Em meio à intensa campanha de desgaste da imagem do Poder Judiciário e dos Juízes, recheada de elementos que passam a idéia de que os Magistrados fazem parte de um corpo profissional detentores de privilégios e vantagens anti-republicanas, após a publicação dos dados estatísticos de 2011, resolvi desenvolver um estudo para estimar quantas horas eu teria trabalhado neste último ano. Encontrei números preocupantes e reveladores.
Sempre procuro racionalizar processos em geral e relações como forma de encarar a realidade, sem sofismas e compreensões apaixonadas ou emocionais. Com este espírito, passei aos mencionados levantamentos, sistematizações quantitativas e análises.
Para tanto, parti da premissa-estimativa de que uma audiência, em média, leva 30 minutos, e que uma sentença, também em média, demanda 2 horas para elaboração.
Repare que uma audiência, principalmente na Justiça do Trabalho, consiste em ato processual da maior importância, na qual as partes e advogados comparecem perante o Juiz, sendo que nesta esfera do Poder Judiciário tal ato não comporta delegação, ou seja, deve ser efetivamente conduzido pelo Magistrado. Considerando o tempo que se leva ao menos para o pregão (convocação das partes para adentrar à sala de audiência), ingresso das partes e advogados no recinto e registro de dados de identificação na ata – o que envolve o mínimo de atos a serem praticados, considero racionalmente que não há como durar menos que 5 minutos. Por outro lado, em instruções processuais complexas, em processos com diversos pedidos, fatos alegados e teses de defesa, leva-se mais de 4 horas. Daí porque, enquanto estimativa, a partir de uma avaliação subjetiva e qualitativa, considerei o tempo médio de 30 minutos.
Quanto à sentença, trata-se de um ato de inteligência, ou seja, fruto de um trabalho de produção intelectual do Juiz. Adotando uma técnica de fragmentação enquanto caminho para mensuração de estimativas, inerentes às construções do gerenciamento de projetos e processos, a produção da sentença pode ser compreendida a partir das seguintes etapas: (1) leitura e análise de peças processuais que trazem as alegações das partes; (2) leitura e análise de provas documentais e depoimentos colhidos; (3) estruturação do raciocínio técnico a ser desenvolvido e do texto da decisão; (4) redação do texto da decisão; (5) revisão, impressão e assinatura.
Promovendo a análise fragmentada deste processo para a mensuração do quanto cada etapa representa em termos percentuais considerando o tempo demandado, de modo a identificar a estimativa de tempo, poderíamos ter o seguinte cenário:
Por isto, também numa análise subjetiva, considerei que 2 horas seria um tempo médio razoável para um Juiz, considerado rápido, produzir uma sentença.
Considerando as referidas premissas, em termos de estimativas e diante dos meus resultados estatísticos, estruturei algumas fórmulas e equações, construí uma planilha em Excel e joguei os dados. E o que descobri?
Bem, descobri que se quiserem me enquadrar como um marajá que goza 60 dias de férias anuais (que de fato está na Lei Orgânica da Magistratura Nacional), o qual trabalha durante apenas 10 meses no ano – o que setores da mídia adoram exaltar em tom crítico, significa que trabalhei em 2011, em média, 84 hs. e 30 minutos por semana. Se quiserem me enquadrar como um trabalhador normal, que goza 1 mês de férias, significa que trabalhei em média cerca de 77 hs. por semana. E se me enquadrarem como um coitado que não tem férias, ainda assim trabalhei cerca de 70 hs. por semana.
Raciocinando conforme o limite constitucional de 44 hs semanais de trabalho, previsto para os trabalhadores em geral, constata-se o seguinte cenário:
Não quis nem ousar me comparar com trabalhadores com limites diferenciados, como bancários, que contam com 36 hs semanais de trabalho, jornalistas que contam com 30 hs, e advogados, ao quais contam com 20 hs de trabalho. Acho que a frustração seria ainda mais difícil de ser degustada. Principalmente por ser rotulado como um privilegiado da República.
Diante destes dados, algumas pessoas poderiam dizer, após a revelação, que as estimativas de tempo por sentença e audiência são generosas e superestimadas. Bem, seria curioso se perguntássemos à sociedade o que acha de 2 horas para julgar um processo e 30 minutos para uma audiência. Talvez as pessoas achariam pouco. Aliás, há sentenças que se leva dias ou semanas para concluir.
E não se diga que não sou eu quem faço as sentenças e audiências, pois, como a quase totalidade dos demais Juízes, sou eu. Não temos assessores para nossos julgamentos. Os assessores das Varas já estão assoberbados na análise de decisões interlocutórias e despachos de impulsionamento dos processos, o que também exige atividade intelectual e operacional.
Mas a verdade é que não há uma metodologia precisa, e acredito que nunca haverá – e talvez não seja bom que exista, para mensurar o tempo de uma sentença. Vale lembrar que estamos falando de atividades intelectuais realizadas por seres humanos, os quais, por enquanto, ainda são destinatários do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal.
E se não há como mensurar uma unidade básica do fruto do trabalho do Juiz, vem a grande pergunta: como impor metas? Como falar em prazos? Como tornar concreto, o almejado princípio da duração razoável do processo, também previsto na Constituição e exigido em alto e bom tom por pessoas que não fazem a menor idéia de como alcançar?
Por exemplo, se vamos construir uma parede de uma casa, também conforme as técnicas de gerenciamento de projetos, para mensurarmos a estimativa de tempo e custo, precisamos fragmentar o processo e estimar uma unidade elementar-fragmentada, como, a título exemplificativo, 1 metro de parede. Daí encontramos, com base na metragem total da parede, a estimativa de tempo total.
Porém, no caso do Juiz, se não há como estimar o tempo de um metro de parede, que seria a sentença, como impor um tempo-meta para a construção de toda a parede? Como jogar pedra e promover linchamentos públicos se a parede não foi concluída no tempo que se esperava?
A verdade é que o sistema de trabalho do Juiz seria de invejar ideólogos da hoje criticada Administração Científica, como Frederick Taylor, acusados de promover a exploração do homem pelo homem. Porém, a imagem que está sendo vendida à sociedade é de que se trata de uma casta de privilegiados. E não de seres humanos que trabalham sem direito ao limite de jornada.
Muita gente não sabe que juiz não recebe e não tem direito a horas extras. Mas todo mundo lembra que o Juiz tem 60 dias de férias e se trata de um privilegiado.
Registro que, apesar do referido sistema, não reclamo de viver para o trabalho. Não reclamo de sacrificar cerca de 90% das minhas privilegiadas férias com os julgamentos de processos que se acumulam ao longo do ano. Aliás, consigo ter no trabalho uma enorme fonte de satisfação – e os psicólogos do trabalho que não me leiam.
E seguramente este mesmo comportamento, realidade vivenciada e espírito se aplica a 99% dos Magistrados do Brasil.
Mas o que me incomoda é o fato de que, de forma injustamente generalizante, parte da sociedade passou a nos ver como privilegiados da República, que não fazem jus ao salário recebido, enquanto contraprestação pelo serviço prestado, e demais prerrogativas institucionais.
A impressão que tenho, fazendo uma leitura do cenário atual, é que o Juiz é humano quantos aos erros típicos do ser humano. Porém, do ponto de vista do seu trabalho, não apenas não é lembrado como um ser humano, como perdeu esta condição, ou seja, virou máquina, sem direito à reposição de peças, lubrificação e troca de baterias.
Rememorando Chaplin, os Tempos Modernos ainda existem!
Fonte: Blog do Fred
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