quinta-feira, 29 de setembro de 2011

TJ-RS nega emancipação para adolescente de 15 anos

Vedação legal
O fato de conviver em união estável não é motivo para conceder emancipação à jovem menor de idade. Afinal, este regime de união se equipara ao casamento somente para a finalidade de constituir família. Com este entendimento, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou improcedente a emancipação de uma adolescente que vive maritalmente com seu companheiro desde os 14 anos na cidade de São Gabriel. A decisão é do dia 29 de junho.

A jovem entrou na Justiça, representada por sua mãe, alegando que a união estável é uma forma de casamento e, como tal, deve ser considerada também como hipóteses para emancipação. Conforme a autora, o fato de já ter um filho corrobora com o pedido.

Na primeira instância, a juíza Camila Celegatto Cortello Escanuela, da 2ª Vara Cível da Comarca de São Gabriel, negou a pretensão. A autora, então, recorreu ao Tribunal de Justiça, com os mesmos argumentos.

O relator do recurso na 7ª Câmara Cível, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, manteve a sentença. Ele lembrou que o Código Civil é claro no sentido de que, para ser possível a emancipação, é necessário que o menor tenha 16 anos completos. Ou seja, em tais condições, o pai e a mãe podem conceder, ou um deles na falta do outro, a emancipação do filho menor.

‘‘No presente caso, a jovem conta apenas 15 anos de idade, sendo totalmente descabido o pedido de emancipação, nos exatos termos do que dispõe artigo 5º, parágrafo único, inciso I, do Código Civil’’, arrematou o julgador.

O voto foi seguido, por unanimidade, pelos desembargadores André Luiz Planella Villarinho e Roberto Carvalho Fraga.

Fonte: ConJur

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

“Há uma tentativa de emparedar o STF”, diz ministro

Sob Pressão

Os ataques e acusações generalizadas de corrupção contra juízes, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal decidir o alcance do poder correcional do Conselho Nacional de Justiça, são uma tentativa de emparedar os ministros da mais alta corte do país. A opinião é do ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça.

“Algumas declarações genéricas somadas a uma grande articulação contra o julgamento que se avizinha são uma clara tentativa de emparedar publicamente os ministros do Supremo Tribunal Federal. Nem a ditadura ousou fazer isso. Não deveria ser feito por quem também usa toga”, afirmou o ministro à revista Consultor Jurídico, em referência indireta à sua colega, ministra e corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon.

As afirmações do ministro do STJ engrossam o coro de juízes que reagiram com indignação e virulência contra declarações da corregedora nacional de Justiça em entrevista concedida à Associação Paulista de Jornais (APJ) e reproduzidas pela ConJur e por jornais de grande circulação. Na entrevista, Eliana afirmou que limitar os poderes da Corregedoria do CNJ “é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás das togas”.

A reação à entrevista foi proporcional à força das afirmações da ministra que, entre outras coisas, afirmou que só conseguiria inspecionar o Tribunal de Justiça de São Paulo “no dia em que o sargento Garcia prender o Zorro”. Além do TJ paulista e do Tribunal Superior do Trabalho, tribunais e associações de classe de todo o país emitiram notas de repúdio às declarações, na esteira do que fez, no início da manhã de terça-feira (27/9) o CNJ, comandado pelo presidente Cezar Peluso.

O presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, convocou uma sessão plenária para as 18h30 de terça para discutir se o tribunal também publicaria uma nota contra as declarações. Muitos ministros não compareceram à reunião, na qual se decidiu que a corte não emitiria nota alguma. Por unanimidade, os ministros do STJ recusaram-se a emitir uma nota direta contra sua colega Eliana Calmon. Decidiram que não era o caso.

Os termos da nota se limitariam a reafirmar a confiança do tribunal na magistratura diante de “declarações genéricas” que teriam ofendido toda a classe. Nenhuma referência direta seria feita à corregedora. Mas, nesse quesito, a maioria dos ministros entendeu que a nota ficaria tão genérica quanto as afirmações de Eliana, o que os demoveu da ideia.

Nas discussões, alguns ministros disseram que a publicação de qualquer manifestação do tribunal deveria ser feita apenas depois de ouvir explicações da ministra. O presidente Ari Pargendler e o ministro Gilson Dipp, antecessor de Eliana Calmon na Corregedoria do CNJ, foram os mais críticos em relação às declarações da colega. A maioria, contudo, decidiu que não deveria haver manifestação alguma.

O ministro Luis Felipe Salomão não esteve presente à sessão, mas enviou ofício pessoal ao presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. “Nesse momento grave pelo qual passa a magistratura brasileira, com ataques levianos e generalizados às garantias e predicamentos da jurisdição, tê-lo à frente do Supremo Tribunal Federal conforta e, ao mesmo tempo, estimula o bom combate, em prol de um Judiciário forte e independente, pilares do Estado Democrático de Direito. Parabéns pela atuação firme em defesa da cidadania”, escreveu na correspondência.

Em conversa com a ConJur, Salomão disse que há um movimento orquestrado para tentar intimidar o STF no julgamento dos limites da competência do CNJ. De acordo com o ministro, os juízes não defendem os desvios cometidos por colegas: “Não queremos passar a mão na cabeça de ninguém ou fazer vista grossa a desvios, mas generalizar acusações conspira contra o funcionamento do próprio Poder Judiciário. É contraproducente”.

"Se há coragem para tentar intimidar ministros do STF, como poderemos garantir a independência de juízes de primeira instância? O juiz intimidado é aquele que julgará as causas que interessam aos cidadãos. A reação à generalização revela uma preocupação com o Estado Democrático de Direito”.

Reação togada
A expressão Estado Democrático de Direito, aliás, foi usada por Peluso em diversos momentos da reunião administrativa em que os conselheiros do CNJ decidiram, por unanimidade, emitir a nota que provocou a reação em cadeia contra as declarações de Eliana Calmon. Só não assinaram a nota, além da ministra, os conselheiros Jefferson Kravchychyn e José Lúcio Munhoz, que não estavam presentes à sessão desta terça-feira.

Os advogados que aguardavam o começo da sessão do CNJ na terça-feira estranharam a movimentação no plenário. Às 9h40, quando a sessão já devia ter começado e muitos conselheiros ocupavam seus lugares à espera da chegada de outros colegas e do presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, para dar início aos trabalhos, a sala de sessões se esvaziou.

Peluso os havia convocado para uma sessão administrativa extraordinária. Minutos antes, um conselheiro foi ao ministro prestar solidariedade por conta de um artigo publicado pelo professor Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos. Com o título Um Poder de Costas para o País, o texto publicado no jornal O Globo faz críticas ácidas ao STF e ao próprio Cezar Peluso.

“O Marco Antonio Villa não foi nada”, respondeu Peluso. O presidente do STF e do CNJ estava furioso, sim, mas com as declarações de Eliana Calmon. Relatou aos colegas que havia recebido ligações de juízes e desembargadores de todas as partes do país, além de colegas do próprio Supremo. Com a notícia publicada pelo jornal Folha de S.Paulo à sua frente, Peluso batia na mesa, em cima do diário, e bradava: “Eu quero saber o que o Conselho vai fazer”.

A notícia circulou entre os conselheiros que ainda não haviam lido, enquanto o ministro Peluso reforçava que em seus 40 anos de magistratura nunca havia se defrontado com acusações tão graves, que considerava um ataque ao Estado Democrático de Direito. Sentada ao lado de Peluso, a ministra Eliana Calmon ouviu a preleção de Peluso em silêncio e, enquanto alguns conselheiros ainda liam suas declarações, pediu para falar.

Bem ao seu estilo, a ministra não negou as declarações. Disse que há, sim, juízes criminosos na magistratura, reafirmou suas posições em favor do poder do CNJ e disse que sua preocupação também é com o Estado Democrático de Direito. Assessores próximos da ministra relatam que as declarações foram dadas de boa fé e que a intenção de Eliana Calmon não foi fazer generalizações, mas chamar a atenção para o fato de que muitos podem ficar impunes se o poder do CNJ for limitado pelo Supremo. “A ministra reforçou sua convicção de que ao combater os maus juízes, está privilegiando os bons. E também têm a consciência de que os desvios são feitos pela minoria”, disse um de seus assessores na Corregedoria.

As explicações não foram suficientes para desarmar o ministro Peluso. “Se Vossa Excelência tem conhecimento de desvios, cumpra sua função, traga os nomes para o CNJ e os processe, porque assim poderemos punir todos eles. Mas não generalize”. A ministra afirmou que entraves atrapalham parte das investigações. Peluso insistiu: “Então, relate os problemas”.

A partir daí, Eliana permaneceu calada na maior parte da reunião, que durou quase duas horas. Todos os conselheiros falaram. A maioria criticando a postura da ministra, inclusive os que defendem sua tese de que o CNJ tem poderes para investigar juízes antes das corregedorias dos tribunais locais. Poucos tentaram contemporizar. Alguns exigiram retratação.

O conselheiro Fernando Tourinho foi um dos que exigiu que Eliana se retratasse. Como o ministro Luis Felipe Salomão, Tourinho entende que os ataques são uma tentativa de pressionar os juízes a encampar a tese da corregedora. “Da forma como as coisas estão colocadas, se passa a impressão de que quem é contra a tese da competência concorrente é a favor da corrupção. Não se trata disso”, afirmou o conselheiro.

Peluso, então, propôs que o Conselho emitisse uma nota. Imediatamente, o conselheiro Sílvio Rocha pediu aos colegas uma caneta emprestada e começou a rascunhar os termos da nota. Alguns ainda falaram em retratação, mas a maioria entendeu que a corregedora não deveria se manifestar. Eliana, então, colocou um pouco mais de gasolina na fogueira: “É melhor mesmo que eu fique calada”.

Eliana Calmon ficou isolada. Não encontrou apoio nem mesmo entre os conselheiros que habitualmente saem em sua defesa, como Gilberto Valente Martins e Jorge Hélio. O conselheiro Valente Martins tentou apenas acalmar um pouco os ânimos. Em vão. Um dos conselheiros ouvidos pela ConJur disse que a intenção da nota não foi desmoralizar a corregedora ou enfraquecê-la no CNJ.

“A intenção do Conselho foi apenas esclarecer que as generalizações não eram devidas. É possível que alguns tenham querido criticar a ministra, outros a matéria do jornal. Mas o foco da nota não foi desautorizar a ministra como corregedora, mas deixar claro que não concorda com generalizações”, afirmou o conselheiro.

