terça-feira, 30 de agosto de 2011

As mortes de Euclides da Cunha e seu filho: o Júri

Evaristo de Moraes
1. Era um domingo, 15 de agosto de 1909. Na casa de número 214 na Estrada Real de Santa Cruz, na Piedade, no Rio de Janeiro, entra um homem agitado e nervoso. Era Euclides da Cunha, o autor de Os Sertões.

Bate palmas, é recebido pela jovem Dinorah de Assis, a quem manifesta o propósito de avistar o dono da casa, Dilermando de Assis, aspirante do Exército.

Vai logo entrando na sala de visitas. Aí, saca de um revólver e diz: “Vim para matar ou morrer!”. Entra no interior da casa e atira duas vezes em Dilermando que, atingido, cai.

Dinorah, vendo o irmão ferido, tenta arrebatar a arma de Euclides. Ouvem-se mais dois disparos. Outro tiro e Dinorah é atingida na coluna vertebral, junto à nuca, inutilizada para o resto da vida.

Dilermando, embora ferido, consegue apanhar o seu revólver, atira duas vezes sem atingir Euclides. Euclides aperta o gatilho de novo e recebe um tiro de Dilermando que lhe fere o pulso. Duelo de vida e morte. Tiros de ambos os lados e um projétil atinge o pulmão direito de Euclides, que cai morto ao solo.

Assim foi o que se denominou "A Tragédia da Piedade".

2. No dia 4 de maio de 1911, inicia-se o julgamento, perante o Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, de Dilermando de Assis. Seu advogado de defesa foi o grande criminalista Evaristo de Morais. A acusação ficou a cargo do promotor público Pio Duarte.

Depois de fazer a apologia de Euclides da Cunha, o promotor declarou, categoricamente, que o mesmo partiu para a casa onde se achava Dilermando, com a esposa do escritor, Ana, com a evidente intenção de matar ou morrer. O advogado Evaristo de Morais, em aparte, agradeceu aquela confissão do Ministério Público.

Narrou em seguida, o acusador público o diálogo de Euclides com o filho Solon, dizendo ao rapaz que sua mãe era adúltera. Relembrou que ele já havia encontrando a própria mãe em Piedade com o réu, condenando seu comportamento e tentando convencê-la a voltar para a casa da família, onde seria aceita novamente pelo marido, como acontecera anteriormente, mesmo depois de outros episódios de infidelidade.

Declarou o promotor que era direito de Euclides invadir a casa para reaver o filho, que mesmo nascido da união da esposa adúltera com o réu não tivera, porém, sua filiação contestada pelo escritor.

Ressaltou também o depoimento da esposa do escritor, Ana, que embora elogiasse o marido, chamando-o de homem bom e amoroso, não podia corresponder a essa atenção, pois amava Dilermando, o réu.

Refere-se à confissão de Ana, segundo a qual tivera dois filhos com Dilermando, mas argumenta, longamente, com o fato de ter Euclides o direito de reclamar sua mulher e filhos, responsabilizando Dilermando pelo resultado letal.

Falou que Euclides conhecia os fatos que lhe enodoavam a honra, concluindo que, assim agindo, guardando o segredo de sua desdita, demonstrara que não era um desequilibrado nem um desvairado mas um verdadeiro forte. guardou o segredo de sua mágoa. Demonstrou, assim que não era um desequilibrado nem um desvairado, mas um homem forte. Por último, em nome dos brios do Exército, pediu a condenação de Dilermando de Assis.

3. Pela defesa falou o advogado Delamare Garcia e, em seguida, Evaristo de Moraes. O grande tribuno carioca iniciou a defesa formulando um repto ao promotor público, alegando que, na época, se propalava que o réu Dilermando fora um protegido de sua vítima.

Se a acusação pública conseguisse descobrir nos autos uma frase ou palavra que provasse tal proteção, abondonaria, de imediato, a tribuna de defesa. Se tal ocorresse, não teria aceito o encargo da defesa.

