terça-feira, 15 de março de 2011

Imprensa condena sem direito a apelação

Poder de fogo
Atualmente questiona-se muito o papel dos meios de comunicação e da mídia na sociedade contemporânea. Cada vez mais determinados grupos se apropriam dos meios de comunicação e acabam dominando a produção midiática. SHUDSON (1982) afirma que “o poder dos media reside não apenas no seu poder de anunciar as coisas como verdadeiras, mas no seu poder de fornecer a forma como as declarações aparecem”. Na grande mídia, um dos graves problemas é que o ritmo de produção é frenético, prejudicando a qualidade e o aprofundamento na produção da informação. As dificuldades aumentam de maneira exponencial quando as atividades jurisdicionais e os membros do Judiciário são objeto de notícia.

Não se afigura viável analisar todos os tópicos possíveis relacionados às dificuldades de comunicação entre a mídia e o Poder Judiciário, razão pela qual se opta pela avaliação tão-somente de três aspectos específicos: o excesso de informações pelos meios de comunicação a respeito dos fatos criminosos; a diferença temporal entre a produção da notícia e o processo judicial e a ponderação necessária quando presente o direito de informar e o direito à honra.

Neste contexto de responsabilidade dos meios de comunicação será avaliada a exorbitação do direito da imprensa de manter a sociedade informada a respeito dos crimes e da violência, em detrimento de informações diversas a respeito de temas socialmente relevantes.

A partir de um caso concreto, estudar-se-á a colisão entre o direito de informar e o direito a honra, e quais os limites para a aplicação da teoria da responsabilidade social dos meios de comunicação.

Finalmente, quanto à produção da notícia, adentraremos no aspecto temporal aparentemente inconciliável relacionado à duração do processo judicial e a necessidade de informações em tempo real.

Como substrato fático deste artigo, realizaremos a análise de um caso concreto que ocorreu na cidade de São Paulo e acarretou a condenação da Folha de S.Paulo a indenizar um juiz federal no valor de R$ 1,2 milhão, decisão ainda passível de reforma, em decorrência de uma reportagem ofensiva à honra do magistrado relativa à Operação Anaconda.

Estudo de caso
Em 30 de outubro de 2003, foi deflagrada uma operação pela Polícia Federal intitulada de Anaconda, com escutas telefônicas que teriam captado indícios das negociações ilícitas entre criminosos e membros do Poder Judiciário. Em 18 de dezembro de 2009, a Folha da Manhã S/A, que edita a Folha de S.Paulo, e o jornalista Frederico Vasconcelos, foram condenados pelo juiz Fernando Antonio Tasso, da 10ª Vara Cível de São Paulo, a pagarem ao juiz federal Ali Mazloum uma indenização por danos morais no valor de R$ 1,2 milhão, em decorrência de publicação pertinente à Operação Anaconda, que ocorreu em 4 de novembro de 2003. Além da condenação por danos morais, o juiz determinou a publicação da sentença no jornal. A decisão foi objeto de recurso por parte da Folha.

Conforme se depreende das notícias colhidas em sites na internet[1], foram presas oito pessoas e denunciados três juízes federais em decorrência da chamada Operação Anaconda. A operação foi resultado de uma investigação de um ano e nove meses feita pela Inteligência da Polícia Federal em Brasília que, com autorização judicial, monitorou mais de 80 telefones de agentes, delegados e juízes federais em São Paulo.

As interceptações, nos termos das reportagens, revelaram um esquema de corrupção que envolvia extorsão de empresas, uso de documentos falsos para manipular inquéritos e venda de sentenças judiciais. O inquérito correu em segredo de Justiça. Além de diversos envolvidos, dois juízes federais foram denunciados na mesma investigação: os irmãos Casem e Ali Mazloum. Ali Mazlum foi acusado por formação de quadrilha, ameaça e abuso de poder. A denúncia contra Casem é por formação de quadrilha, falsidade ideológica e interceptação ilegal de telefones.