Enquanto muitos ainda comentavam e criticavam a postura de Eliana Calmon, o ministro Peluso pediu o rascunho da nota ao conselheiro Sílvio Rocha e passou a escrever a nota definitiva. Os conselheiros apenas observaram que deveria ficar claro que a reação era motivada pela generalização, que enfraquece a imagem do Judiciário e a consequente confiança da sociedade, não por mero corporativismo.

Quase ao meio-dia, a sessão do CNJ foi aberta com a leitura da nota, diante de uma ministra Eliana Calmon calada como poucas vezes se viu em sessões das quais participa. Ao final da sessão, em torno das 18h, Peluso já fazia piadas com os conselheiros, experimentando uma sensação de vitória.

Limites do CNJ
Nesta quarta-feira (28/9), o Supremo poderá definir os limites do poder correcional do CNJ. Está na pauta do tribunal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.638, na qual a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirma que o Conselho não tem competência para uniformizar o trâmite de processos administrativos disciplinares contra juízes e as penas previstas para os casos de punição.

De acordo com a entidade, a competência para isso é dos tribunais ou do legislador e não cabe ao um órgão administrativo como o CNJ fixar as regras. A AMB contesta a Resolução 135 do CNJ, aprovada em julho. Segundo a ação, o Conselho tem poder para processar juízes desde que isso ocorra “sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais”. O relator do processo é o ministro Marco Aurélio.

Compõe os argumentos da AMB contra a resolução a polêmica em torno da competência concorrente ou subsidiária do CNJ em relação às corregedorias dos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais.

Há diversos processos no Supremo em que os ministros suspenderam decisões do CNJ por considerar que o Conselho só pode agir depois das corregedorias locais ou em caso de omissão destas. Todas as decisões dos ministros do STF tomadas sobre o tema até agora foram monocráticas. Por isso, a definição da questão ainda está pendente.

Por Rodrigo Haidar
Fonte: ConJur

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

EUA tiveram mais de 13 milhões de prisões em 2010

Radiografia do crime
Em 2010, foram registrados mais de 10,3 milhões de crimes nos Estados Unidos — 1.246.248 crimes violentos contra a pessoa e 9.082.887 crimes contra a propriedade. Foram feitas mais de 13 milhões de prisões (o número maior que o de crimes reflete o fato de muitas pessoas serem presas mais de uma vez durante o ano). Em um press release referente ao relatório anual sobre a criminalidade nos Estados Unidos, o FBI (departamento federal de investigações dos EUA) destacou a queda, em relação a 2009, de 6% do número de crimes violentos e de 2,7% do número de crimes contra a propriedade.

De acordo com o relatório, divulgado esta semana pelo FBI, o índice foi de 403,6 crimes violentos por 100 mil habitantes, em 2010. Entre os crimes violentos, o mais comum foi a "agressão com agravante" (62,5% do total). Seguiram-se os roubos com violência (29,5%), estupro violento (6,8%) e homicídio (1,2%). Para seu relatório, o FBI coleta dados sobre 28 tipos de crime.

A hierarquia da gravidade dos "crimes violentos" nos EUA é: 1) murder (assassinato premeditado) e nonnegligent manslaughter (homicídio voluntário sem premeditação, ocorrido "no calor da paixão", como o crime passional ou o resultante de uma provocação); 2) robbery (roubo com uso de força ou ameaça de força, como assalto a mão armada); 3) forcible rape (estupro com o uso de força, coerção ou abuso de autoridade de uma pessoa que não dá — ou não pode dar — seu consentimento para o ato sexual); 4) aggravated assault (agressão com agravante, isto é, deliberada, com a intenção de causar ferimentos físicos).

Seguem-se, na hierarquia, os "crimes contra a propriedade": 5) burglary (arrombamento com o fim de cometer um crime, como roubo); 6) larceny-theft (apropriação indébita, furto/roubo); 7) motor vehicle theft (roubo de carro). Arson (incêndio criminoso) — embora seja um crime contra a propriedade, não está incluído na regra da hierarquia dos crimes.

Foram registrados 12,996 assassinatos em 2010 (média de 35,6 por dia) — excluídos desse total os homicídios que o FBI define como "justificáveis". Das vítimas, 77,4 eram homens; 50,4% eram negros, 47% brancos; e 2,6% de outras raças (não foram registradas as raças de 152 vítimas). Entre os acusados de assassinato, 90,3% eram homens; 53,1% eram negros; 44,6% eram brancos; e 2,3% eram de outras raças (não foram registradas as raças de 4.224 acusados).

Sobre o aspecto do relacionamento entre o assassino e a vítima: 53% foram mortas por pessoas de seu círculo de relacionamento (conhecidos, vizinhos, amigos, namorados, etc.); 24,8% foram mortas por membros da família; 22,2% foram mortas por desconhecidos. Mas em 44% dos casos de assassinato o relacionamento entre agressor e vítima não foi relatado. Entre as vítimas femininas, em que o relacionamento foi relatado, 37,5% foram mortas por seus maridos ou namorados.

Em 5.544 casos, em que o relacionamento entre vítima e agressor foi relatado, as vítimas foram: 110 maridos, 603 esposas, 107 mães, 135 pais, 256 filhos, 197 filhas, 88 irmãos, 19 irmãs, 287 (outros) familiares, 2.723 conhecidos, 396 amigos, 131 namorados e 492 namoradas.

Em respeito às circunstâncias que envolveram os crimes, quando relatadas, 41,8% das vítimas foram mortas devido a brigas (incluindo as derivadas de triângulos amorosos); 23,1% devido a crimes dolosos (estupros, assaltos a mão armada, roubos, etc.). Em 35,8% dos casos, as circunstâncias dos homicídios não foram relatadas.

Do total de 12.996 assassinatos, 41 pessoas morreram em decorrência de estupro; 780 em assalto a mão armada; 80 em roubo com invasão de propriedade; 20 em roubos e furtos; 37 em roubos de veículos; 35 em incêndios criminosos; 5 em casos de prostituição; 14 em casos de ataque sexual; 463 em casos relacionados ao narcotráfico; 7 em casos relacionados a jogos de azar; 441 em casos de crime dolosos não especificados; 66 em casos em que houve suspeita de crime doloso; 6,351 em outros tipos de crime que não o doloso; 90 em decorrência de triângulos amorosos; 36 crianças foram mortas pela babá; 121 pessoas foram mortas por causa de brigas sob a influência do álcool; 58, de brigas sob a influência de drogas; 181, de brigas relacionadas a dinheiro ou a propriedade; 3,215 por causa de outros tipos de brigas; 176 foram mortas por gangs; 673 adolescentes também foram mortos por gangs; 17 em casos de homicídios institucionais (como em prisões); 3 foram mortas por franco-atiradores; 1,781 por causas não especificadas; 4,656 por crimes não desvendados.

Dos 665 homicídios como "justificáveis" pelo FBI, 387 foram cometidos por agentes policiais e 278 por cidadãos privados, "enquanto o cometimento de um crime estava em andamento".

Armas de fogo foram usadas em 65,5% dos assassinatos, em 41,4% dos roubos violentos e em 20,6% das agressões com agravante (não há levantamento de dados sobre o uso de armas em estupro). Outros instrumentos usados nos crimes: facas e outros instrumentos cortantes (13,1%), mãos, punhos, pés, etc. (5,8%), desconhecidos (13,6%).

Dos 9.082.887 crimes contra a propriedade, o mais comum foi o de "roubos e furtos" (68,2% do total); seguem-se roubo com invasão de propriedade (23.8%) e roubos de veículos (8,1%). A proporção foi de 2.942 crimes por 100 mil habitantes, em 2010. Os prejuízos foram estimados em US$ 15,7 bilhões, dos quais 21% foram recuperados.

Do total de 449.246 assaltos a mão armada, 200.062 foram nas ruas e estradas, 61.266 em casas de comércio, 12.125 em postos de gasolina, 25.023 em lojas de conveniência, 64.288 em residências, 9.631 em bancos e 76.852 em locais não relatados.

Do total de 2.194.993 roubos em propriedade alheia, 1.453.002 foram em residências (413.678 durante a noite, 708.807 durante o dia, 330.517 em horário desconhecido); 741.991 foram em lojas, escritórios e outros estabelecimentos (308.658 durante a noite, 235.666 durante o dia e 197.668 em horário desconhecido).

Do total de 6.626.363 roubos e furtos, 28.854 foram em bolsos, 40.114 de bolsas, 875.191 em lojas, 1.757.565 de veículos, 640.549 de acessórios de veículos, 231.915 de bicicletas, 832.186 de prédios, 35.367 de máquinas de vendas automáticas e 2.184.623 não especificados.

Em 2010, foram efetuadas 13.120.947 prisões (sem contar as prisões por violações às leis do tráfego e as feitas pela imigração). Dessas prisões, 552.077 foram por crimes violentos; 1.643.962 por crimes contra a propriedade; 1.638.846 por produção, tráfego ou uso excessivo de drogas (o maior número de prisões por um crime específico); 1.412.223 por dirigir sob a influência do álcool; 1.271.410 por roubos e furtos.

Do total das prisões na área de narcóticos, 18,1% foram por produção ou tráfego de drogas (6,2% de heroína, cocaína e derivados; 6,3% de maconha; 1,8% de drogas sintéticas ou manufaturadas, 3,7% de outros narcóticos) e 81,9% foram pelo uso de drogas (16,4% de heroína, cocaína e derivados; 45,8% de maconha; 4,1% de drogas sintéticas ou manufaturadas e 15,7% de outros narcóticos).

Em proporção, o índice foi de 4.257,6 de presos por 100 mil habitantes, em 2010; por crimes violentos, o índice foi de 179,2 presos por 100 mil habitantes; por crimes contra a propriedade, 538,5 por 100 mil. Quase três quartos de todas as prisões no ano foram de homens; 80,5% das prisões decorrentes de crimes violentos foi de homens; 69,4% das prisões por crimes contra a propriedade foi de homens. Do total de presos, 69,4% eram brancos, 28% eram negros e 2,6% eram de outras raças.

O FBI não comenta, em seu relatório, o percentual maior de prisões de brancos. Mas a explicação é: da população de mais de 300 milhões de habitantes dos EUA, 72% são da raça branca e menos de 13% da raça negra — o restante da raça hispânica e outras raças.