Falou do passado do réu, dizendo que na sua infância fora educado por um tio, conhecido por Quincas Rato. Demonstrou através de provas documentais que Dilermando jamais fora socorrido por Euclides da Cunha. Este conhecera Euclides muito tempo depois de ser amante de sua esposa.

Relembrou Santo Agostinho e Jean-Jacques Rousseau, aos quais chamou de sinceros por terem confessado os seus pecados carnais. Quem não teve desses pecados aos 17 anos? Em seguida, sustentou a doutrina que admite o adultério, desde que o seu responsável tenha pouca idade, classificando de convenções sociais as manifestações hipócritas dos que não tem coragem de confessar suas fraquezas.

Demorou-se em divagações acerca da diferença da responsabilidade do adolescente e do adulto, citando vários autores, procurando demonstrar que não se pode falar em sinceridade dos atos de um adolescente, porque, o mesmo nunca é imoral nem moral, mas simplesmente amoral.

Divagou sobre a ação da imprensa que rebaixou o réu a categoria de homicida comum. Negou o direito, defendido pelo promotor, de Euclides da Cunha entrar na casa de Dilermando. Falou, por fim, do exercício de legítima defesa por parte do réu, não só em relação à sua própria pessoa, como em defesa da adúltera.

Justificou a impossibilidade de Dilermando fugir, alegando o ridículo do aspirante a oficial fugir em trajes menores, pés nus, dando as costas ao agressor de sua própria casa. A própria lei - argumentou Evaristo de Moraes - sustenta que não se pode fugir, sempre que essa fuga seja vergonhosa e perigosa.

Fez menção ao tiro de misericórdia que Dilermando teria dado, da soleira da porta, quando Euclides já se achava abatido, alegando que não se pode dimensionar a repulsa de um homem atacado com a exatidão absoluta da medida do ataque, lendo vários autores e doutrinadores.

Analisou a alegada condescendência de Euclides da Cunha com o adultério, alegada pelo promotor, aludindo que o grupo social repelia essa condescendência, que seria um verdadeiro menage à trois, só sustentável quando a família estivesse destruída pelo amor livre.

Argumentou que a condenação, ainda que mínima, seria um absurdo, dentro das circunstâncias. Ou tudo ou nada! Se o Júri reconhecesse a culpabilidade do réu, como assassino perverso, ingrato, miserável, que traiu seu protetor que o condenasse; caso contrário, estava na obrigação moral de absolvê-lo. Evaristo de Moraes conclamou os jurados a exercer a sua nobre função, sem medo da opinião alheia e apreciações de censura ou de aplauso.

O Conselho de Sentença reconheceu a legítima defesa adotada pelos defensores e absolveu Dilermando de Assis, em 5 de maio de 1911. Foi posto em liberdade.

No dia 4 de julho de 1916, Dilermando de Assis, já quite com a Justiça, absolvido por duas vezes no processo de homicídio contra o escritor Euclides da Cunha, chegou ao Cartório do 2º Ofício da 1ª Vara de Órfãos da então capital da República, por volta das 13 horas.

Dirigiu-se ao escrevente Meilhac, inquirindo-o sobre a decisão que fora proferida por parte do juiz, a propósito da tutoria do menos Manoel Afonso Cunha. Em seguida pediu ao escrevente autorização para tomar conhecimento das declarações feitas naquele processo por Nestor da Cunha e, como a resposta fora afirmativa, começou a ler os autos, apoiado no corrimão da grade que divide em duas partes a sala.

Não havia lido ainda as 15 linhas quando ouviu uma detonação atrás de si, sentindo-se ferido - suas pernas fraquejaram e a vista se lhe turvou. Dilermando de Assis voltou-se para a direita e viu recuando um vulto trajado de escuro com o brilho de metais, deixando parecer que se tratava de um aspirante da Marinha.

Apesar de não ter visto o seu rosto, presumiu logo que se tratava de Euclides da Cunha Filho, filho do famoso escritor, o único aspirante da Marinha que podia tentar contra sua vida.

Lembrando-se de que se tratava de um filho da mulher com quem há pouco se casara, e portanto um irmão de seus próprios filhos, procurou retirar-se, dirigindo-se a passos rápidos para a porta da rua, sem no entanto correr.

