Como é cediço, a teor do que estampa o artigo 649, IV, do Código de Processo Civil, são absolutamente impenhoráveis os salários e toda a forma remuneratória a ele equiparada, assumindo relevo considerável os debates estabelecidos em torno do tema.
Apesar de haver previsão expressa em Lei, durante algum tempo a jurisprudência trilhou por caminho diverso, nomeadamente nos domínios da esfera trabalhista, na medida em que pacificou o entendimento sobre o qual a natureza salarial elencada no dispositivo ostentava a mesma essência daquela devida a trabalhadores em demandas trabalhistas.
Ocorre, todavia, que, modificando o sentido das cortes pretorianas e aplicando a literalidade contida no dispositivo legal mencionado, os Tribunais Regionais do Trabalho do país tem perfilhado entendimento diverso, arrimados pela Orientação Jurisprudencial 153, SBDI – 2, do Col. TST, que informa ofender direito líquido e certo o bloqueio de conta salário, ainda que limitado a qualquer percentual, porquanto a natureza do crédito trabalhista, segundo a OJ, não se confunde com aquela ostentada pela prestação alimentar.
Não se pode olvidar, diante disso, que o entendimento vai de encontro à efetividade da jurisdição, pois, como é de conhecimento geral, o número avassalador de execuções contraproducentes na justiça laboral deve-se nos mais das vezes às ações fraudulentas de empresas, que esvaziam o acervo patrimonial existente, no que são acompanhadas, em momento posterior e havendo abuso da personalidade jurídica, pelos sócios no conhecido estratagema do uso de “homens de palha” ou “laranjas” na composição societária, sendo certo que somente após a constrição salarial revela-se possível a consecução do fim maior do processo: a concretização do provimento jurisdicional.
A outro giro, impõe consignar que a entrega no provimento jurisdicional, muitas vezes pela interposição de recursos manifestamente procrastinatórios e tendo em conta a legislação retrógada, contribui para que demandas judiciais tenham seu “nascimento”, “crescimento”, “desenvolvimento” e “morte”, leia-se, fim, sem que seja oportunizada ao vencedor a satisfação do bem da vida pleiteado; no caso específico, créditos salariais, que ostentam natureza eminentemente alimentar.
É certo — e isso não se põe à prova de questionamento — que o Estado não possui interesse antagônico ao do vencedor de ação judicial, pelo contrário, é o maior interessado na satisfação integral da justiça, razão pela qual deve oferecer diretrizes materiais e legais para sua concretude.
Disso não se afasta a Emenda Constitucional 45/2004, que assegurou a todos os litigantes, seja em âmbito judicial ou administrativo, a duração razoável do processo, subsidiados por ferramentas que garantam a celeridade da tramitação processual e, como desdobramento lógico, a efetivação da tutela jurisdicional.
Nesse quadrante, releva consignar que referida disposição foi inserida não por acaso no rol de direitos fundamentais, já que o provimento jurisdicional é atividade inerente a qualquer Estado Democrático de Direito, sendo certo que os tribunais, fundamentalmente os superiores, devem desempenhar suas funções institucionais de modo a garantir o pleno exercício dos direitos previstos na Lex Legum, relativizando a letra fria da lei, se e quando em choque com os dogmas constitucionais.
Da mesma forma, não há falar-se que a constrição salarial represente ofensa à dignidade do trabalhador (ex-empresário), pois trabalhador dependente de salário também o é aquele que anos a fio se dedicou como funcionário para o acréscimo patrimonial da entidade e de seus componentes. Sob essa ótica, torna necessário que seja feito um paralelismo, a fim de garantir a materialização do princípio isonômico entre os litigantes perante as garantias irradiadas da relação jurídica, assinaladamente em razão da consonância que deve abarcar as normas que integram o texto da Lei Maior e, em especial, da inexistência de hierarquia entre o acervo das normas integrantes desse documento.
Nesse passo, forçoso concluir-se que a impenhorabilidade de salário prevista na Lei Instrumental não deve ser levada a efeito como premissa absoluta, ou, nos dizeres do TST, como direito líquido e certo, mas sim analisada em cada situação específica à luz do ordenamento constitucional vigente, máxime nas situações em que a sustentabilidade do executado não reste comprometida por essa medida excepcional, tantas vezes a última capaz de não frustrar a execução do crédito trabalhista.
