Novos instrumentos
Dentre as novas tecnologias utilizadas como alternativas ao cumprimento de uma pena de privação de liberdade, podemos destacar o chamado monitoramento eletrônico.
Antes de estudarmos propriamente o monitoramento eletrônico, é preciso fazer as seguintes perguntas: O que se pretende, realmente, com a aplicação de uma pena de privação de liberdade? A finalidade é punir aquele que descumpriu uma norma de natureza penal? A pretensão é a de, tão somente, impedi-lo de praticar novos crimes? Temos a esperança de ressocializá-lo? A punição do condenado servirá como exemplo para que os demais membros da sociedade deixem de praticar o mesmo fato? Enfim, são perguntas que estão intimamente ligadas às funções que se atribuem às penas, vale dizer, ao caráter retributivo, bem como à sua natureza preventiva (geral e especial).
Ainda devemos nos fazer mais uma pergunta: Há necessidade de que alguém se veja inserido no sistema prisional, sendo, constantemente, atingido em sua dignidade, para que essas funções atribuídas às penas sejam verificadas? A esta última indagação, somente podemos responder negativamente.
Podemos, com a ajuda da tecnologia, fazer com que a pena, efetivamente, cumpra suas funções, sem que, para tanto, o homem seja retirado do seu meio social. Exemplo disso é o que ocorre com nossos filhos. Quando os corrigimos, não retiramos nossos filhos de casa, não os levamos a um local distante, fazendo com que fiquem isolados de seus irmãos. Na verdade, os colocamos em um lugar onde, embora dentro de sua própria casa, saberão que estarão privados de uma série de “direitos”, que lhe seriam naturais caso não tivessem desobedecido a seus pais.
O castigo, mesmo dentro de casa, funciona. Se retirássemos nossos filhos e os levássemos para um local fora do seu ambiente familiar, isso certamente os traumatizaria. É o que acontece com os presos que são retirados do seu meio social, e levados a conviver com pessoas estranhas, hostis, sem falar no fato de que passam a se isolar de seus familiares.
A tecnologia é o presente. Ela já chegou e está à disposição de todos, para inúmeras finalidades. A cada dia se descobre algo novo, uma evolução que, certamente, deverá ser utilizada pelo Sistema Penal.
Juan José González Rus preleciona, com precisão, que através desse fantástico desenvolvimento tecnológico, principalmente a eletrônica e a informática permitem que sejam levadas a efeitos formas de vigilância extensivas e intensivas até então desconhecidas, permitindo, dessa forma, controles que podem ser exercidos sobre todas as pessoas de uma forma geral, ou, ainda, especificamente, sobre um determinado grupo. No que diz respeito especificamente ao sistema penal, dentre essas técnicas, a mais desenvolvida diz respeito à custódia em domicílio sob vigilância eletrônica, que teve um grande desenvolvimento teórico e prático, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, cuja aplicação, hoje generalizada, pode determinar conseqüências relevantes sobre as técnicas de controle social e penal.
O monitoramento eletrônico foi criado com a finalidade de fazer com que o condenado não fosse retirado, abruptamente, do seu meio social. Muitos dos seus direitos, como acontece com nossos filhos durante a sua correção, passam a ser limitados. No entanto, o convívio em sociedade ainda permanece. Não é dessocializado, mas sim educado a não praticar o ato que o levou a ter suspensos alguns desses direitos.
Dentre as novas tecnologias utilizadas como alternativas ao cumprimento de uma pena de privação de liberdade, podemos destacar o chamado monitoramento eletrônico.
Antes de estudarmos propriamente o monitoramento eletrônico, é preciso fazer as seguintes perguntas: O que se pretende, realmente, com a aplicação de uma pena de privação de liberdade? A finalidade é punir aquele que descumpriu uma norma de natureza penal? A pretensão é a de, tão somente, impedi-lo de praticar novos crimes? Temos a esperança de ressocializá-lo? A punição do condenado servirá como exemplo para que os demais membros da sociedade deixem de praticar o mesmo fato? Enfim, são perguntas que estão intimamente ligadas às funções que se atribuem às penas, vale dizer, ao caráter retributivo, bem como à sua natureza preventiva (geral e especial).
Ainda devemos nos fazer mais uma pergunta: Há necessidade de que alguém se veja inserido no sistema prisional, sendo, constantemente, atingido em sua dignidade, para que essas funções atribuídas às penas sejam verificadas? A esta última indagação, somente podemos responder negativamente.
Podemos, com a ajuda da tecnologia, fazer com que a pena, efetivamente, cumpra suas funções, sem que, para tanto, o homem seja retirado do seu meio social. Exemplo disso é o que ocorre com nossos filhos. Quando os corrigimos, não retiramos nossos filhos de casa, não os levamos a um local distante, fazendo com que fiquem isolados de seus irmãos. Na verdade, os colocamos em um lugar onde, embora dentro de sua própria casa, saberão que estarão privados de uma série de “direitos”, que lhe seriam naturais caso não tivessem desobedecido a seus pais.
O castigo, mesmo dentro de casa, funciona. Se retirássemos nossos filhos e os levássemos para um local fora do seu ambiente familiar, isso certamente os traumatizaria. É o que acontece com os presos que são retirados do seu meio social, e levados a conviver com pessoas estranhas, hostis, sem falar no fato de que passam a se isolar de seus familiares.
A tecnologia é o presente. Ela já chegou e está à disposição de todos, para inúmeras finalidades. A cada dia se descobre algo novo, uma evolução que, certamente, deverá ser utilizada pelo Sistema Penal.
Juan José González Rus preleciona, com precisão, que através desse fantástico desenvolvimento tecnológico, principalmente a eletrônica e a informática permitem que sejam levadas a efeitos formas de vigilância extensivas e intensivas até então desconhecidas, permitindo, dessa forma, controles que podem ser exercidos sobre todas as pessoas de uma forma geral, ou, ainda, especificamente, sobre um determinado grupo. No que diz respeito especificamente ao sistema penal, dentre essas técnicas, a mais desenvolvida diz respeito à custódia em domicílio sob vigilância eletrônica, que teve um grande desenvolvimento teórico e prático, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, cuja aplicação, hoje generalizada, pode determinar conseqüências relevantes sobre as técnicas de controle social e penal.
O monitoramento eletrônico foi criado com a finalidade de fazer com que o condenado não fosse retirado, abruptamente, do seu meio social. Muitos dos seus direitos, como acontece com nossos filhos durante a sua correção, passam a ser limitados. No entanto, o convívio em sociedade ainda permanece. Não é dessocializado, mas sim educado a não praticar o ato que o levou a ter suspensos alguns desses direitos.
Conforme preleciona Edmundo Oliveira:
“a partir de suas primeiras experiências na América do Norte, no início dos anos 80, até sua operacionalização na Europa, no meado dos anos 90, o monitoramento eletrônico é louvado por suas propriedades singulares de individualização da pena (Laville &Lameyre, 2003, PP 370-374). Ele evita os efeitos nefastos da dessocialização do encarceramento – principalmente para os delinqüentes primários – e facilita a manutenção dos elos familiares e o exercício de uma atividade profissional. Esse sistema permite, também, diminuir a taxa de ocupação nos estabelecimentos penitenciários, acolhendo réus e condenados, à pequenas ou médias penas, a um custo bem menor. A prisão domiciliar sob monitoramento eletrônico afasta de seus beneficiários a promiscuidade e as más condições de higiene, a ociosidade e a irresponsabilidade, encontradas em tantas prisões. Trata-se de um tipo de punição que não acarreta o estigma do associado ao encarceramento, assegurando a continuação de uma vida ‘normal’ aos olhos do empregador e junto da família”.