Percebeu, porém, que seu agressor continuava a disparar a arma e a feri-lo, sem que ninguém o socorresse, mas, ao contrário, fugiam do local apavorados. Sentindo que sua vida corria sério risco, procurou tirar do bolso de sua calça o revólver Smith and Wesson, calibre 32. Com muito custo, disparou contra seu agressor que ainda estava de revólver em punho. Morria o aspirante Euclides da Cunha Filho que tentara vingar a morte do pai.

O Jornal do Comércio de 28 de setembro daquele ano reproduziu a brilhante defesa de Evaristo de Moraes, que, entre outras alegações, se manifestou: "Ora, por mais rigoroso que se pretende ser, julgando o tenente Dilermando de Assis, não se pode desconhecer:

1º) que ele tinha sérios motivos para sentir a sua vida em perigo, quando, já gravíssimamente ferido, buscava a porta e era ainda alvejado pelo agressor, que ninguém continha;

2º) que não se lhe apresentara, ao espírito, naquela ocasião, outro meio de escapar à morte, diverso do que empregou;

3º) que ele não estava apenas emocionado, mas, sim, completamente perturbado, em razão das graves lesões recebidas, das quais quatro, porém, eram mortais.

Não cremos haja aí quem pense na possibilidade de fuga para escapar à agressão. Em primeiro lugar, cumpre ter em vista que o primeiro tiro fora disparado com surpresa e os três seguintes enquanto Dilermando não se tinha armado e estava à mercê do agressor. A fuga não mais evitaria, pois, a efetuação do dano à integridade física do agredido. Mas, a lei e a doutrina, em verdade, não aconselhavam a fuga em homem nas condições do acusado."

Depois de relacionar a opinião de vários doutrinadores nacionais e estrangeiros de que a possibilidade de uma fuga vergonhosa ou perigosa não exclui a legalidade da defesa, mas a defesa deixa de ser legal, se é possível escapar à agressão sem ignomínia ou sem perigo, Evaristo de Moraes acentuou: "No caso do tenente Dilermando de Assis, todas essas ponderações jurídicas são acrescidas de uma importantíssima ponderação médico-psicológica: ele não era no momento de principiar a reagir uma pessoa apenas agredida, um oficial militar apenas atacado por um seu inferior; era, já, um homem mortalmente ferido, em cujo organismo se operavam fenômenos depressivos e perturbadores de inegável gravidade e de alta significação refletindo na sua inteligência e na sua vontade. O acusado tinha lesados os dois pulmões, o diafragma e o fígado; o seu aparelho respiratório, de cuja função depende essencialmente a vida, estava prejudicado; não o estavam menos os órgãos circulatórios, também primordiais na manutenção da harmonia vital. (...)

A condenação do acusado, pela recusa da justificativa da legítima defesa, equivaleria, além de tudo, a um triste conselho de covardia e de vilipêndio pessoal, transmitido aos oficiais do brioso Exército Brasileiro."

A Auditoria de Guerra da Capital Federal, em 27 de setembro de 1916, absolveu o acusado com base na justificativa da legítima defesa, prevista no artigo 26, parágrafo 2º, do Código Penal Militar.

Tendo havido apelação ao Supremo Tribunal Militar, este, em 8 de novembro do mesmo ano, decidiu: "Um organismo ferido de morte, em quase desfalecimento, reage irregularmente sobre o que o rodeia e assim sem condições de medir a reação... com os fundamentos aludidos, negando provimento à apelação e confirmando a decisão proferida pelo Conselho de Guerra, mandam que o réu seja posto em liberdade."

As defesas produzidas em favor do tenente Dilermando de Assis nos processos de homicídio de Euclides da Cunha e Euclides da Cunha Filho, perante a Justiça Comum e a Militar, constituem um dos pontos mais altos da grande carreira de advogado criminalista de Evaristo de Moraes.