Em decorrência dos fatos narrados, o juiz federal Ali Mazlum respondeu a um processo judicial pelos crimes enumerados. Segundo a acusação, Ali Mazloum teria ameaçado policiais rodoviários federais encarregados de monitorar escutas sigilosas e tentado obter deles cópias das gravações que diriam respeito a ele e a outros implicados na Operação Anaconda. O juiz responsável pela escuta era o titular da 10ª Vara, enquanto o juiz Ali Mazloum atuava na 7ª Vara.

Apesar das diversas reportagens a respeito do tema, inclusive do afastamento do juiz Mazloum da Vara em que atuava, o Supremo Tribunal Federal determinou o trancamento do processo pelo fato de inexistirem provas suficientes para o recebimento da denúncia. Após essa decisão, o juiz Ali Mazloum ingressou com ação judicial para reparação dos danos morais que teria sofrido em decorrência de reportagem realizada pela Folha de S.Paulo.

A ação judicial em que se postulou a indenização por dano moral, por sua vez, contém várias informações que merecem transcrição para oportunizar uma melhor contextualização sequencial dos fatos:

Na inicial, Mazloum alegou que o jornal veiculou uma série de reportagens ofensivas à sua honra e que a matéria "Mudança de sede causou polêmica", com o subtítulo "Magistrados teriam feito ‘lobby’ para não deixar prédio no centro" foi "fruto de criação mental" do jornalista Frederico Vasconcelos.

A reportagem abordou a mudança do Fórum Ministro Jarbas Nobre da praça da República para a alameda Ministro Rocha Azevedo, e afirmou que a localização anterior, no centro, era melhor para os acusados do esquema de venda de sentenças judiciais, pela proximidade dos escritórios de advogados e doleiros alvo da operação. Citou, ainda, que "atribuiu-se a um ‘lobby’ dos irmãos Mazloum [os juízes Casem e Ali Mazloum] críticas à mudança".

Em sua defesa, o jornal alegou que foi a promotoria quem apontou Ali Mazloum como um dos envolvidos na chamada Operação Anaconda. Sustentou, ainda, que "a reportagem não faz acusações, pré-julgamentos ou juízo de valor, evidenciando, apenas, que havia à época dos fatos especulações quanto ao interesse do autor [da ação, Ali Mazloum]". [2]

Na sentença que condenou a Folha de S.Paulo a indenizar o juiz Mazloum, foram apontadas questões pertinentes à liberdade de informação:

Na sentença, o juiz Fernando Antônio Tasso sustenta que o direito à informação colide com outros direitos fundamentais igualmente garantidos pela Constituição e que, por isso mesmo, não é absoluto. Diz o juiz: "No cotejo entre os direitos à honra e à imagem e, de outra parte, o direito de informar, a prevalência deste se dá se, e somente se concorrerem os seguintes pressupostos: 1) a informação for verídica; 2) a informação for inevitável para passar a mensagem; 3) a informação for relevante, na dicção de se tratar de um aspecto marcante da vida social; e 4) não deve ser veiculada de forma insidiosa".

O juiz entendeu que o texto "trouxe embutida a mensagem subliminar de que os protagonistas eram quadrilheiros reunidos para obstar a mudança", mensagem repassada ao leitor, "a despeito de linhas adiante relatarem a opinião de Ali Mazloum, totalmente discordante".

Ele reiterou, ainda, que as apurações feitas pelo Ministério Público Federal envolvendo os juízes não encontraram provas que pudessem incriminá-los. “Não houve a apresentação à Justiça de indícios de autoria de qualquer ato definido como crime pelo autor, motivo pelo qual a reputação do indivíduo e magistrado permaneceu incólume”, afirmou o juiz. [3]

Restou, ainda, consignado na sentença, que a própria diagramação do jornal foi tendenciosa ao inserir a notícia sobre a mudança da sede do tribunal entre outras notícias que "tratam de juízes acusados de crime e de prorrogação da prisão de juízes acusados de venda de sentenças, enquanto nenhum desses assuntos pode ser atribuído ao autor".

