A escolha do Supremo
A história se repete. Uma cadeira do Supremo fica vaga, o presidente da República indica o substituto do ministro que se aposentou, o Senado sabatina o escolhido e o aprova. Ele é, então, nomeado e toma posse.
Em meio ao processo, surgem corporações de classe e movimentos ditos sociais bradando contra a forma “pouco democrática” de escolha para os cargos da Suprema Corte. A lista é enorme. O argumento comum entre os críticos é o de que o Congresso Nacional e entidades da sociedade civil deveriam ter participação maior nas indicações.
A reivindicação seria nobre como tantas outras se os argumentos usados por tais movimentos não fossem falaciosos. A primeira falácia é exigir a participação ativa do Congresso nas indicações. Tal participação já é prevista na Constituição Federal. Está no parágrafo único do artigo 101: “Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.
Ou seja, existe o que se chama de sistema de freios e contrapesos na indicação presidencial. A escolha tem de ser obrigatoriamente corroborada pelo Senado. Sem a chancela dos senadores, que inclusive têm a faculdade de rejeitar o nome enviado ao Legislativo pelo presidente, o escolhido não toma posse.
Em recente entrevista, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, afirmou que o referendo do Senado “se mostra pró-forma, apenas para cumprir requisito constitucional.” Por isso, defende Ophir, seria necessário rediscutir os critérios de escolha dos ministros do Supremo. Com o devido respeito que merece o presidente da OAB, por essa lógica seria melhor matar todo e qualquer doente do que tratá-lo para que se recupere de suas moléstias.
De fato, se compararmos a sabatina no Brasil com a que é feita pelo Senado dos Estados Unidos, onde o sistema de indicação dos ministros da Suprema Corte é idêntico ao nosso, o trabalho dos senadores brasileiros deixa muito a desejar. Em 2009, Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte americana, enfrentou uma maratona antes de tomar posse como juíza: foram nove horas diárias, durante quatro dias, de sabatina.
Os senadores americanos têm a consciência de que ao chancelar ou rejeitar a escolha presidencial podem influir na jurisprudência da Suprema Corte, que se tornará mais conservadora ou mais liberal a depender de sua composição. Por que, então, os senadores brasileiros não fazem o mesmo? O poder de influir na escolha do ministro já lhes é facultado, basta vontade política para tratar a indicação com a seriedade que ela merece. Certamente é mais simples corrigir os rumos no quesito sabatina do que aprovar mudanças na forma de indicação.
Um novo argumento para criticar a escolha presidencial surgiu por conta da demora do ex-presidente Lula na indicação. Ninguém em sã consciência discorda que sete meses é um período muito longo para deixar vaga uma cadeira do Supremo. Mas se a indicação fosse do Congresso seria necessariamente mais célere? Há dúvidas razoáveis sobre isso.
Basta lembrar que em 2009 o Congresso deixou o Conselho Nacional de Justiça funcionando com apenas um de seus integrantes porque não aprovava os nomes dos demais. O conselheiro Marcelo Nobre ficou durante quase 60 dias decidindo sozinho todos os casos liminares do CNJ. Foi apelidado, na ocasião, de superconselheiro.
Diante desse cenário, não me permito crer que dar mais poder aos senadores ou deputados na indicação qualificaria o Supremo Tribunal Federal ou implicaria menor tempo para a indicação.
Entidades da magistratura exigiram da presidente Dilma Rousseff a indicação de um juiz de carreira para o Supremo. Luiz Fux é juiz de carreira, mas não foi indicado por esse motivo. Não cabe aqui mencionar as inúmeras qualificações que habilitam Fux a ocupar o posto de ministro do STF, mas elas revelariam que o fato de ser juiz de carreira não foi o motivo determinante para sua escolha. Nem deve ser.
Dizem os críticos que a escolha pelo presidente mina a independência dos ministros, que tendem se tornar representantes do Executivo no Poder Judiciário. Por essa lógica, ministros indicados a partir de listas de associações de juízes se tornariam representantes de quem? Da magistratura? E se fossem indicados pela OAB, teriam compromissos com a entidade? Não se tornaria o STF refém das corporações?
