quarta-feira, 9 de maio de 2012

Judiciário não representa o povo, diz ministra nos EUA

Independência da Justiça
Um Judiciário independente deve julgar com base na lei, não importa o resultado, nem as pressões de políticos, da mídia ou da opinião pública, disse a ministra da Suprema Corte do estado da Geórgia, nos EUA, Carol Hunstein, durante uma cerimônia em Marietta, uma cidade da área metropolitana de Atlanta. "O Judiciário não representa o povo. Essa função é do Legislativo. O Judiciário representa a lei", ela declarou. E recomendou à audiência que prestasse atenção a um lema originário do latim, esculpido na parede da Suprema Corte, em Atlanta, que diz: "Justiça seja feita, mesmo que os céus venham abaixo".

Ela lembrou que o Judiciário também não governa e, portanto, não representa o Estado. Essa é função do Executivo. E que os tribunais não existem para propagar qualquer ideologia, religião ou interesses especiais. O Judiciário deve se preocupar com a igualdade dos direitos, com o devido processo e com a neutralidade. Ela citou o ministro da Suprema Corte dos EUA, Anthony Kennedy. "A lei faz uma promessa: neutralidade. Se essa promessa não for cumprida, a lei, como a conhecemos, deixa de existir". E defendeu a probidade e a independência do Judiciário, citando o ministro da Suprema Corte John Marshall. "O maior flagelo que um céu irado pode impor a um povo ingrato e pecador seria um Judiciário ignorante, corrupto e dependente".

Todo esse discurso teve duas motivações: o funcionamento deficitário da Justiça em todo o país, por causa da crônica falta de verbas, e o comprometimento da independência e da lisura de todo o sistema judiciário americano, desde que os juízes dos tribunais superiores passaram a ser escolhidos para o cargo através de eleições altamente politizadas — e partidárias, de acordo com as declarações da ministra, selecionadas pelo The Marietta Daily Journal.

A ministra, que foi a primeira mulher a ser juíza em sua região, em 1984, e apontada para a Suprema Corte do estado em 1992, pelo então governador Zell Miller, retornou a esse cargo em 1994, 2000 e 2006, sempre por votos populares. Ela disse que, até 2006, as campanhas eleitorais eram "relativamente comedidas e dignificadas". Isso porque as eleições não tinham caráter partidário e o código de ética proibia os candidatos de discutir seus pontos de vista sobre temas polêmicos. "Os juízes tinham de preservar a lei, independentemente de seus pontos de vista pessoais", ela declarou.

Mas, em 2002, a Suprema Corte dos EUA decidiu que tal proibição constituía violação dos direitos constitucionais dos candidatos judiciais, porque limitava sua liberdade de expressão, um dos princípios garantidos pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA. "Desde então, as campanhas judiciais tornaram-se enlameadas por todos os defeitos da política partidária eleitoral", afirma. "Grupos de interesse, especialmente políticos e econômicos, passaram a ameaçar a independência do judiciário, exercendo influências nas eleições, usando seus recursos financeiros, políticos e sociais".

"Eu passei por isso em 2006", conta. "Muitos desses grupos são altamente organizados, ideologicamente estruturados e tem grande força econômica. Os interesses desses grupos superou o interesse no bem do público, o que vem ameaçando todo o sistema judicial do país", afirmou. Para a ministra, os ataques políticos ao Judiciário e todo o dinheiro que está fluindo para as campanhas judiciais, somados à extinção das restrições éticas, "têm o potencial de turvar a linha entre a responsabilidade judicial e a responsabilidade política", disse ela.

"Juízes independentes não podem sofrer influências ideológicas. Apesar de os juízes não pensarem da mesma maneira, suas decisões devem ser baseadas na determinação da prova e da lei, não em pesquisas de opinião pública, caprichos pessoais, preconceitos ou medos, ou em influências dos poderes executivo e legislativo ou mesmo de grupos de cidadãos", afirmou.

Financeiramente, o sistema judiciário da Geórgia está passando por uma conjuntura histórica, devido a suas dificuldades resultantes dos seguidos cortes em seu orçamento. Por exemplo, nos últimos anos o governo estadual tem destinado menos de 1% do orçamento do estado ao Judiciário. "No ano passado, nossa porção foi de 0,89% do orçamento estadual". Ela disse que essa situação tem persistido, apesar do crescimento da população. "E eu posso assegurar que a demanda por Justiça não diminui com a contração da economia. Ao contrário, aumenta", declarou.

Para ela, os tribunais se transformaram em algo parecido com as salas de emergência dos hospitais: "Não podemos controlar a entrada de pessoas, mas devemos tratar todos que vêm em busca de ajuda". Muitos tribunais já foram fechados pelo país, contou. "Os políticos não se dão conta de que a lei preserva nossa civilização e nosso modo de vida. E que um Judiciário independente é essencial para a democracia", declarou.

Por João Ozorio de Melo
Fonte: ConJur

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