Escreveu não leu...
Em 2000, quatro americanos foram acusados de importação de caudas de lagosta em sacos de plástico em vez de caixas de papelão. Violou-se um regulamento já revogado em Honduras, de onde vieram os crustáceos. Eles foram enquadrados no Ato Lacey, que proíbe americanos de quebrar regras estrangeiras na caça ou pesca. A intenção inicial era impedir que os americanos, por exemplo, praticassem a caça ilegal de elefantes no Quênia. Mas o ato tem sido interpretado de forma que cada regulamento relativo à vida selvagem na Terra, por mais irrelevante que seja, deva ser cumprido. Os negociantes de lagosta não tinham ideia de que estavam violando a lei. No entanto, três pegaram oito anos de reclusão. Dois ainda estão na cadeia.
Os Estados Unidos são diferentes do resto do mundo de muitas maneiras. Muitas das diferenças são positivas. Uma das negativas é a sua vontade de prender seus cidadãos. Um em cada 100 adultos americanos apodrece atrás das grades (com a taxa chegando a um em cada nove jovens homens negros). Sua população carcerária, em 2,3 milhões, é superior ao de 15 de seus estados. Nenhum outro país rico é tão punitivo como a conhecida Terra da Liberdade. A taxa de encarceramento na Grã-Bretanha é de um quinto do nível dos EUA, na Alemanha é de um nono e, no Japão, um duodécimo.
Mais severo que você
Há regiões dos Estados Unidos onde a Justiça é sinônimo de punição. Essa tendência se intensificou há quatro décadas, quando o aumento da criminalidade tornou-se uma questão delicada e políticos que prometeram estancá-la tiveram o apoio dos eleitores. Isso criou um efeito dominó: os legisladores que queriam parecer severos deveriam propor leis mais duras do que aquelas que a última chapa, que queria parecer dura, propôs. Quando a taxa de criminalidade cai, sentenças severas são saudadas como a causa da redução, mesmo quando a demografia ou outros fatores possam importar mais. Quando a taxa sobe, sentenças duras são exigidas para resolver o problema. Como resultado, a taxa de encarceramento quadruplicou desde 1970.
Coisas semelhantes aconteceram em outros lugares. A taxa de encarceramento na Inglaterra mais que dobrou e no Japão aumentou pela metade, durante o mesmo período. Mas a tendência foi mais acentuada nos EUA do que na maioria dos países ricos, e a disparidade cresceu. Isso é explicado não por uma diferença de criminalidade (os ingleses são um pouco mais criminosos do que os americanos, embora menos assassinos), nem com o sucesso da política: as taxas de crimes violentos nos EUA é maior do que era há 40 anos.
Conservadores e liberais vão sempre insistir na discussão sobre o nível adequado de punição. A maioria dos americanos entende que os criminosos perigosos, o que estatisticamente representam homens jovens, devem ir para a prisão por longos períodos de tempo, especialmente por crimes violentos. Mesmo por esse padrão, a extrema severidade das leis americanas, especialmente as classes cada vez maiores de "criminosos" afetados por eles, parece mais contraproducente.
Muitos estados têm sentenças mínimas obrigatórias, que reduzem o nível de discricionariedade dos juízes para mostrar misericórdia, mesmo quando as circunstâncias de um caso clamam por isso. As leis chamadas “Three Strikes”, usadas pela primeira vez para aplicar prisão perpétua a criminosos violentos reincidentes, foram usadas em vários estados contra infratores menores. A guerra contra as drogas tem levado à aplicação de duras penas não apenas para tratar de drogas ilegais, mas também para a venda de medicamentos ilegais. Vender um punhado pode levar a uma pena de 15 anos.
A confusão desempenha um grande papel. A América aprisiona as pessoas em caso de violação das leis técnicas de imigração, normas ambientais e regras de negócios obscuros. Tantas regras federais são passíveis de sanções penais que peritos lutam para contá-las. Muitas são incompreensíveis. Poucas são revogadas, embora a Suprema Corte recentemente tenha anulado uma lei contra privar a população do "direito intangível dos serviços honestos", que autores de ação (promotores) adoraram, porque eles não poderiam usá-la contra quase ninguém. Ainda assim, eles têm abundância de outras armas.
Contando cada e-mail enviado por uma pessoa acusada de crime de colarinho branco, os autores de ação (promotores) podem ameaçá-los com uma pesada sentença, salvo se houver confissão, ou se revelar quem é o seu patrão. O potencial para a injustiça é evidente.