O juiz do Supremo não deve ter compromissos com nenhum segmento, mas apenas com a Constituição, com sua consciência e convicções. E para isso a indicação discricionária pelo presidente da República ainda é a melhor forma de escolha. Garante que o ministro seja imparcial. É completamente diferente o fato de um ministro ter apoio político para compor a Corte e ser indicado diretamente por deputados, senadores ou entidades de classe. Neste último caso é que a independência correria riscos.
A história de recentes julgamentos derruba a tese da falta de independência. Mesmo com a maioria de ministros indicados pelo ex-presidente Lula, por exemplo, a denúncia do mensalão foi recebida e tramita no Supremo. No final de 2009, três ministros indicados por Lula votaram a favor da extradição do ex-militante italiano Cesare Battisti: Ayres Britto, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski.
São dois singelos exemplos, entre outras dezenas, de casos nos quais havia o interesse direto do governo no julgamento e nem por isso os ministros indicados pelo presidente se alinharam à sua vontade ou se deixaram levar por interesses partidários. Conta-se que Lula teria torcido o nariz, mas teve de engolir. Em uma de suas primeiras declarações como ex-presidente, Lula disse que errou ao escolher os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Cármen Lúcia. Sinal de que os ministros acertaram ao tomarem suas decisões ingratas do ponto de vista do presidente que os indicou. É assim mesmo.
A presidente Dilma Rousseff foi eleita há menos de quatro meses com quase 56 milhões de votos em um processo eleitoral coberto de legitimidade. Seus atos, desde que tomados nos limites fixados pela Constituição, estão chancelados por 56% da população apta a votar. Os senadores que tomaram posse há oito dias também receberam milhões de votos. Como conceber que a escolha da presidente, que tem de ser chancelada pelo Senado, não é democrática? Só acreditando que o eleitor brasileiro é inimputável, o que me recuso a fazer.
Dilma demonstrou sabedoria ao não levar em conta listas de quem quer que seja e, ao fazer isso, indicou um ministro que foi recebido com entusiasmo por toda a comunidade jurídica. Lula diria que sua sucessora fez um golaço. Luiz Fux, que foi indicado ao Superior Tribunal de Justiça por Fernando Henrique Cardoso, chegará ao Supremo pelas mãos de Dilma sem amarras ou compromissos com qualquer entidade de classe ou partido político, graças ao sistema que vige hoje no país.
Em artigo publicado no jornal Diário Catarinense, o promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto, integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, escreveu que “as indicações muitas vezes seguem um ritual de forças e de indicações políticas de bastidores, tendo como principal e decisivo critério a fidelidade partidária ou pessoal do suposto candidato em relação ao Executivo ou a determinado grupo de poder”.
Ora, se a indicação coubesse à Câmara dos Deputados, ao Senado ou a entidades de classe estaríamos diante de um quadro melhor? O promotor lembrou que seu movimento e outras entidades lançaram o nome do juiz Márlon Reis ao Supremo. Reis é um juiz respeitado e reconhecido pela luta contra a corrupção eleitoral. Ganhou o Prêmio Innovare por seu trabalho.
Nada tenho contra o magistrado em questão, mas me soa um tanto quanto autoritário entender que só porque ele não foi indicado, a escolha não foi democrática. O mestre Millôr Fernandes já dizia: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.
O promotor ainda ressalta, no texto, que Dilma indicou Fux “justamente quando o presente movimento popular buscava implementar inédita estratégia democrática junto ao STF. Despercebido não passa que a nomeação estava pendente há mais de seis meses”. Passou-me a impressão de que o promotor acredita que Dilma correu para indicar Fux para não sofrer pressões populares pela indicação de Márlon Reis. Mas não quero crer que tenha sido essa sua intenção, já que até os paralelepípedos sabiam que a indicação seria feita na abertura do ano judiciário.
Abrir canais de interlocução da sociedade com o Judiciário é importante e um movimento que deve ser cada vez mais estimulado. Mas submeter a escolha de ministros do Supremo ao fisiologismo de partidos políticos e entidades de classe seria um franco retrocesso no caminho do fortalecimento das instituições que o país trilha desde a promulgação da Constituição de 1988.
Por Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur
Em meio ao processo, surgem corporações de classe e movimentos ditos sociais bradando contra a forma “pouco democrática” de escolha para os cargos da Suprema Corte. A lista é enorme. O argumento comum entre os críticos é o de que o Congresso Nacional e entidades da sociedade civil deveriam ter participação maior nas indicações.
