Esclarecendo
Mais de uma vez ao dia, um jurisdicionado ou uma parte de um processo que tramita na vara onde desempenho minhas funções como juiz pronuncia a frase-título. Os motivos são vários e tenho certeza que, no íntimo das pessoas que a pronunciam, é de extremamente necessário. O problema é que essa concepção, muitas vezes, é equivocada. É sobre isso que nos deteremos nesse texto.
Como introdução ao tema, queria compartilhar o teor de norma constante do Código de Processo Civil - CPC:
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
[...] IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
Disposição semelhante existe, de forma mais compreensível, no Código de Processo Penal – CPP:
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
[...]
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
Desconhecendo essas normas, muitas pessoas procuram o juiz antes de existir um processo ou após um desses para dizer o seu desenrolar ou comunicar o inadimplemento. Querem, obviamente, que o magistrado os aconselhe e, diante disso, para gerar satisfação sem que coloquemos nossa atividade suspeita de parcialidade, aconselhamos da única forma possível: “Sugiro que procure um advogado ou defensor público e conte o que me contou, que ele tomará as providências cabíveis”.
Noutras oportunidades, as partes são atendidas em balcão pelos nossos valorosos servidores que explicam o conteúdo do despacho e dizem o que a parte precisa fazer – muitas vezes trazer um documento aos autos – as partes insistem em falar com o juiz. Interessante constatar que, muitas vezes, as pessoas não duvidam dos servidores, mas, por alguma “razão” inexplicável, querem escutar a mesma coisa do juiz.
Os Importante esclarecermos que a própria legislação estabelece prioridades na tramitação de processos em razão da sua classe, do assunto ou, até mesmo, por alguma condição das partes e, a título de exemplos, lembro das classes de habeas corpus, mandado de segurança, ação popular e ação civil pública, dos assuntos ligados a alimentos e quando algumas das partes estiver padecendo de doença terminal ou for idosa, assim considerados os maiores de 60 anos.
Nem sempre é fácil, no processo tradicional, físico ou “de papel”, lembrar disso e, por isso, é importante alguma marcação visível no processo, como sugerido no Provimento 04/2006 da CGJ-PB. Para alento dos leitores, informo que, no processo eletrônico ou virtual, tais prioridades já são consideradas quando é preparada a lista de processos para o ato judicial e, quando não houver mais tais prioridades, a regra é a antiguidade, ou seja, a lista de processos do juiz.
Assim, há uma ordem a ser seguida, mas, se a parte acha que o seu caso é especial – como normalmente acontece – procura o juiz para pedir prioridade. Não devem ser questionados os motivos, mas eventualmente existe no balcão do cartório ou secretaria alguma caixa de sugestões e/ou outros onde pode isso ser feito.
Também ocorre da procura para “explicar tudo ao juiz” ou contar algo novo na relação. Nesses casos, como não pode deixar de ser, explicamos que tudo bem, mas de nada adiantam essas informações se não forem informadas pelo advogado/defensor por escrito no processo, pois, mesmo sabendo de tudo que nos foi informado, teremos que julgar somente de acordo com as informações constantes nos autos.
É angustiante saber do que nos foi contado, e antever o que deve ser feito, das minúcias que podem ocorrer e, muitas vezes, as implicações jurídicas e não podermos dar o veredicto sob pena de incorrermos nas normas já transcritas. Por isso, denotando que não nos recusamos a atender as partes e que elas saem normalmente satisfeitas, não podemos dizer gostamos de realizar tal atendimento e até compreendemos que, em situações mais caóticas, a impulsividade pode gerar reações menos moderadas, como o aviso abaixo, publicado na porta de uma unidade judiciária do Rio de Janeiro, pois, apesar de não concordar com o tom, concordo com os motivos que provavelmente levaram a magistrada a elaborá-lo.
O atendimento aos advogados é, sem dúvida, bem menos ou quase nada doloroso, pois são sabedores que não podemos orientar, conhecem as prioridades legais, a situação não só daquela unidade judiciária, mas de todo o Judiciário, e, na maioria das vezes, procuram mais objetivamente para pedir celeridade, já chegando com um extrato escrito do número do processo, sem explicar nada ou contar longas histórias, pois tudo já fora explicado ou contado na sua petição. Normalmente, satisfazem-se com a promessa - sempre honrada - de um despacho no mesmo dia ou, no mais tardar, no dia seguinte.
Assim, além de ser, na grande maioria das vezes, desnecessária ou inócua, é extremamente importante a concepção que o tempo de um atendimento às partes ou ao advogado, por mais breve que seja, ocupa o tempo médio de uma decisão e, portanto, quando mais o juiz atende, menos decide e, nos termos delineados, não é por revide ou marcação, mas por não poder realizar um bom atendimento e uma boa decisão noutro processo ao mesmo tempo.
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