Devo e não nego...
O Estado é uma ficção político-jurídica concebida pelo homem para promover segurança e harmonia à coletividade, garantir-lhe direitos e ordenar deveres, assim também prover o bem comum. Não seria exagero reduzir as funções do Estado à tarefa de arbitrar e controlar. No Brasil, conceituações do gênero não vão além de utopiais irrealizávels. O Estado brasileiro é iconoclasta. Não presta nenhuma reverência ao dogma constitucional que o obriga a respeitar os cidadãos. Coloca-se como instância acima e ao largo da sociedade civil, como se o povo não fosse titular da soberania política, fonte única do poder estatal, nos termos da Constituição.
Muitas são as hipóteses em que o Estado revela condutas admissíveis apenas nos regimes de exceção. Como rotina, se o ente público é credor do cidadão, vale-se da penhora, do sequestro ou do arresto de bens para ver-se satisfeito da dívida no prazo estabelecido. De regra, remete o nome do infeliz aos cadastros de maus pagadores. Se o cidadão é credor amparado em pretensão irresistível, ainda assim o Estado recorre até esgotar todas as instâncias. Muitos morrem antes do trânsito em julgado do feito.
Como consequência, as causas hibernam na serventias da Justiça anos a fio — cinco, 10, 20, 30 anos ou mais. Ao final, o lesado ganha a demanda. Mas o calote permanece, e nada pode arredá-lo. Como os bens do poder público são inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis e não oneráveis, impossível fazê-lo cumprir a obrigação por meios coercitivos. Resta ao interessado esperar que a sentença condenatória, uma vez lançada em precatório, alguma dia seja cumprida. Não o será, todavia, senão em prestações pagas em até 15 anos.
O atestado mais escandalosos do comportamento tirânico do Estado toma ampla visibilidade na resistência ao ressarcimento de prejuízos causados, sobretudo, a milhões de assalariados. Pelas regras extorsivas admitidas na legislação, os precatórios só podem ser executados mediante prévio comprometimento de receitas no orçamento do ano seguinte. O braço impositivo da Justiça não tem efeito contra a irresponsabilidade e arrogância dos governos.
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) expediu ordem para que seis estados — São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Paraíba e Goiás — remetessem à corte cronogramas sobre o pagamento de precatórios mais antigos. Deu-lhes prazo de 15 dias para cumprimento da determinação. A iniciativa do STF resultou do exame de vários pedidos de intervenção federal em estados inadimplentes. Mas recebeu como resposta explicações evasivas, nada pertinentes ao conteúdo da informações requeridas. Daí segue que os brasileiros credores de nada menos de R$ 14,2 bilhões ficarão a ver navios.
Depois de 9 de setembro de 2009, data da promulgação da Emenda Constitucional nº 62, os credores trapaceados resvalaram para situação bem pior. Desde então, os débitos de natureza alimentícia obedecerão a duas formas de resgate. Os de pequeno valor, se mais antigos, entrarão em lista especial. Sem qualquer garantia, explique-se, de que serão satisfeitos com urgência. Os demais serão objeto de liquidação mediante leilão de feitio indecente: serão beneficiados os titulares de crédito que derem os maiores descontos na importância lançada nos precatórios. Impossível resistir à convicção de que a Emenda nº 62 alçou a direito constitucional a fraude recorrente praticada por governos indecorosos.
Por Josemar Dantas
O Estado é uma ficção político-jurídica concebida pelo homem para promover segurança e harmonia à coletividade, garantir-lhe direitos e ordenar deveres, assim também prover o bem comum. Não seria exagero reduzir as funções do Estado à tarefa de arbitrar e controlar. No Brasil, conceituações do gênero não vão além de utopiais irrealizávels. O Estado brasileiro é iconoclasta. Não presta nenhuma reverência ao dogma constitucional que o obriga a respeitar os cidadãos. Coloca-se como instância acima e ao largo da sociedade civil, como se o povo não fosse titular da soberania política, fonte única do poder estatal, nos termos da Constituição.
Muitas são as hipóteses em que o Estado revela condutas admissíveis apenas nos regimes de exceção. Como rotina, se o ente público é credor do cidadão, vale-se da penhora, do sequestro ou do arresto de bens para ver-se satisfeito da dívida no prazo estabelecido. De regra, remete o nome do infeliz aos cadastros de maus pagadores. Se o cidadão é credor amparado em pretensão irresistível, ainda assim o Estado recorre até esgotar todas as instâncias. Muitos morrem antes do trânsito em julgado do feito.
Como consequência, as causas hibernam na serventias da Justiça anos a fio — cinco, 10, 20, 30 anos ou mais. Ao final, o lesado ganha a demanda. Mas o calote permanece, e nada pode arredá-lo. Como os bens do poder público são inalienáveis, impenhoráveis, imprescritíveis e não oneráveis, impossível fazê-lo cumprir a obrigação por meios coercitivos. Resta ao interessado esperar que a sentença condenatória, uma vez lançada em precatório, alguma dia seja cumprida. Não o será, todavia, senão em prestações pagas em até 15 anos.
O atestado mais escandalosos do comportamento tirânico do Estado toma ampla visibilidade na resistência ao ressarcimento de prejuízos causados, sobretudo, a milhões de assalariados. Pelas regras extorsivas admitidas na legislação, os precatórios só podem ser executados mediante prévio comprometimento de receitas no orçamento do ano seguinte. O braço impositivo da Justiça não tem efeito contra a irresponsabilidade e arrogância dos governos.
Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) expediu ordem para que seis estados — São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Paraíba e Goiás — remetessem à corte cronogramas sobre o pagamento de precatórios mais antigos. Deu-lhes prazo de 15 dias para cumprimento da determinação. A iniciativa do STF resultou do exame de vários pedidos de intervenção federal em estados inadimplentes. Mas recebeu como resposta explicações evasivas, nada pertinentes ao conteúdo da informações requeridas. Daí segue que os brasileiros credores de nada menos de R$ 14,2 bilhões ficarão a ver navios.
Depois de 9 de setembro de 2009, data da promulgação da Emenda Constitucional nº 62, os credores trapaceados resvalaram para situação bem pior. Desde então, os débitos de natureza alimentícia obedecerão a duas formas de resgate. Os de pequeno valor, se mais antigos, entrarão em lista especial. Sem qualquer garantia, explique-se, de que serão satisfeitos com urgência. Os demais serão objeto de liquidação mediante leilão de feitio indecente: serão beneficiados os titulares de crédito que derem os maiores descontos na importância lançada nos precatórios. Impossível resistir à convicção de que a Emenda nº 62 alçou a direito constitucional a fraude recorrente praticada por governos indecorosos.
Por Josemar Dantas
Fonte: Direito & Justiça
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