Por João Osório de Melo
Fonte: ConJur

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O testamento de Machado de Assis

Embargos Culturais - O Bruxo do Cosme Velho

Ainda que o escritor Joaquim Maria Machado de Assis tenha desejado que seu segundo testamento não fosse revelado, salvo em caso de necessidade judicial, há a mancheias cópias do documento. Fio-me, na construção do presente ensaio, de reprodução encontrada em interessante livro de Daniel Pizza, exuberante em material iconográfico[1]. No caso, tem-se cópia do rascunho do documento, de próprio punho do escritor. Intrigante a caligrafia do bruxo do Cosme Velho.

O testamento de Machado de Assis permite que se problematizem os limites entre propriedade comum e propriedade imaterial, esta última, especialmente, em sua percepção de propriedade intelectual. É o meu argumento.

Declarando-se morador da Rua Cosme Velho nº 18, Machado de Assis redigiu o curto documento na expectativa genérica de expressar sua derradeira vontade. Escreveu que era natural do Rio de Janeiro, onde nascera em 21 de junho de 1839. Afirmou ser filho legítimo de Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Machado de Assis, ambos, por óbvio, então falecidos à época da redação do testamento.

Anotou que se casou com Carolina Augusta de Novaes Machado de Assis em 12 de novembro de 1869. À época da redação do segundo testamento Machado de Assis já era viúvo: Carolina morreu em 20 de outubro de 1904. Foi sepultada no Rio de Janeiro, no Cemitério São João Baptista. Machado de Assis também informou que Carolina nascera em Portugal, na cidade do Porto, e que era filha legítima de Antonio Luiz de Novaes e de Custodia Emília Xavier de Novaes.

Machado de Assis afirmou que desejava ser enterrado junto à esposa, na mesma sepultura, indicando inclusive o número do jazigo (1.359). Lembrou da necessidade de obtenção de licenças, necessárias para a realização da determinação. Rabiscou afirmação de que desejava que abaixo da inscrição de seu nome junto ao túmulo, também se indicasse suas datas de nascimento e morte.

Declarou que inutilizara um testamento que fizera em 30 de junho de 1898, no qual instituía sua então esposa como herdeira universal. Esse primeiro testamento, de acordo com Machado de Assis, fora aprovado por tabelião no Rio de Janeiro, de nome Pedro Evangelista de Castro.

Machado de Assis, por ocasião da morte de Carolina, fizera partilha amigável com sua cunhada, Adelaide Xavier de Novaes, e também com seus sobrinhos, Sara Braga da Costa, Arnaldo Arthur Ferreira Braga e Ariosto Arcádio de Novaes Braga.

No segundo testamento, aqui tratado, Machado de Assis declarou-se possuidor de doze apólices da dívida pública. Cada uma dela valia um conto de réis. Venciam juros de 5% ao ano. As apólices estavam custodiadas pelo London and Brazilian Bank, Limited. O escritor também declarou que possuía dinheiro depositado em conta corrente, na Caixa Econômica, em caderneta, tombada sob o número 14.304.

Machado de Assis legou todos os valores que possuía a Laura, sua sobrinha neta, filha de sua sobrinha e comadre, Sara Braga da Costa, e de seu cunhado e compadre, Major Bonifácio Gomes da Costa. É para Laura que Machado de Assis deixou também seus móveis, livros e demais objetos. Laura era a herdeira universal dos bens do escritor.

Machado de Assis nomeou como testamenteiros o já citado Major Bonifácio, bem como os amigos Heitor Cordeiro e Julian Lamac, este último então gerente da Casa Garnier. É o que se lê no rascunho do testamento.

O testamento de Machado de Assis sintetiza vida de homem simples, e que morreu sem bens materiais de maior expressividade. Não havia propriedade imóvel a ser legada. Machado de Assis deixou pequeno legado material. Porém legou-nos uma obra monumental.

Não há no testamento disposições sobre personagens emblemáticos como Capitu, Bentinho, Escobar, Brás Cubas, Simão Bacamarte, Conselheiro Aires, Pedro, Paulo, Quincas Borba, Virgília, Lobo Neves, Sofia, Rubião, Fidélia, Aguiar, entre tantos outros. A lista é imensa.

E também não há no testamento de Machado de Assis determinações sobre um dos mais amplos estudos já feitos sobre a natureza humana, revelador sensível de nossas neuroses, perversões e psicoses, que captam as negações com as quais a vida nos acena, isto é, quando vivemos na vida real.

E também não há recomendações de estilo, temas, fórmulas de uso linguístico e idiossincrasias que marcam a modo machadiano de ser e de escrever. E ainda não há também pistas para o que se fazer com geniais construções dramáticas de cenas de adultério e de ciúme, como lemos em Missa do Galo, Mariana, A Cartomante, D. Paula, A carteira, O relógio de ouro, A mulher de preto, Ernesto de Tal, Confissões de uma viúva moça, e tantos outros contos sublimes.

O testamento político de Machado de Assis se encontra nas inesquecíveis páginas de Esaú e Jacó, ou em contos muito bem engendrados como Virginius (narrativa de um advogado), O Teles e o Tobias (quadro de costumes políticos), A sereníssima República (Conferência do Cônego Vargas), O Espelho (Esboço de uma nova teoria da alma humana), O jogo do bicho, O velho senado, Pai contra Mãe.

Seu legado filosófico se aufere em contos também desconcertantes, a exemplo de O sermão do diabo, Ideias de canário, Papéis velhos, O imortal, A igreja do diabo, Como se inventaram os almanaques, apenas para citar alguns mais conhecidos.

A herança de Machado de Assis foge ao contexto material do testamento e matiza-se, principalmente, por uma fina ironia, que exemplifico com o argumento de Capitu, no sentido de sensibilizar Bentinho para quem não fosse estudar no seminário. Para Capitu, - Padre é bom, não há dúvida; melhor que padre só cônego, por causa das meias roxas. - O roxo é cor muito bonita. Pensando bem, é melhor cônego. – Mas não se pode ser cônego sem ser primeiramente padre (...)- Bem; comece pelas meias pretas, depois virão as roxas. – O que eu não quero é perder a sua primeira missa; avise-me a tempo para fazer um vestido à moda, saia balão e babados grandes...

Machado de Assis confirmou sua ascensão social vendo o mundo em que viveu de cima, como se referiu importante estudioso de sua obra[2]. Inegável que, ao contar suas histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no século XIX[3], fazendo-o, porém, de cima, na imagem de Roberto Schwarz. Há um aburguesamento no modo de se captar o mundo, no qual se admitia a coexistência e a permeação de estratos, dois fenômenos da convivência de duas camadas sociais, a classe e o estamento[4]. Machado era um pessimista, que sobreviveu[5]. Não há se encontrar um chamado para a revolução internacional permanente na obra de Machado de Assis. Ainda bem.

O testamento de Machado de Assis transcende à sua própria condução do legado de seus bens materiais. Porque, escritor de obra intemporal e universal, Machado resiste aos estereótipos e ao oficialismo com é frequentemente contemplado[6]; sobrevive a todos.

Quanto à execução do testamento,

O major Bonifácio Gomes da Costa, que só desembarcara no Rio de Janeiro após o enterro de Machado de Assis, a 20 de outubro de 1908, pediu, na qualidade de primeiro testamenteiro, a abertura do inventário do escritor. A 28 de outubro o major apresentava ao juiz José Augusto de Oliveira a relação dos bens a inventariar, e a 9 de novembro, as declarações finais, acompanhadas de contas por ele pagas, como inventariante, a serem deduzidas do espólio. Uma delas era a das criadas (...) O escritor deixara de pagar-lhes os meses de agosto e setembro, que requereram ao inventariante (...) Deixara Machado também pequenas dívidas, no total de 123$300 (cento e vinte e três mil e trezentos réis), em casas de comércio em que se abastecia, como a Padaria das Laranjeiras, a Victoria Store (...), Grande Estábulo das Vacas, Farmácia das Laranjeiras (...), Açougue Flor de Laranjeiras e Caso de Santo Antonio (carvoaria e quitanda) cujas contas foram pagas, depois, pelo espólio. Este igualmente pagou uma conta de gás (...) Feitas todas as despesas necessárias, coube à herdeira a quantia de líquida de 21:134$098 (vinte e um contos, cento e trinta e quatro mil e noventa e oito réis),que por ela ser menor ficaram sob a guarda de seu pai e testamenteiro (...)[7].

Testamentos alcançam apenas bens materiais, passíveis de transmissão direta, de aferição imediata. Assim, se a herdeira Laura recebeu os valores que R. Magalhães Júnior nos informa, decorrentes das apólices da dívida, dos depósitos de caderneta de poupança, dos livros, de alguns direitos autorais (que se pulverizam e se dissolvem no tempo), a cultura brasileira herdou uma obra que jamais se esgota. Sempre se revela inesperadamente. Renova-se no horizonte de sentido e nas discussões e interpretações que provoca. É permanente. A herança é universal.

É também no testamento de Machado de Assis que o conceito de propriedade imaterial (e intelectual) pode se revelar de modo esclarecedor. A propriedade imaterial é aquela que recai sobre direitos, bens incorpóreos, com direitos autorais, privilégios de invenção, patentes, marcas de fábrica e comércio (...) abrange a propriedade industrial e a propriedade literária, artística e científica[8]. E ainda que alguma forma de legado possa alcançá-la, ela se transmite na complexa estrutura antropológica e sociológica da comunicação das culturas.

Criações do intelecto não se materializam de modo muito fácil. E também não se transmitem individualmente de forma muito simples. Substancializam patrimônio comum dos espíritos elevados, ou pelo menos pré-dispostos à aversão ao lugar-comum.

A propriedade intelectual e imaterial, em seu sentido mais realista, é de todos, e por isso pode ser também que não seja de ninguém.

A uma sobrinha-neta, Machado de Assis legou seus dinheiros, apólices, teréns, alfaias, livros. E a toda gente legou impressionante poder criador, uma lição de possibilidades de reinvenção da alma humana, de superação pessoal, num contexto de ceticismo desconcertante. Provoca-nos sentimentos de afeto e de amor à humanidade.

Tudo muito irônico. E muito mais do que um jogo de palavras. Se pela voz de Brás Cubas o escritor Machado de Assis afirmava que não teve filhos porque não queria transmitir a nenhuma criatura o legado de nossa miséria, seu legado comprova-nos que transmitiu a todas as criaturas um sentido verdadeiramente superior de nossa exuberante condição. Mas isso não estava em seu testamento. E não pode estar no testamento de ninguém.

BIBLIOGRAFIA

Chalhoub, Sidney, Machado de Assis- Historiador, São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 2008, vol. 4.