O sistema de monitoramento eletrônico é feito através de um sinalizador GPS. Mas, o que vem a ser um GPS? GPS é um acrônimo, significando em inglês Global Positioning System e em português Sistema de Posicionamento Global. Através do GPS é possível saber a nossa localização exata no planeta. Este projeto foi iniciado há cerca de 30 anos, pelo governo dos Estados Unidos da América, mais precisamente pelo Departamento de Defesa. Foram lançados para a órbita vários satélites com o objetivo de ultrapassar as limitações dos sistemas de localização, que eram utilizados até aquele momento. O sistema foi sendo constantemente melhorado e, atualmente, conta com 24 satélites em órbita, sendo 12 localizados em cada hemisfério, e 6 estações de controle em terra .
Em que pese podermos atribuir as origens do monitoramento eletrônico aos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, que realizaram as primeiras experiências no ano de 1964, nos EUA, com dezesseis jovens reincidentes, podemos apontar o Juiz Jack Love, do Estado do Novo México, como sendo o precursor da idéia que, atualmente, vem sendo utilizada em vários países.
O mais interessante é que o Juiz Jack Love inspirou-se numa edição de Amazing Spider-Man de 1977, onde o rei do crime havia prendido um bracelete ao homem-aranha, a fim de monitorar seus passos pelas ruas de Nova York. Após ler a história, o Juiz Jack Love achou que a idéia poderia, efetivamente, ser utilizada no monitoramento de presos, razão pela qual procurou seu amigo Mike Gross, técnico em eletrônica e informática, a fim de persuadi-lo a produzir os receptores que seriam afixados nos pulsos, tal como havia visto na história em quadrinhos.
Em 1983, ou seja, aproximadamente 6 anos depois, após ter realizado, durante três semanas, testes em si mesmo com o bracelete, o Juiz Jack Love determinou o monitoramento de cinco delinqüentes na cidade de Albuquerque, a maior cidade do Estado do Novo México. Nascia, também, naquele momento, conforme nos esclarece Edmundo Oliveira, a National Incarceration Monitor and Control Services, a primeira empresa a produzir instalações eletrônicas destinadas ao controle de seres humanos.
Atualmente, existem quatro opções técnicas de monitoramento eletrônico, que podem ser adaptadas à pessoa em forma de: a) pulseira; b) tornozeleira; c) cinto; e d) microchip (implantado no corpo humano). Nas quatro hipóteses apontadas, a utilização pode ocorrer de maneira discreta, permitindo que o condenado cumpra a sua pena sem sofrer as influências nefastas do cárcere.
Por outro lado, não podemos permitir o monitoramente eletrônico em todas as infrações penais, mas tão somente naquelas em que seja viável a permanência do condenado fora da prisão.
Existem, como sabemos, casos graves que, por enquanto, requerem uma resposta mais severa por parte do Estado. Não se pode, por exemplo, permitir que chefes de organizações criminosas, membros de células terroristas, traficantes de drogas etc. permaneçam monitorados em sua própria residência, pois que, com quase toda a certeza, continuariam a praticar seus crimes, agora com o aval do próprio Estado.
No entanto, em determinadas infrações penais, que não possuam gravidade extrema, seus autores podem ficar limitados espacialmente a um local predeterminado pela Justiça Penal, sem impor-lhes a privação de liberdade dentro do sistema carcerário. Da mesma forma, poderá o monitoramento eletrônico ser utilizado, também em determinadas hipóteses, em substituição às prisões cautelares.
O sistema de monitoramento permite que os encarregados da fiscalização do cumprimento da pena do condenado/monitorado tomem conhecimento, exatamente, a respeito dos seus passos, uma vez que o sistema permite saber, com precisão, se a área delimitada está sendo obedecida.
Em caso de desobediência, isto é, se o condenado demonstrar que o sistema de monitoramento não está surtindo os efeitos esperados pela Justiça Penal, que a ele confiou essa alternativa, a solução será o seu confinamento no interior do sistema prisional.
No Brasil, depois de intensos debates, foi publicada a Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, que previu a possibilidade de fiscalização do condenado, por meio da monitoração eletrônica, somente em duas situações, vale dizer, quando for autorizada saída temporária para aquele que estiver sob o regime semiaberto, ou quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domiciliar, conforme o disposto nos incisos II e IV, do art. 146-B da Lei de Execução Penal.
Foram objeto de veto presidencial os incisos I, III e V, que, respectivamente, permitiam o juiz aplicar a monitoração eletrônica quando viesse:
I – aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;
III – aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares;
V – conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.
Justificando o parecer que pugnava pelo veto presidencial aos mencionados incisos, o Ministério da Justiça arrazoou que:
“A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.”
O art. 146-C, acrescentado à Lei de Execução Penal pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, assevera que o condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I – receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II – abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça.
Conforme o disposto no parágrafo único, do mencionado art. 146-C, a violação comprovada de qualquer um desses deveres poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: a) a regressão do regime; b) a revogação da autorização de saída temporária; c) a revogação da prisão domiciliar; d) advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas anteriores.
O art. 146-D da Lei de Execução Penal, também introduzido pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, determina, ainda que a monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I – quando se tornar desnecessária ou inadequada; II – se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.
Para que ocorra a revogação da monitoração eletrônica, deverá o julgador determinar, antes de sua decisão, a realização de uma audiência de justificação, onde serão ouvidos o acusado, devidamente assistido pelo seu defensor, e também o Ministério Público, a exemplo do que ocorre com as hipóteses previstas pelo parágrafo único do art. 146-C da Lei de Execução Penal.
O julgador, quando de sua decisão, deverá analisar o conjunto de situações que o leva a crer que o monitoramento será suficiente para que a pena possa cumprir com suas funções repressivas e preventivas. Assim, os antecedentes penais, a conduta social, a personalidade do agente, a gravidade da infração, etc., deverão ser levados em consideração para efeitos de concessão da possibilidade de cumprimento de pena extra muros, via monitoramento eletrônico.
A tendência é que o monitoramento eletrônico fique cada vez mais imperceptível por outras pessoas, que não aquele que o utiliza. Quem não se recorda do tamanho inicial dos telefones celulares? Hoje, são multifuncionais, e os menores possíveis. Da mesma forma, em um futuro muito próximo, ao invés de pulseiras, tornozeleiras ou cintos, o monitoramento poderá ser levado a efeito, por exemplo, através de um aparelho contido no relógio de pulso daquele que se viu beneficiado com a sua utilização.
O microchip subcutâneo já é uma realidade, e impede qualquer visualização por parte de terceiros, podendo, inclusive, conter todas as informações necessárias relativas ao cumprimento da pena do condenado que dele se utiliza.
Enfim, chegamos à era tecnológica, e temos que utilizá-la em benefício do homem que, em um futuro próximo, verá implodir os muros das penitenciárias que, durante séculos, o aprisionaram. Esse “novo homem” do futuro olhará para trás e não acreditará que seus semelhantes, há poucos séculos, eram enjaulados como animais ferozes, tratados de forma indigna e cruel.
Embora o sistema de monitoramente eletrônico permita o cumprimento das finalidades atribuídas às penas, vale dizer, reprovar e prevenir a prática de infrações penais, parte da doutrina iniciou um movimento contra a sua utilização, conforme esclarece Luzón Peña , alegando que, primeiramente, essa modalidade de cumprimento de pena é demasiado benigna aos condenados, não possuindo, assim, o necessário efeito intimidante, característico da teoria retributiva. Da mesma forma, continua Luzón Peña , no que diz respeito à ressocialização, afirmam que a sanção se centra somente no controle do condenado, e dedica pouco ou mesmo nenhum esforço no seu tratamento ressocializante.
Em segundo lugar, dizem os opositores do monitoramente eletrônico, não existem estudos suficientemente amplos e rigorosos que tenham por finalidade apontar se, realmente, existe uma eficácia preventivo-especial da sanção daqueles que foram submetidos ao monitoramente eletrônico, em comparação aos condenados que cumpriram suas penas, inseridos no sistema prisional. Ou seja, para eles, não se pode dizer, com a necessária precisão, que permitir o cumprimento monitorado de pena extra muros não diminui o índice de reincidência.
Com todo o respeito que merecem os opositores do monitoramento eletrônico, não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorado fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a cumprir sua pena intra muros.