O juiz, ao motivar faticamente a sua sentença, observou:

A mensagem transmitida pela palavra escrita pode ser feita de forma subliminar, ou “lida nas entrelinhas”, sendo sua penetração diretamente proporcional à habilidade do emissor, neste caso, seu autor. O mero relato de eventual dissídio entre juízes acerca da conveniência de mudança do local de seus gabinetes foi abordada de uma forma pseudo-jornalística, como sustentado pelo advogado do autor, na medida em que sob a roupagem de mero relato de um fato, trouxe embutida a mensagem subliminar de que os protagonistas eram quadrilheiros reunidos para obstar a mudança de gabinetes para local mais próximo do órgão correcional do Tribunal a que eram vinculados e do Ministério Público. Não bastasse, insinuou que a resistência à mudança estava ligada ao fato de que a região da Praça da República abriga doleiros e advogados venais ligados ao esquema de corrupção. Tal conclusão não é fruto de uma análise parcial de seu conteúdo, bastando para que se identifique o cunho insidioso da frase estrategicamente contextualizada pelo seu autor, Frederico Vansconcelos, sua leitura: “(...) Antes da Operação Anaconda, sua localização era privilegiada para os acusados do esquema de venda de sentenças judiciais. Estava próximo do apartamento da ex-mulher do juiz Rocha Mattos, Norma Cunha, também na Praça da República, e dos escritórios de advogados e doleiros, na avenida São Luiz. O edifício está distante da Procuradoria da República, na rua Peixoto Gomide, do Fórum Pedro Lessa (com outras varas federais de primeira instância) e do Tribunal Regional Federal, estes dois na avenida Paulista. (...) Semanas atrás, atribuiu-se a um “lobby” dos irmãos Mazloum críticas à mudança (...)”. A despeito de linhas adiante, relatar a opinião de Ali Mazloum, frontalmente discordante, a mensagem havia sido passada a qualquer leitor de mediana inteligência. Vê-se que a matéria atacada não observou dois requisitos fundamentais para sua higidez e intangibilidade, como já explicado: possuiu caráter visivelmente insidioso e relatou fatos inverídicos. A inverdade da informação, aliás, está expressa em artigo de 12 de outubro de 2003 (fls.114/115) publicado pelo jornal Estado de São Paulo, que demonstra a adesão do autor à mudança de sede. Não se olvida o resguardo do sigilo da fonte, o que, porém, não consiste numa outorga incondicionada para a veiculação de aleivosias sob o respaldo de colocações evasivas como “Semanas atrás, atribuiu-se a um “lobby” dos irmãos Mazloum (...)” (fls.110 e 111).

A sentença destaca que o autor da reportagem, Frederico Vasconcelos, é autor também do livro Juízes no Banco dos Réus, para então concluir:

É alta a intensidade do dolo do jornalista, porquanto também é autor da obra intitulada “Juízes no Banco dos Réus”, na qual constam reportagens de sua própria autoria e relatam fatos e teorias que incriminam juízes e outras autoridades. Assim sendo, não só o impacto, como a veracidade daquilo que afirma no livro são reforçados por novos fatos e reportagens, a exemplo do que ora se trata, o que seria até mesmo salutar, não fosse proveniente de criação leviana.

Ficou estabelecido o valor da indenização a ser paga pelo jornal em R$ 1,2 milhão. Chegou-se a esse número multiplicando 20 salários mínimos pelo número de meses no exercício da magistratura do autor da ação (11 anos). Também foi condenado o jornal a publicar a sentença depois do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 200 mil.

O caso relatado é emblemático, pois a partir dele surgem vários questionamentos pertinentes à atuação da imprensa e às questões afetas ao Judiciário.