Faoro, Raimundo, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, São Paulo: Editora Globo, 2001.

Magalhães Júnior, R., Machado de Assis, Vida e Obra, vol. 4, Rio de Janeiro: Record, 2008.

Marcondes, Ayrton, Machado de Assis- exercício de admiração, São Paulo: A Girafa Editora, 2008.

Piza, Daniel, Machado de Assis, um gênio brasileiro, São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

Schwarz, Roberto, Ao vencedor as batatas, São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2000.

Viana Filho, Luís, A vida de Machado de Assis, Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1974.

[1] Piza, Daniel, Machado de Assis, um gênio brasileiro, São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.

[2] Cf. Schwarz, Roberto, Ao vencedor as batatas, São Paulo: Duas Cidades, Editora 34, 2000, p. 231.

[3] Chalhoub, Sidney, Machado de Assis- Historiador, São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p . 17.

[4] Faoro, Raimundo, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, São Paulo: Editora Globo, 2001, p. 17.

[5] Cf. Viana Filho, Luís, A vida de Machado de Assis, Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1974, p. 262.

[6] Marcondes, Ayrton, Machado de Assis- exercício de admiração, São Paulo: A Girafa Editora, 2008, p. 331.

[7] Magalhães Júnior, R., Machado de Assis, Vida e Obra, vol. 4, Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 416.

[8] Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, São Paulo: Saraiva, 2008, vol. 4, p. 957.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

É possível ação de investigação de paternidade e maternidade socioafetiva

Força do amor
A busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva é possível por meio de ação de investigação de paternidade ou maternidade, desde que seja verificada a posse do estado de filho. No caso julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, negou a existência da filiação socioafetiva, mas admitiu a possibilidade de ser buscado seu reconhecimento em ação de investigação de paternidade ou maternidade.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, seria uma “heresia” usar tal instrumento – destinado a “promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa” – para esse fim.

Analogia
A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou em seu voto que a filiação socioafetiva é uma construção jurisprudencial e doutrinária ainda recente, não respaldada de modo expresso pela legislação atual. Por isso, a ação de investigação de paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser interpretada de modo flexível, aplicando-se analogicamente as regras da filiação biológica.

“Essa aplicação, por óbvio, não pode ocorrer de forma literal, pois são hipóteses símeis, não idênticas, que requerem, no mais das vezes, ajustes ampliativos ou restritivos, sem os quais restaria inviável o uso da analogia”, explicou a ministra. “Parte-se, aqui, da premissa que a verdade sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares”, acrescentou.

Segundo a relatora, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afasta restrições à busca da filiação e assegura ao interessado no reconhecimento de vínculo socioafetivo trânsito livre da pretensão. Afirma o dispositivo legal: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.”

Estado de filho
Apesar de dar legitimidade ao meio processual buscado, no caso especifico, a Turma não verificou a “posse do estado de filho” pela autora da ação, que pretendia ser reconhecida como filha. A ministra Nancy Andrighi diferenciou a situação do detentor do estado de filho socioafetivo de outras relações, como as de mero auxílio econômico ou mesmo psicológico.

Conforme doutrina apontada, três fatores indicam a posse do estado de filho: nome, tratamento e fama. No caso concreto, a autora manteve o nome dado pela mãe biológica; não houve prova definitiva de que recebia tratamento de filha pelo casal; e seria de conhecimento público pela sociedade local que a autora não era adotada pelos supostos pais.

“A falta de um desses elementos, por si só, não sustenta a conclusão de que não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros”, ponderou a ministra. Contudo, ela concluiu no caso julgado que a inconsistência dos elementos probatórios se estende aos três fatores necessários à comprovação da filiação socioafetiva, impedindo, dessa forma, o seu reconhecimento.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: STJ

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A ação mais antiga no Supremo já tem 52 anos

À caminho da melhor idade

O processo mais antigo à espera de uma decisão do STF está com 52 anos e três meses de tramitação, há cerca de dois meses. Quando foi protocolado, em junho de 1959, o endereço da Corte não era a Praça dos Três Poderes, em Brasília, mas a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.

O atual presidente do Supremo e relator da ação, ministro Cezar Peluso, tinha 16 anos de idade. O ministro mais moço, José Antonio Dias Toffoli, atuais 43 de idade, ainda não havia nascido.

Até o nome do nosso país era outro: República dos Estados Unidos do Brasil. E o valor da causa foi de cem mil cruzeiros.

Com 12 volumes e três apensos, o processo tem 2.449 páginas - todas amareladas e muitas em processo de desintegração. Várias estão improvisadamente protegidas por sacos plásticos, para não virarem pó. Pelas estimativas dos servidores da casa, essa é, seguramente, a ação em tramitação no Supremo, com maior número de ácaros por página.

A ação foi proposta pelo então procurador-geral da República, Carlos Medeiros da Silva, contra o Estado de Mato Grosso, que, naquele tempo, ainda não havia sido dividido. Para colonizar a região, o governo estadual havia doado a seis empresas lotes de terras públicas - hoje localizados em Mato Grosso do Sul -, com áreas superiores a dez mil hectares. O problema é que, pela Constituição de 1946, então em vigor, a doação não poderia ser feita sem prévia autorização do Senado.

Como isso não ocorreu, o procurador-geral pediu a nulidade dos contratos. Em sua defesa, o governo mato-grossense alegou que não houve cessão das terras e que as seis empresas, em troca do benefício recebido, se comprometeram a promover assentamentos de famílias de agricultores e pecuaristas e construir estradas, escolas, hospitais, olarias, serrarias e campos de aviação.

Como mostram uma reportagem do jornal O Globo e editorial de O Estado de S. Paulo, desde sua proposição, o processo já teve nove relatores. O primeiro foi o ministro Cândido Motta Filho, que se aposentou em 1967. O atual relator, ministro Cezar Peluso, assumiu o caso em junho de 2003 e, finalmente, concluiu seu voto e pretende incluí-lo numa das pautas de julgamento deste mês.

A arrastada tramitação do processo se deve aos pedidos de diligências feitos pelos relatores que antecederam Peluso, para que fossem colhidos depoimentos de todas as pessoas que tinham comprado terras na região depois da doação. "Como achar esse povo?", indaga Peluso.

Qualquer que seja a decisão que o Supremo vier a dar a este processo, ela não deverá ter maiores efeitos práticos - e esse é o aspecto mais surrealista do caso. Desde que as seis empresas beneficiadas pelo governo mato-grossense promoveram os primeiros assentamentos de pecuaristas e agricultores na região, há mais de cinco décadas, já foram registradas várias revendas de terrenos por ocupantes de boa-fé. Detalhe: foram erguidas cidades nas glebas doadas.

Assim, o resultado do julgamento será inócuo: será impossível erradicar do mapa municípios de pequeno e médio portes nascidos de assentamentos irregulares.

Como não podem tomar decisões contrárias ao que a Constituição de 1946 determinava, os 11 ministros do Supremo provavelmente considerarão inconstitucional a doação dos terrenos, feita em meados do século passado.

Mas na prática não há como obrigar a União a despejar os ocupantes daqueles terrenos ocupados indevidamente e indenizar os atuais moradores das áreas que se encontram sub judice.

Além dessa ação, o Supremo terá de julgar várias outras que também tramitam há décadas. Na lista dos processos mais antigos, que foram protocolados entre 1969 e 1981, quatro estavam sob responsabilidade da ministra Ellen Gracie.

Como ela se aposentou sem decidir, essas ações serão enviadas a um novo relator. Dependendo do ritmo e da carga de trabalho do STF, esses processos podem bater o recorde de longevidade hoje detido pela ação proposta pelo procurador-geral da República há 52 anos.

O signatário da petição inicial faleceu em 3 de março de 1983, aos 75 de idade.

"Esse é um retrato - que não se pode chamar de instantâneo - da Justiça brasileira" - conclui o editorial do Estadão, em sua edição de ontem (11).

Pescado do Blog Jurisdição & Mediação
Por Enio Silva/Mazelas do Judíciário
Fonte: Redação do Espaço Vital, com informações de O Globo e o Estado de SP

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pai biológico não consegue alterar certidão de menor registrada pelo pai afetivo

Paternidade socioafetiva = amor
Após sete anos de disputa judicial entre pai biológico e pai de criação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o registro civil de uma menina deverá permanecer com o nome do pai afetivo. Os ministros entenderam que, no caso, a filiação socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico, pois atende o melhor interesse do menor.

A criança nasceu da relação extraconjugal entre a mãe e o homem que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro civil e declaração de paternidade. A menina foi registrada pelo marido da genitora, que acreditava ser o pai biológico. Mesmo após o resultado do exame de DNA, ele quis manter a relação de pai com a filha.

Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito por ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Mas o juiz deu a ele o direito de visita quinzenal monitorada. No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a alteração do registro civil da menor, para inclusão do nome do pai biológico, e excluiu a possibilidade de visitas porque isso não foi pedido pelas partes.

Seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso do pai afetivo, os ministros reconheceram a ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. O Código Civil de 2002 atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação.

A relatora destacou que o próprio código abre a possibilidade de outras pessoas com interesse jurídico na questão discutirem autenticidade de registro de nascimento. Segundo ela, o pai biológico pode contestar a veracidade de registro quando fica sabendo da existência de filho registrado em nome de outro. “Contudo, a ampliação do leque de legitimidade para pleitear a alteração no registro civil deve ser avaliada à luz da conjunção de circunstâncias”, afirmou a ministra.

Analisando as peculiaridades do caso, a relatora constatou que o pai afetivo sempre manteve comportamento de pai na vida social e familiar, desde a gestação até os dias atuais; agiu como pai atencioso, cuidadoso e com profundo vínculo afetivo com a menor, que hoje já é adolescente. Ele ainda manteve o desejo de garantir o vínculo paterno-filial, mesmo após saber que não era pai biológico, sem ter havido enfraquecimento na relação com a menina.

Por outro lado, a relatora observou que o pai biológico, ao saber da paternidade, deixou passar mais de três anos sem manifestar interesse afetivo pela filha, mesmo sabendo que era criada por outra pessoa. A ministra considerou esse tempo mais do que suficiente para consolidar a paternidade socioafetiva com a criança. “Esse período de inércia afetiva demonstra evidente menoscabo do genitor em relação à paternidade”, concluiu Nancy Andrighi.

