseguinte, ligar-se á concretude da existência. [...]
Nesta ótica, a hermenêutica dialética prioriza a relação humana, concreta, superiormente à relações formais, como meio de impedir que as partes processuais sejam tratadas ou reduzidas à condição de coisas, o que é o oposto de qualquer expressão de justiça. [...]
Assim, a tarefa do intérprete é buscar um sentido justo das normas jurídicas, as quais, como normas de conduta, sempre possuem duas facetas: uma justa, outra injusta. Os intérpretes, conscientes desta dialeticidade, mormente os aplicadores do ordenamento jurídico, devem exercer uma hermenêutica recriadora do sentido da norma de Direito Positivo, adequando-a, quando possível, à sua função social...
Apenas reiteramos que o Direito é aquilo que a sociedade e a jurisprudência dizem que o é, sendo todos os silogismos aplicados à decisão judicial de caráter dinâmico-político, daí resultando os efeitos integrativos e criativos em todas as sentenças. [...]
Necessita, portanto, o juiz de uma intuição especial, vale dizer, de consciência clara de sua experiência criativa ou de uma capacidade de juízo que lhe permita afastar a lei injusta, a despeito do mito ingênuo e ideológico da “vontade da lei”, ou da “vontade do legislador” (as quais jamais são unívocas), percebendo o universal no concreto. Caso contrário, o juiz raciocinará no vazio e, comodamente, criará uma fronteira entre os ditames categóricos de sua razão consciencial e o seu afazer profissional, como se tal muro não fosse o muro da vergonha, erigido pelo gosto neopositivista de sacrificar a moralidade à legalidade em nome de um utilitarismo ou consequencialismo altamente comprometedores. [...]
Portanto, além de poder decidir praeter legem, o juiz pode e precisa decidir contrário à interpretação indevida de uma lei injusta, se não quiser suscitar um divórcio entre o Direito e a moral, como o sustentado por todos os positivistas que colocam em planos distintos sociedade civil e poder, Estado e realidade; o que é, a cada dia, mais inadmissível. [...]
Em suma, somos todos criadores do Direito, e o juiz, à luz da mais avançada hermenêutica, se bem souber aproveitá-la, só aplica a lei injusta se quiser, podendo, em todas as hipóteses, considerá-la inconstitucional.
FREITAS, Juarez. A substancial inconstitucionalidade da lei injusta. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989.
(Resumo elaborado por Gerivaldo Alves Neiva)
Fonte: Blog do Gerivaldo Alves Neiva
(Resumo do livro “A substancial inconstitucionalidade da lei injusta”, de Juarez de Freitas.)
O problema da injustiça das leis torna-se, não raro, central, mormente quando é intenso o contraste entre os valores do ordenamento jurídico positivo e o sentimento de justiça preponderante na sociedade, a qual é – ou deveria ser – epistemologicamente, a fonte jurídica por excelência. [...]
Por outra parte, não se podem aceitar os sofismas e as falácias que, durante séculos, fizeram da lei, ou da idéia de lei, um instrumento exterior ao homem, alheio ao seu íntimo consentimento. O correto é sustentar que a lei, quando rechaçada pela maioria da população, sobretudo pelos espíritos mais desinteressados, é a tal ponto despótica que falecem seus atributos de lei ou se os infirmam parcialmente, por não conseguir ser uma imagem física da lei social. [...]
Cabe ao jurista, neste caso, alicerçando sua postura nos princípios gerais do direito, opor-se a lei que, por iníqua, contrarie tais princípios, os quais garantam a juridicidade ético-política do próprio sistema. [...]
Assim, é preciso que o julgamento do “jurídico”, como todos os riscos que tal idéia implica, não mais se divorcie do problema ético da justiça, fazendo-se com que o Poder Judiciário, assumido como Poder, deixe de ser um mero aplicador do Direito Positivo para ser o garantidor dos princípios da justiça. [...]
O Direito deve, bem compreendido, buscar o prudente, o razoável, tendo-se em vista que seus juízos não são apodíticos ou dogmáticos. Por isso, se quisermos fazer evoluir o Direito, dele, um a um, devemos afugentar todos os dogmas. [...]
O Direito não é, como querem os formalistas, tão somente reino da necessidade. O Direito é o reino da liberdade e da necessidade. Uma e outra se constituem mutuamente. Não pode assim o julgador, de modo simplório, operar exclusivamente com silogismos, pois, se é verdade que este é instrumento útil de que se vale o entendimento, no campo jurídico é de todo desaconselhável abstrairmo-nos da interpretação e da dinamicidade das coisas, pois, em abstraindo-nos, estaremos renunciando ao irrenunciáveis poderes éticos do juiz. [...]
O intérprete precisa pôr-se a caminho do bom senso e da coragem, valendo-se do método integrativo, oposto ao exegetismo positivista, para declarar inconstitucional até mesmo aquele mandamento inserido na própria Constituição que contrariar os princípios políticos e democráticos que ministram ao sistema jurídico a eficácia real e oferecem à Constituição o seu fundamento. O intérprete Constitucional deve, por conseguinte, ligar-se á concretude da existência. [...]
Nesta ótica, a hermenêutica dialética prioriza a relação humana, concreta, superiormente à relações formais, como meio de impedir que as partes processuais sejam tratadas ou reduzidas à condição de coisas, o que é o oposto de qualquer expressão de justiça. [...]
Assim, a tarefa do intérprete é buscar um sentido justo das normas jurídicas, as quais, como normas de conduta, sempre possuem duas facetas: uma justa, outra injusta. Os intérpretes, conscientes desta dialeticidade, mormente os aplicadores do ordenamento jurídico, devem exercer uma hermenêutica recriadora do sentido da norma de Direito Positivo, adequando-a, quando possível, à sua função social...
Apenas reiteramos que o Direito é aquilo que a sociedade e a jurisprudência dizem que o é, sendo todos os silogismos aplicados à decisão judicial de caráter dinâmico-político, daí resultando os efeitos integrativos e criativos em todas as sentenças. [...]
Necessita, portanto, o juiz de uma intuição especial, vale dizer, de consciência clara de sua experiência criativa ou de uma capacidade de juízo que lhe permita afastar a lei injusta, a despeito do mito ingênuo e ideológico da “vontade da lei”, ou da “vontade do legislador” (as quais jamais são unívocas), percebendo o universal no concreto. Caso contrário, o juiz raciocinará no vazio e, comodamente, criará uma fronteira entre os ditames categóricos de sua razão consciencial e o seu afazer profissional, como se tal muro não fosse o muro da vergonha, erigido pelo gosto neopositivista de sacrificar a moralidade à legalidade em nome de um utilitarismo ou consequencialismo altamente comprometedores. [...]
Portanto, além de poder decidir praeter legem, o juiz pode e precisa decidir contrário à interpretação indevida de uma lei injusta, se não quiser suscitar um divórcio entre o Direito e a moral, como o sustentado por todos os positivistas que colocam em planos distintos sociedade civil e poder, Estado e realidade; o que é, a cada dia, mais inadmissível. [...]
Em suma, somos todos criadores do Direito, e o juiz, à luz da mais avançada hermenêutica, se bem souber aproveitá-la, só aplica a lei injusta se quiser, podendo, em todas as hipóteses, considerá-la inconstitucional.
FREITAS, Juarez. A substancial inconstitucionalidade da lei injusta. Petrópolis: Vozes; Porto Alegre: EDIPUCRS, 1989.
(Resumo elaborado por Gerivaldo Alves Neiva)
Fonte: Blog do Gerivaldo Alves Neiva
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