Ressalta Luzón Peña que às acusações de que o monitoramente eletrônico é por demais benigno ao condenado, além de possuir pouca ou nenhuma eficácia intimidante, tem-se rebatido com o correto argumento de que a ele são reservadas somente as infrações penais de pouca gravidade, a exemplo do que ocorre com os delitos de trânsito, subtrações patrimoniais não violentas, consumo de drogas etc. e só excepcionalmente para algum delito que preveja alguma forma de violência, como pode ocorrer com as lesões corporais. Além disso, o prognóstico que se faz do condenado lhe é favorável, ou seja, tudo leva a crer que o cumprimento da pena monitorada extra muros exercerá sobre eles os necessários efeitos, evitando-se a prática de futuras infrações penais.
Não podemos nos esquecer que, mesmo com certo grau de liberdade, temos limitada uma grande parcela desse nosso direito. Assim, por mais que, aparentemente, se mostre benigna ao condenado, ainda assim essa forma de cumprimento de pena poderá exercer sua função preventiva (geral e especial), pois que, para a sociedade, ficará demonstrado que o Estado, através do Direito Penal, cumpriu com sua missão protetiva de bens jurídicos, fazendo com que o autor da infração penal fosse por ela responsabilizado, com uma pena correspondente ao mal por ele praticado.
Conforme esclarecimentos de Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente, na maioria dos países, a prisão domiciliar com vigilância eletrônica não se contempla como medida única, senão que, com vistas à consecução de expectativas ressocializadoras, o controle telemático se insere dentro de um amplo programa de execução diário, no qual, junto à permanência obrigatória no domicílio ou em um lugar concreto, se permitem saídas predeterminadas para trabalhar ou participar de sessões de terapia, se realizam visitas não anunciadas por funcionários competentes (na parte da tarde, noite, fins de semana, dias festivos), ou com um pré-aviso de trinta minutos; o sujeito tem que submeter a uma análise de sangue, de urina ou de ar aspirado para detectar o consumo de álcool ou drogas, várias vezes por semana, praticadas por pessoal médico especializado ou conectadas ao próprio aparato de vigilância (como ocorre na Suécia), cujos resultados são recebidos informatizadamente pela rede telefônica à central.
Tecnologias de controle de primeira, segunda e terceira geração
As tecnologias de controle podem ser divididas em primeira, segunda e terceira geração.
A primeira geração de mecanismos de controle inclui o sistema ativo (vigilância eletrônica ativa) e o sistema passivo (vigilância eletrônica passiva), ainda quando se tem implantado também sistemas mistos, que combinam ambos modelos.
A vigilância eletrônica ativa, que é a mais freqüente, é, basicamente, de acordo com as lições de Juan José González Rus , integrada por três elementos, a saber: um transmissor miniatura, que é fixado ao condenado, de modo que não possa por ele ser removido, a exemplo, como dissemos anteriormente, das pulseiras, tornozeleiras etc., cuja finalidade é a de transmitir um sinal, permitindo a aferição do local onde se encontra; um receptor-transmissor, instalado no domicílio ou no local onde se tenha determinado que o condenado deverá permanecer submetido à vigilância, e que tem por finalidade receber o sinal do transmissor nele colocado, que envia, a seu turno, um sinal ao terceiro componente do sistema, que normalmente é um computador central conectado por via telefônica com o transmissor-receptor, que controla o processo e registra tudo o que ocorre com a vigilância, ou seja, se o condenado, efetivamente, está cumprindo com aquilo que lhe fora determinado na sentença, ou se houve algum descumprimento, a exemplo de ter saído do local permitido etc.
Através dessa vigilância eletrônica ativa, se confirma, portanto, a presença do condenado em sua casa, ou mesmo em outro local determinado pela Justiça, bem como as horas previstas para a prática de determinados comportamentos, ou, pelo contrário, sua ausência do local previamente determinado, o que, consequentemente, acarretará conseqüências a seu desfavor.
Esse controle, conforme esclarece Luzón Peña , nos Estados Unidos, é feito pelos funcionários que são encarregados do sistema de prova que, em caso de descumprimento pelo condenado, propõem as medidas punitivas correspondentes ou mesmo a aplicação de uma sanção mais dura. Além disso, também possuem a obrigação de manter um contato periódico com o condenado com a finalidade de inspecionar os dispositivos de transmissão (pulseira, tornozeleiras etc.).
Por vigilância eletrônica passiva podemos entender aquela que é levada a efeito através de um sistema aleatório de chamadas telefônicas, feitas por um computador previamente programado para isso, aos locais onde os condenados encontram-se submetidos a essa modalidade de vigilância. Nesse caso, ao ser realizada a ligação, os condenados devem atender pessoalmente ao telefone. Conforme esclarece Juan José González Rus , nesses casos, é comum que se incorpore ao aparelho telefônico um identificador de voz, evitando-se que o sistema seja burlado pelo condenado, que bem poderia pedir a alguém para que respondesse à chamada em seu lugar.
É importante frisar que tanto as chamadas quanto às respostas do condenado permanecem registradas em um sistema informático, que está programado para produzir um alerta caso venha a ocorrer qualquer incidente.
Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente aduzem que a principal vantagem do sistema passivo com controle de voz ou mecanismos digitalizados é sua menor estigmatização pública e, em certos casos, podia chegar-se a prescindir da instalação de transmissores no domicílio do vigiado. Como desvantagens se apontam a possível perturbação que as chamadas telefônicas, especialmente no horário noturno, causem ao resto dos moradores ou que o sujeito não escute a chamada por estar no banho, ouvindo música, etc.
A tecnologia de segunda geração foi implantada inicialmente nos EUA a partir do ano 2000, sendo utilizada posteriormente no Canadá e na Grã Bretanha, cujo referente europeo é o denominado sistema Galileo. O Galileo foi concebido desde o início como um projeto civil, em oposição ao GPS americano, ao GLONASS russo e ao Compass chinês, que são de origem militar, tendo várias vantagens, a exemplo da maior precisão, maior segurança e menos sujeito a problemas.
Essse sistema de segunda geração tem a capacidade não somente para controlar a permanência, em um determiado lugar, da pessoa que está sendo objeto do monitoramento, senão que, milimetricamente, detecta sua presença fora do local que havia sido delimitado, apontando, precisamente, o lugar e o horário em que esteve.
Para tanto, o vigiado deverá portar um transmissor similar ao utilizado na vigilância eletrônica ativa, que tem por finalidade enviar os dados de seus movimentos à central, fazendo com que seja disparado um alarme sempre que o vigiado se distancia do perímetro dentro do qual fora confinado.
Por último, conforme esclarecem Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente, a tecnologia de terceira geração se caracteriza porque ao controle por sistema GPS de permanência ou presença que oferecem os anteriores sistemas apontados, se agrega também a possibilidade de que a central de vigilância receba informações psicológicas, frequência de pulsações, ritmo respiratório para medir o nível de agressividade de um delinquente violento, a excitação sexual em delinquentes sexuais, cleptômanos ou psicopatas. Assim mesmo, ante qualquer descumprimento das obrigações acordadas judicialmente, algumas versões têm capacidade para realizar uma intervenção corporal direta no vigiado, por meio de descargas elétricas programadas, que repercutem diretamente no sistema nervoso central ou por meio da abertura de uma cápsula que lhe injeta um tranquilizante ou outra substância, para o caso de neuróticos agressivos, esquizofrênicos ou adeptos ao álcool.
Este drástico procedimento ainda não se implementou em prisão domiciliar com vigilância eletrônica, porque constitui um castigo físico atentatório contra a dignidade humana; por outro lado, não leva em conta distintas situações de necessidade – urgência médica, incêndio na casa, um acidente – nas quais o vigiado se vê obrigado a abandonar o lugar e a suportar injustificadamente tais descargas elétricas.