Em decisão unânime, a Terceira Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença na parte que reconheceu a ilegitimidade do pai biológico para ajuizar ação de alteração do registro de nascimento. No futuro, ao atingir a maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser.

Fonte: STJ

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Para Lobato, advogado é inseto que faz plantas secarem

Embargos culturais

Nesta semana trato do grande escritor Monteiro Lobato, literato que explicitou como nenhum outro o desencanto e a amargura para com a vida forense. Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, São Paulo, em 18 de abril de 1882. Registrado como José Renato Monteiro Lobato, mais tarde mudou o nome para José Bento Monteiro Lobato, ao que consta para valer-se das iniciais JBML e usar uma bengala deixada pelo pai, cujo nome era José Bento. A mãe do escritor chamava-se Olímpia Augusta Monteiro Lobato. Por imposição do avô, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1900.

O desinteresse de Monteiro Lobato pelo curso de Direito era total. Parece que apreciava apenas um professor, Pedro Lessa, que lecionava Filosofia do Direito. Durante os anos de faculdade, Monteiro Lobato aprofundou amizades com as quais o interesse comum era a Literatura. Nasceu um grupo, o Minarete, e aí sua amizade com Godofredo Rangel, com quem trocou cartas a vida toda. O conjunto epistolar foi publicado como A Barca de Gleyre; as cartas revelam recorrentemente uma desconfiança para com o Direito, como se verá mais adiante.

Concluído o curso de Direito, retornou a Taubaté; foi festivamente recebido como bacharel. Nomeado promotor, mudou-se para Areias, no interior paulista. A vida forense o deprimia, desanimava, desgostava. Casou-se em 1908 e, no ano seguinte, herdou a fazenda do avô, Visconde de Tremembé. Deixou o Ministério Público e tornou-se fazendeiro.

Em meados da década de 1910 começou a publicar contos, crônicas, um pouco de crítica. Após vender a fazenda, mudou-se para São Paulo e fundou uma editora em 1918. Faliu sete anos depois e mudou-se para o Rio de Janeiro. Na então capital da República, colaborou na imprensa com certo destaque. Em 1926, seguiu para Nova Iorque e lá morou até 1931. Foi adido comercial brasileiro. Impressionado com o crescimento econômico dos Estados Unidos, dedicou-se a fazer proselitismo em torno da exploração do petróleo e do ferro.

Em virtude de intransigente luta em prol de soberania nos direitos de exploração do subsolo, foi preso, em 1941, por três meses. Seguiu para a Argentina em 1946, lá vivendo um ano. Ao retornar ao Brasil, era pranteado e festejado autor de livros infantis. Morreu em 4 de julho de 1948 em virtude de um espasmo vascular. É sobre a trajetória de Monteiro Lobato e seu desencanto para com o Direito que se trata em seguida.

O curso jurídico foi uma imposição do avô, de quem herdaria a fazenda. Segundo Edgard Cavalheiro, o mais documentado e respeitado biógrafo de Monteiro Lobato:

Está com 15 anos de idade quando perde o pai. Um ano depois é a mãe que parte para sempre. Suas tendências, nessa época, são as belas-artes. Quer ser pintor. No máximo estudaria com prazer engenharia. Mas o direito é a carreira que o Visconde escolhe e impõe. Embora contrariado, José Bento se prepara para ser Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. (...) Não havia completado 18 anos quando entra para a Faculdade de Direito. Que o curso de Direito pouco lhe interessaria, não padece dúvida de espécie alguma. Um ex-colega, depondo alguns anos depois, acentuou: “Do Direito nunca falamos nas conversações e se classificamos os lentes era pela qualidade dos sais das pilhérias, sal ático ou sulfato de magnésio”. O próprio Lobato confessará mais tarde que o único lente diante de quem não escondia o tédio, ou longos bocejos, de puro enfado, era Pedro Lessa. Seu interesse ia todo para a literatura.[1]

As referências que Lobato fez do curso são irônicas, sarcásticas, zombeteiras, mordazes. Escrevendo a um amigo:

Gracias mil. Se é verdade que daqui há meses oito me saio bacharel do venerando laboratório em que o Estado faz doutores por 500$ em 5 prestações anuais (...)[2]

Em carta a Godofredo Rangel Lobato, queixava-se da aridez dos temas que a faculdade se propunha ensinar:

E por que escrevo em momento assim impróprio? Porque amanhã, sábado, entro-me em exame oral e estou com os minutos contados, a recordar definições e textos desta horrível seca que é a matéria.[3]

Os temas de Direito eram-lhe indigestos, a julgarmos o teor de suas cartas. Para Godofredo Rangel:

Ainda com os dedos trôpegos dum interminável ponto de Direito de Falências que acabo de copiar, venho responder à tua carta.[4]

Lobato projetou esse mal-estar à formatura e ao que sucedeu após colar grau. É assim que narrou sua volta a Taubaté:

Logo que cheguei (que cheguei formado!) mimosearam-me com uma manifestação; foguetes (Taubaté não faz nada sem foguetes), a banda de música, molecada atrás e oito discursos, nos quais se falou em “raro brilhantismo”, “um dos mais”, “as veneradas arcadas” e outras macuquices que tive de agüentar de pé firme em casa de meu avô. Eu percebia o jogo: a manifestação era mais dirigida a ele do que a mim (...). Não respondi macucalmente como era esperado. Declarei que não havia razão para homenagens, porque se tratava dum bacharel mais pelo Largo do Rosário do que pela Academia, no qual as ciências do Triângulo superavam as do Corpus Juris. Disse ainda que um novo advogado não passa mais de uma filoxera social que sai do casulo — e por aí além. Os manifestantes entreolharam-se. A língua era nova e desconhecida na terra, mas a cerveja que o avô mandou servir (e creio que era ao que realmente vinham) reconciliou-se com o neto.[5]

Lobato imputava a um advogado a categoria de filoxera social. A filoxera é inseto que ataca as raízes e faz secar as folhas das plantas. A imagem é absolutamente contundente na proporção em que nos revela o juízo de Lobato a propósito da advocacia. Para o escritor, o advogado era um inseto que ataca raízes e faz secar as folhas das plantas.

Depois de rápida passagem por Taubaté, terra do avô, foi designado promotor em Areias. À época, virada do século, o Ministério Público não tinha o perfil que tem na contemporaneidade. O desencanto já se verificava, no entanto, desde Taubaté, de onde Lobato escreveu a Godofredo Rangel:

Estou promotor interino. Visito a cadeia no fim do mês, converso com os presos, mando um memorandum ao governo dizendo que a paz reina em Varsóvia – e tudo desliza sobre mancais de bolinhas. Tenho no júri de acusar nove desgraçados...[6]

Lobato zomba do cargo ao exigir de um amigo íntimo o DD no envelope. Moteja com Areias, cidade que positivamente há de existir. Mofa com Washington Luís Pereira de Souza (que mais tarde será governador de São Paulo e presidente da República, o célebre “Paulista de Macaé de Fato Bom Sujeito é”) a propósito do “s” do nome.

Não gostava do júri. Detestava acusar os pobres réus. Afastava-se do tabelião. Não tinha vínculo ideológico com o juiz. Não lia autores de Direito. Jamais escreveu artigo jurídico. Lobato deixou Areias e a vida de promotor, para a qual não se sentia talhado. Tudo é motivo para Lobato criticar o Direito posto, ou tudo que a ele se relaciona. Em Urupês:

Os herdeiros impugnaram o pagamento. Move-se a traquitana da justiça. Moi-se o palavreado tabelionesco. Saem das estantes carunchosos trabucos romanos.[7]

Ao comparar a Justiça a uma traquitana, espécie de sege que se move vagarosamente, Lobato faz coro com aqueles que criticam a morosidade da Justiça. No mesmo excerto, um pouco mais à frente, continuou Lobato:

A Justiça engoliu aquele papel, gestou-o com outros ingredientes da praxe e, a cabo de prazos, partejou um monstrozinho chamado sentença, (...)[8]

A crítica aos juízes e à Justiça é frequente, e as imagens que usa são realmente tocantes. Por exemplo, ao comentar as provas de um livro de Direito que editaria, imaginou uma Justiça oxigenada que:

(...) arredada de uma coisa linda e única verdadeira, chamada vida, na qual nossos juízes não acreditam, já que erguem muralhas contra o ar novo, o ar livre, o ar vivo, o ar que se côa por montes, vales e mares e todo se enriquece de ricos oxigênios hostis. Às sulfurinas cadavéricas.[9]

Este artigo contínua no link

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A formação do advogado americano

Direito Comparado
A formação do profissional nos Estados Unidos é bastante diferente da do Brasil.
Um aluno americano estuda, em nível superior, cerca de 7 anos antes de se formar em Direito pelas universidades tradicionais. Nos primeiros quatro anos, ele realiza uma graduação (college degree) e só depois cursa os 3 anos da faculdade de Direito (Law School).



Geralmente, os alunos acabam optando por um college degree em áreas como Sociologia e História, mas isso não é pré-requisito para ingressar em uma Law School. Pelo contrário: alunos são incentivados a ter uma formação ampla e marcada pela diversidade. Assim, em uma turma de primeiro ano de Direito é comum encontrar alunos formados ou com pós-gradução em: Artes, Línguas, Administração, Engenharia, Biologia, Matemática, entre outros.


Para ser aceito em uma Law School o aluno deve demonstrar bom desempenho durante a graduação anterior, alguma experiência profissional e as habilidades necessárias para o estudo e prática do Direito. O processo seletivo pode incluir prova e/ou entrevista, dependendo da instituição de ensino.


O Law School Admission Test (LSAT), contudo, é obrigatório para todas as Law Schools reconhecidas pela ordem dos advogados americana (American Bar Association – ABA).
Assim como no Brasil, o curso de Direito é concorrido e o peso dos instrumentos de avaliação varia de acordo com o prestígio da Law School pretendida.


Durante a faculdade de Direito nos Estados Unidos, o aluno costuma estudar em tempo integral.
No primeiro ano, também chamado de 1L, os alunos seguem uma grade (course schedule) de matérias básicas incluindo: Torts (Responsabilidade Civil), Civil Procedure (Processo Civil), Criminal Law (Direito Penal), Contracts (Direito dos Contratos), Property (Direito Real), Constitutional Law (Direito Constitucional) e Legal Research and Writing (Pesquisa e Redação Jurídica).


Com exceção da última matéria, que inclui tarefas a serem entregues ao professor e corrigidas, as demais exigem "apenas" leitura. É muito comum os alunos terem cerca de 100 páginas de leitura por dia para enfrentarem as discussões durante as aulas no dia seguinte. A única forma de realmente acompanhar as aulas é realizando as leituras!


