No caminho da Constituição
É muito comum nos filmes e séries de televisão que tratam do Poder Judiciário dos Estados Unidos, a imagem do acusado sendo preso logo após a leitura da sentença que o condenou. Foi noticiado recentemente que envolvidos em um processo de repercussão nacional (caso “Ceci Cunha”), acabaram sendo condenados pelo Tribunal do Júri de comarca do Estado do Pará, sendo que na oportunidade, a prisão cautelar foi decretada.
Para o leigo em Direito – e até mesmo para os que não trabalham diretamente na área do processo penal – pode parecer que tal situação é perfeitamente normal, quando, na verdade, não é este, como regra, o funcionamento do instituto da prisão cautelar. O objetivo do presente texto é explicitar algumas considerações acerca do instituto da prisão cautelar em especial com a recente entrada em vigor da Lei 12.403/2011, que alterou substancialmente a forma de aplicação deste.
A Constituição Federal previu expressamente a liberdade física do indivíduo como um dos dogmas do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que a mesma pode até ser restringida, mas apenas e tão somente de forma excepcionalíssima, pelo fato de ser regra em nosso ordenamento, conforme estabelece o artigo 5º, LXI do Diploma ao afirmar que “(...) ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (...)”.
Sendo assim, verificamos que uma decorrência do dispositivo é de que a prisão cautelar, por ser medida extraordinária, deve ser subordinada a parâmetros de legalidade estrita, ou seja, devem ser explicitados motivos concretos, específicos, prejudiciais ao regular andamento do processo, para que o ato se concretize nos termos legais, não podendo, jamais, ser utilizada como punição antecipada, pois, neste caso, não cumprira o seu objetivo específico que é atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense).
No caso da prisão preventiva é absolutamente essencial a demonstração (I) prova da materialidade, (II) indícios suficientes de autoria e (III) uma das situações previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, (a) garantia da ordem pública, (b) garantia da ordem econômica, (c) conveniência da instrução criminal, (d) assegurar a aplicação da lei penal.
Ocorre que recentemente o Código de Processo Penal sofreu substanciosa alteração por parte da Lei 12.403/2011, que, alterando diversos dispositivos do referido Diploma, conferiu caráter ainda mais excepcional à prisão preventiva visto que a regra geral, a partir da alteração, é a imposição de uma (isolada) ou algumas (cumulativas) das diversas medidas cautelares (CPP, art. 319), que devem ser aplicadas sempre, de maneira prévia, à prisão: tal conclusão se nota da leitura das expressões impositivas do caput artigo 282 da lei processual penal, quais sejam, “deverão” e “serão”.
Não obstante, é importante destacar que o §4º do mesmo dispositivo legal estabelece que “No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)”.
Por fim, o parágrafo 6º do mesmo dispositivo, que estabelece “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”. Verifica-se, portanto, que se antes da Lei 12.403/2011 a prisão cautelar já assumia caráter excepcional, agora podemos dizer, sem receio de erro que sua decretação é excepcionalíssima, visto que, em primeiro lugar, deve (m) ser (em) utilizada (s) medida (s) cautelar (es) alternativa(s) à segregação (CPP, art. 282, caput e parágrafo 4º c/c 319), em segundo lugar, na hipótese de descumprimento desta (s), deverá ocorrer, primeiramente, a substituição de uma medida por outra, ou então a cumulação de medidas e, apenas em terceiro e último caso, é que se pode decretar a segregação antecipada.
Não se desconhece que o parágrafo 6º do Código de Processo Penal estabelece que “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (artigo 319)”: entretanto, pensamos que o extenso rol posto a disposição do Magistrado praticamente impossibilita que a segregação antecipada seja utilizada desde logo, visto que as garantias de ‘segurança’ ao processo são inúmeras.
Em conclusão, a prisão cautelar de alguém em nosso País, após a prolação de sentença penal condenatória não é regra, ao contrário, é exceção, e somente nos casos em que impossível de aplicação o extenso rol de medidas cautelares alternativas (CPP, artigos 282, caput, parágrafo 4º c/c 319) deve ser decretada, assumindo, portanto, caráter excepcionalíssimo, tudo isso em respeito à regra geral, que prevê a liberdade física do indivíduo como regra (CF, artigo 5º, LXI).
Por João Carlos Pereira Filho
Fonte: ConJur
Nenhum comentário:
Postar um comentário