Colisão entre o direito de informar e o direito à honra
Questão controvertida no mundo acadêmico e na prática forense diz respeito ao choque entre o direito de informar e o direito à honra. Quando um deve ceder lugar ao outro? Qual o interesse que deve ser protegido: o social ou o individual? Ou ainda, quando existe efetivamente interesse social para que uma notícia seja veiculada?

No caso em estudo, houve a condenação da Folha de S.Paulo por ofensa ao princípio constitucional do direito à honra, em decorrência da colidência entre dois direitos fundamentais, elencados no artigo 5º e no artigo 220, ambos da Constituição Federal.

O artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição Federal dispõe que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Logo, é vedada a censura. Entretanto, a própria Constituição Federal prevê a observância, pelos meios de comunicação social, da honra, vida privada, imagem e intimidade das pessoas, assegurando a indenização por dano moral ou material decorrente da sua violação. Repudia-se o embaraço à livre informação, pois o direito de informar é um dos sustentáculos da formação da opinião pública e pedra basilar da democracia e do Estado de Direito, observadas as demais normas constitucionais citadas.

A dicotomia entre o direito à honra[4] e o direito de informar entram em rota de colisão quando um afeta a esfera do outro e, no caso em questão, pode-se verificar, a partir da leitura da decisão prolatada em 1º grau, a existência de ofensa à imagem, merecedora de reparação via judicial.

Uma imprensa livre, que exerce o direito constitucional de informar, deve fazê-lo com absoluta responsabilidade (LIMA, 2008), conforme se depreende do relatório da Hutchins Commission — “Uma imprensa livre e responsável” (A free anda responsible press) — publicado em 1947, nos EUA. Referido relatório deu origem à teoria da responsabilidade social da mídia e estabelece cinco pontos a serem observados pelos meios de comunicação:

1 - Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);

2 - Servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;

3 - Retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;

4 - Apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,

5 - Distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.

A sentença que verificou a ocorrência de dano moral analisou que a prevalência do direito de informar sobre o direito à honra e à imagem só ocorre quando presentes os seguintes aspectos: “1) a informação for verídica; 2) a informação for inevitável para passar a mensagem; 3) a informação for relevante, na dicção de se tratar de um aspecto marcante da vida social; e 4) não deve ser veiculada de forma insidiosa”.

Forçoso concluir que a liberdade de imprensa está diretamente relacionada à responsabilidade da imprensa, o que é um ponto de partida para a observância dos direitos fundamentais à honra, imagem e intimidade das pessoas.

Os meios de comunicação e os noticiários sobre fatos criminosos
O caso relatado neste artigo costuma ser uma espécie do gênero crime, que cada vez mais toma espaço nos meios de comunicação. É o tipo de notícia que chama a atenção pelo seu ineditismo — quadrilha de juízes —, além de ir ao encontro do senso comum de que todos aqueles que de alguma forma exercem cargos públicos são corruptos.

Nilo Batista vê um discurso criminológico realizado pela mídia em busca de uma hegemonia, principalmente sobre o discurso acadêmico, na direção da legitimação do dogma penal como instrumento básico de compreensão dos conflitos sociais. Existiria uma forma de privatização parcial do poder punitivo, iniciado muito mais por uma manchete de jornal do que a partir de uma portaria que dá início a um inquérito policial.

Com efeito, ao colocar uma diagramação especial relacionada a fatos criminosos, e na mesma página descrever fato específico que não possui ligação direta com aquele, mas suscita conclusões semelhantes, de certa forma gera uma espécie de condenação e punição antecipada, deixando de observar vários preceitos constitucionais como a presunção de inocência, suplantando por absoluto o direito de defesa.