O que mais assusta um aluno de 1L é o fato de sua nota depender de apenas uma prova ao final de cada disciplina. É muito comum os alunos não receberem nenhum tipo de feedback durante todo o período e, ao final, terem que realizar uma única prova cujo resultado representará seu desempenho total.


Além disso, como a American Bar Association (ABA) determina que os alunos de Direito tenham, pelo menos, 450 horas de aula por ano, a frequência é importante e pode afetar a sua nota final de forma automática. Um alto índice de faltas pode até mesmo impedir que o aluno realize a prova final.


Após o primeiro ano (2L e 3L), quando o aluno passa a ser chamado de upper-class student, ele tem a possibilidade de escolher disciplinas que adotam outros métodos de avaliação como participação em classe, trabalhos escritos, etc.

Um componente importante na formação do estudante de Direito nos Estados Unidos é o método socrático. Principalmente no primeiro ano (1L).


Muitos alunos consideram este método de ensino um tanto agressivo e até traumático.


O método foi implementado nas faculdades americanas de Direito na segunda metade do século 19 por iniciativa de Christopher Columbus Langdell, Diretor da Faculdade de Direito de Harvard. Langdell acreditava que os alunos aprendem melhor se treinados para descobrir princípios jurídicos sozinhos e chegar às conclusões por conta própria.


O método socrático consiste em o professor fazer perguntas aos alunos, e não as responder. Assim, nos moldes desse método, não são empregadas aulas expositivas, tão comuns ao longo de todo o curso de Direito no Brasil, por exemplo.


Durante uma aula, o professor pode fazer perguntas a um ou mais alunos. Às vezes, ocorre de o professor questionar apenas um aluno durante todo o tempo!


Normalmente, o professor começa com as perguntas mais fáceis, mas na medida em que as perguntas ficam mais complexas, o nível de estresse e de tensão do aluno aumenta significativamente.


Nesse tipo de aula, raramente os alunos têm a oportunidade de se distrair ou dormir, pois é sempre possível ser o próximo. Além do mais, o método força os alunos a estudar e se esforçar para estar com a leitura em dia sob pena de passar por constrangimento na frente de seus colegas de sala.


A melhor forma de se preparar para as aulas socráticas é realizar as leituras e fazer os case briefs (resumos dos casos estudados) para conhecer em detalhe os fatos do caso, o objeto da ação, e os argumentos que fizeram o juiz ou tribunal chegar à decisão.


É durante o primeiro ano (1L) que o método socrático é mais aplicado. Nos anos seguintes, como é possível escolher disciplinas, o aluno pode optar por professores que não o adota.

Concluído o primeiro ano, o aluno de Direito de uma universidade americana passa a ser denominado upperclassman durante os segundo (2L) e terceiro (3L) anos.

Concluído o primeiro ano, o aluno de Direito de uma universidade americana passa a ser denominado upperclassman durante os segundo (2L) e terceiro (3L) anos.


Nesses dois anos, é o próprio aluno quem determina a maior parte das disciplinas que irá cursar. Ainda que, para se formar, algumas faculdades exigem que os alunos cursem ética (ethics), redação (writing), e realizem um trabalho científico (research paper), as matérias obrigatórias não são a regra. Assim, fazer as escolhas certas se torna a grande preocupação dos alunos no início dessa nova etapa.


Algumas disciplinas preferidas entre os alunos, principalmente, entre aqueles que farão o exame da ordem (bar exam) são: direito societário (corporations), direito probatório (evidence), direito de família (family law), direito sucessório e trusts (wills and trusts), compra e venda (sales), processo criminal (criminal process).


Outros alunos preferem escolher uma grade (course schedule) formada por disciplinas menos convencionais com o objetivo de obter uma formação ampla e outros optam por concentrar suas escolhas em disciplinas afins que proporcionam uma formação mais especializada em determinada área do Direito. A estratégia de escolha será determinada pelo objetivo do aluno ao final do curso.


Um fato interessante desses dois últimos anos de Law School é o de ambos os grupos de alunos assistirem às aulas juntos. Assim, muitas disciplinas acabam sendo oferecidas ano sim ano não.
Durante o segundo ano (2L), há atividades extracurriculares que tomam bastante tempo do aluno, tais como julgamentos simulados (moot court competition), aprender a forma correta de citar a jurisprudência dos tribunais (cite-checking), e realizar entrevistas (interviewing).


No terceiro ano (3L), muitos alunos dedicam uma boa parte do tempo para buscar emprego (job searching).


Além das disciplinas jurídicas, os alunos são incentivados a cursar disciplinas em outras faculdades e também no exterior.

Além das disciplinas, os alunos de direito nos Estados Unidos, como parte de sua formação, também podem optar por passar por:


1) Clinical programs ou Legal Clinics – Correspondem ao escritório modelo das universidades brasileiras. As clinics, normalmente, são frequentadas por pessoas da comunidade (Community Legal Clinic) e pelas de baixa renda. Quando localizadas fora do campus são chamadas external clinics e podem ser especializadas em algum ramo do direito como, Child Advocacy Clinic.


2) Directed reading – Alguns alunos, para obter um ou dois créditos, escolhe um professor de uma matéria na qual tenha interesse e realiza uma compilação formal de uma lista de casos (case list), artigos acadêmicos (scholarly articles) e livros, sobre um determinado assunto a ser discutido com o professor. Essa atividade dá a oportunidade de o aluno desenvolver um relacionamento mais próximo com o professor e a solidificar seu conhecimento em determinada área do direito.


3) Externships – São estágios durante o verão realizados por alunos do segundo e terceiro anos. Durante o período, o estudante realiza atividades práticas de redação de peças processuais (writing briefs), auxilia advogados em conversas com clientes (interviewing clients) e na preparação para julgamentos (preparing for trial). Dificilmente, alunos de direito nos Estados Unidos realizam estágios durante todo o curso.

Por Luciana Carvalho Fonseca
Fonte:
www.migalhas.com.br

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Universidade faz júri simulado de advogado nos EUA

O Julgamento do Macaco

A Faculdade de Direito da Universidade Santa Clara, uma instituição jesuíta de ensino superior da Califórnia, vai promover, neste sábado (10/11), o júri simulado de um dos casos mais famosos da história da Justiça americana: O Povo contra Clarence Darrow. Darrow é um mito da advocacia nos Estados Unidos. Porém, o que muitos desconhecem é que, antes de atuar nos casos que o fizeram célebre, ele ocupou o banco dos réus.

Clarence Darrow foi acusado, em 1912, na Califórnia, de corromper o júri do julgamento em que defendia dois irmãos sindicalistas, John e James McNamara, responsabilizados por explosões na sede do jornal The Los Angeles Times, que mataram 21 pessoas naquele ano. Os irmãos McNamara assumiram a culpa do crime para evitar a pena de morte. Porém, denúncias sobre o suborno puseram o advogado de defesa no banco dos réus.

É o julgamento sobre a suspeita de suborno do júri no caso McNamara que a Faculdade de Santa Clara vai encenar no sábado, com a participação de um elenco de juristas respeitados. São eles o juiz-chefe Alex Kozinski, da Corte Federal de Apelação para o 9º Circuito; o juiz senior Stephen Trott, do mesmo tribunal, o juiz federal Charles Breyer (irmão do juiz da Suprema Corte, Stephen Breyer) e o advogado de defesa Michael Tigar.

A encenação celebra o centenário da Faculdade de Direito da Universidade Santa Clara. Os participantes vestirão roupas de época com a finalidade de fazer da representação o mais realista possível. O objetivo é recriar a atmosfera do sistema de Justiça e da advocacia da Califórnia na década de 1910, época em que a faculdade de Direito da instituição foi fundada.

No julgamento original, Darrow foi inocentado. O renomado advogado de defesa foi levado aos tribunais outra vez mais, também acusado de subornar o júri. Na segunda vez, justamente o impasse entre os jurados acabou o beneficiando. No sábado, o veredicto pode ser diferente do que a decisão de 1912, que favoreceu Darrow.

De acordo com os organizadores do evento, ouvidos pelo semanário de Washington, The National Law Journal, Darrow era conhecido por empregar métodos nada convencionais durante sua atuação como advogado de defesa. Seu talento e o perfil polêmico lhe deram o renome e renderam a controvérsia sobre sua honestidade. Em relação às acusações de corromper o júri, não restam dúvidas da tentativa de suborno, embora não se saiba detalhar o nível de participação de Clarence Darrow no esquema.

O juiz Alex Kozinsk fará o papel do juiz responsável pelo caso na ocasião. Michael Tigar representará o advogado de defesa. Stephen Trott assume o papel do promotor e Charles Breyer personifica o famigerado Clarence Darrow.

Os “atores” irão atuar com base na transcrição orginal do julgamento. O júri, formado por ex-alunos recém-formados da instituição, irá contar com resumos escritos dos depoimentos das testemunhas na época. Hoje, poucos têm dúvida da culpa do então réu, mas o resultado da encenação só será conhecido quando o corpo de jurados se pronunciar no sábado.

Macacos e direitos civis
Clarence Seward Darrow (1857-1938) entrou para a história da advocacia defendendo, em 1925, o professor de biologia John Scopes, processado pelo estado do Tennessee por ensinar sobre a evolução das espécies em uma classe de ensino médio. Na época, era proibido, naquele estado, lecionar sobre teorias científicas que pusessem em dúvida a veracidade do relato bíblico sobre a origem do Universo e o surgimento da vida. O caso ficou conhecido como Scopes Monkey Trial, “o julgamento do macaco”, em português.

O professor foi condenado por desrespeitar a lei estadual. Porém, o veredicto acabou anulado por questões técnicas. Scopes se viu livre das acusações. Clarence Darrow enfrentou uma promotoria liderada, na ocasião, por William Jennings Bryan, candidato à presidência dos EUA por três vezes pelo Partido Democrata. A tensão religiosa ligada ao caso bem como a notoriedade do promotor e advogado de defesa fizeram o processo amplamente conhecido em todo o país.

Darrow fez sua reputação também como um dos líderes da União Americana pelos Direitos Civis, a mais tradicional organização não governamental do país de militância a favor dos direitos constitucionais. Um outro caso célebre, em que Darrow defendeu dois jovens abastados acusados de assassinar um rapaz de 14 anos, em 1924, também contribuiu para constriuir seu renome.

