terça-feira, 25 de outubro de 2011

“Os problemas não estão nos artigos da Constituição”

J. J. Gomes Conotilho
“Você não precisa de muitos heróis se você escolhe cuidadosamente”, disse John Hart Ely, célebre jurista norte-americano, para honrar a memória de Earl Warren, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960. No Brasil, alegando falta de heróis, não nos envergonhamos de celebrizar todos os dias gente cuja maior contribuição à humanidade jamais ultrapassará as quatro linhas de um campo de futebol, ou os 15 minutos de fama que lhes confere a tela plana das televisões, ou dos computadores. Contudo, num país cuja história é, desde suas origens, protagonizada por personagens como Anchieta, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Ruy Barbosa, José Bonifácio, Machado de Assis, Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Irmã Dulce e Juscelino Kubitschek, talvez fosse o caso de escolhermos um pouco mais cuidadosamente os nossos ícones.

A propósito, 19 de outubro de 2011 há de ser lembrado, por todos os juristas que se comprometeram com o aperfeiçoamento democrático e com a concretização da Constituição de 1988, como o dia em que o famoso constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, um grande amigo do Brasil, cessa suas funções como professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

O notável professor edificou uma vida voltada ao estudo do Direito, onde o que mais ressalta é o compromisso permanentemente renovado com a dignidade da pessoa humana, com a consolidação da democracia e com a efetivação dos direitos fundamentais. Herdeiro da tradição iluminista, sempre confiante na capacidade do homem de conformar o próprio destino, Canotilho acabou tendo profunda influência no desenvolvimento do Direito Constitucional que se ensina nas Academias brasileiras e que tem aplicação em nossos tribunais. Divergindo de um antigo costume de intelectuais estrangeiros, entretanto, jamais ministrou conselhos, ou receitas, para os nossos problemas. Ao contrário, vezes sem conta, repetiu lá fora que via nos juristas brasileiros o que havia de mais criativo no estudo do Direito Constitucional e, comprovando essa admiração, dedicou a sua principal obra, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, aos seus alunos brasileiros.

Nada mais adequado, pois, do que prestar uma justa homenagem ao professor Canotilho, precisamente, no momento em que a Constituição de 1988 se vê ameaçada por mal explicadas propostas de assembléias constituintes. A Constituição brasileira, no resumo do grande jurista português, “foi um grito de modernidade ouvido trinta anos depois da criação de Brasília, um estatuto de contraste com a ditadura da qual o país se libertou.” Mas a nossa Constituição, como qualquer outra, lembra o mestre português, não tem capacidade suficiente, só por si, para fazer transformações sociais. Portanto, “o desencanto que pode haver, embora se debite à Constituição, é, na verdade, com os agentes concretos da vida do país. Os problemas estão nas ruas do país, não nos artigos da Constituição”.

Talvez seja essa a lição menos compreendida do mestre português: a Constituição não cria o paraíso pelo simples fato de existir, pois, aqui, como no Fausto do Goethe, a vida e a liberdade não são dádivas atribuídas por qualquer governo, ou documento escrito, e só as fazem por merecer os povos que as tem de conquistar todos os dias.

Por Néviton Guedes

Entrevista
O Poder Judiciário precisa refletir sobre seu avanço diante das atribuições dos outros dois Poderes da República. Na implementação de políticas públicas, por exemplo, a Justiça pode até ter uma participação complementar, mas nunca atuar como protagonista em ações típicas dos Poderes Legislativo e Executivo. A opinião é de um dos maiores estudiosos de Direito Constitucional do mundo, o professor da renomada Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho — ou apenas J. J. Canotilho, como gosta de ser chamado.

O jurista, que tem em seu currículo o fato de ser um dos autores da Constituição de Portugal, é um crítico da ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os demais poderes, principalmente na esfera da efetivação de direitos que dependem de políticas públicas, o que se convencionou chamar de ativismo judicial: “Pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural ou social é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado”.

J. J. Canotilho recebeu a revista Consultor Jurídico para uma breve entrevista em São Paulo, por onde passou para participar da entrega do Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, promovido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Além fazer observações sobre ativismo, ele também fez ressalvas sobre o mecanismo de Repercussão Geral aplicado pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil.