Por Grandes Advogados, Grandes Julgamentos - Pedro Paulo Filho - Depto. Editorial OAB-SP
Fonte: Confraria do Júri

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Vantagens e desvantagens

Reflexão
A possibilidade de um mesmo grupo partidário nomear a maioria ou, no limite, até mesmo a totalidade dos membros do Supremo Tribunal Federal faz com que o caso brasileiro se diferencie de seu modelo, que é a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Nos EUA, os presidentes nomeiam os ministros também, mas lá o Congresso, sempre equilibrado pelos partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou.

Mas o mais importante é que, lá, o cargo de ministro é vitalício, o que faz abrir pouquíssimas vagas nos oito anos de mandato de um presidente que se reelege. Aqui, a idade limite de 70 anos e o sistema de aposentadoria pública estimulam a aposentadoria precoce, casos da ministra Ellen Gracie e de Nelson Jobim, entre outros.
Outra diferença fundamental é que na Corte Suprema a presidência é vitalícia, e seu ocupante é escolhido pelo presidente da República.

O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, considera que a excessiva rotatividade da presidência do STF "gera descontinuidade, quase insegurança jurídica e administrativa".

Aqui, o presidente tem "o poder de pauta, que é muito grande. Lá, ele é um paciente formulador de consensos, a médio prazo", diz Falcão. "O presidente, em qualquer dos casos, conduz as prioridades do Supremo, mas, aqui, a pauta do ministro Jobim era uma; a da ministra Ellen Gracie, outra; a do ministro Gilmar Mendes, outra".

Mais ainda, ressalta Joaquim Falcão. "O presidente do STF, sendo presidente do Conselho Nacional de Justiça, também faz com que a rotatividade estimule uma descontinuidade de políticas administrativas".

Gilmar Mendes, por exemplo, era a favor de que os julgamentos dos juízes fossem públicos. Já o ministro Cezar Peluso, atual presidente, quer que sejam todos sob segredo de Justiça.

Jobim priorizou o combate ao nepotismo e o teto salarial, que não foram prioridades dos sucessores. "Sem continuidade, essas políticas perdem eficiência e se diluem no tempo diante da oposição dos magistrados contrários", diz Falcão.

Por essas razões, ele advoga que uma reforma do STF e da gestão dos tribunais deveria contemplar um mandato de pelo menos cinco anos para o presidente.

Quanto à vitaliciedade, princípio para assegurar a independência do juiz, Falcão acha que ela estaria plenamente assegurada também por mandato fixo mais longo, combinado com uma aposentadoria razoável.

"Embora a legitimidade do Supremo não venha da representação eleitoral, ela vem da sintonia com os cidadãos para construir um difícil equilíbrio entre manter os princípios do pacto constitucional e ao mesmo tempo atualizá-los pelas permanentes mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas. Mandatos mais curtos permitem a renovação de maior sintonia com a evolução social a que estamos todos condenados", defende Joaquim Falcão.


O também jurista Luís Roberto Barroso, professor de Direito da Uerj, lembra que há dois grandes modelos de cortes supremas, ou de cortes constitucionais no mundo: um, representado pela Suprema Corte americana, na qual nos inspiramos; outro, pela Corte Constitucional alemã, que é o modelo que prevalece na Europa e foi seguido por democracias novas, como a da África do Sul.

Na Alemanha, os juízes constitucionais são nomeados pelo Legislativo, com exigência de maioria absoluta, e servem por um mandato de 12 anos, sem possibilidade de recondução.

Os partidos, diz Barroso, veem-se na contingência de convergirem para um nome de consenso, que normalmente será um professor ou acadêmico respeitável. Nos EUA, a importância do papel do Senado se manifesta, sobretudo, no cuidado com que o presidente escolhe o nome que vai indicar, para não correr o risco de rejeição, embora os casos de rejeição efetiva sejam muito poucos.

O fato de não existir aposentadoria compulsória, analisa Barroso, traz vantagens e desvantagens em cada modelo. "No caso da Suprema Corte americana, os ministros servem por 20, 30 e até 40 anos. Isso descola o tribunal, mais intensamente, do processo político majoritário, isto é, da política eleitoral".