Monitoramento versus direito à intimidade
Juntamente com a utilização da tecnologia no cumprimento da pena, vieram as discussões a respeito de sua possibilidade. Como é comum quando surge uma novidade no mundo jurídico, sempre se levantam vozes contra e a favor. No caso do monitoramente eletrônico dos presos, juristas de escol começaram a defender a tese da impossibilidade de sua utilização, ao argumento de que o monitoramente levaria a uma indevida exposição do condenado, uma vez que todos saberiam que estava cumprindo pena sob essa nova modalidade de vigilância, o que atentaria contra a sua dignidade.
Assim, conforme esclarece Luzón Peña , se tem discutido sobre o fato de a vigilância eletrônica ser ou não uma intromissão excessiva e intolerável sobre os direitos fundamentais do condenado ou mesmo do preso provisório, principalmente no que diz respeito à sua dignidade, aqui representada pelo seu direito à intimidade.
Embora todo raciocínio que tente preservar a dignidade do ser humano seja louvável, não podemos nos esquecer que não existe direito absoluto, a não ser, como se afirma majoritariamente, o direito em não ser torturado ou de ser escravizado. Não podemos, ainda, agir com ingenuidade na defesa de certos princípios fundamentais, sob pena de inviabilizarmos qualquer porjeto, mesmo os benéficos à pessoa humana.
No caso do monitoramento, entendemos que, entre colocar o condenado num sistema falido que, ao invés de ressocializá-lo, fará com que retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade, com toda a certeza, será preferível o seu controle pelo Estado em algum local extra muros, previamente determinado. Esse local poderá ser a sua própria residência, ou outro qualquer, que viabilize a execução da pena, com o seu perfeito controle.
Tudo será realizado da forma mais discreta possível, ou seja, a utilização da tornozeleira, da caneleira, do cinto ou mesmo a implantação do microchip será feita de modo a não ofender a dignidade do condenado, evitando-se sua desnecessária exposição. Assim, por exemplo, seria inviável o uso de aparelhos que envolvessem o pescoço do condenado, ou mesmo algum outro que fizesse com que tivesse uma excessiva exposição.
O direito à intimidade, cuja violação se atribui à possibilidade de monitoramente, eletrônico, encontra-se no rol dos direitos da personalidade. A personalidade, a seu turno, pode ser apontada como decorrência direta do princípio da dignidade da pessoa humana, significando, resumidamente, a capacidade que tem todo ser humano de possuir direitos e de contrair obrigações.
Trata-se, segundo nosso posicionamento, de um direito inato, inerente a todo ser humano. Nos países modernos, torna-se inconcebível afirmar que alguém não tenha personalidade. No entanto, isso nem sempre foi assim. Em um passado não muito distante, os escravos, por exemplo, eram similares às coisas. Podiam ser comprados, vendidos, trocados, açoitados, enfim, eram objeto de negociação e uma ferramenta de trabalho. O mesmo aconteceu, em proporções menores, com as mulheres, que eram entendidas como uma classe intermediária entre os homens e os animais.
Existem direitos que nascem com todo ser humano, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor, religião, a exemplo do que ocorre com o direito à vida, a liberdade sexual, à integridade física, à honra, à intimidade etc., e que dele não podem ser retirados. No entanto, como já afirmamos acima, não existem direitos absolutos, mesmo os considerados personalíssimos. Cite-se, como exemplo, o direito que todas as pessoas têm à liberdade. Contudo, se o agente vier a praticar um fato passível de uma condenação a uma pena privativa de liberdade, esse seu direito cederá no caso concreto. Assim, somente poderemos considerar como absolutos os direitos à personalidade no sentido de serem oponíveis erga omnes, e não no que diz respeito à sua intangibilidade.
Embora tenhamos nos posicionado no sentido de que os direitos inerentes à personalidade sejam inatos, isto é, já nascem com todo ser humano e são antecedentes a qualquer disposição normativa, sendo, outrossim, considerados como direitos naturais, tal posição não é pacífica.
No sentido oposto à escola jusnaturalista dos direitos à personalidade encontra-se a posição entendida como positivista, que parte do pressuposto que somente haverá direito quando este for reconhecido formalmente pelo Estado, através de seus estatutos legais.
É a lei, segundo essa corrente, a encarregada de reconhecer e proteger direitos que foram selecionados através de um critério político, que vai se modificando ao longo dos anos. Novas situações vão surgindo, novos conflitos irão acontecendo, fazendo com que o legislador desperte para a existência de novos direitos, que podem ser considerados como personalíssimos.
Em que pese a força do raciocínio positivista, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento de novos direitos da personalidade, que vão surgindo de acordo com a própria evolução da sociedade, existem determinados grupos de direitos que não se pode atribuir a sua existência ao formal reconhecimento da lei, a exemplo, como já o dissemos, do direito à vida, da integridade pessoal, da honra, da intimidade etc.
Os direitos de personalidade possuem determinadas características que lhes são peculiares, que os distinguem dos demais. Além de serem considerados como absolutos, no sentido de serem oponíveis erga omnes, os direitos da personalidade gozam das características da: generalidade, extrapatrimonialidade, intransmissibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade e vitaliciedade.
Verifica-se, portanto, que, de acordo com a sua natureza, bem como com as características que lhe são peculiares, os direitos de personalidade fazem parte do rol pertencente à dignidade da pessoa humana.
Existe controvérsia doutrinária quanto ao uso das expressões direitos humanos e direitos de personalidade. Para uma primeira corrente, direitos humanos seriam aqueles positivados no texto constitucional – ou mesmo em algum outro diploma infraconstitucional – oponíveis contra o próprio Estado. Seriam, assim, utilizados como escudo contra a prepotência e o autoritarismo do Estado. Dessa forma, se amoldariam na categoria de direitos públicos. Por outro lado, direitos de personalidade seriam aqueles regulados pelo direito civil, que dizem respeito às relações entre particulares.
Como bem observado por Edson Ferreira da Silva:
“sob o aspecto do direito público, os chamados direitos humanos não reclamam simples abstenção do Estado quanto a respeitar e não praticar arbitrariedades contra os direitos fundamentais do homem. Mais do que isso, deve o Estado assegurar a todos, pelos mecanismos específicos do Direito Constitucional e do Direito Penal, o livre gozo das liberdades fundamentais. Os órgãos do Estado destinados à contenção da delinqüência e da criminalidade, à apuração de responsabilidades no âmbito penal, desempenham o papel de proteger toda a coletividade em seus interesses fundamentais de segurança e tranqüilidade, dando a todos condições para o cumprimento da natural vocação ao progresso e ao desenvolvimento.
A tutela pública é conferida em atenção ao corpo social como um todo e não a cada indivíduo em particular. Nisto reside a diferença entre tutela pública e tutela privada, entre direitos humanos e direitos privados de personalidade.
Mas não é só. Quando ganham a Constituição, como acontece modernamente, os direitos fundamentais do homem constituem restrição ao poder legislativo do Estado, porquanto as leis infraconstitucionais não poderão restringir, suprimir ou se colocar em conflito com o texto maior, sob pena de invalidade”
Hoje em dia, já não se pode mais discutir que o direito à intimidade faz parte do elenco relativo aos chamados direitos de personalidade que, conseqüentemente, dizem respeito à dignidade da pessoa humana.
As Constituições modernas, a exemplo da Brasileira, não só prevêem expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também direitos que lhe são decorrentes, como acontece com o direito à intimidade, conforme se verifica pela leitura do art. 5º, X, que diz: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A intimidade, portanto, é um direito fundamental assegurado constitucionalmente, devendo o Estado protegê-lo de todo e qualquer ataque.
Conceituar direito à intimidade não é tarefa das mais fáceis. É extremamente difícil, na verdade, não somente conceituar o que venha a ser direito à intimidade, como também traçar os seus exatos contornos, fazendo uma distinção entre o público e o privado.
São três as principais teorias que disputam o tratamento do direito à intimidade. A primeira delas, denominada de teoria objetiva, adota a chamada teoria das esferas, do direito alemão, onde podemos visualizar, figurativamente, vários círculos concêntricos, sendo que no centro se encontra aquilo que existe de mais íntimo, reservado; ao redor, a intimidade familiar; e, por último, na sua face mais externa, a área destinada à esfera pública. É claro que essa definição não é absoluta, mas sim uma mera representação teórica.