O professor ainda revelou que há coisas que aproximam bem a Justiça portuguesa da brasileira. Por exemplo, o fato de processos em Portugal poderem percorrer até cinco instâncias para, enfim, chegarem a uma conclusão. O jurista ainda falou sobre as metas do Conselho Nacional de Justiça e considerou questionável a intenção da presidente Dilma Roussef de flexibilizar patentes. “A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente”, disse. Para o professor, as empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público.

Aos 68 anos, Canotilho é considerado um dos papas do Direito Constitucional da atualidade, citado com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e autor de obras clássicas como Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador e Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Leia a entrevista

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto?
J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.

ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?
J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida.

ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?
J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o mecanismo da Repercussão Geral, criada para filtrar a subida de recursos e para pacificar em todo o Judiciário os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal?
J. J. Canotilho — É uma das perguntas a que não sei responder. Porque, no fundo, o apelo à Repercussão Geral é, de certo modo, uma urgência de sintonizar as decisões judiciais — que são muitas — com a República e com os cidadãos. Nessa medida, entendo que o Supremo Tribunal Federal está levando em conta uma dimensão interessante. Essa é uma atitude inteligente. Mas uma coisa é convocar a vontade da Repercussão Geral e outra é avocar os argumentos, que é um conceito indeterminado, para justificar um caso concreto. Existe então a possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não aplica o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Qual é a diferença?
J. J. Canotilho — A diferença é que embora você tenha uma Repercussão Geral, cada caso possui uma particularidade. Por isso, cada juiz deve julgar o caso concreto. O que por vezes se tem percebido é que tanto a Repercussão Geral quanto a disponibilização do processo digitalizado têm contribuído para que juízes apliquem a decisão, a mesma que o tribunal tomou sobre aquele tema, quando na verdade o correto é avocar o entendimento para tomar sua própria decisão.

ConJur — O senhor é contra a informatização dos processos?
J. J. Canotilho — Não há razão nenhuma para duvidar da bondade da informatização, até porque ela oferece ao cidadão acesso a um ato do tribunal e à possibilidade de saber em que pé está o processo. Eu acho que isso é uma evolução absolutamente incontornável, então não podemos criticá-la. Até porque, relativamente aos juízes que aparecem agora, mais jovens, nenhum pode deixar de saber trabalhar com os instrumentos da informática, com os computadores.

ConJur — Mas, ao falar da Repercussão Geral, o senhor deu a entender que existe algum problema com relação à digitalização do processo...
J. J. Canotilho — Sim. É a questão de os juízes pensarem em copiar uns aos outros. Ou seja: “Como é jurisprudência constante... Como já decidimos...”. Com a ausência do papel, agora isso é muito mais fácil. E pode haver alguma uniformização da própria estrutura, da própria retórica, o que não é mal, desde que aquilo sirva ao caso concreto que está a ser discutido. Mas isso também parece incontornável. Isso facilita também que os juízes transcrevam um esquema básico e, afinal de contas, não é só um parâmetro, mas é um esquema que eles utilizam todos da mesma maneira. Ou seja, garante-se um nível de uniformização, mas perde-se alguma coisa desta dimensão de que cada processo é um processo, de que cada caso é um caso. E há esta possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não diz o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Mas isso também ocorre em virtude do número grande de processos, não? A propósito, qual a opinião do senhor sobre as metas impostas pelo CNJ?
J. J. Canotilho — Há mais ou menos uns dois anos, o governo português tinha mandado fazer um estudo sobre o tempo médio de trabalho necessário para proferir uma decisão. Os magistrados logo se revoltaram dizendo que era intrusão do Executivo no Judiciário, porque não há possibilidade de determinar um tempo médio na produção de um juiz. Essa cobrança é natural, afinal, nos tempos de hoje, tudo requer agilidade e eficiência. Mas basta entrar em qualquer tribunal para ver processos com milhares de partes, processos com monstruosa complexidade, que levam meses e até anos para serem decididos. Por mais que se criem soluções como a informatização, ainda é o ser humano que decide. Por exemplo, se determina que o juiz julgue 500 casos por ano. Ele julga 300. Depois se pede 400. E ele julga 300. E quando se pede 200? Ele julga 300. Portanto, as metas nos permitem dizer que é humanamente impossível decidir por ano mais do que tantos processos.

