...Obedece quem tem juízo
A recente performance do Supremo Tribunal Federal evidencia cada vez mais impactos de suas decisões sobre as relações privadas. Nada obstante, a ordem jurídica privada que está sendo construída pela jurisprudência do Tribunal merece maior atenção de todos.
O seu papel, desde a promulgação da Constituição de 1988, se dilatou na função de guardião da ordem constitucional democraticamente instituída. Vale dizer: a Corte Constitucional tem entre suas competências mais relevantes a defesa dos direitos fundamentais e dos demais valores constitucionais, exercendo o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade.
A vinculação da competência do STF à matéria constitucional poderia fazer supor que as decisões da Corte diriam respeito apenas a matérias pertinentes ao Direito Público, e, nessa medida, vinculadas a relações que, de alguma forma, estivessem a se reportar ao Estado.
Entretanto, a Constituição há muito deixou de ser compreendida como norma pertinente apenas ao Direito Público. A compreensão contemporânea acerca das Constituições reconhece seu papel de centralidade em relação a todo o ordenamento jurídico, de modo que ela não é mais reputada como alheia às relações entre particulares, outrora pensadas apenas sob a ótica do Direito Privado.
Decisões do STF a respeito da ordem econômica constitucional ensejam evidentes decorrências concretas tanto para os indivíduos quanto para as pessoas jurídicas de direito privado.
De um lado, o STF tem a competência de assegurar a tripartição dos poderes, a higidez do processo legislativo e a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos frente ao Estado. De outro, também é missão do Supremo zelar pela correta aplicação das normas constitucionais que dizem respeito à garantia dos direitos fundamentais entre os particulares, a livre iniciativa, a concorrência, a defesa do consumidor, o que claramente comprova que as decisões do Tribunal também afetam direta e decisivamente os cidadãos.
Várias decisões proferidas pelo STF desde 1988 demonstram o relevo dessa repercussão.
Já nos anos 1990 o STF havia firmado o entendimento de que a norma do artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano não era autoaplicável, dependendo, para a sua eficácia, de edição de lei complementar, o que acarretou impacto às relações entre pessoas físicas e jurídicas e instituições bancárias. Esse entendimento foi recentemente reafirmado por meio da Súmula Vinculante 7.
Outra decisão reveladora desse impacto foi proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, versando sobre a possibilidade ou não de aplicação do Código de Defesa do Consumidor sobre as relações entre consumidores e instituições bancárias, tendo o STF decidido que a lei consumerista se aplicava também em face dos bancos.
Alguns acórdãos proferidos pelo STF nos últimos anos reforçam ainda mais o papel constitucional da Corte sobre relações privadas.
Ao decidir pela constitucionalidade da regra constante da Lei 8.009/90, que afastava a impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, ensejou o STF posicionamento concreto sobre a extensão que se atribui a garantias contratuais, com sequelas sobre o mercado imobiliário.
A Súmula Vinculante 25, a seu turno, também acarreta consequências práticas de peso sobre relações interprivadas, especialmente nos contratos de alienação fiduciária em garantia, ao declarar ilícita a prisão do depositário infiel.
A decisão do STF pela constitucionalidade da norma autorizadora de pesquisas médicas com o emprego de células-tronco embrionárias também é de óbvia pertinência ao âmbito das relações privadas, haja vista que repercute sobre o direito à saúde de indivíduos, sobre decisões de casais que optem pela cessão de embriões excedentários para pesquisa, bem como sobre a atividade de pesquisadores vinculados a instituições públicas ou privadas – e, nessa medida, se projeta no campo da ordem econômica, da indústria farmacêutica e das e
empresas de biotecnologia.
Outras importantes questões atinentes às relações entre particulares que estão pendentes de decisão no STF dizem respeito ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, como na sua eventual extensão ao direito previdenciário.
Tudo isso é revelador de que a Constituição, e, por conseqüência, o STF, no exercício de sua missão de guardião do texto constitucional, são imprescindíveis para a definição de rumos e de limites pertinentes às relações privadas. Afinal, impende responder, claramente, a que e a quem se destina a jurisprudência do Supremo para o século XXI.
A questão consiste, nessa linha, na construção de arcabouço jurisprudencial que, em consonância com o sentido da Constituição democrática, seja mesmo a real imagem especular de uma sociedade livre, solidária e plural.