A segunda teoria, reconhecida como subjetiva, como a própria denominação está a sugerir, entende que somente a pessoa, e mais ninguém, pode determinar o que é ou não íntimo, ou seja, somente ela cabe determinar os limites entre o particular e o público.
Assim, embora seja complexa a sua definição, podemos entender como direito à intimidade aquela porção, inerente ao nosso direito de personalidade, que compete única e exclusivamente a nós, e que deve, de acordo com nossa vontade, ser subtraída do conhecimento público, ou, conforme as lições de Edson Ferreira da Silva, “o direito à intimidade deve compreender o poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa vida privada, que segundo um senso comum, detectável em cada época e lugar, interessa manter sob reserva”.
Esse direito à intimidade deve ceder no caso concreto quando estivermos diante da possibilidade de monitoramento eletrônico. Na verdade, essa limitação ao direito à intimidade é levada a efeito em benefício do próprio condenado, uma vez que, sujeitando-se ao monitoramento eletrônico, ficará livre do ambiente pernicioso do cárcere.
O sistema prisional, com toda certeza, não seria o melhor ambiente para o cumprimento da pena aplicada ao condenado, que, em muitos países da América Latina, eliminariam a sua personalidade.
Assim, por mais que tenhamos que proteger o direito à intimidade daqueles que foram condenados pela Justiça Penal, entendemos que a submissão do autor da infração penal ao monitoramento eletrônico deve ser entendida em seu benefício, mesmo que venha a causar pequenos transtornos.
Por isso é que Rodríguez-Magariños propõe a criação de um novo sistema penitenciário, onde a privação de liberdade das pessoas passe de regra geral à exceção, reservando-se, outrossim, os estabelecimentos prisionais somente para aqueles reincidentes contumazes, que praticam crimes graves, demonstrando, dessa forma, desprezo pelos direitos de seus concidadãos. Como, acertadamente, afirma o renomado autor, a “vigilância eletrônica nem é a varinha mágica nem é a panacéia, nem cobre – e menos hoje em dia – todos os desejos, mas indubitavelmente é o princípio do fim de um sistema penitenciário baseado em um axioma absurdo: encerrar, dessocializar um indivíduo para fazer dele o homem apto para viver em sociedade”.
BIBLIOGRAFIA
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – parte geral. Saraiva, 2005, 6ª edição;
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IGLESIAS RÍO, Miguel Ángel; PÉREZ PARENTE, Juan Antonio. La pena de localización permanente y su seguimiento con medios de control electrónico. Estudios jurídicos sobre la sociedad de la información y nuevas tecnologías: con motivo del XX aniversario de la Faculta de Derecho de Burgos (coord. por Santiago A. Bello Paredes, Alfonso Murillo Villar), 2005;
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MELLO, M. Cleyson; FRAGA, Telma. Direito Civil – introdução e parte geral. Niterói: Editora Impetus, 2005;
OLIVEIRA, Edmundo. Direito penal do futuro – a prisão virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007; RODRÍGUEZ-MAGARIÑOS, Faustino Gudín. Cárcel electrónica. Bases para la creación del sistema penitenciario del siglo XXI. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007;
SILVA, Edson Ferreira da. Direito à intimidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, 2ª edição.
Por Rogerio Greco
Fonte: Site oficial Rogerio Greco
“a partir de suas primeiras experiências na América do Norte, no início dos anos 80, até sua operacionalização na Europa, no meado dos anos 90, o monitoramento eletrônico é louvado por suas propriedades singulares de individualização da pena (Laville &Lameyre, 2003, PP 370-374). Ele evita os efeitos nefastos da dessocialização do encarceramento – principalmente para os delinqüentes primários – e facilita a manutenção dos elos familiares e o exercício de uma atividade profissional. Esse sistema permite, também, diminuir a taxa de ocupação nos estabelecimentos penitenciários, acolhendo réus e condenados, à pequenas ou médias penas, a um custo bem menor. A prisão domiciliar sob monitoramento eletrônico afasta de seus beneficiários a promiscuidade e as más condições de higiene, a ociosidade e a irresponsabilidade, encontradas em tantas prisões. Trata-se de um tipo de punição que não acarreta o estigma do associado ao encarceramento, assegurando a continuação de uma vida ‘normal’ aos olhos do empregador e junto da família”.
O sistema de monitoramento eletrônico é feito através de um sinalizador GPS. Mas, o que vem a ser um GPS? GPS é um acrônimo, significando em inglês Global Positioning System e em português Sistema de Posicionamento Global. Através do GPS é possível saber a nossa localização exata no planeta. Este projeto foi iniciado há cerca de 30 anos, pelo governo dos Estados Unidos da América, mais precisamente pelo Departamento de Defesa. Foram lançados para a órbita vários satélites com o objetivo de ultrapassar as limitações dos sistemas de localização, que eram utilizados até aquele momento. O sistema foi sendo constantemente melhorado e, atualmente, conta com 24 satélites em órbita, sendo 12 localizados em cada hemisfério, e 6 estações de controle em terra .
Em que pese podermos atribuir as origens do monitoramento eletrônico aos irmãos Ralph e Robert Schwitzgebel, que realizaram as primeiras experiências no ano de 1964, nos EUA, com dezesseis jovens reincidentes, podemos apontar o Juiz Jack Love, do Estado do Novo México, como sendo o precursor da idéia que, atualmente, vem sendo utilizada em vários países.
O mais interessante é que o Juiz Jack Love inspirou-se numa edição de Amazing Spider-Man de 1977, onde o rei do crime havia prendido um bracelete ao homem-aranha, a fim de monitorar seus passos pelas ruas de Nova York. Após ler a história, o Juiz Jack Love achou que a idéia poderia, efetivamente, ser utilizada no monitoramento de presos, razão pela qual procurou seu amigo Mike Gross, técnico em eletrônica e informática, a fim de persuadi-lo a produzir os receptores que seriam afixados nos pulsos, tal como havia visto na história em quadrinhos.
Em 1983, ou seja, aproximadamente 6 anos depois, após ter realizado, durante três semanas, testes em si mesmo com o bracelete, o Juiz Jack Love determinou o monitoramento de cinco delinqüentes na cidade de Albuquerque, a maior cidade do Estado do Novo México. Nascia, também, naquele momento, conforme nos esclarece Edmundo Oliveira, a National Incarceration Monitor and Control Services, a primeira empresa a produzir instalações eletrônicas destinadas ao controle de seres humanos.
Atualmente, existem quatro opções técnicas de monitoramento eletrônico, que podem ser adaptadas à pessoa em forma de: a) pulseira; b) tornozeleira; c) cinto; e d) microchip (implantado no corpo humano). Nas quatro hipóteses apontadas, a utilização pode ocorrer de maneira discreta, permitindo que o condenado cumpra a sua pena sem sofrer as influências nefastas do cárcere.
Por outro lado, não podemos permitir o monitoramente eletrônico em todas as infrações penais, mas tão somente naquelas em que seja viável a permanência do condenado fora da prisão.
Existem, como sabemos, casos graves que, por enquanto, requerem uma resposta mais severa por parte do Estado. Não se pode, por exemplo, permitir que chefes de organizações criminosas, membros de células terroristas, traficantes de drogas etc. permaneçam monitorados em sua própria residência, pois que, com quase toda a certeza, continuariam a praticar seus crimes, agora com o aval do próprio Estado.
No entanto, em determinadas infrações penais, que não possuam gravidade extrema, seus autores podem ficar limitados espacialmente a um local predeterminado pela Justiça Penal, sem impor-lhes a privação de liberdade dentro do sistema carcerário. Da mesma forma, poderá o monitoramento eletrônico ser utilizado, também em determinadas hipóteses, em substituição às prisões cautelares.
O sistema de monitoramento permite que os encarregados da fiscalização do cumprimento da pena do condenado/monitorado tomem conhecimento, exatamente, a respeito dos seus passos, uma vez que o sistema permite saber, com precisão, se a área delimitada está sendo obedecida.