ConJur — Aqui ainda é forte a máxima do “ganha, mas não leva”, porque o pleito da causa e a execução se dão em processos diferentes. Isso também ocorre em Portugal?
J. J. Canotilho — Em Portugal também funciona assim. Muito dos processos acabaram por ser processos puramente declaratórios. Muitas partes não abdicam de todas as dimensões recursais e vão até o Supremo. Em Portugal, há o risco de termos até cinco instâncias. São três até ao Supremo Tribunal de Justiça, quatro com a Corte Constitucional e cinco ao Tribunal Europeu. Muitas empresas arrastam os processos sem razão de ser. Há processos demasiado formalistas ou garantistas que impedem uma solução dos conflitos.

ConJur — Parece que não existe Defensoria Pública em Portugal. Como isso funciona?
J. J. Canotilho — Não existe a instituição Defensoria Pública, mas há defensores pagos pelo Ministério da Justiça. Portanto, de uma lista de advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, há defensor oficioso que é pago pelo Estado. Isso traz alguns problemas. Muitas vezes, são jovens advogados que não têm experiência, o governo atrasa o pagamento, mas não sei qual é o melhor modelo, até porque não sei como seria se tivéssemos a Defensoria. No Brasil tem, mas não conheço seu trabalho.

ConJur — O senhor falou sobre advogados com pouca experiência, mas como o avalia a nova geração da advocacia?
J. J. Canotilho — Existe uma questão que precisa ser observada no Brasil, que é a qualidade das universidades, em especial das privadas. A quantidade de universidades que publicam livros, que realmente acrescentam para o mundo do conhecimento é muito pequena. As universidades não podem ser escolas primárias. Vejo muita honestidade e boa vontade na iniciativa do Brasil em democratizar o acesso ao ensino superior, mas isso precisa vir acompanhado de qualidade.

ConJur — Aqui no Brasil se critica o baixo índice de aprovação no Exame da OAB. O senhor acredita que isso é resultado do número de universidades de má qualidade?
J. J. Canotilho — Não apenas. Qual é o brasileiro que pode se dedicar exclusivamente aos estudos? Poucos. Isso influencia também. Não que eu defenda que as pessoas devam se dedicar integralmente aos estudos, mas é preciso reservar tempo considerável. O mesmo se aplica aos professores. As universidades públicas pagam quase nada para que eles façam orientação de mestrado, doutorado, por isso muitos saem da aula e vão direto para o tribunal advogar. Eles não têm tempo para preparar uma boa aula. Os alunos estão cansados. Não há tempo para o estudo, não há tempo para pesquisa. Trabalhos acadêmicos são grandes plágios.

ConJur — Por falar em plágio, a presidente Dilma Roussef tem falado em flexibilização de patentes. Qual a sua opinião?
J. J. Canotilho — A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente. As empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público, como no caso dos genéricos, e não nos moldes que ocorre no Brasil.

ConJur — Por quê? O que há de errado na política brasileira de medicamentos genéricos?
J. J. Canotilho — No meu ponto de vista esta é uma questão que o Brasil deveria ter superado. O que é um genérico? Um medicamento com o mesmo princípio ativo que um de mercado. Ou seja, de um que foi desenvolvido pela indústria, com base em anos de pesquisa, muito dinheiro investido e que está protegido por lei por 20 anos. Como um medicamento genérico pode confeccionar uma bula dizendo que em 2% dos casos pode ocorrer tal reação adversa? Ele não fez nenhum teste, como pode afirmar? O genérico é um grande plágio.

Por Rogério Barbosa
Fonte: ConJur

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Juíza aplica Lei Maria da Penha para proteger transexual agredido em Goiás

Proteção válida
A juíza da 1ª Vara Criminal de Anápolis (50 km de Goiânia), Ana Cláudia Veloso Magalhães, aplicou a Lei Maria da Penha ao caso de um transexual que sofreu agressões do seu ex-companheiro. Para a decisão, ela considerou o princípio da isonomia, que garante tratamento idêntico a todos.