Por Carlos Magno de Souza
Fonte: Direito e Justiça - Correio Brasiliense
Apesar de haver previsão expressa em Lei, durante algum tempo a jurisprudência trilhou por caminho diverso, nomeadamente nos domínios da esfera trabalhista, na medida em que pacificou o entendimento sobre o qual a natureza salarial elencada no dispositivo ostentava a mesma essência daquela devida a trabalhadores em demandas trabalhistas.
Ocorre, todavia, que, modificando o sentido das cortes pretorianas e aplicando a literalidade contida no dispositivo legal mencionado, os Tribunais Regionais do Trabalho do país tem perfilhado entendimento diverso, arrimados pela Orientação Jurisprudencial 153, SBDI – 2, do Col. TST, que informa ofender direito líquido e certo o bloqueio de conta salário, ainda que limitado a qualquer percentual, porquanto a natureza do crédito trabalhista, segundo a OJ, não se confunde com aquela ostentada pela prestação alimentar.
Não se pode olvidar, diante disso, que o entendimento vai de encontro à efetividade da jurisdição, pois, como é de conhecimento geral, o número avassalador de execuções contraproducentes na justiça laboral deve-se nos mais das vezes às ações fraudulentas de empresas, que esvaziam o acervo patrimonial existente, no que são acompanhadas, em momento posterior e havendo abuso da personalidade jurídica, pelos sócios no conhecido estratagema do uso de “homens de palha” ou “laranjas” na composição societária, sendo certo que somente após a constrição salarial revela-se possível a consecução do fim maior do processo: a concretização do provimento jurisdicional.
A outro giro, impõe consignar que a entrega no provimento jurisdicional, muitas vezes pela interposição de recursos manifestamente procrastinatórios e tendo em conta a legislação retrógada, contribui para que demandas judiciais tenham seu “nascimento”, “crescimento”, “desenvolvimento” e “morte”, leia-se, fim, sem que seja oportunizada ao vencedor a satisfação do bem da vida pleiteado; no caso específico, créditos salariais, que ostentam natureza eminentemente alimentar.
É certo — e isso não se põe à prova de questionamento — que o Estado não possui interesse antagônico ao do vencedor de ação judicial, pelo contrário, é o maior interessado na satisfação integral da justiça, razão pela qual deve oferecer diretrizes materiais e legais para sua concretude.
Disso não se afasta a Emenda Constitucional 45/2004, que assegurou a todos os litigantes, seja em âmbito judicial ou administrativo, a duração razoável do processo, subsidiados por ferramentas que garantam a celeridade da tramitação processual e, como desdobramento lógico, a efetivação da tutela jurisdicional.
Nesse quadrante, releva consignar que referida disposição foi inserida não por acaso no rol de direitos fundamentais, já que o provimento jurisdicional é atividade inerente a qualquer Estado Democrático de Direito, sendo certo que os tribunais, fundamentalmente os superiores, devem desempenhar suas funções institucionais de modo a garantir o pleno exercício dos direitos previstos na Lex Legum, relativizando a letra fria da lei, se e quando em choque com os dogmas constitucionais.
Da mesma forma, não há falar-se que a constrição salarial represente ofensa à dignidade do trabalhador (ex-empresário), pois trabalhador dependente de salário também o é aquele que anos a fio se dedicou como funcionário para o acréscimo patrimonial da entidade e de seus componentes. Sob essa ótica, torna necessário que seja feito um paralelismo, a fim de garantir a materialização do princípio isonômico entre os litigantes perante as garantias irradiadas da relação jurídica, assinaladamente em razão da consonância que deve abarcar as normas que integram o texto da Lei Maior e, em especial, da inexistência de hierarquia entre o acervo das normas integrantes desse documento.
Nesse passo, forçoso concluir-se que a impenhorabilidade de salário prevista na Lei Instrumental não deve ser levada a efeito como premissa absoluta, ou, nos dizeres do TST, como direito líquido e certo, mas sim analisada em cada situação específica à luz do ordenamento constitucional vigente, máxime nas situações em que a sustentabilidade do executado não reste comprometida por essa medida excepcional, tantas vezes a última capaz de não frustrar a execução do crédito trabalhista.
Por Carlos Magno de Souza
Fonte: Direito e Justiça - Correio Brasiliense
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