Um ministro que atravessa diversos períodos presidenciais torna mais fácil que a Corte, em certas conjunturas, desempenhe o que se chama de papel "contra-majoritário"', o que pode ser bom, mas às vezes é ruim, ressalta, citando exemplos de casos em que, como no governo Roosevelt, o Supremo, mais conservador, interferiu na execução do "New Deal".

Na Alemanha, a politização e o ativismo são bem menores. Mas a Corte Constitucional tem influência política igual ou maior do que a Suprema Corte americana. "Pessoalmente, não vejo problema -— e até acho bom que alguns ministros não fiquem além de 10 anos e outros fiquem por 20 ou 25. Isso faz com que uns tenham mais sintonia política com o momento contemporâneo, outros menos", diz Barroso.

No Brasil, houve um caso de permanência longa (cerca de 25 anos) que teve influência histórica, recorda Barroso, o do ministro Moreira Alves.

"Homem de formação jurídica sólida, seriedade e argumentação combativa", Moreira Alves foi nomeado no regime militar e nutria pouca simpatia pela Constituição de 88. "Enquanto ele esteve na Corte, sua liderança manteve a interpretação constitucional, sob a Constituição de 88, quase idêntica à que vigorava no período militar".

A partir da aposentadoria de Moreira Alves, conta Barroso, ministros como Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e, mais à frente, Gilmar Mendes, começaram a desenhar uma Suprema Corte com participação política mais relevante. Esse processo se aprofundou na era Lula.

"Embora haja riscos democráticos envolvidos em uma expansão excessiva de qualquer corte de Justiça", até aqui Barroso considera que o STF "serviu muito bem à democracia brasileira".

Por Merval Pereira
Fonte: O Globo

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Evento Jurídico em Capina Grande

I FÓRUM DE ESTUDOS JURÍDICOS:
Alterações da Legislação Penal e Processual Penal

Dias 25 e 26 de agosto de 2011
Auditório da Justiça Federal de Campina Grande
Certificação: 12 horas

PROGRAMAÇÃO
Dia 25/08/2011

18h00 - Credenciamento

19h00 - Palestra: Kant e a Lei Penal
Dr. Flamarion Tavares Leite
Mestre em Filosofia. Doutor em Direito pela PUC-SP. Especialista em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal pela Universidade Técnica de Lisboa/UnB/ESAF. Professor da faculdade de Direito da UFPB e do UNIPÊ. Autor de diversas obras jurídicas.

20h00 - Palestra: Lei n° 12.403/2011 sob a ótica da Segurança Pública
Dr. Harrison Alexandre Targino
Mestre em Direito pela PUC-SP. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Advogado. Professor da faculdade de Direito da UEPB. Secretário da Cidadania e Administração Penitenciária do Estado da Paraíba.

Dia 26/08/2011

09h00 - Palestra: Desafios da Advocacia Criminal
Dr. Sheyner Yàsbeck Asfora
Especialista em Ciências Criminais. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Vice Presidente da Associação dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM). Advogado. Coordenador e Professor da faculdade de Direito da ASPER.

10h00 - Coffee break

10h30 - Palestra: Tornozeleira eletrônica: análise prática da Lei nº 12.258/2010
Dr. Bruno Azevedo
Mestre em Direito Constituticional pela UFCE. Doutorando em Direito pela UERJ. Juiz de Direito, autor do Projeto sobre o Monitoramento Eletrônico de Presos. Coordenador da Especialização em Direito Constitucional da UEPB. Coordenador da Especialização em Prática Judicante do Curso da ESMA-PB/UEPB. Coordenador Científico da Revista da ESMA-PB.

14h00 - Debate: Da atuação do Delegado de Polícia Civil e do Advogado frente às alterações da Lei nº 12.403/11 no Código de Processo Penal
Dr. Francisco Iasley Lopes de Almeida
Especialista em Ciências Criminais pela UNISUL. Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Delegado de Polícia Civil do Estado da Paraíba. Coordenador e Professor da faculdade de Direito da CESREI.