O réu, Carlos Eduardo Leão, está proibido de freqüentar a casa da vítima, deve se manter afastado a pelo menos mil metros dela e de seus familiares e não pode ir ao local de trabalho e de ensino da vítima.

Para a juíza, a lei Maria da Penha prevê direitos sem diferenciações e desigualdades. “O artigo é claro quando diz que tanto homens, quanto mulheres são iguais. Não pode haver qualquer forma de discriminação ou preconceito”.

Na sentença, a magistrada faz referência à vítima como “a mulher Alexandre Roberto Kley” e acrescenta que, “independentemente de sua classe social, de sua raça, de sua orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”.

Há 17 anos Alexandre Roberto foi submetido a uma cirurgia de troca de sexo e viveu um ano ao lado do agressor. Os dois se separaram, mas em setembro o réu procurou a vítima dizendo que precisava de um local para se hospedar, pois estava em tratamento contra as drogas.

Já na casa do transexual, Leão a agrediu verbal e fisicamente, fez ameaças e ainda causou danos materiais ao imóvel. Caso descumpra a decisão, o ex-companheiro pode ter a prisão preventiva decretada.

Por Rafhael Borges
Fonte: UOL

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Lei sob fogo cruzado nos EUA proíbe mentiras patrióticas

Liberdade de expressão
Em 2012, a Suprema Corte dos Estados Unidos vai decidir se mentir é um ato sujeito às duras penas da lei. A disputa judicial foi provocada por um membro eleito do conselho municipal da água em uma região da Califórnia que, ao descrever seus antecedentes em uma assembleia pública, em 2007, se declarou um herói de guerra, agraciado com uma "Medalha de Honra", a mais alta condecoração militar do país. O herói anônimo alcançou então a fama, por sua mentira patriótica. Foi processado pelo governo, condenado em primeira instância, absolvido em segunda. Na segunda-feira (17/10), a Suprema Corte aceitou decidir o caso "United States versus Alvarez", noticiam o USA Today e o New York Times.

Na verdade, a Suprema Corte vai decidir sobre a constitucionalidade da "Lei do Heroísmo Roubado" (Stolen Valor Act), promulgada pelo ex-presidente Bush, em 2006. Segundo a Wikipédia, a lei tipificou como contravenção federal a declaração falsa, por qualquer pessoa, de haver recebido qualquer condecoração ou medalha militar dos EUA. "Se condenado, o réu pode pegar até seis meses de prisão, a não ser que a mentira seja sobre o recebimento de Medalha de Honra e, nesse caso, a prisão pode ser de até um ano", diz a publicação. Mas, o USA Today afirma que Xavier Alvarez foi sentenciado a três anos em regime de liberdade condicional (e não "até um ano") e a pagar a multa de US$ 5 mil.

A questão é se a condenação de Xavier Alvarez viola o direito à liberdade de expressão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA. Juízes do tribunal de recursos, que reverteram a condenação anterior, desconfiam que o governo tentou, na verdade, atacar a liberdade de expressão, "só porque o caso é de uma mentira".

O juiz-chefe da 9ª Corte Distrital Alex Konzinski escreveu que sem uma forte proteção da Primeira Emenda, "o governo pode processar não apenas o homem que inventa uma história sobre o recebimento de uma Medalha de Honra, mas também os dentistas, que sempre dizem que não vai doer nenhum pouquinho". Segundo ele, "sem a proteção robusta da Primeira Emenda, as pequenas mentiras, os exageros e os engodos, que são uma parte integrante da comunicação humana, se tornariam alvos de censura", narra o USA Today.

Segundo o New York Times, o juiz Milan Smith Jr., escrevendo pela maioria (de uma comissão de três juízes), afirmou que a manutenção dessa lei pode abrir um precedente perigoso. "Não haverá uma barreira constitucional à criminalização de uma pessoa que mente sobre sua idade, seu peso, sua virgindade ou que diz ao policial que não excedeu o limite de velocidade na estrada ou que só bebeu um copo de cerveja". E sentenciou: "A triste verdade é que as pessoas mentem sobre alguns aspectos de sua vida ocasionalmente."