Ao analisar a construção discursiva do noticiário sobre a violência no Rio de Janeiro, Fausto Neto, Castro e Lucas (1995, apud SEIFERT, 2004) constataram que a imprensa não se limita apenas a noticiar a violência ou crime, mas assume o papel de um verdadeiro tribunal: julga, acusa e sentencia. Nesse sentido, ela tem capacidade de alterar a realidade, pois o seu discurso de violência é, antes de tudo, um processo de violência. Para estes autores, a imprensa aponta o real, selecionando e enquadrando os fatos, além de manipular o olhar do público, subordinando-o a um determinado esquema de valores no qual aquilo que é destacado está sempre enquadrado em uma tela de julgamento.

Conforme SEIFERT (2004), essa estratégia de realização simbólica da justiça tem sido utilizada, em termos análogos, pelo programa Linha Direta, da TV Globo. Kleber Mendonça (2001, apud SEIFERT, 2004) denuncia a exorbitação do direito da imprensa de manter a sociedade informada do crime e da violência, em detrimento de diversos direitos e garantias individuais do acusado, como o direito à preservação da intimidade e a presunção de inocência.

Conclui-se que a partir deste quadro surgem diversas vítimas: o cidadão que acaba julgado e punido sem possibilidade de defesa, e a coletividade, que perde a possibilidade de informar-se adequadamente sobre questões relevantes. Por fim, a própria evolução social resta enfraquecida ao padecer de elementos suficientes para exercer cidadania, privada de diversas informações a respeito de temas socialmente relevantes.

Justiça e mídia – diferenças de temporalidade
Conforme se depreende da sentença que condenou a Folha de S.Paulo a ressarcir os danos morais sofridos pelo juiz Ali Mazloum, a Justiça e a mídia vivem uma relação de conflito. Entretanto, apesar dos interesses por diversas vezes divergentes, elas precisam conviver e colaborar, pois a imprensa precisa das fontes oriundas do Judiciário, e o Judiciário precisa da imprensa para informar suas decisões e obter legitimidade social.

Existe, ainda, a produção de regimes completamente distintos de produção de verdades. Enquanto o Judiciário obedece todos os ditames processuais embasados na lei para buscar a verdade real, a imprensa, para garantir destaque nas notícias, utiliza procedimentos que possibilitam a produção de verdades instantâneas, as quais, por muitas vezes, não vêm a se confirmar.

O processo judicial obedece ao contraditório[5] e à ampla defesa[6], e para tal situação é indispensável o decurso do tempo, enquanto que os meios de comunicação, cada vez mais, precisam informar com rapidez, num sistema on line de comunicação que muitas vezes acaba por atingir direitos fundamentais da pessoa humana.

Essa diferença temporal pode parecer inconciliável, e talvez na maior parte das vezes realmente o seja. Entretanto, para a manutenção de um Estado Democrático de Direito, é indispensável que se encontre um ponto razoável de harmonia entre a mídia e o Judiciário.

A Justiça e a mídia vivem uma relação de conflito perfeitamente detectável a partir da avaliação do caso relatado neste artigo, consistente na condenação da Folha de S.Paulo a indenizar um juiz federal em decorrência da publicação de reportagem que acarretou dano a sua honra. Da mesma forma, é notório não se tratar o caso descrito de fato isolado, existindo inúmeras reportagens que não se coadunam com as situações reais, o que acaba por ser demonstrado no decorrer do tempo.

Vários aspectos geradores deste conflito poderiam ser estudados, entretanto, este trabalho abarcou três pontos distintos e alcançou conclusões tão-somente em relação a eles.

Existe por parte da mídia um discurso criminológico em busca de uma hegemonia, principalmente sobre o discurso acadêmico, na direção da legitimação do dogma penal como instrumento básico de compreensão dos conflitos sociais. Deixam de ser observados preceitos mínimos constitucionais como o direito à honra e o direito de defesa. Existiria uma forma de privatização parcial do poder punitivo, iniciado muito mais por uma manchete de jornal do que a partir de uma denúncia processual.