Em caso de desobediência, isto é, se o condenado demonstrar que o sistema de monitoramento não está surtindo os efeitos esperados pela Justiça Penal, que a ele confiou essa alternativa, a solução será o seu confinamento no interior do sistema prisional.
No Brasil, depois de intensos debates, foi publicada a Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, que previu a possibilidade de fiscalização do condenado, por meio da monitoração eletrônica, somente em duas situações, vale dizer, quando for autorizada saída temporária para aquele que estiver sob o regime semiaberto, ou quando a pena estiver sendo cumprida em prisão domiciliar, conforme o disposto nos incisos II e IV, do art. 146-B da Lei de Execução Penal.
Foram objeto de veto presidencial os incisos I, III e V, que, respectivamente, permitiam o juiz aplicar a monitoração eletrônica quando viesse:
I – aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;
III – aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados lugares;
V – conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.
Justificando o parecer que pugnava pelo veto presidencial aos mencionados incisos, o Ministério da Justiça arrazoou que:
“A adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.”
O art. 146-C, acrescentado à Lei de Execução Penal pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, assevera que o condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I – receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II – abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça.
Conforme o disposto no parágrafo único, do mencionado art. 146-C, a violação comprovada de qualquer um desses deveres poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: a) a regressão do regime; b) a revogação da autorização de saída temporária; c) a revogação da prisão domiciliar; d) advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas anteriores.
O art. 146-D da Lei de Execução Penal, também introduzido pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010, determina, ainda que a monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I – quando se tornar desnecessária ou inadequada; II – se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.
Para que ocorra a revogação da monitoração eletrônica, deverá o julgador determinar, antes de sua decisão, a realização de uma audiência de justificação, onde serão ouvidos o acusado, devidamente assistido pelo seu defensor, e também o Ministério Público, a exemplo do que ocorre com as hipóteses previstas pelo parágrafo único do art. 146-C da Lei de Execução Penal.
O julgador, quando de sua decisão, deverá analisar o conjunto de situações que o leva a crer que o monitoramento será suficiente para que a pena possa cumprir com suas funções repressivas e preventivas. Assim, os antecedentes penais, a conduta social, a personalidade do agente, a gravidade da infração, etc., deverão ser levados em consideração para efeitos de concessão da possibilidade de cumprimento de pena extra muros, via monitoramento eletrônico.
A tendência é que o monitoramento eletrônico fique cada vez mais imperceptível por outras pessoas, que não aquele que o utiliza. Quem não se recorda do tamanho inicial dos telefones celulares? Hoje, são multifuncionais, e os menores possíveis. Da mesma forma, em um futuro muito próximo, ao invés de pulseiras, tornozeleiras ou cintos, o monitoramento poderá ser levado a efeito, por exemplo, através de um aparelho contido no relógio de pulso daquele que se viu beneficiado com a sua utilização.
O microchip subcutâneo já é uma realidade, e impede qualquer visualização por parte de terceiros, podendo, inclusive, conter todas as informações necessárias relativas ao cumprimento da pena do condenado que dele se utiliza.
Enfim, chegamos à era tecnológica, e temos que utilizá-la em benefício do homem que, em um futuro próximo, verá implodir os muros das penitenciárias que, durante séculos, o aprisionaram. Esse “novo homem” do futuro olhará para trás e não acreditará que seus semelhantes, há poucos séculos, eram enjaulados como animais ferozes, tratados de forma indigna e cruel.
Embora o sistema de monitoramente eletrônico permita o cumprimento das finalidades atribuídas às penas, vale dizer, reprovar e prevenir a prática de infrações penais, parte da doutrina iniciou um movimento contra a sua utilização, conforme esclarece Luzón Peña , alegando que, primeiramente, essa modalidade de cumprimento de pena é demasiado benigna aos condenados, não possuindo, assim, o necessário efeito intimidante, característico da teoria retributiva. Da mesma forma, continua Luzón Peña , no que diz respeito à ressocialização, afirmam que a sanção se centra somente no controle do condenado, e dedica pouco ou mesmo nenhum esforço no seu tratamento ressocializante.
Em segundo lugar, dizem os opositores do monitoramente eletrônico, não existem estudos suficientemente amplos e rigorosos que tenham por finalidade apontar se, realmente, existe uma eficácia preventivo-especial da sanção daqueles que foram submetidos ao monitoramente eletrônico, em comparação aos condenados que cumpriram suas penas, inseridos no sistema prisional. Ou seja, para eles, não se pode dizer, com a necessária precisão, que permitir o cumprimento monitorado de pena extra muros não diminui o índice de reincidência.
Com todo o respeito que merecem os opositores do monitoramento eletrônico, não se pode negar que os benefícios de um cumprimento de pena monitorado fora do cárcere são infinitamente superiores aos prejuízos causados no agente que se vê obrigado a cumprir sua pena intra muros.
Ressalta Luzón Peña que às acusações de que o monitoramente eletrônico é por demais benigno ao condenado, além de possuir pouca ou nenhuma eficácia intimidante, tem-se rebatido com o correto argumento de que a ele são reservadas somente as infrações penais de pouca gravidade, a exemplo do que ocorre com os delitos de trânsito, subtrações patrimoniais não violentas, consumo de drogas etc. e só excepcionalmente para algum delito que preveja alguma forma de violência, como pode ocorrer com as lesões corporais. Além disso, o prognóstico que se faz do condenado lhe é favorável, ou seja, tudo leva a crer que o cumprimento da pena monitorada extra muros exercerá sobre eles os necessários efeitos, evitando-se a prática de futuras infrações penais.
Não podemos nos esquecer que, mesmo com certo grau de liberdade, temos limitada uma grande parcela desse nosso direito. Assim, por mais que, aparentemente, se mostre benigna ao condenado, ainda assim essa forma de cumprimento de pena poderá exercer sua função preventiva (geral e especial), pois que, para a sociedade, ficará demonstrado que o Estado, através do Direito Penal, cumpriu com sua missão protetiva de bens jurídicos, fazendo com que o autor da infração penal fosse por ela responsabilizado, com uma pena correspondente ao mal por ele praticado.
Conforme esclarecimentos de Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente, na maioria dos países, a prisão domiciliar com vigilância eletrônica não se contempla como medida única, senão que, com vistas à consecução de expectativas ressocializadoras, o controle telemático se insere dentro de um amplo programa de execução diário, no qual, junto à permanência obrigatória no domicílio ou em um lugar concreto, se permitem saídas predeterminadas para trabalhar ou participar de sessões de terapia, se realizam visitas não anunciadas por funcionários competentes (na parte da tarde, noite, fins de semana, dias festivos), ou com um pré-aviso de trinta minutos; o sujeito tem que submeter a uma análise de sangue, de urina ou de ar aspirado para detectar o consumo de álcool ou drogas, várias vezes por semana, praticadas por pessoal médico especializado ou conectadas ao próprio aparato de vigilância (como ocorre na Suécia), cujos resultados são recebidos informatizadamente pela rede telefônica à central.
Tecnologias de controle de primeira, segunda e terceira geração
As tecnologias de controle podem ser divididas em primeira, segunda e terceira geração.
A primeira geração de mecanismos de controle inclui o sistema ativo (vigilância eletrônica ativa) e o sistema passivo (vigilância eletrônica passiva), ainda quando se tem implantado também sistemas mistos, que combinam ambos modelos.
A vigilância eletrônica ativa, que é a mais freqüente, é, basicamente, de acordo com as lições de Juan José González Rus , integrada por três elementos, a saber: um transmissor miniatura, que é fixado ao condenado, de modo que não possa por ele ser removido, a exemplo, como dissemos anteriormente, das pulseiras, tornozeleiras etc., cuja finalidade é a de transmitir um sinal, permitindo a aferição do local onde se encontra; um receptor-transmissor, instalado no domicílio ou no local onde se tenha determinado que o condenado deverá permanecer submetido à vigilância, e que tem por finalidade receber o sinal do transmissor nele colocado, que envia, a seu turno, um sinal ao terceiro componente do sistema, que normalmente é um computador central conectado por via telefônica com o transmissor-receptor, que controla o processo e registra tudo o que ocorre com a vigilância, ou seja, se o condenado, efetivamente, está cumprindo com aquilo que lhe fora determinado na sentença, ou se houve algum descumprimento, a exemplo de ter saído do local permitido etc.
