terça-feira, 19 de março de 2013

“Defensoria Pública nos Estados Unidos está quebrada”

Problema universal
Em 18 de março de 1963, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão histórica, que prometia mudar para sempre a configuração do sistema americano de Justiça. No caso "Gideon v. Wainwright", a Corte decidiu que todo cidadão tem direito a um advogado, mesmo que não tenha capacidade de pagar. “Advogado em um tribunal criminal é uma necessidade, não um luxo”, declarou a Suprema Corte. E dessa decisão, nasceu a Defensoria Pública nos EUA. 
Nesta segunda-feira (18/3/13), a promessa de justiça para todos completa 50 anos “totalmente irrealizada”, de acordo com uma série de artigos publicados pelo The National Law Journal, para comemorar uma data sobre a qual não há nada para celebrar. "A Defensoria Pública dos Estados Unidos está quebrada”, disse ao jornal o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Steven Benjamin. “Não se pode confiar na instituição para proteger as pessoas contra condenações indevidas”, afirmou. 
De acordo com um estudo recente da American Bar Association (ABA), milhares de pessoas são processadas nos tribunais do país todos os anos, sem qualquer advogado. Em outros casos, os defensores públicos estão tão sobrecarregados que não têm tempo ou recursos para oferecer uma defesa apropriada aos “indigentes”. Hoje, faz parte da rotina juízes e promotores pressionar os réus a se declararem culpados, mesmo sem um advogado, para simplificar o processo.
A situação mais grave é das pessoas que são presas por pequenos crimes. “Em muitas jurisdições, os réus permanecem em cadeias por mais tempo do que se fossem condenados à pena máxima por seus pequenos crimes. E, mesmo assim, nunca recebem a visita de um advogado”, diz o jornal. 
Em Mississipi, uma mulher acusada de roubar um produto em uma loja passou 11 meses na cadeia, sem ver um advogado. Outra mulher, acusada de roubar US$ 200 de uma máquina caça-níqueis, passou oito meses na cadeia, antes de conseguir um advogado. De acordo com um relatório de 2011, 70% dos réus de pequenos crimes, sem advogados, se declaram culpados em um encontro com promotores que dura, em média, 2,93 minutos, informa o jornal.
Mesmo quando os réus têm acesso a um defensor público, é pouco provável que tenham uma defesa adequada, por causa da sobrecarga de trabalho e dos parcos recursos da Defensoria. De acordo com os padrões da ABA, um defensor público só tem condições de se encarregar de 150 casos de crimes sérios por ano — ou 500 casos de pequenos crimes por ano. Mas essa carga de trabalho é sempre estourada nos estados. 
Na Geórgia, os defensores públicos foram obrigados a cuidar de 250 casos de crimes dolosos em 2012. Em Kentucky, a carga foi de cerca de 500 processos. Em Nova York, Maryland, Rhode Island e Tennessee, cada promotor recebeu pelo menos mil processos relativos a pequenos crimes, cada um.
Em Missouri, a Defensoria Pública tem uma carência de pessoal tão grande que o diretor da repartição declarou, publicamente, que os defensores estavam fazendo uma “triagem” dos casos tão grande, que muita gente estava sendo condenada erradamente. Em Maryland, um tribunal de recursos determinou que, por lei, os réus têm direito a um defensor público até em audiências para estabelecer fiança. Mas, para isso, a Defensoria precisava de recursos. Em vez de prover os recursos, a Assembleia Legislativa mudou a lei, para acabar com a obrigação.
Além da falta de recursos, os defensores públicos em todo o país têm de lidar com a falta de independência para fazer seu trabalho. Em algumas jurisdições, por exemplo, os juízes já estão tão cansados do problema que preferem nomear defensores que concordam rapidamente com as declarações de culpa propostas pela Promotoria. Na maioria dos estados, os defensores são nomeados por governadores ou por comissões, que estão mais interessados em quantidade do que em qualidade da representação. 
“Politicamente, é uma atitude popular prover recursos financeiros para a Polícia e para a Promotoria, mas não para a Defensoria Pública, que cuida da defesa de indigentes”, disse o professor de Direito e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia, Stephanos Bibas. “A solução para o problema é simples: infusão de fundos. Mas ninguém tem vontade de fazer isso”, afirmou. 
A consequência é que os defensores públicos não têm tempo e recursos para investigar os casos, enquanto, do outro lado, os promotores fazem isso com a ajuda da Polícia. Em muitos casos eles sequer se encontram com os réus, antes dos julgamentos, e nunca protocolam qualquer pedido a favor deles ou colocam objeção a provas inadmissíveis. 
O problema não é exclusivo da área criminal. Entre os imigrantes presos por falta de documentação para permanecer no país, 90% comparecem a um tribunal sem advogados. Nos tribunais civis, 99% dos americanos que enfrentam processos relativos à recuperação de suas casas por instituições financeiras, por falta de pagamento — devido à crise do sistema habitacional no país, pela qual as instituições financeiras foram parcialmente responsabilizadas — se defendem por conta própria. 
A promessa de Gideon 
A referência à criação da Defensoria Pública nos EUA como “a promessa de Gideon”, porque Clarence Earl Gideon foi o primeiro cidadão americano a ser beneficiado pela decisão da Suprema Corte dos EUA — uma decisão que prometeu mudar todo o sistema judicial do país. Mas, antes, o direito à defesa por advogado público lhe foi negado na Flórida. 