A reivindicação seria nobre como tantas outras se os argumentos usados por tais movimentos não fossem falaciosos. A primeira falácia é exigir a participação ativa do Congresso nas indicações. Tal participação já é prevista na Constituição Federal. Está no parágrafo único do artigo 101: “Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.
Ou seja, existe o que se chama de sistema de freios e contrapesos na indicação presidencial. A escolha tem de ser obrigatoriamente corroborada pelo Senado. Sem a chancela dos senadores, que inclusive têm a faculdade de rejeitar o nome enviado ao Legislativo pelo presidente, o escolhido não toma posse.
Em recente entrevista, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, afirmou que o referendo do Senado “se mostra pró-forma, apenas para cumprir requisito constitucional.” Por isso, defende Ophir, seria necessário rediscutir os critérios de escolha dos ministros do Supremo. Com o devido respeito que merece o presidente da OAB, por essa lógica seria melhor matar todo e qualquer doente do que tratá-lo para que se recupere de suas moléstias.
De fato, se compararmos a sabatina no Brasil com a que é feita pelo Senado dos Estados Unidos, onde o sistema de indicação dos ministros da Suprema Corte é idêntico ao nosso, o trabalho dos senadores brasileiros deixa muito a desejar. Em 2009, Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte americana, enfrentou uma maratona antes de tomar posse como juíza: foram nove horas diárias, durante quatro dias, de sabatina.
Os senadores americanos têm a consciência de que ao chancelar ou rejeitar a escolha presidencial podem influir na jurisprudência da Suprema Corte, que se tornará mais conservadora ou mais liberal a depender de sua composição. Por que, então, os senadores brasileiros não fazem o mesmo? O poder de influir na escolha do ministro já lhes é facultado, basta vontade política para tratar a indicação com a seriedade que ela merece. Certamente é mais simples corrigir os rumos no quesito sabatina do que aprovar mudanças na forma de indicação.
Um novo argumento para criticar a escolha presidencial surgiu por conta da demora do ex-presidente Lula na indicação. Ninguém em sã consciência discorda que sete meses é um período muito longo para deixar vaga uma cadeira do Supremo. Mas se a indicação fosse do Congresso seria necessariamente mais célere? Há dúvidas razoáveis sobre isso.
Basta lembrar que em 2009 o Congresso deixou o Conselho Nacional de Justiça funcionando com apenas um de seus integrantes porque não aprovava os nomes dos demais. O conselheiro Marcelo Nobre ficou durante quase 60 dias decidindo sozinho todos os casos liminares do CNJ. Foi apelidado, na ocasião, de superconselheiro.
Diante desse cenário, não me permito crer que dar mais poder aos senadores ou deputados na indicação qualificaria o Supremo Tribunal Federal ou implicaria menor tempo para a indicação.
Entidades da magistratura exigiram da presidente Dilma Rousseff a indicação de um juiz de carreira para o Supremo. Luiz Fux é juiz de carreira, mas não foi indicado por esse motivo. Não cabe aqui mencionar as inúmeras qualificações que habilitam Fux a ocupar o posto de ministro do STF, mas elas revelariam que o fato de ser juiz de carreira não foi o motivo determinante para sua escolha. Nem deve ser.
Dizem os críticos que a escolha pelo presidente mina a independência dos ministros, que tendem se tornar representantes do Executivo no Poder Judiciário. Por essa lógica, ministros indicados a partir de listas de associações de juízes se tornariam representantes de quem? Da magistratura? E se fossem indicados pela OAB, teriam compromissos com a entidade? Não se tornaria o STF refém das corporações?
O juiz do Supremo não deve ter compromissos com nenhum segmento, mas apenas com a Constituição, com sua consciência e convicções. E para isso a indicação discricionária pelo presidente da República ainda é a melhor forma de escolha. Garante que o ministro seja imparcial. É completamente diferente o fato de um ministro ter apoio político para compor a Corte e ser indicado diretamente por deputados, senadores ou entidades de classe. Neste último caso é que a independência correria riscos.