Através dessa vigilância eletrônica ativa, se confirma, portanto, a presença do condenado em sua casa, ou mesmo em outro local determinado pela Justiça, bem como as horas previstas para a prática de determinados comportamentos, ou, pelo contrário, sua ausência do local previamente determinado, o que, consequentemente, acarretará conseqüências a seu desfavor.
Esse controle, conforme esclarece Luzón Peña , nos Estados Unidos, é feito pelos funcionários que são encarregados do sistema de prova que, em caso de descumprimento pelo condenado, propõem as medidas punitivas correspondentes ou mesmo a aplicação de uma sanção mais dura. Além disso, também possuem a obrigação de manter um contato periódico com o condenado com a finalidade de inspecionar os dispositivos de transmissão (pulseira, tornozeleiras etc.).
Por vigilância eletrônica passiva podemos entender aquela que é levada a efeito através de um sistema aleatório de chamadas telefônicas, feitas por um computador previamente programado para isso, aos locais onde os condenados encontram-se submetidos a essa modalidade de vigilância. Nesse caso, ao ser realizada a ligação, os condenados devem atender pessoalmente ao telefone. Conforme esclarece Juan José González Rus , nesses casos, é comum que se incorpore ao aparelho telefônico um identificador de voz, evitando-se que o sistema seja burlado pelo condenado, que bem poderia pedir a alguém para que respondesse à chamada em seu lugar.
É importante frisar que tanto as chamadas quanto às respostas do condenado permanecem registradas em um sistema informático, que está programado para produzir um alerta caso venha a ocorrer qualquer incidente.
Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente aduzem que a principal vantagem do sistema passivo com controle de voz ou mecanismos digitalizados é sua menor estigmatização pública e, em certos casos, podia chegar-se a prescindir da instalação de transmissores no domicílio do vigiado. Como desvantagens se apontam a possível perturbação que as chamadas telefônicas, especialmente no horário noturno, causem ao resto dos moradores ou que o sujeito não escute a chamada por estar no banho, ouvindo música, etc.
A tecnologia de segunda geração foi implantada inicialmente nos EUA a partir do ano 2000, sendo utilizada posteriormente no Canadá e na Grã Bretanha, cujo referente europeo é o denominado sistema Galileo. O Galileo foi concebido desde o início como um projeto civil, em oposição ao GPS americano, ao GLONASS russo e ao Compass chinês, que são de origem militar, tendo várias vantagens, a exemplo da maior precisão, maior segurança e menos sujeito a problemas.
Essse sistema de segunda geração tem a capacidade não somente para controlar a permanência, em um determiado lugar, da pessoa que está sendo objeto do monitoramento, senão que, milimetricamente, detecta sua presença fora do local que havia sido delimitado, apontando, precisamente, o lugar e o horário em que esteve.
Para tanto, o vigiado deverá portar um transmissor similar ao utilizado na vigilância eletrônica ativa, que tem por finalidade enviar os dados de seus movimentos à central, fazendo com que seja disparado um alarme sempre que o vigiado se distancia do perímetro dentro do qual fora confinado.
Por último, conforme esclarecem Miguel Ángel Iglesias Ríos e Juan Antonio Pérez Parente, a tecnologia de terceira geração se caracteriza porque ao controle por sistema GPS de permanência ou presença que oferecem os anteriores sistemas apontados, se agrega também a possibilidade de que a central de vigilância receba informações psicológicas, frequência de pulsações, ritmo respiratório para medir o nível de agressividade de um delinquente violento, a excitação sexual em delinquentes sexuais, cleptômanos ou psicopatas. Assim mesmo, ante qualquer descumprimento das obrigações acordadas judicialmente, algumas versões têm capacidade para realizar uma intervenção corporal direta no vigiado, por meio de descargas elétricas programadas, que repercutem diretamente no sistema nervoso central ou por meio da abertura de uma cápsula que lhe injeta um tranquilizante ou outra substância, para o caso de neuróticos agressivos, esquizofrênicos ou adeptos ao álcool.
Este drástico procedimento ainda não se implementou em prisão domiciliar com vigilância eletrônica, porque constitui um castigo físico atentatório contra a dignidade humana; por outro lado, não leva em conta distintas situações de necessidade – urgência médica, incêndio na casa, um acidente – nas quais o vigiado se vê obrigado a abandonar o lugar e a suportar injustificadamente tais descargas elétricas.
Monitoramento versus direito à intimidade
Juntamente com a utilização da tecnologia no cumprimento da pena, vieram as discussões a respeito de sua possibilidade. Como é comum quando surge uma novidade no mundo jurídico, sempre se levantam vozes contra e a favor. No caso do monitoramente eletrônico dos presos, juristas de escol começaram a defender a tese da impossibilidade de sua utilização, ao argumento de que o monitoramente levaria a uma indevida exposição do condenado, uma vez que todos saberiam que estava cumprindo pena sob essa nova modalidade de vigilância, o que atentaria contra a sua dignidade.
Assim, conforme esclarece Luzón Peña , se tem discutido sobre o fato de a vigilância eletrônica ser ou não uma intromissão excessiva e intolerável sobre os direitos fundamentais do condenado ou mesmo do preso provisório, principalmente no que diz respeito à sua dignidade, aqui representada pelo seu direito à intimidade.
Embora todo raciocínio que tente preservar a dignidade do ser humano seja louvável, não podemos nos esquecer que não existe direito absoluto, a não ser, como se afirma majoritariamente, o direito em não ser torturado ou de ser escravizado. Não podemos, ainda, agir com ingenuidade na defesa de certos princípios fundamentais, sob pena de inviabilizarmos qualquer porjeto, mesmo os benéficos à pessoa humana.
No caso do monitoramento, entendemos que, entre colocar o condenado num sistema falido que, ao invés de ressocializá-lo, fará com que retorne completamente traumatizado ao convívio em sociedade, com toda a certeza, será preferível o seu controle pelo Estado em algum local extra muros, previamente determinado. Esse local poderá ser a sua própria residência, ou outro qualquer, que viabilize a execução da pena, com o seu perfeito controle.
Tudo será realizado da forma mais discreta possível, ou seja, a utilização da tornozeleira, da caneleira, do cinto ou mesmo a implantação do microchip será feita de modo a não ofender a dignidade do condenado, evitando-se sua desnecessária exposição. Assim, por exemplo, seria inviável o uso de aparelhos que envolvessem o pescoço do condenado, ou mesmo algum outro que fizesse com que tivesse uma excessiva exposição.
O direito à intimidade, cuja violação se atribui à possibilidade de monitoramente, eletrônico, encontra-se no rol dos direitos da personalidade. A personalidade, a seu turno, pode ser apontada como decorrência direta do princípio da dignidade da pessoa humana, significando, resumidamente, a capacidade que tem todo ser humano de possuir direitos e de contrair obrigações.
Trata-se, segundo nosso posicionamento, de um direito inato, inerente a todo ser humano. Nos países modernos, torna-se inconcebível afirmar que alguém não tenha personalidade. No entanto, isso nem sempre foi assim. Em um passado não muito distante, os escravos, por exemplo, eram similares às coisas. Podiam ser comprados, vendidos, trocados, açoitados, enfim, eram objeto de negociação e uma ferramenta de trabalho. O mesmo aconteceu, em proporções menores, com as mulheres, que eram entendidas como uma classe intermediária entre os homens e os animais.