Dr. Felipe Augusto de Melo e Torres
Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia. Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Advogado criminalista. Procurador do Município de Ingá/PB. Professor da faculdade de Direito da UNESC e da CESREI.

15h30 - Coffee break

16h00 - Palestra: Aspectos processuais da peça iniciadora da Ação Penal
Dr. Félix Araújo Neto
Mestre em Direito Penal. Doutor em Direito Penal e Política Criminal pela Universidade de Granada. Advogado. Professor da faculdade de Direito da UEPB e FACISA. Membro do Corpo Editorial da Revista ORBIS. Autor de obras jurídicas.

VALOR DO INVESTIMENTO

R$ 30,00 - Estudantes
R$ 60,00 - Profissionais

INSCRIÇÕES

OAB Subseção Campina Grande
Centros Acadêmicos da UEPB, CESREI e FACISA

INFORMAÇÕES

Fone: (83) 3337-1933
E-mail: contato@cped.com.br

Fonte:
www.cped.com.br

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Mercador de Veneza, de William Shakespeare

Embargos culturais
Leituras jurídicas do Mercador de Veneza, de William Shakespeare, recorrentemente apontam para um conflito central: a estrita obediência para com a letra da lei em face de certa plausibilidade interpretativa. Naquele primeiro caso, chama-se apressadamente de positivismo jurídico. Na segunda hipótese, a dogmática contemporânea nominaria de razoabilidade na aplicação da norma.

O eixo temático da peça, primeiramente encenada em 1596, foca-se num contrato celebrado entre um mercador judeu e um cidadão veneziano; aquele primeiro marcado como usurário, e este último identificado como destemido inimigo dos agiotas. O mercador avençou um empréstimo garantido pelo cidadão com exatamente uma libra de carne, do próprio corpo. A libra de carne (the pound of flesh) pode significar a desumanidade do mercador (Shylock), sua natureza predatória, seu desejo de vingança; ou mesmo sua confiança na referência da literalidade da lei, o que mais tarde se voltará contra ele[2]. A tática virou-se contra o tático.

Não se sabe exatamente se a proposta de Shylock qualificava vingança do agiota ou, no limite, se fora justamente uma maneira deliberada de acertar suas relações com o veneziano, na medida em que abria espaço imaginário para acerto de contas no futuro. Curiosamente, Shylock acreditava nas leis de Veneza; não buscou ajuda de nenhum advogado. No fim da peça, quando pretendia executar seu contrato, fora diretamente ao Duque, responsável pela distribuição de justiça.

Leituras políticas da mesma peça sugerem que há quem possa apreender do texto algum traço de antissemitismo em William Shakespeare. É notória a tentativa de se imputar ao vilão, Shylock, muitas características hediondas. Shylock é um monstro, insensível. Mas nem sempre. Cuide-se o leitor. Ao fim da peça pode-se perceber no arrependimento do mercador usuário alguma redenção, hipótese imediatamente afastada quando se entende que Shylock pretendia na transação que se lhe propuseram salvar a fortuna, que talvez lhe valia mais do que a própria vida.

Na impressão de uma estudiosa de Shakespeare,
No fim do século XX e no início do século XXI, O Mercador de Veneza se tornou, por razões históricas e políticas, bem como por motivos literários e dramáticos, um ambiente de muita ansiedade — ansiedade por motivos de religião e preconceitos religiosos, pela forma como a peça descreve judeus e cristãos, bem como sobre o lugar da sexualidade e de problemas de gênero[3].

Para outro estudioso,
Deve-se ser cego, surdo e mudo para não reconhecer que a grande comédia de equívocos de Shakespeare, O Mercador de Veneza, é no entanto, um trabalho profundamente anti-semita. E ainda assim, todas as vezes que leciono sobre esta peça, muitos de meus alunos mais sensíveis e inteligentes se mostram muito infelizes quando eu começo a aula com a observação de que Skakespeare no início da peça afirmara-se como anti-semita[4].