Como resultado, as prisões americanas estão abarrotadas não apenas de bandidos e estupradores, mas também com pequenos ladrões, traficantes de droga sem expressão e de criminosos que, apesar de assustadores quando eram jovens e fortes, são agora grisalhos e artríticos demais para representar uma ameaça. Cerca de 200 mil presos têm mais de 50 anos. Em 1970, o número de prisioneiros de todas as idades era mais ou menos esse. A prisão é uma excelente maneira de manter criminosos perigosos fora das ruas, mas quanto mais pessoas vão presas, menos perigosos provavelmente serão os novos. E como a prisão é cara, US $ 50 mil por preso por ano na Califórnia, o custo de prender os criminosos muitas vezes ultrapassa os benefícios, em termos de crimes evitados.
Menos punição, menos crime
A fórmula americana não é inevitável nem indiscutível. Na Holanda, onde o uso de penas não privativas de liberdade cresceu, a população carcerária e os índices de criminalidade têm caído. O novo governo da Grã-Bretanha propõe a substituição da prisão para infratores menores por trabalho comunitário. Algumas partes dos EUA estão resistindo à tendência nacional. Nova York reduziu sua o índice de encarceramento em 15% entre 1997 e 2007, ao mesmo tempo que reduziu a criminalidade violenta em 40%. A notícia é bem-vinda, mas reformas mais profundas são necessárias.
Os Estados Unidos precisam de menos leis, e mais claras, para que os cidadãos não precisem de um diploma de Direito para ficar fora da cadeia. Atos que podem ser regulamentados não devem ser criminalizados. O poder dos procuradores deve ser reduzido: a maioria dos suspeitos de crimes de colarinho branco não são Al Capone, e não devem ser tratados como se fossem. Leis de condenação mínima deveriam ser revogadas ou substituídas com orientações. Os criminosos mais perigosos devem ser presos, mas os Estados poderiam se esforçar mais para reintegrar os condenados por delitos mais leves na sociedade, incentivando-os a estudar ou trabalhar e acabar com o gesto inutilmente vingativo de não deixá-los votar.
Parece estranho que um país que se alegra em limitar o poder do Estado deva dar tantos poderes draconianos para seu governo. Durante os últimos 40 anos os legisladores norte-americanos ainda consideram vender aos eleitores a ideia de prender menos pessoas como um suicídio político. Uma época de contenção de orçamento, no entanto, é tão boa quanto qualquer outra para experimentar. Cedo ou tarde, os eleitores americanos vão perceber que essas políticas de encarceramento são injustas e ineficientes; e que políticos que defendem essas ideias podem, no final, obter algum crédito.
Fonte: Conjur
* [Reportagem publicada na edição da 22 de julho de 2010 da revista The Economist]
Os Estados Unidos são diferentes do resto do mundo de muitas maneiras. Muitas das diferenças são positivas. Uma das negativas é a sua vontade de prender seus cidadãos. Um em cada 100 adultos americanos apodrece atrás das grades (com a taxa chegando a um em cada nove jovens homens negros). Sua população carcerária, em 2,3 milhões, é superior ao de 15 de seus estados. Nenhum outro país rico é tão punitivo como a conhecida Terra da Liberdade. A taxa de encarceramento na Grã-Bretanha é de um quinto do nível dos EUA, na Alemanha é de um nono e, no Japão, um duodécimo.
Mais severo que você
Há regiões dos Estados Unidos onde a Justiça é sinônimo de punição. Essa tendência se intensificou há quatro décadas, quando o aumento da criminalidade tornou-se uma questão delicada e políticos que prometeram estancá-la tiveram o apoio dos eleitores. Isso criou um efeito dominó: os legisladores que queriam parecer severos deveriam propor leis mais duras do que aquelas que a última chapa, que queria parecer dura, propôs. Quando a taxa de criminalidade cai, sentenças severas são saudadas como a causa da redução, mesmo quando a demografia ou outros fatores possam importar mais. Quando a taxa sobe, sentenças duras são exigidas para resolver o problema. Como resultado, a taxa de encarceramento quadruplicou desde 1970.
Coisas semelhantes aconteceram em outros lugares. A taxa de encarceramento na Inglaterra mais que dobrou e no Japão aumentou pela metade, durante o mesmo período. Mas a tendência foi mais acentuada nos EUA do que na maioria dos países ricos, e a disparidade cresceu. Isso é explicado não por uma diferença de criminalidade (os ingleses são um pouco mais criminosos do que os americanos, embora menos assassinos), nem com o sucesso da política: as taxas de crimes violentos nos EUA é maior do que era há 40 anos.