Existem direitos que nascem com todo ser humano, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor, religião, a exemplo do que ocorre com o direito à vida, a liberdade sexual, à integridade física, à honra, à intimidade etc., e que dele não podem ser retirados. No entanto, como já afirmamos acima, não existem direitos absolutos, mesmo os considerados personalíssimos. Cite-se, como exemplo, o direito que todas as pessoas têm à liberdade. Contudo, se o agente vier a praticar um fato passível de uma condenação a uma pena privativa de liberdade, esse seu direito cederá no caso concreto. Assim, somente poderemos considerar como absolutos os direitos à personalidade no sentido de serem oponíveis erga omnes, e não no que diz respeito à sua intangibilidade.
Embora tenhamos nos posicionado no sentido de que os direitos inerentes à personalidade sejam inatos, isto é, já nascem com todo ser humano e são antecedentes a qualquer disposição normativa, sendo, outrossim, considerados como direitos naturais, tal posição não é pacífica.
No sentido oposto à escola jusnaturalista dos direitos à personalidade encontra-se a posição entendida como positivista, que parte do pressuposto que somente haverá direito quando este for reconhecido formalmente pelo Estado, através de seus estatutos legais.
É a lei, segundo essa corrente, a encarregada de reconhecer e proteger direitos que foram selecionados através de um critério político, que vai se modificando ao longo dos anos. Novas situações vão surgindo, novos conflitos irão acontecendo, fazendo com que o legislador desperte para a existência de novos direitos, que podem ser considerados como personalíssimos.
Em que pese a força do raciocínio positivista, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento de novos direitos da personalidade, que vão surgindo de acordo com a própria evolução da sociedade, existem determinados grupos de direitos que não se pode atribuir a sua existência ao formal reconhecimento da lei, a exemplo, como já o dissemos, do direito à vida, da integridade pessoal, da honra, da intimidade etc.
Os direitos de personalidade possuem determinadas características que lhes são peculiares, que os distinguem dos demais. Além de serem considerados como absolutos, no sentido de serem oponíveis erga omnes, os direitos da personalidade gozam das características da: generalidade, extrapatrimonialidade, intransmissibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade e vitaliciedade.
Verifica-se, portanto, que, de acordo com a sua natureza, bem como com as características que lhe são peculiares, os direitos de personalidade fazem parte do rol pertencente à dignidade da pessoa humana.
Existe controvérsia doutrinária quanto ao uso das expressões direitos humanos e direitos de personalidade. Para uma primeira corrente, direitos humanos seriam aqueles positivados no texto constitucional – ou mesmo em algum outro diploma infraconstitucional – oponíveis contra o próprio Estado. Seriam, assim, utilizados como escudo contra a prepotência e o autoritarismo do Estado. Dessa forma, se amoldariam na categoria de direitos públicos. Por outro lado, direitos de personalidade seriam aqueles regulados pelo direito civil, que dizem respeito às relações entre particulares.
Como bem observado por Edson Ferreira da Silva:
“sob o aspecto do direito público, os chamados direitos humanos não reclamam simples abstenção do Estado quanto a respeitar e não praticar arbitrariedades contra os direitos fundamentais do homem. Mais do que isso, deve o Estado assegurar a todos, pelos mecanismos específicos do Direito Constitucional e do Direito Penal, o livre gozo das liberdades fundamentais. Os órgãos do Estado destinados à contenção da delinqüência e da criminalidade, à apuração de responsabilidades no âmbito penal, desempenham o papel de proteger toda a coletividade em seus interesses fundamentais de segurança e tranqüilidade, dando a todos condições para o cumprimento da natural vocação ao progresso e ao desenvolvimento.
A tutela pública é conferida em atenção ao corpo social como um todo e não a cada indivíduo em particular. Nisto reside a diferença entre tutela pública e tutela privada, entre direitos humanos e direitos privados de personalidade.
Mas não é só. Quando ganham a Constituição, como acontece modernamente, os direitos fundamentais do homem constituem restrição ao poder legislativo do Estado, porquanto as leis infraconstitucionais não poderão restringir, suprimir ou se colocar em conflito com o texto maior, sob pena de invalidade”
Hoje em dia, já não se pode mais discutir que o direito à intimidade faz parte do elenco relativo aos chamados direitos de personalidade que, conseqüentemente, dizem respeito à dignidade da pessoa humana.
As Constituições modernas, a exemplo da Brasileira, não só prevêem expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também direitos que lhe são decorrentes, como acontece com o direito à intimidade, conforme se verifica pela leitura do art. 5º, X, que diz: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A intimidade, portanto, é um direito fundamental assegurado constitucionalmente, devendo o Estado protegê-lo de todo e qualquer ataque.
Conceituar direito à intimidade não é tarefa das mais fáceis. É extremamente difícil, na verdade, não somente conceituar o que venha a ser direito à intimidade, como também traçar os seus exatos contornos, fazendo uma distinção entre o público e o privado.
São três as principais teorias que disputam o tratamento do direito à intimidade. A primeira delas, denominada de teoria objetiva, adota a chamada teoria das esferas, do direito alemão, onde podemos visualizar, figurativamente, vários círculos concêntricos, sendo que no centro se encontra aquilo que existe de mais íntimo, reservado; ao redor, a intimidade familiar; e, por último, na sua face mais externa, a área destinada à esfera pública. É claro que essa definição não é absoluta, mas sim uma mera representação teórica.
A segunda teoria, reconhecida como subjetiva, como a própria denominação está a sugerir, entende que somente a pessoa, e mais ninguém, pode determinar o que é ou não íntimo, ou seja, somente ela cabe determinar os limites entre o particular e o público.
Assim, embora seja complexa a sua definição, podemos entender como direito à intimidade aquela porção, inerente ao nosso direito de personalidade, que compete única e exclusivamente a nós, e que deve, de acordo com nossa vontade, ser subtraída do conhecimento público, ou, conforme as lições de Edson Ferreira da Silva, “o direito à intimidade deve compreender o poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa vida privada, que segundo um senso comum, detectável em cada época e lugar, interessa manter sob reserva”.
Esse direito à intimidade deve ceder no caso concreto quando estivermos diante da possibilidade de monitoramento eletrônico. Na verdade, essa limitação ao direito à intimidade é levada a efeito em benefício do próprio condenado, uma vez que, sujeitando-se ao monitoramento eletrônico, ficará livre do ambiente pernicioso do cárcere.
O sistema prisional, com toda certeza, não seria o melhor ambiente para o cumprimento da pena aplicada ao condenado, que, em muitos países da América Latina, eliminariam a sua personalidade.
Assim, por mais que tenhamos que proteger o direito à intimidade daqueles que foram condenados pela Justiça Penal, entendemos que a submissão do autor da infração penal ao monitoramento eletrônico deve ser entendida em seu benefício, mesmo que venha a causar pequenos transtornos.
Por isso é que Rodríguez-Magariños propõe a criação de um novo sistema penitenciário, onde a privação de liberdade das pessoas passe de regra geral à exceção, reservando-se, outrossim, os estabelecimentos prisionais somente para aqueles reincidentes contumazes, que praticam crimes graves, demonstrando, dessa forma, desprezo pelos direitos de seus concidadãos. Como, acertadamente, afirma o renomado autor, a “vigilância eletrônica nem é a varinha mágica nem é a panacéia, nem cobre – e menos hoje em dia – todos os desejos, mas indubitavelmente é o princípio do fim de um sistema penitenciário baseado em um axioma absurdo: encerrar, dessocializar um indivíduo para fazer dele o homem apto para viver em sociedade”.
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Por Rogerio Greco
Fonte: Site oficial Rogerio Greco
Matéria perfeita.
ResponderExcluirParabéns!
a tecnologia avançando e nos trazendo beneficios nas mais diversas áreas, no caso do monitoramento eletronico, trazendo-nos mais segurança sem tirar a liberdade, que é constitucioal aos presos. Parabéns Dr. Bruno pelo projeto magnifico que com certeza inspirara o Brasil inteiro...
ResponderExcluirArtigo de alta qualidade, vai me ajudar muito na hora de adquirir meus materiais de informática sp, me ajudou bastante a hora de pesquisar esses produtos de segurança, obrigada!!!
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