As vozes dissidentes dizem que a lei se refere apenas a mentiras cabeludas, como a da falsa declaração de recebimento de honras militares. O juiz que votou pela manutenção da pena aplicada a Alvarez rejeitou a tese da escorregadela da verdade e disse que "fazer declarações falsas sobre recebimento de honras militares é um subconjunto cuidadosamente definido de declaração factual falsa, que não merece proteção constitucional". Os advogados do governo, que apelaram da decisão que invalidou a lei, enfatizaram que as medalhas "expressam a gratidão da nação pelo patriotismo e pela coragem".

"Eu sou um marine (fuzileiro naval), aposentado há 25 anos. Me aposentei em 2001. Em 1987, fui condecorado pelo Congresso com a Medalha de Honra. Fui ferido muitas vezes pelo mesmo sujeito", Xavier Alvarez disse na assembleia pública. O governo descobriu que ele sequer pertenceu um dia a qualquer unidade das forças armadas, diz o New York Times. Agora, ele se defende: "Tudo o que estava fazendo é exercer o meu direito de liberdade de expressão".

A Suprema Corte, sob a chefia do ministro John Roberts, tem se mostrado favorável a demandantes que defendem a própria liberdade de expressão, julgando a favor das pessoas que fazem protestos em funerais militares (proibidos), de fabricantes de videogames violentos e distribuidores de material que mostra crueldade contra os animais.

A Suprema Corte também deverá decidir, no final do semestre judiciário, se a Comissão Federal de Comunicações deve regulamentar o uso de palavrões e de nudismo nos programas de televisão.

Por João Ozório de Melo
Fonte: ConJur

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"Ser juiz há tempos tem sido muito perigoso"

Tempos difíceis
Sob o título "Sou Juíza", o artigo a seguir é de autoria de Angela Schmidt Lourenço Rodrigues, Juíza de Direito em Jacareí (SP). Foi publicado originalmente no site "Judex, Quo Vadis?" (*).

Sou Juíza.

Mas não me atrevo a me identificar em público.

Tempos difíceis... Melhor não fazê-lo.

Na rua, no supermercado, no cinema e até mesmo entre os que não são muito conhecidos, sou apenas a Angela.

Digo aos meus filhos que se calem.

- Não digam que são filhos de juíza! Melhor falar que mamãe é assistente social, advogada ou qualquer coisa que o valha. Não revelem a profissão da mamãe em hipótese alguma!

Minha funcional está no fundo do armário.

Meus cartões de visitas ficam no Fórum. Em compromisso oficial levo um ou dois, apenas para o momento. Nem sonho em carregá-los na bolsa.

Meus hollerites estão muito bem escondidos, até pra evitar o desgosto de ver os descontos de mais de 38% dos meus vencimentos.

A empregada doméstica, muito bem instruída, não deve revelar que trabalha na residência de uma magistrada.

Ser juiz há tempos tem sido muito perigoso. Arriscado.

Mas o pior é que agora é vergonha também.

Não para quem se orgulha do trabalho que faz, como eu.

Mas para quem não nos conhece e nem imagina quanto pesa o nosso fardo...

Aos olhos da população, graças às TVs e aos jornais, somos vagabundos muito bem pagos pra deixar os processos mofando nos armários.

Somos venais, corruptos, vagabundos, os reis da carteirada, bandidos de toga!!

Precisamos de fiscalização incessante! Tal qual crianças irresponsáveis, sem a vigília dos bedéis de um Conselho superior somos incapazes de assumir nossas responsabilidades e ?dar conta do serviço?!

Ai de nós se alguma coisa der errado!!! No trânsito, no trabalho, nas ruas. Rezemos pra sair ilesos! A culpa, afinal, é sempre nossa!

Recebi a notícia do ingresso no concurso através do meu próprio pai. Dr. Angilberto Francisco Lourenço Rodrigues, advogado desde 1955, tempos dourados das Arcadas, falecido no ano passado.