Acusado de roubo, mas jurando inocência, Gideon pediu ao tribunal que nomeasse um advogado público para defendê-lo. Entretanto, uma decisão da Suprema Corte dos EUA de 1942 (Betts v. Brady) negava aos réus julgados em tribunais estaduais o direito à assistência jurídica prevista na Sexta Emenda da Constituição, sem que fossem atendidas determinadas condições. 
Os estados só eram obrigados “a apontar um advogado para réus indigentes em circunstâncias especiais, em casos em que um advogado se encarregaria de assegurar a justiça fundamental”. As circunstâncias não ajudaram Gideon. Ele não seria condenado à pena de morte, não era analfabeto, nem tinha problemas mentais. E seu caso não era particularmente complexo. 
Gideon protestou veementemente contra sua condenação à prisão, por se dizer inocente. Mas foi para a cadeia. No entanto, seu caso acabou na Suprema Corte dos EUA. Mesmo sem ele saber, a maioria dos ministros da Suprema Corte declararam que a lei, baseada em Betts, criou “sistemas de justiça criminal nos estados que criaram desigualdades e injustiças desenfreadas”. Para os ministros, “qualquer pessoa arrastada a um tribunal, que não pode contratar um advogado por ser pobre, não pode ter um julgamento justo, a não ser que um defensor lhe seja garantido”. E mudou o sistema. 
Direito Constitucional
Segundo a Wikipédia (em inglês), os Estados Unidos foram o segundo país do mundo a correlacionar o instituto da Defensoria Pública à Constituição, justamente com a decisão da Suprema Corte de 1963, que estendeu o direito à assistência jurídica a todas as pessoas pobres, sem estabelecer condições. 

O Brasil foi o primeiro, diz a publicação, a garantir um defensor público às pessoas de baixa renda na Constituição. E também foi o único a fazê-lo diretamente. A Defensoria Pública foi inicialmente criada no Rio de Janeiro, em 1897, através de um decreto governamental que alocou fundos para a assistência jurídica. A Constituição de 1937 estendeu o sistema para todo o país. Mas a Constituição de 1988 foi a que deu maior eficácia à instituição, diz a Wikipédia.
Por João Ozório de Melo
Fonte: ConJur

quinta-feira, 14 de março de 2013

O sistema judicial na Índia, país misterioso e fascinante

Direito Comparado
A Índia é um Estado Federal parlamentar, com 28 estados e 7 territórios, 3.29 milhões de km2, uma população ao redor de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, onde se fala, preponderantemente, o hindi e o inglês (mas há dezenas de línguas e dialetos locais), sendo o hinduísmo a religião da maioria (cerca de 70%), havendo um percentual menor de mulçumanos, sikhs, cristãos e budistas.

O sistema judicial da Índia tem forte influência dos britânicos, que com ela mantiveram relações comerciais desde 1600 e dominaram-na por cerca de 89 anos (1858-1947). Por isso, o sistema é o da Common Law, porém com a possibilidade de o Judiciário rever as decisões do Parlamento, como nos Estados Unidos.