A história de recentes julgamentos derruba a tese da falta de independência. Mesmo com a maioria de ministros indicados pelo ex-presidente Lula, por exemplo, a denúncia do mensalão foi recebida e tramita no Supremo. No final de 2009, três ministros indicados por Lula votaram a favor da extradição do ex-militante italiano Cesare Battisti: Ayres Britto, Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski.
São dois singelos exemplos, entre outras dezenas, de casos nos quais havia o interesse direto do governo no julgamento e nem por isso os ministros indicados pelo presidente se alinharam à sua vontade ou se deixaram levar por interesses partidários. Conta-se que Lula teria torcido o nariz, mas teve de engolir. Em uma de suas primeiras declarações como ex-presidente, Lula disse que errou ao escolher os ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Cármen Lúcia. Sinal de que os ministros acertaram ao tomarem suas decisões ingratas do ponto de vista do presidente que os indicou. É assim mesmo.
A presidente Dilma Rousseff foi eleita há menos de quatro meses com quase 56 milhões de votos em um processo eleitoral coberto de legitimidade. Seus atos, desde que tomados nos limites fixados pela Constituição, estão chancelados por 56% da população apta a votar. Os senadores que tomaram posse há oito dias também receberam milhões de votos. Como conceber que a escolha da presidente, que tem de ser chancelada pelo Senado, não é democrática? Só acreditando que o eleitor brasileiro é inimputável, o que me recuso a fazer.
Dilma demonstrou sabedoria ao não levar em conta listas de quem quer que seja e, ao fazer isso, indicou um ministro que foi recebido com entusiasmo por toda a comunidade jurídica. Lula diria que sua sucessora fez um golaço. Luiz Fux, que foi indicado ao Superior Tribunal de Justiça por Fernando Henrique Cardoso, chegará ao Supremo pelas mãos de Dilma sem amarras ou compromissos com qualquer entidade de classe ou partido político, graças ao sistema que vige hoje no país.
Em artigo publicado no jornal Diário Catarinense, o promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto, integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, escreveu que “as indicações muitas vezes seguem um ritual de forças e de indicações políticas de bastidores, tendo como principal e decisivo critério a fidelidade partidária ou pessoal do suposto candidato em relação ao Executivo ou a determinado grupo de poder”.
Ora, se a indicação coubesse à Câmara dos Deputados, ao Senado ou a entidades de classe estaríamos diante de um quadro melhor? O promotor lembrou que seu movimento e outras entidades lançaram o nome do juiz Márlon Reis ao Supremo. Reis é um juiz respeitado e reconhecido pela luta contra a corrupção eleitoral. Ganhou o Prêmio Innovare por seu trabalho.
Nada tenho contra o magistrado em questão, mas me soa um tanto quanto autoritário entender que só porque ele não foi indicado, a escolha não foi democrática. O mestre Millôr Fernandes já dizia: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.
O promotor ainda ressalta, no texto, que Dilma indicou Fux “justamente quando o presente movimento popular buscava implementar inédita estratégia democrática junto ao STF. Despercebido não passa que a nomeação estava pendente há mais de seis meses”. Passou-me a impressão de que o promotor acredita que Dilma correu para indicar Fux para não sofrer pressões populares pela indicação de Márlon Reis. Mas não quero crer que tenha sido essa sua intenção, já que até os paralelepípedos sabiam que a indicação seria feita na abertura do ano judiciário.
Abrir canais de interlocução da sociedade com o Judiciário é importante e um movimento que deve ser cada vez mais estimulado. Mas submeter a escolha de ministros do Supremo ao fisiologismo de partidos políticos e entidades de classe seria um franco retrocesso no caminho do fortalecimento das instituições que o país trilha desde a promulgação da Constituição de 1988.
Por Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur
Parabens pelas brilhantes palavras..Seu Saber Jurudico sempre serve de estimulo para nós que somos Academicos.
ResponderExcluirUm Grande Abraço.
Segue direito de resposta em forma de ARTIGO para eventual publicação no presente Blog: http://www.osconstitucionalistas.com.br/qual-democracia-e-melhor-a-minha-ou-a-alheia
ResponderExcluirGrato, Affonso Ghizzo Neto.
Obrigado pelas visitas, espero continuar contribuindo e ser merecedor das visitas e menções. Desde já direito de resposta assegurado. Entrará nas próximas postagens.
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