Quanto orgulho ele sentiu de mim. Chamou-me de excelência!

Nunca vou esquecer aquele dia. Contava aos amigos que tinha todos os filhos formados em direito, uma promotora de justiça e uma JUÍZA. Falava com ênfase, com o orgulho que os advogados daqueles tempos tinham por ter um magistrado na família.

Pois é, meu pai, meu querido. Esses tempos já não existem mais.

Chego a pensar, apesar da tristeza que me abate, que foi bom o senhor ter partido antes de ter que esconder dos amigos que sua filha é juíza.

Graças a Deus o senhor não tomou conhecimento da vergonha e desonra que se considera o exercício da magistratura nos dias de hoje...

Mas pode ficar tranquilo, pai. Eu tenho certeza absoluta do caminho que estou trilhando. Da causa que abracei.

E consciência tranquila.

Do dever cumprido

Fonte: Blog do Fred

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Desembargadora faz palestra no “Noites Legais” em CG e diz que respeitar a mulher faz parte da dignidade humana

Em defesa da Mulher
A programação de instalação do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nesta segunda-feira (3), em Campina Grande, fechou com uma palestra da desembargadora Maria de Fátima Bezerra Cavalcanti, à noite, no auditório do Tribunal do Juri do Fórum Afonso Campos. A magistrada, assim como fez em João Pessoa, conclamou a sociedade para que reflita e se incorpore às iniciativas que o Judiciário vem oferecendo, no sentido de proteger as mulheres agredidas. “A mulher não pode ser violentada e agredida, principalmente em seu ambiente familiar, onde ela fica impotente para agir. O Respeito à mulher faz parte da dignidade humana”.

Com o tema “Violência doméstica e familiar contra a mulher: Histórico de sofrimento e proteção legal”, a desembargadora fez sua exposição com parte do projeto “Noites Legais”, da Escola Superior da Magistratura – Esma, que aproveitou a oportunidade para oferecer essa análise acadêmica ao bom público que compareceu ao fórum. Estiveram presentes, o presidente do TJ, desembargador Abraham Lincoln da Cunha Ramos; a vice-presidente, desembargadora Maria das Neves do Egito de Araújo Duda Ferreira; o Corregedor-Geral, Nilo Vieira Ramalho; e o diretor da Esma, desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides, além de desembargadores, juízes, advogados, estudantes, servidores, líderes feministas e autoridades políticas locais.

No inicio da explanação a magistrada reiterou o momento de reflexão a respeito do tema e pediu um minuto de silêncio, para em seguinda dizer que a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil. Para ela, a sociedade precisa reagir, fortelecendo os segmentos sociais de apoio, fazendo com que elas percam o medo e denunciem as agressões que estão sofrendo. “O Judiciário está disponibilizando os meios e é preciso crer na Justiça. Divulgar a Lei Maria da Penha e denunciar as mulheres que estão sendo agredidas é uma necessidade, uma responsabilidade de todos”, afirmou a desembargadora.

A magistrada disse que Lei Maria da Penha foi o diploma criado, de ação e de sentido afirmativos, para combater esse tipo de violência doméstica. O texto foi o resultado da atuação dos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, em especial, das reivindicações de uma biofarmacêutica, a cearense Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica. Citou, com base dados de pesquisa de opinião pública do Senado Federal, publicado em 2005, ao concluir que dentre todos os tipos de violência contra a mulher existentes no mundo aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas”. destaca.

A apresentação da palestrante foi feita pelo presidente do TJ, Abraham Lincoln. Ele disse que a desembargadora Maria de Fátima é uma grande estudiosa da Lei Maria da Penha (11.340/2006) “e extremamente sensível a questão da mulher em nosso Estado e no País. Lembrou sua determinação para implantar os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. “Existe uma demanda reprimida e nós temos que agir. A Justiça está trabalhando, mas esse propósito somente terá êxito se houver o apoio do Estado e de todos os segmentos da sociedade”.