O Poder Judiciário estrutura-se através da Suprema Corte, localizada na capital Delhi, 21 Cortes Superiores (High Courts), nas capitais de 21 estados, Cortes Distritais (v.g., Família), Tribunais Administrativos (v.g., taxas) e tribunais para pequenas causas. Nos tribunais sempre se encontra o retrato de Mahatma Gandhi, o libertador. Não existem julgamentos por Tribunal do Júri desde 1959.

A Suprema Corte possui 26 justices (título equivalente ao de ministro). Eles são indicados pelo presidente da República e permanecem no cargo até os 65 anos, quando são aposentados compulsoriamente. A competência da Corte, basicamente, situa-se nos conflitos entre os estados e a União, reconhecimento da inconstitucionalidade de leis nacionais e estaduais e apelações contra decisões das Cortes Superiores, quando o caso envolve questão de grande relevância ou interpretação da Constituição. Ela pode, ainda, avocar processos em tramitação nos demais tribunais.

Os julgamentos da Corte, em geral, são feitos em Turmas de dois ou três juízes. Quando a questão é constitucional, a Turma pode atingir cinco ou mais juízes. O juiz mais antigo é o presidente da Suprema Corte da Índia. A nomeação dos justices é feita dentre membros dos Tribunais Superiores e também, em casos especiais, dentre advogados experientes.

As Cortes Superiores (High Courts) equivalem aos nossos Tribunais de Justiça, julgam as apelações e administram a Justiça de primeira instância no âmbito de sua jurisdição. Abaixo delas existem Cortes Subordinadas, que são as Cortes Distritais (equivalentes a comarcas). As High Courts decidem também recursos oriundos de Tribunais Administrativos, como Tribunal de Taxas, Eletricidade e Reclamações relacionadas com as Estradas de Ferro. Os recursos de apelação são julgados por dois juízes e, em caso de empate, é chamado um terceiro.

Nas Cortes Superiores os juízes também têm o título de Justice e as nomeações são feitas com base nas recomendações de um colegiado, que escolhe entre os juízes recrutados na primeira instância e advogados. A idade para a aposentadoria compulsória é de apenas 62 anos. O presidente da High Court é escolhido pelo presidente da República, que consulta o governador do estado e o presidente da Suprema Corte. Para os demais justices, o presidente da República consulta o presidente da Suprema Corte e o presidente das High Courts da Índia. O presidente da República pode indicar juízes temporários por até 2 anos. Juízes devem ter 10 anos de experiência e podem ser removidos por má conduta ou corrupção. A High Court de Calcuttaé a mais antiga de todas, foi instalada em 1862. A High Court de Rajhasthan possui um expressivo Museu Judiciário.

Os justices das Cortes Superiores recebem cerca U$ 2.000 por mês. Todavia, têm direito a residência oficial, com dois serviçais, um segurança, carro oficial para uso permanente, com sirene (no tráfico da Índia isto é muito importante) e combustível, não pagam contas de água e luz. Nas dependências das Cortes todos os advogados usam beca e na de Nova Delhi, à porta dos gabinetes dos juízes, um servidor elegantemente vestido, com calça preta, túnica comprida vermelha e um turbante, recebe os que pretendem falar com o juiz. Neste Tribunal, advogados de réus pobres comunicam-se com os presos através de vídeo.

A primeira instância compõe-se de Cortes Distritais (equivalentes a Comarcas), criadas pelo número de casos, população e distribuição no distrito. Elas são presididas por um juiz distrital indicado pelo governador do estado. Além do juiz distrital pode haver juízes auxiliares (Additional District Judges) e juízes assistentes (Assistant District Judges), dependendo da carga de trabalho. As Cortes Distritais julgam as apelações de sentenças das Cortes a ela inferiores (Subordinate Courts) situadas no distrito. Estes tribunais julgam pequenas causas e o modelo assemelha-se ao norte-americano, onde há juízes municipais e do condado. Os julgadores têm o título de magistrados, que no Direito anglo-saxão equivale a um juiz para pequenas causas.

Merece referência a existência do Tribunal Ambiental (National Green Tribunal), instalado em 18 de outubro de 2010, com sede em Nova Delhi mas que julga de forma itinerante em outras capitais. Ele tem competência para julgar casos de danos a recursos naturais, poluição, proteção ao patrimônio cultural e outros semelhantes. Não possui, todavia, jurisdição penal. O Tribunal tem 10 julgadores e 10experts em áreas diversas (comissioners). O presidente é escolhido entre os membros da High Court, podendo ser um aposentado. Contra suas decisões cabe apelação para a Suprema Corte.