Os réus foram condenados à prisão perpétua e até hoje não há dúvidas sobre a culpa de ambos e a frieza com que executaram o crime. Contudo, a defesa de Darrow é considerada antológica pelos ataques retóricos que fez contra a pena de morte ao passo em que defendeu modelos alternativos de execução penal, voltados para a reabilitação dos presos. Além dos casos de ampla repercussão nacional, Darrow construiu uma sólida reputação como advogado da classe operária, defendendo mineiros, ferroviários e trabalhadores da indústria, entre outros.

Por Rafael Baliardo
Fonte: ConJur

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Romeu e Julieta, guerra civil, acaso e amor

Embargos culturais
Mas, silêncio! Que luz brilha através daquela janela! É o Oriente e Julieta é o Sol! Surge, claro Sol, mata a invejosa Lua (...)
Romeu

E quando ele morrer apanha-o e divide-o em pequeninas estrelas! Ele tornará tão bela a face do céu que o mundo inteiro ficará apaixonado pela noite. E deixará de render culto ao Sol deslumbrador!
Julieta

Foi talvez por acaso que Romeu decidiu ir a um baile na casa de uma família inimiga. Não fora convidado, e talvez quisesse comparar as mulheres belas de Verona com Rosalinda, a quem amava, e quem o amor não lhe correspondia. E foi por acaso que Romeu encontrou Julieta, que não menos por acaso se apaixonou por Romeu, cujo amor imediatamente correspondeu. E por acaso viveram um intenso amor. Talvez o mais intenso que já houve. Tenho dúvidas.

Por acaso, a estória foi muita rápida: não passou de uma semana; metaforicamente, uma rajada de bala. E foi por acaso que um padre muito compreensivo decidiu ajudá-los. E um desencontro do acaso selou a sorte (ou o azar) dos dois jovens apaixonados. Shakespeare, mais do que qualquer outro autor ocidental, nos adverte sobre êxtases e catástrofes que decorrem dos impulsos da sexualidade[2].

Mas não é por acaso que Romeu e Julieta simbolizam o amor eterno e transcendente, que se esgota e se nutre nele mesmo. Morreram muito jovens. Não viveram nada. Mas viveram muito. E também não se esgotaram na própria seiva, como se esgotam os amores dos mortais. Não houve tempo para que descobrissem o que de intrinsecamente humano havia no outro. As falibilidades não se revelaram. Romeu não percebeu o rabujamento de Julieta. Que também não teve tempo para constatar a queda física, intelectual e talvez moral de Romeu. Quem não cai? E também não foi por acaso que Romeu e Julieta se amaram e se destruíram no meio de uma guerra civil, sangrenta, desordeira, violenta.

William Shakespeare inicia Romeu e Julieta com um coro anunciando uma tragédia na qual dois predestinados amantes (starcrossed, em inglês) se entregam numa paixão desmesurada. Vítimas deles mesmos, ou do destino, ou da rivalidade entre as famílias, ou da guerra civil avassaladora, Romeu e Julieta eram reféns da inimizade e da incompreensão. Shakespeare nos coloca um dilema ínsito à condição humana: as tragédias que vivemos são nossas ou do destino? Isto é, nossa condição é desdobramento de nós mesmos, de nosso livre-arbítrio, ou de nossos itinerários, cujas rotas não escolhemos, mas cujos caminhos percorremos?

São vários os enredos que se comunicam em Romeu e Julieta. No pano de fundo, uma implacável guerra civil opunha duas opulentas famílias que viviam numa simpática cidade italiana (Verona). Shakespeare combinou comédia, romance, melodrama e poesia na composição de uma perturbadora tragédia.

Montequios (Romeu) e Capuletos (Julieta) odiavam-se a ponto de não poderem explicar ou exorcizar o que sentiam. Amalgamaram o ódio na tragédia dos filhos, para quem ergueram estátuas de ouro, como símbolo de uma redenção política e, no limite, humana.

No núcleo mais apelativo da trama a irracionalidade da guerra civil. Esta se cura (como tudo na vida) com o amor, que vive ainda depois da morte, como o único instrumento que faz da paz uma possibilidade[3]. O amor é o antídoto para a guerra, como o veneno que Romeu ingeriu matizaria o antídoto para a vida, que não merece ser vivida, sem que tenhamos a nosso alcance a pessoa amada. Tudo muito lírico. Mas também muito real. Testemunho pessoal.

Shakespeare não nos propõe uma situação de sensibilidade platônica. Ainda que puro, espiritual, inocente, o amor vivido entre Romeu e Julieta é tremendamente sensual. Os jovens exalam hormônios e desejos por todos os poros. O amor vivido por Romeu e Julieta projetava-se também na exploração de corpos nus, de comparações, de metáforas, de jogos de linguagem, de beijos, de toques, de abraços, de suspiros, de mordidas, de beijos, de apupos.

Shakespeare anuncia possibilidades do amor romântico. Condena matrimônios arranjados e combinados. Critica o poder destruidor do ódio, que fomenta a violência. Os jovens apaixonados pagam com a vida o pecado dos pais. Tem-se indireta retomada de mensagem do Velho Testamento: os pecados dos pais afetam aos filhos (Êxodo, 20:5). Por isso, já se observou, em termos cristãos, Romeu e Julieta são as ovelhas exigidas como sacrifício pelo pecado dos pais[4]. Em Romeu e Julieta o bardo nos propõe também uma avaliação do destino, que parece controlar todos os passos dos dois jovens. E os nossos. Isto é, se não acreditamos no poder que temos de fazermos nossos próprios caminhos. É a pulsão freudiana, que se opõe ao conceito de instinto. Este último é determinista e determinado, aquele primeiro inesperado e inimaginado.

Luzes, máscaras, punhais e venenos pululam na peça. O veneno que mata Romeu pode ser metáfora do veneno destilado pela guerra civil, que destrói a cidade. O punhal que Julieta tomou de Romeu morto para tirar a própria vida é a renúncia a uma contingência para a qual não se lutou. As máscaras (no baile) sugerem que quando amamos profundamente não levamos em conta os traços e passos da pessoa amada. Platão discordaria. As luzes que a peça sugere indicariam a incansável luta pelo próprio conhecimento, que desafia verdades e ofensas que nos legam e dirigem.

Ambientado na Renascença italiana[5] (que Shakespeare tanto parecia admirar), Romeu e Julieta é tragédia na qual desfilam poucos — porém — vigorosos personagens. Romeu (que talvez orçasse 15 anos, não mais) era um menino, sensível, idealista, destemido. Como destemida era também Julieta. Que também parecia ser leal e madura, não obstante talvez recentemente menarca.

Entre os parentes de Romeu, além do sofrido pai e da amorosa mãe, o primo Mercúrio, intrépido, cínico, debochado. Benvolio, também primo de Romeu, antítese de Mercúrio, era modesto e recatado. Entre os parentes de Julieta, o preocupado pai e a triste mãe, símbolo da prisioneira do casamento arranjado. Ainda, entre os Capuleto, o arrogante Teobaldo, que se julgava imbatível na esgrima. Há também Paris, o jovem nobre que planejava se casar com Julieta.

Frei Lourenço é um clérigo devoto, bem-intencionado, liberal, honesto. Sonhava com o fim da guerra civil, como bom cristão. Percebia que o amor do casal, ainda que prenhe de riscos, seria a última possibilidade de entendimento entre as famílias inimigas. O Príncipe de Verona é completa imagem do virtuoso príncipe renascentista, que Maquiavel teorizou em seu livro emblemático[6].

No ato 1 principia-se com uma troca de insultos entre Montequios e Capuletos. Benvolio tentava apartar uma briga quando se viu atacado por Teobaldo. O Príncipe de Verona chegou até o local, colocando fim na desordem. O Príncipe lembrou a todos que a rivalidade entre Montequios e Capuletos era fonte permanente de problemas:
— Súditos revoltosos, inimigos da paz, que profanais vossas espadas no sangue dos vizinhos...Quê! Não ouvem? Olá, senhores, animais selvagens que as chamas apagais de vossa fúria perniciosa na fonte purpurina de vossas próprias veias! Sob ameaça de tortura, jogai das mãos sangrentas as armas para o mal, só, temperadas, e a sentença escutai de vosso príncipe irritado. Três vezes essas lutas civis, nascidas de palavras aéreas, por tua causa, velho Capuleto, por ti, Montecchio, a paz de nossas ruas três vezes perturbaram. Os provectos Cidadãos de Verona, despojando-se das vestes graves que tão bem os ornam, nas velhas mãos lanças antigas brandem, vosso ódio enferrujado. Se de novo vierdes a perturbar nossa cidade, pela quebrada paz dareis as vidas. Por agora, que todos se retirem. Vós, Capuleto, seguireis comigo, e vós Montecchio, à tarde ireis à velha Cidade-franca, à corte da Justiça, para conhecimento, assim, tomardes de quanto resolvermos sobre o caso. Já! Sob pena de morte, dispersai-vos![7]

O príncipe simboliza uma ordem absoluta e um total comprometimento com o cumprimento da lei, ainda que a devoção à ordem levasse à tragédia[8]. Havia determinação para que duelos fossem evitados, como fórmula para manutenção da paz, ameaçada com a guerra civil[9]. Neste sentido político, Romeu e Julieta é uma tragédia lírica que toma a forma de exemplum, construindo-se num sermão sobre os males da luta civil[10].

A mãe de Romeu o procurava. Foi informada que Romeu estaria apaixonado por Rosalinda, que não correspondia ao amor do jovem Romeu. Em outra cena, Páris pede permissão aos pais de Julieta, para que com a bela jovem se casasse. Mantidas as previsões originárias, os casais se emparelhariam em Romeu e Rosalinda e em Páris e Julieta. Porém, Julieta não aceitará se casar com Paris (por causa de Romeu), e nem Rosalinda com Romeu, por razões que Shakespeare não revela, mas que sabemos ser intrínseca à peça, por razões muito óbvias.