“Essa mesma aula aconteceu na Escola Superior da Magistratura, em João Pessoa, e foi sucesso absoluto. Logo que recebeu o convite para Campina Grande, a desembargadora Maria de Fátima aceitou imediatamente. Isso prova a sua preocupação com o aperfeiçoamento dos nossos juízes e servidores”, comentou o diretor da Escola, desembargador Saulo Benevides.

Fonte.TJPB

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Estudo avalia prós e contras do monitoramento eletrônico

Liberdade Vigiada
Com 5,1 milhões de pessoas em regime de liberdade vigiada nos Estados Unidos, um estudo do Instituto Nacional de Justiça, feito na Flórida, recomenda maior emprego de dispositivos de monitoramento eletrônico no país como alternativa à prisão. De acordo com o estudo, o custo da detenção é seis vezes maior do que o do monitoramento eletrônico. "Os custos são de US$ 20 por dia para o monitoramento eletrônico e de US$ 120 por dia para a prisão", disse, este mês, o xerife de San Francisco, Michael Marcum, ao jornal The Examiner. Mas o custo é mais alto para as pessoas obrigadas a usar o dispositivo, reconhece o estudo.

Para pesquisadores do Centro de Criminologia da Universidade da Flórida, foram entrevistadas pessoas já condenadas por crimes comuns ou violentos, em regime de liberdade provisória, liberdade condicional ou prisão domiciliar. Não participaram do estudo pessoas em liberdade vigiada antes do julgamento. Em várias áreas dos EUA, há programas de monitoramento eletrônico para pessoas que são acusadas de crime, mas não têm dinheiro para pagar a fiança estipulada pelo juiz. Ele oferece então a elas a alternativa do monitoramento eletrônico a aguardar o julgamento na cadeia.

Também foram ouvidos os agentes judiciários encarregados de vigiá-las. Houve unanimidade entre as duas fontes de informação sobre alguns fatos. Por exemplo: o monitoramento eletrônico estigmatiza socialmente as pessoas vigiadas, dificulta seus relacionamentos e suas atividades familiares, além de prejudicá-las no trabalho. E houve discordâncias: 58% dos agentes acreditam que o monitoramento eletrônico dificulta a fuga das pessoas em liberdade vigiada, enquanto 85% dos monitorados afirmam que o dispositivo não impede ninguém de desaparecer no mundo.

Em sua análise quantitativa, o estudo mostrou: 1) o monitoramento eletrônico reduziu em 31% o índice de falhas das pessoas vigiadas em cumprir as regras do sistema, em comparação com os métodos convencionais; 2) o índice de falhas em cumprir as regras da liberdade vigiada foi maior entre pessoas acusadas de crimes violentos do que entre as acusadas de crimes sexuais, crimes contra a propriedade, tráfico de drogas e outros tipos de crimes; 3) o índice de falhas foi menor entre as pessoas monitoradas eletronicamente por GPS (Global Positioning Systems) do que por sistemas de rádio frequência (RF).

Na análise qualitativa, o estudo indica que, de uma maneira geral, o monitoramento cumpre seus objetivos primários de forçar as pessoas a cumprirem os termos da liberdade vigiada, rastrear os usuários do dispositivo, reduzir a reincidência e proteger o público. Mas cria distorções. Por exemplo, o público associa o uso do dispositivo de monitoramento eletrônico a criminosos sexuais, porque a imprensa faz constantemente essa associação ao noticiar casos de abuso sexual — um alto preço para pessoas acusadas de cometer crimes mais leves.

Custos do monitoramento eletrônico
As pessoas em liberdade vigiadas podem ter ou não um custo financeiro pelo monitoramento eletrônico e também pela supervisão. Os pagamentos mensais pelo monitoramento eletrônico, fixados pelos tribunais, foram dispensados para 39% (pouco mais de um terço) dos monitorados. Entre os 61% que foram obrigados a pagar, 53% não estão efetuando os pagamentos mensais; 15% pagam menos de US$ 50; 6%, de US$ 51 a US$ 100; 12% de US$ 101 a US$ 200; e 14%, mais de US$ 201. A média é de US$ 64 por mês.