Em o Mercador de Veneza há muitos personagens emblemáticos da galeria do bardo inglês. Shylock é o próprio judeu que empresta dinheiro a juros (circunstância abominada pela Igreja Católica, porém tolerada pelo protestantismo de Genebra). Contraditório, desumano, e trágico até a medula, Shylock mede tudo em números: o valor do empréstimo (três mil ducados) e a quantidade de carne (uma libra) do tenebroso contrata que assinou com Antonio.

Antonio é o comerciante que abominava aos judeus, que odiava Shylock, mas que com o inimigo teve que pactuar. Deprimido, melancólico, sempre saudoso de seu amigo e amado Bassânio, pode-se inferir da amizade uma atração superlativa. Antonio fez o que pode para ajudar seu amigo Bassânio. E ajudou Bassânio a conquistar Pórcia. A melancolia de Antonio é enigmática. Pode-se intuir uma depressão sem causa aparente. Pode-se imaginar que sua tristeza decorria da preocupação dos navios que tinha em trânsito, e que não retornavam para Veneza. Ou, de um modo mais radical, pode-se inferir que Antonio vivia uma atração por Bassânio, e que o amor deste para com Pórcia o irritava. Tem-se a impressão de que Antonio era solteiro. E tem-se a certeza de que Antonio arriscou tudo que tinha por Bassânio. Farto material para o freudismo. Eis a primeira fala de Antonio:


A bem da verdade, nem sei de onde esta minha tristeza. Me incomoda saber que isso te incomoda. Mas, como foi que peguei isso, como foi que me achei assim, ou mesmo como foi que isso se apoderou de mim, e de que matéria ela é feita e onde está sua origem, ainda preciso descobrir. E tamanho idiota essa tristeza faz de mim que me fica muito difícil reconhecer-me a mim mesmo[5].

Bassânio fez de sua paixão por Pórcia a razão da própria vida. Contou com a ajuda de Antonio. Graciano é o outro amigo de Bassânio; e é o mais contundente crítico de Shylock. Bassânio protagonizou um par amoroso com Nerissa, curiosamente a dama de companhia de Pórcia. As classes sociais, no drama shakespeariano, são muito bem definidas. Pobres e ricos não se misturam.

Pórcia é a heroína. Rica, é titular de uma grande herança. Bonita, despertou a paixão de muitos homens. Além de Bassânio, tentaram o casamento com Pórcia os príncipes do Marrocos e de Aragão. Este último, um arrogante nobre espanhol. Pórcia é inteligente, domina a retórica e a boa argumentação. No fecho da peça, e travestida de homem, destruirá os argumentos de Shylock. Pórcia é a musa do positivismo de combate e do antifetichismo jurídico. Mostrou-se uma tremenda advogada. Nerissa é sua dama de companhia, sempre solícita, apaixonada por Bassânio.

Jessica é a filha de Shylock, que parece negar ou se afastar da tradição hierosolimitana. Apaixonou-se por um cristão, chamado Lourenço, amigo próximo de Bassânio. Há ainda Lancelot, curioso personagem que trabalhava para Shylock, a quem abandonou.

Por fim, o Duque de Veneza, que presidirá o tribunal, no qual se discutiu o contrato assinado entre Antonio e Shylock. A cena do julgamento é intrigante. Pode-se indagar se Shakespeare teria reproduzido um ambiente imaginariamente veneziano ou o contexto forense da Inglaterra elizabeteana, o que parece evidentemente muito mais factível[6].

A peça se inicia com Antonio revelando uma extrema melancolia. Antonio não consegue explicar a depressão que lhe destrói. Bassânio desesperadamente pede ajuda ao amigo — Antonio — alegando que precisa ir até Belmonte, onde vivia Pórcia, a quem amava, e a quem queria fazer a corte. Bassânio pediu dinheiro emprestado a Antonio.

Antonio propôs ajudar Bassânio. Porém, explicou que não dispunha imediatamente de recursos. Aplicara seu dinheiro em algumas expedições marítimas, em relação às quais pretendia alcançar muitos lucros. Sugeriu então que Bassânio negociasse um empréstimo do qual ele, Antonio, seria fiador.