Outro ponto de divergência é a diferença temporal entre a produção da notícia e a finalização de um processo judicial. Enquanto o Judiciário obedece todos os ditames processuais embasados na lei para buscar a verdade real, a imprensa, para garantir destaque nas notícias, utiliza procedimentos que possibilitam a produção de verdades instantâneas, as quais, por muitas vezes não são confirmadas.

Inicialmente depreende-se que a liberdade de a imprensa informar está diretamente relacionada à responsabilidade social da produção da notícia, ou seja, esta deve dizer respeito a temas socialmente relevantes para o exercício da cidadania. Partindo desta premissa, em tese, a honra cederia lugar quando necessária a informação de interesse socialmente relevante, e tão-somente nesta hipótese, com a devida observância da veracidade das notícias a serem veiculadas.

Forçoso concluir, finalmente, que para a manutenção de um Estado Democrático de Direito é indispensável encontrar um ponto razoável de harmonia entre a mídia e o Judiciário, sob pena de prejuízo à coletividade.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Nilo. Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio

FAUSTO NETO, Antonio, Castro, Paulo Cezar e LUCAS, Ricardo L. de Jucema ( 1995. Midia – Tribunal: a construção discursiva da violência: o caso do Rio de Janeiro. Comunicação e Política, n.s.v. 1, n 2, p. 107-140.

LIMA, Venicio A. de Lima, COMISSÃO HUTCHINS.O velho ( novo) paradigma faz 61 anos. LimaFonte:http//www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=478JDB001

SCHUDSON, Michael. The politics of narrative form: the emergence of news conventions in print and television. Daedalus: journal of the american Academy of Arts and Sciences, 1982, p. 98

SEIFERT, Priscila Leal. Tribunais Paralelos: Imprensa e Poder Judiciário no caso Daniela Perez. Niterói:EdUFF, 2004.

[1] Fonte:www.folha.com.br e www.terra.com.br

[2] Dados obtidos em 10.08.2010 do site http://www.ajufesp.org.br/new.php?id=346 às 18:13h

[3] Dados obtidos em 10.08.2010 do site http://www.ajufesp.org.br/new.php?id=346 às 18:13h

[4] Trecho da sentença prolatada pelo juiz Fernando Tasso: “Assim, a honra subjetiva consiste no sentimento de auto-estima do indivíduo, encerrado no sentimento que possui a respeito de si próprio, de seus atributos físicos, morais e intelectuais. Diversamente, o conceito de honra objetiva focaliza o aspecto externo de seu conteúdo valorativo, consistindo no conceito social que o indivíduo possui. A imagem é também atributo individual que recebe a mesma proteção constitucional, conceituado pela doutrina mais autorizada em seu aspecto material e imaterial. Tratado pelo conceito do qual comungo como imagem-retrato, cuida-se da reprodução gráfica da figura humana e, diversamente, como imagem-atributo, o conjunto de atributos cultivados pelo indivíduo e reconhecidos pelo conjunto social. Interessa-nos este último aspecto na medida em que o ofendido se julga desmerecido no contexto da função que desempenha e na forma que o faz. Em suma, a preponderância e intangibilidade do direito de informar encontra limites nos demais direitos fundamentais e não prescinde da observância de requisitos na sua formação” Dados obtidos no site. http://www.ajufesp.org.br/new.php?id=346 às 18:13h do dia 10/08/2010.

[5] De acordo com Vicente Greco Filho ( 1997) o contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa e consiste praticamente em: poder contrariar a acusação, pode requerer a produção de provas que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas, acompanhar a produção de provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis, falar sempre depois da acusação, manifestar-se sempre em todos os atos e termos processuais aos quais devem estar presentes e recorrer quando for informado

[6] 5º, LVII, da CRFB: “ Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.Art. 5º, LV, da CRFB: “ Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios de recursos a ela inerentes.”

Por Vânila Cardoso André de Moraes
Fonte: ConJur

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