Os pagamentos mensais pelos serviços de supervisão foram dispensados para 32% dos monitorados. Dos 68% que têm de pagar, 48% não pagaram nada; 28% estão pagando menos de US$ 50. 12% de US$ 51 a US$ 100; 5% de US$ 101 a US$ 200; 5% mais de US$ 201. A média é de US$ 38,70 por mês.

Relacionamentos
Entre os monitorados com relacionamentos conjugais, apenas 14% descreveram seus parceiros como compreensivos e solidários; 43% deles disseram que o relacionamento foi bastante prejudicado pelo uso do dispositivo de monitoramento eletrônico que traz problemas e algumas inconveniências para seus parceiros; 15%, que o tempo com seus parceiros foi reduzido; 28%, que não houve um impacto significativo. Entre os agentes judiciários, 89% declararam que o dispositivo causa mudanças significativas no relacionamento dos monitorados.

Com relação aos filhos, 37% dos monitorados disseram que não percebem um efeito significativo; 6%, que seus filhos não entendem a razão das restrições impostas pelo monitoramento; 32%, que houve um impacto negativo e distanciou as crianças; 14%, que o regime limita os lugares que podem ir com os filhos. Os pesquisadores destacaram as seguintes declarações: "Sinto como se meus filhos também estivessem na prisão"; "Meu filho amarra um relógio em seu calcanhar para ficar como o pai"; "Quando o dispositivo toca, as crianças se agitam, porque pensam que a Polícia está vindo para me levar para a cadeia". Entretanto, 7% declararam que a família viu um lado bom: ele fica mais tempo em casa.

Com relação aos amigos, 42% dos monitorados declararam que não veem um efeito significativo; 29%, que ficou difícil fazer novos amigos; 16%, que se afastaram dos velhos amigos; 5%, que seus amigos ficam envergonhados e já não se sentem à vontade com a amizade; 5%, que não têm mais amigos; 2%, que o dispositivo deixa as pessoas curiosas e é motivo para início de conversas; 1%, que fizeram amigos na vizinhança, que sentiram vontade de lhe dar apoio. Declarações destacadas pelos pesquisadores: "Que amigos?"; "Eles fazem piadas: quem é aquele com uma TV amarrada no calcanhar?"; "Não deixo eles saberem. Escondo o dispositivo"; "Cortei relações com todos os amigos, porque não posso ir a lugar algum".

Busca de trabalho
Na busca de emprego, 61% dos monitorados declararam que foram prejudicados pelo dispositivo de monitoramento eletrônico, que tem de permanecer visível todo o tempo, quando foram a entrevistas. Fatos relatados: ao notar o dispositivo, os empregadores assumem uma atitude defensiva; mesmo que o monitorado se saia bem na entrevista, o telefone confirmando o emprego nunca chega; a maioria dos empregadores pensa que você é um criminoso perigoso, sem sequer perguntar quais foram as acusações; empregadores dizem que podem assustar e afastar clientes; empregadores acham que os clientes vão associar a empresa com o funcionário "criminoso".

Entre os monitorados que perderam seus empregos, 32% disseram que a causa foi a perda do sinal do dispositivo, quando dentro de um prédio por tempo superior ao limite (o sistema emite um alarme que assusta as pessoas ou o monitorado tem de sair à rua e permanecer lá por uns 15 minutos para o sinal ser restabelecido); 28%, por causa da limitação de sua flexibilidade de horários, tempo de trabalho, distância da casa, etc.; 27%, por causa de responsabilidades pessoais; 5%, por causa de clientes que não gostaram de ver o dispositivo; 8%, por outras razões.

Entre os monitorados que não foram demitidos, 25% têm problemas, de qualquer forma; 75% deles trabalham menos do que poderiam ou gostariam; 15% declararam que não podem fazer horas extras; 60% disseram que seus problemas são o horário de ir para casa, limitações de viagens e flexibilidade reduzida; 10%, que as pessoas respondem negativamente ao perceberem o aparelho. Entre as autoridades judiciárias, 94,4% (9 em 10) declararam acreditar que os monitorados têm problemas na área de trabalho por causa do dispositivo.

Por João Ozório de Melo
Fonte: ConJur