Conservadores e liberais vão sempre insistir na discussão sobre o nível adequado de punição. A maioria dos americanos entende que os criminosos perigosos, o que estatisticamente representam homens jovens, devem ir para a prisão por longos períodos de tempo, especialmente por crimes violentos. Mesmo por esse padrão, a extrema severidade das leis americanas, especialmente as classes cada vez maiores de "criminosos" afetados por eles, parece mais contraproducente.
Muitos estados têm sentenças mínimas obrigatórias, que reduzem o nível de discricionariedade dos juízes para mostrar misericórdia, mesmo quando as circunstâncias de um caso clamam por isso. As leis chamadas “Three Strikes”, usadas pela primeira vez para aplicar prisão perpétua a criminosos violentos reincidentes, foram usadas em vários estados contra infratores menores. A guerra contra as drogas tem levado à aplicação de duras penas não apenas para tratar de drogas ilegais, mas também para a venda de medicamentos ilegais. Vender um punhado pode levar a uma pena de 15 anos.
A confusão desempenha um grande papel. A América aprisiona as pessoas em caso de violação das leis técnicas de imigração, normas ambientais e regras de negócios obscuros. Tantas regras federais são passíveis de sanções penais que peritos lutam para contá-las. Muitas são incompreensíveis. Poucas são revogadas, embora a Suprema Corte recentemente tenha anulado uma lei contra privar a população do "direito intangível dos serviços honestos", que autores de ação (promotores) adoraram, porque eles não poderiam usá-la contra quase ninguém. Ainda assim, eles têm abundância de outras armas.
Contando cada e-mail enviado por uma pessoa acusada de crime de colarinho branco, os autores de ação (promotores) podem ameaçá-los com uma pesada sentença, salvo se houver confissão, ou se revelar quem é o seu patrão. O potencial para a injustiça é evidente.
Como resultado, as prisões americanas estão abarrotadas não apenas de bandidos e estupradores, mas também com pequenos ladrões, traficantes de droga sem expressão e de criminosos que, apesar de assustadores quando eram jovens e fortes, são agora grisalhos e artríticos demais para representar uma ameaça. Cerca de 200 mil presos têm mais de 50 anos. Em 1970, o número de prisioneiros de todas as idades era mais ou menos esse. A prisão é uma excelente maneira de manter criminosos perigosos fora das ruas, mas quanto mais pessoas vão presas, menos perigosos provavelmente serão os novos. E como a prisão é cara, US $ 50 mil por preso por ano na Califórnia, o custo de prender os criminosos muitas vezes ultrapassa os benefícios, em termos de crimes evitados.
Menos punição, menos crime
A fórmula americana não é inevitável nem indiscutível. Na Holanda, onde o uso de penas não privativas de liberdade cresceu, a população carcerária e os índices de criminalidade têm caído. O novo governo da Grã-Bretanha propõe a substituição da prisão para infratores menores por trabalho comunitário. Algumas partes dos EUA estão resistindo à tendência nacional. Nova York reduziu sua o índice de encarceramento em 15% entre 1997 e 2007, ao mesmo tempo que reduziu a criminalidade violenta em 40%. A notícia é bem-vinda, mas reformas mais profundas são necessárias.
Os Estados Unidos precisam de menos leis, e mais claras, para que os cidadãos não precisem de um diploma de Direito para ficar fora da cadeia. Atos que podem ser regulamentados não devem ser criminalizados. O poder dos procuradores deve ser reduzido: a maioria dos suspeitos de crimes de colarinho branco não são Al Capone, e não devem ser tratados como se fossem. Leis de condenação mínima deveriam ser revogadas ou substituídas com orientações. Os criminosos mais perigosos devem ser presos, mas os Estados poderiam se esforçar mais para reintegrar os condenados por delitos mais leves na sociedade, incentivando-os a estudar ou trabalhar e acabar com o gesto inutilmente vingativo de não deixá-los votar.
Parece estranho que um país que se alegra em limitar o poder do Estado deva dar tantos poderes draconianos para seu governo. Durante os últimos 40 anos os legisladores norte-americanos ainda consideram vender aos eleitores a ideia de prender menos pessoas como um suicídio político. Uma época de contenção de orçamento, no entanto, é tão boa quanto qualquer outra para experimentar. Cedo ou tarde, os eleitores americanos vão perceber que essas políticas de encarceramento são injustas e ineficientes; e que políticos que defendem essas ideias podem, no final, obter algum crédito.
Fonte: Conjur
* [Reportagem publicada na edição da 22 de julho de 2010 da revista The Economist]
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