Ainda no ato 1, Romeu e Benvolio ficam sabendo que os Capuleto receberão convidados num esperado baile. Benvolio sugere que Romeu vá até a festa, para que comparasse Rosalinda com outras mulheres. Haveria outras belezas. E Romeu encontrou Julieta, a mais reluzente delas. Romeu veste uma máscara e corre ao baile. Vai comparar a imagem que tinha da amada Rosalinda com as outras mulheres de Verona. Quando começam a dançar, Romeu e Julieta se encontram. São estrelas que se cruzam. Estão enfeitiçados. Romeu reage:
Oh! ela ensina a tocha a ser luzente. Dir-se-ia que da face está pendente da noite, tal qual joia mui preciosa da orelha de uma etíope mimosa. Bela demais para o uso, muito cara para a vida terrena. Como clara pomba ao lado de gralhas tagarelas, anda no meio das demais donzelas. Vou procura-la, ao terminar a dança porque a esta rude mão possa dar ansa de tocar nela e, assim, ficar bendita. Meu coração, até hoje, teve a dita de conhecer o amor? Oh! eu simpleza! Nunca soube até agora o que é beleza.[11]

Teobaldo reconheceu Romeu. Porém, o velho Capuleto determinou que nada fosse feito com o inimigo, com o que Teobaldo não concordou. Na outra ponta do baile, Romeu e Julieta conversam, trocam olhares e sussurros. Ainda que disfarçados sob as máscaras, intuem quem eram. Apaixonam-se.

No ato 2, ao fim do baile, Romeu aproxima-se do balcão do quarto de Julieta. Diz-se apaixonado. Reconhece a desgraça de ser um Montequio:
Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta o sol daquele oriente? Surge, formoso sol, e mata a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que, como serva, és mais formosa que ela. Deixa, pois, de servi-la; ela é invejosa. Somente os tolos usam sua túnica de vestal, verde e doente; joga-a fora. Eis minha dama. Oh, sim! É o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala; contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito ousado; não se dirige a mim: duas estrelas do céu, as mais formosas, tendo tido qualquer ocupação, aos olhos dela pediram que brilhassem nas esferas, até que elas voltassem. Que se dera se ficassem lá no alto os olhos dela, e na sua cabeça os dois luzeiros? Suas faces nitentes deixariam corridas as estrelas, como o dia faz com a luz das candeias, e seus olhes tamanha luz no céu espalhariam, que os pássaros, despertos, cantariam. Vede como ela apoia o rosto à mão. Ah! Se eu fosse uma luva dessa mão, para poder tocar naquela face![12]

Julieta insiste que Montequios e Capuletos são apenas nomes, e que coisas e sentimentos valem mais do que palavras e convenções:
Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira[13].

Romeu e Julieta trocam declarações de amor. Resolvem se unir. Na manhã seguinte, Romeu procura Frei Lourenço implorando que ele celebre a cerimônia de casamento. Percebendo que a união poderia selar a paz entre as famílias rivais o bondoso padre, depois de ponderar — inclusive questionando Romeu a propósito de seu conhecido amor por Rosalinda — resolveu casá-los.

No ato 3, um episódio muito triste ocorre numa praça de Verona. Teobaldo insulta Romeu, desafiando-o para um duelo. Romeu evita qualquer atrito, especialmente porque já sentia Teobaldo como um parente. Mercúrio não compreendeu a recusa do primo e enfrentou Teobaldo. Distraído por uma interpelação de Romeu, Mercúrio foi morto por Teobaldo.

Romeu então enfrentou o inimigo. Não tinha como se afastar. A luta foi intensa, a fúria tomou conta dos dois jovens contendores. Romeu matou Teobaldo e horrorizado tomou consciência de que assassinou o primo de Julieta. Romeu deve fugir. Precisa ir embora de Verona porque a pena de morte lhe será decretada.

Julieta divagava, pensando no amor e em tudo que vivia:
Correi, correi, corcéis de pés de fogo, para a casa de Febo. Um condutor como Faetonte nos teria há muito tocado para o poente e, na mesma hora, trazido a noite escura. Espalha tua cortina, ó noite, guarda dos amores, porque os olhos curiosos nada vejam e a estes braços Romeu se precipite, de manso e sem ser visto. Os namorados enxergam no ato do amoroso rito, pela própria beleza; ou então, se é cego, de fato, o amor, diz bem com a negra noite. Vem, noite circunspecta, com teu manto de matrona severa, todo preto, e me ensina a perder uma partida que já está ganha e em que se jogam duas virgindades sem mancha. Ao rosto sobe-me o sangue tímido; em teu manto envolve-o, até que o amor esquivo, já se tendo tornado corajoso, só inocência veja o ato do amor sincero e puro. Vem, noite! Vem, Romeu! Tu, noite e dia, pois vais ficar nas asas desta noite mais branco do que neve sobre um corvo. Vem, gentil noite! Vem, noite amorosa de escuras sobrancelhas! Restitui-me o meu Romeu, e quando, mais adiante, ele vier a morrer, em pedacinhos o corta, como estrelas bem pequenas, e ele a face do céu fará tão bela que apaixonado o mundo vai mostrar-se da morte, sem que o sol esplendoroso continue a cultuar. Comprei a casa de um amor, sem estar na posse dela; vendida embora me ache, possuída não fui ainda. Tão tedioso e lento é este dia, tal como a noite em véspera de alguma grande festa para criança impaciente que tenha roupa nova, mas não possa vesti-la. Oh! aí vem a ama. (Entra a ama, com cordas) — Traz novidades, sim. Todas as línguas que só sabem dizer Romeu, Romeu, falam com eloquência celestial. Então, ama, que é que há? Que trazes aí? As cordas de Romeu?[14]

O príncipe, no entanto, condenou Romeu apenas para o exílio. A mãe de Julieta exigia que o príncipe condenasse Romeu à pena de morte. O chefe da família Capuleto consentiu no casamento entre Julieta e Paris. Antes da fuga, Romeu passou a noite com Julieta. A mãe de Julieta se aproximou, queixando-se de Romeu. O pai de Julieta comunicou à filha que ela se casaria com Páris. Julieta não aceitou a notícia e discutiu com o pai, que a ameaçou, dizendo que iria manda-la para um convento.

No ato 4, Julieta buscou ajuda de Frei Lourenço. Na expectativa de reverter a situação o padre sugeriu que Julieta fingisse consentir com o casamento. Ela deveria também tomar uma poção preparada pelo padre. O remédio a faria dormir, de modo que todos pensariam que ela estaria morta. Ao chegar a casa, e ao saber que o pai antecipara a data do casamento, Julieta tomou a poção do sono. A ama de Julieta a encontrou em sono profundo. Pensou que ela estava morta e saiu gritando desesperada pelo palácio.

No último ato, o padre enviou um emissário a Mântua, onde se encontrava Romeu. O emissário deveria informar a Romeu o plano que o padre havia engendrado. Porém, devido a uma praga que se disseminava, o emissário ficou detido em regime de quarentena. Um amigo de Romeu foi até Mântua e o informou da morte de Julieta.

Desesperado, Romeu correu até a tumba onde estaria Julieta. Encontrou Páris, com quem discutiu, e a quem matou. Em seguida, Romeu beijou Julieta, que reputava morta. Ainda em desespero, Romeu tomou um veneno que levara consigo, suicidando-se.

Julieta acordou do sono profundo e desesperou-se com a cena que viu: Romeu estava morto. O padre chegou à tumba e ainda tentou convencê-la a correr dali. Também em desespero, Frei Lourenço deixou o estranho lugar. Julieta se matou com o punhal que Romeu carregava.

O padre contou a todos o que houve. Acreditava que no céu os amantes iriam se encontrar. O príncipe exigiu ordem:
Confirma a carta o que nos disse o monge: como o amor decorreu, a falsa nova da morte dela. Aqui ele nos conta que veneno comprou de um boticário e que vinha morrer neste sepulcro, para ficar ao lado de Julieta. Onde se encontram esses inimigos? Capuleto! Montecchio! Vede como sobre vosso ódio a maldição caiu e como o céu vos mata as alegrias valendo-se do amor. Por minha parte, por ter condescendido com vós todos, dois parentes perdi. Fomos punidos[15].

As famílias de recompuseram. Ergueram estátuas de ouro para Romeu e Julieta. E a fala do príncipe encerrou a tragédia:

Esta manhã nos trouxe paz sombria: esconde o sol, de pesadume, o rosto. Ide; falei dos fatos deste dia; serei clemente, ou rijo, a contragosto, que há de viver de todos na memória de Romeu e Julieta a triste história[16].

Morreram Mercúrio, Teobaldo, Paris, Romeu e Julieta. A cidade aquietou-se com a mensagem. Talvez, a mais dolorosa lembrança de que o amor tudo pode, tudo é, e em todos deve estar.

BIBLIOGRAFIA

Bloom, Harold, Shakespeare- the Invention of the Human, New York: Riverhead, 1998.
Burckardt, Jacob, A cultura do Renascimento na Itália, um ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tradução de Sérgio Tellaroli.
Campbell, W. John, The Book of Great Books, a Guide to 100 World Classics, New York: Metrobooks, 2000.
Garber, Marjorie, Shakespeare after all, New York: Anchor Books, 2004.
Heliodora, Bárbara, O Homem Político em Shakespeare, Rio de Janeiro: Agir, 2005.
Pocock, J. G. A., The Machiavelian Moment, Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition, Princeton: Princeton University Press, 2003.
Shakespeare, William, Romeu e Julieta, Rio de Janeiro: Agir, 2008. Tradução de Carlos Alberto Nunes.

[2] Cf. Bloom, Harold, Shakespeare- the Invention of the Human, New York: Riverhead, 1998, p. 89.

[3] Campbell, W. John, The Book of Great Books, a Guide to 100 World Classics, New York: Metrobooks, 2000, p. 712.

[4] Campbell, W. John, cit. p. 711.

5] Cf., por todos, Burckardt, Jacob, A cultura do Renascimento na Itália, um ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tradução de Sérgio Tellaroli.

6] Cf., por todos, Pocock, J. G. A., The Machiavelian Moment, Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition, Princeton: Princeton University Press, 2003.

7] Shakespeare, William, Romeu e Julieta, Rio de Janeiro: Agir, 2008. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Ato I, Cena 1.

[8] Cf. Garber, Marjorie, Shakespeare after all, New York: Anchor Books, 2004, p.191

[9] Cf. Garber, Marjorie, cit., loc.cit.

[10] Heliodora, Bárbara, O Homem Político em Shakespeare, Rio de Janeiro: Agir, 2005, p. 218.

[11] Shakespeare, William, cit., Ato I, Cena V.

[12] Shakespeare, William, cit., Ato II, Cena II.

[13] Shakespeare, William, cit., Ato II, Cena II.

[14] Shakespeare, William, cit., Ato III, Cena III.

[15] Shakespeare, William, cit., Ato V, Cena III.

[16] Shakespeare, William, cit., Ato V, Cena III.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur