sábado, 20 de novembro de 2010

A audiência única no processo penal

Doutrina
No ano de 2008, foram editadas as Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, que instituíram profundas modificações, respectivamente, no Tribunal do Júri, no regime de provas do processo penal e no procedimento penal ordinário. Com pouco mais de um ano da Reforma Processual Penal, intensas discussões têm sido travadas sobre a interpretação dessas novas disposições. No meio acadêmico, discute-se se o propósito da Reforma de modernizar o processo penal, tornando-o célere, não traz o risco de sacrifício aos postulados do devido processo legal e da ampla defesa. Nos tribunais, o dia-a-dia das varas criminais tem originado uma série de discussões sobre a aplicabilidade de dispositivos das novas leis.

Um dos institutos que mais tem sido objeto de debates é a audiência única. A nova audiência, antes cindida em três sessões distintas, passou a compreender a realização de toda a instrução processual, a realização de alegações finais orais pelas partes e o proferimento de sentença em audiência. Em razão dessa abrangência, a audiência única tem sido chamada de “superaudiência” por autores que analisaram a Reforma de 2008. A proposta de uma audiência única está diretamente vinculada ao objetivo de acelerar a tramitação dos processos criminais. Nesse contexto, a estratégia encontrada pela Lei para que o processo seja célere e, ao mesmo tempo, resguarde, ao menos formalmente, o devido processo legal e a ampla defesa, foi fortalecer a oralidade.

Para tanto, a Reforma não apenas robusteceu o emprego da palavra falada (alegações finais orais), como impôs a concentração dos atos processuais (audiência única) e instituiu o princípio da identidade da física do juiz (o juiz que acompanha a instrução profere a sentença). Somente com a confluência desses três elementos resguarda-se a oralidade. Por outro lado, qualquer transgressão, ainda que tênue, a tais requisitos, ocasiona uma quebra irreparável da oralidade. Pelo fato de a cisão da instrução e a substituição de juízes serem bastante comuns no cotidiano das varas criminais, a aplicação do rito da audiência única tem gerado situações. Os Tribunais têm se deparado com situações em que as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa impõem a inovação do procedimento da audiência única. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT decidiu, recentemente, em habeas corpus impetrado pelo Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília – NPJ/UnB (habeas corpus nº 2009.00.2.002622-7), que, na hipótese de realização de diversas audiências, presididas por diversos juízos diferentes, deve ser oportunizado às partes o oferecimento de alegações finais escritas – ainda que a Lei preveja de modo diverso, pelo fato de as alegações finais orais não se mostrarem suficientes para o resguardo da ampla defesa. É que, no caso de quebra da oralidade, as atas de audiência e os demais atos documentados tornam a ser a principal fonte informativa do processo, o que impõe, por conseqüência, o emprego da linguagem escrita por todos os atores envolvidos.

Em outro julgado, também de iniciativa do NPJ/UnB (habeas corpus nº 2009.00.2.005529-1), o TJDFT entendeu que a cisão da audiência – comum por razões práticas - pode ser
determinada também se estiverem sob perigo garantias constitucionais. Foi o que ocorreu na hipótese analisada pela Corte, em que o acusado, por ser morador de rua, não foi localizado por seus advogados dativos antes do oferecimento da defesa preliminar (momento em que são indicadas as testemunhas). O Tribunal decidiu por resguardar o direito do acusado de indicar testemunhas para um momento posterior, ainda que a consequência disso seja a cisão da audiência: “o instituto da audiência una deve ser respeitado se garantidos os postulados de maior grandeza como a ampla defesa e o contraditório”.

Os julgados acima citados possuem, em comum, o fato de terem encontrado soluções constitucionais para dificuldades práticas na aplicação do instituto da audiência única. As decisões mencionadas fornecem um norte para a interpretação dos dinâmicos institutos da Reforma de 2008. Nas hipóteses em que a observância das novas disposições legais favorecer tão somente o projeto de celeridade e deixar de atender ao devido processo legal e à ampla defesa, adaptações são necessárias, ainda que, em algumas hipóteses, contra a literalidade da Lei.

Por Pedro Ivo
Fonte: Constituição & Democracia no. 32

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