Artigo do Prof. Luiz Edson Fachin da Universidade Federal do Paraná, candidato ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal
Fonte: Cadernos de Estudos Jurídicos
A recente performance do Supremo Tribunal Federal evidencia cada vez mais impactos de suas decisões sobre as relações privadas. Nada obstante, a ordem jurídica privada que está sendo construída pela jurisprudência do Tribunal merece maior atenção de todos.
O seu papel, desde a promulgação da Constituição de 1988, se dilatou na função de guardião da ordem constitucional democraticamente instituída. Vale dizer: a Corte Constitucional tem entre suas competências mais relevantes a defesa dos direitos fundamentais e dos demais valores constitucionais, exercendo o controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade.
A vinculação da competência do STF à matéria constitucional poderia fazer supor que as decisões da Corte diriam respeito apenas a matérias pertinentes ao Direito Público, e, nessa medida, vinculadas a relações que, de alguma forma, estivessem a se reportar ao Estado.
Entretanto, a Constituição há muito deixou de ser compreendida como norma pertinente apenas ao Direito Público. A compreensão contemporânea acerca das Constituições reconhece seu papel de centralidade em relação a todo o ordenamento jurídico, de modo que ela não é mais reputada como alheia às relações entre particulares, outrora pensadas apenas sob a ótica do Direito Privado.
Decisões do STF a respeito da ordem econômica constitucional ensejam evidentes decorrências concretas tanto para os indivíduos quanto para as pessoas jurídicas de direito privado.
De um lado, o STF tem a competência de assegurar a tripartição dos poderes, a higidez do processo legislativo e a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos frente ao Estado. De outro, também é missão do Supremo zelar pela correta aplicação das normas constitucionais que dizem respeito à garantia dos direitos fundamentais entre os particulares, a livre iniciativa, a concorrência, a defesa do consumidor, o que claramente comprova que as decisões do Tribunal também afetam direta e decisivamente os cidadãos.
Várias decisões proferidas pelo STF desde 1988 demonstram o relevo dessa repercussão.
Já nos anos 1990 o STF havia firmado o entendimento de que a norma do artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano não era autoaplicável, dependendo, para a sua eficácia, de edição de lei complementar, o que acarretou impacto às relações entre pessoas físicas e jurídicas e instituições bancárias. Esse entendimento foi recentemente reafirmado por meio da Súmula Vinculante 7.
Outra decisão reveladora desse impacto foi proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, versando sobre a possibilidade ou não de aplicação do Código de Defesa do Consumidor sobre as relações entre consumidores e instituições bancárias, tendo o STF decidido que a lei consumerista se aplicava também em face dos bancos.
Alguns acórdãos proferidos pelo STF nos últimos anos reforçam ainda mais o papel constitucional da Corte sobre relações privadas.
Ao decidir pela constitucionalidade da regra constante da Lei 8.009/90, que afastava a impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, ensejou o STF posicionamento concreto sobre a extensão que se atribui a garantias contratuais, com sequelas sobre o mercado imobiliário.
A Súmula Vinculante 25, a seu turno, também acarreta consequências práticas de peso sobre relações interprivadas, especialmente nos contratos de alienação fiduciária em garantia, ao declarar ilícita a prisão do depositário infiel.
A decisão do STF pela constitucionalidade da norma autorizadora de pesquisas médicas com o emprego de células-tronco embrionárias também é de óbvia pertinência ao âmbito das relações privadas, haja vista que repercute sobre o direito à saúde de indivíduos, sobre decisões de casais que optem pela cessão de embriões excedentários para pesquisa, bem como sobre a atividade de pesquisadores vinculados a instituições públicas ou privadas – e, nessa medida, se projeta no campo da ordem econômica, da indústria farmacêutica e das e
empresas de biotecnologia.
Outras importantes questões atinentes às relações entre particulares que estão pendentes de decisão no STF dizem respeito ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, como na sua eventual extensão ao direito previdenciário.
Tudo isso é revelador de que a Constituição, e, por conseqüência, o STF, no exercício de sua missão de guardião do texto constitucional, são imprescindíveis para a definição de rumos e de limites pertinentes às relações privadas. Afinal, impende responder, claramente, a que e a quem se destina a jurisprudência do Supremo para o século XXI.
A questão consiste, nessa linha, na construção de arcabouço jurisprudencial que, em consonância com o sentido da Constituição democrática, seja mesmo a real imagem especular de uma sociedade livre, solidária e plural.
Artigo do Prof. Luiz Edson Fachin da Universidade Federal do Paraná, candidato ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal
Fonte: Cadernos de Estudos Jurídicos
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