Esperança que devemos ter
Frederico II, rei da Prússia, conhecido pelo apreço às belas-artes e grande estrategista militar, decidiu construir um palácio de verão, à maneira de Versalhes, em Potsdam, perto de Berlim.
Ergueu ali o Castelo de Sanssouci _ “sem preocupação” _ hoje visita obrigatória para os turistas, mercê de suas belas linhas arquitetônicas, das coleções de pinturas, a biblioteca, as salas e quartos, a louçaria; e jardins do paraíso. Certo dia, ao visitá-lo e mirar da janela, o rei viu que um moinho atrapalhava a amplitude da vista, colocado em curva que frustrava a paisagem.
Logo, como sempre acontece, adulões reais foram ao proprietário do moinho, instigando a vendê-lo para o soberano, mas voltaram decepcionados com a negativa. Desagradado, o próprio kaiser resolveu descer a estrada e visitar o moleiro, colhendo também recusa, sob o argumento de que seu pai ali morrera e seus descendentes iriam continuar a tradição ancestral para sempre. O rei insistiu, dizendo que poderia indenizá-lo e, já irritado, simplesmente ameaçou tomar-lhe a propriedade, a que respondeu o dono da azenha: - Engana-se Vossa Alteza. Vossa Alteza é que não está entendendo. “Ainda há juízes em Berlim.” Impressionado com a ousadia e o desejo de litigar com o próprio rei na Justiça, Frederico II alterou seu projeto, ali deixando a moenda.
Há cerca de quatro anos, tive a ventura de visitar o moinho, que ainda se encontra encravado na elevação próxima ao castelo; e também ao maravilhoso palácio, onde Voltaire se hospedou por dois anos, escrevendo textos clássicos.
A história virou conto versificado por François Andriex, sob o título O Moleiro de Sanssouci (1759-1833), e simboliza a independência da Justiça que é cega às diferenças sociais, e zela na aplicação de lei que não distinga a situação pessoal da parte, mas o mérito da causa.
Há alguns anos, o Judiciário deixou de ser impermeável às suas entranhas, e a transparência de sua estrutura permite, aqui e ali, ataques sazonais midiáticos, ora pinçando decisões isoladas, ora mexericando com os vencimentos, ora uma conduta humana indevida, olvidando-se que o subjetivismo dos veredictos é oriundo de pessoas que expressam as idiossincrasias de suas ideologias, de sua religião, de sua formação acadêmica, de seus estudos: ou seja, como já disse alguém, de suas “circunstâncias”, pois o juiz deixou de ser o modelo napoleônico (”a boca da lei”), mas vislumbra no caso julgado a procura do justo e acima de tudo, a função social da lei.
Há que se confiar nas instituições. É necessário venerar as normas republicanas, mesmo que não nos atendam em certo episódio, ou nos derrotem em pleitos que se patrocine.
Ainda há juízes no Brasil…
Por José Carlos Teixeira Giorgis
Fonte: ConJur
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