Regra geral, o povo deposita grande confiança no Poder Judiciário, que é, de todos, o mais respeitado. Mas, mesmo assim, existem críticas quanto à sua morosidade e também de entidades ligadas aos direitos humanos, existindo uma campanha para que se crie uma “Comissão Nacional de Justiça”, assemelhada ao nosso Conselho Nacional de Justiça. A conciliação, tal como no Brasil, é muito estimulada e os tribunais possuem comissões, estudos, iniciativas em tal sentido.

No âmbito do Direito material, a maior diferença com o Brasil está no casamento. Ele continua na maioria dos casos, até hoje, sendo uma escolha dos pais. Na Índia casa-se com a família e não apenas com o (a) noivo (a). A aproximação se dá por iniciativa pessoal ou anúncio nos jornais. No jornalSunday Times de Jaypur, de 13 de janeiro de 2013, um caderno especial (matrimonials) apresenta quatro páginas de propostas e os autores não são econômicos no elogio de suas virtudes (v.g., belo, culto, de boa família). Há anúncios curiosos, como o de segundo casamento, com o alerta de que o primeiro matrimônio não se consumou. Os casamentos se dão entre pessoas da mesma casta, ou seja, classe social. O dote, muito embora proibido por lei, continua a existir na prática. E se o pai não cumpre o prometido, a esposa pode ver-se em maus lençóis, havendo até casos de assassinato por fogo.

Este, em síntese, é o sistema judicial da Índia, país misterioso, fascinante e de contrastes que, com o Brasil e a Rússia, é considerado uma das economias  emergentes no mundo.

Por  Vladimir Passos  de Freitas
Fonte: ConJur

quarta-feira, 6 de março de 2013

Progressão de regime não está condicionada à comprovação prévia de trabalho lícito

Entendimento do STJ
A regra do artigo 114, inciso I, da Lei de Execução Penal (LEP) – a qual exige para a progressão ao regime aberto que o condenado esteja trabalhando ou comprove a possibilidade imediata de trabalho – deve ser interpretada em consonância com a realidade social, para não tornar inviável a finalidade de ressocialização almejada na execução penal. 

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um homem condenado pelo crime de estupro. Com isso, a decisão de primeiro grau, que havia concedido a progressão ao regime aberto, dispensando a comprovação de trabalho lícito, foi restabelecida. 

O réu foi condenado à pena de nove anos e nove meses de prisão, em regime fechado. Quando já cumpria pena no regime semiaberto, o juiz de primeiro grau verificou que os requisitos do artigo 112 da LEP (entre eles o cumprimento de um sexto da pena no regime anterior) tinham sido preenchidos, por isso concedeu a progressão ao regime aberto. 

O Ministério Público não concordou com a decisão e recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Alegou que o preso não poderia ir para o regime aberto sem comprovar o efetivo exercício de atividade profissional ou, pelo menos, a possibilidade concreta de conseguir emprego. 

Requisitos 
O TJRJ cassou a decisão de primeiro grau, por considerar que os requisitos do artigo 114, inciso I, da LEP não estavam presentes no caso. No habeas corpus impetrado no STJ, a defesa pediu que o regime aberto fosse restabelecido. O ministro Og Fernandes, relator do habeas corpus, deu razão ao juiz de primeiro grau. 

Segundo o ministro, embora as pesquisas revelem redução significativa na taxa de desemprego no Brasil, “a realidade mostra que as pessoas com antecedentes criminais encontram mais dificuldade para iniciar-se no mercado de trabalho (principalmente o formal), o qual está cada vez mais exigente e competitivo”. 

Para ele, a progressão de regime não pode ficar condicionada à demonstração prévia de ocupação lícita, apesar disso, as regras e os princípios relativos à execução penal não podem deixar de ser observados.

 “O que se espera do reeducando que se encontra no regime aberto é sua reinserção na sociedade, condição esta intrinsecamente relacionada à obtenção de emprego lícito, o qual poderá ser comprovado dentro de um prazo razoável, a ser fixado pelo juiz da execução”, concluiu. 
Fonte: STJ