Enquanto isso, em Belmonte, Pórcia tomou conhecimento do testamento do pai, que determinou o modo pelo qual a herdeira escolheria o futuro marido. Teria a companhia de Pórcia o concorrente que entre três caixas escolhesse uma pré-determinada. As caixas eram de ouro, prata e chumbo. Pórcia não gostava dos pretendentes que conhecia; especialmente, tinha reservas para com os príncipes do Marrocos e de Aragão. O Príncipe de Marrocos escolheu a caixa de ouro e o Príncipe de Aragão a caixa de prata. Foi Bassânio quem escolheu a caixa correta.

Retomando Veneza como centro dos diálogos, Shakespeare nos mostra Antonio procurando Shylock. O encontro é tenso. O judeu condena o cristão. Shylock insurge-se contra Antonio, conhecido opositor da usura. Antonio resiste em sua posição e não pede desculpas.

Finalmente, Shylock concordou com o empréstimo. Exigiu, no entanto, como condição de entrega dos três mil ducados, que Antonio empenhasse uma libra de carne do próprio corpo, como garantia da avença. E ainda que Bassânio resistisse ao negócio, Antonio fechou o contrato, na expectativa de salvar o amigo. Decididamente, Shylock odiava Antonio:


Ele se parece muito com um coletor de impostos que fosse humilde! Detesto o sujeito por ser um cristão, mas detesto ainda mais porque, assim humilde e simplório, ele faz empréstimos de graça e reduz a taxa de juros aqui para nós em Veneza. Se eu conseguir pegar ele de jeito, então alimento à larga o meu velho rancor contra ele. Ele odeia a nossa sagrada nação judaica e me insulta a mim, até mesmo lá onde os mercadores costumam se reunir, e ofende as minhas boas ofertas e o meu bem merecido e suado sucesso, que ele chama de ganhos em cima de juros. Amaldiçoda seja a minha tribo, se eu conceder perdão a esse sujeito![7]

Entrementes, Jessica abandonou a casa do pai. Fugiu. Deixou Veneza ao lado de Lourenço, que era cristão. Bassânio e Graciano rumaram para Verona. Pórcia recebeu os pretendentes. Os príncipes do Marrocos e de Aragão escolheram as caixas erradas e perderam qualquer possibilidade de casamento com Pórcia.

Enquanto isso, em Veneza, Shylock se desesperou com a fuga da filha. Porém, diabolicamente, mostrou felicidade ao saber que os navios de Antonio teriam se afundado.

Pórcia e Bassânio se interessam mutuamente. Juram amor. Graciano e Nerissa vivem situação semelhante. Pórcia deu um anel a Bassânio, exigindo que o amado mantenha o adereço, como prova de fidelidade e de amor eterno. Nerissa fez o mesmo com Graciano. O anel era expressão de um altíssimo significado para Pórcia:


Você está me vendo, Lorde Bassânio, bem aqui onde estou, bem assim como eu sou. Embora eu, por mim mesma, não quisesse ser ambiciosa em meus desejos a ponto de desejar ser melhor do que sou, assim mesmo, por você eu seria em triplo vinte vezes mais do que sou, mil vezes mais bonita, dez mil vezes mais rica, isso apenas para você me ter em alta conta, de modo que eu pudesse exceder em virtude, em beleza, em bens materiais, em amizades, sua estimativa.


Mas a soma de mim é a soma de alguma coisa; em seu valor bruto, é uma moça sem estudo, sem escola, sem vivência; nisto ela é feliz, pois não é velha demais para aprender; mais feliz ainda porque não nasceu tão obtusa que não possa aprender; e felicíssima, acima de tudo, porque o seu espírito gentil compromete-se com o seu, Lorde Bassânio, para que você o guie como esposo, governante, rei. O meu próprio eu, e o que é meu, converte-se agora para você e para o que é seu. Ainda agora era eu o dono desta linda mansão, o amo de meus serviçais, rainha de mim mesma; e agora mesmo, neste momento, esta casa, essa criadagem, e esta mesma que sou eu, são seus, meu senhor. Tudo eu lhe dou juntamente com este anel; quando você dele se separar, ou perder, ou der para alguém, que isso seja o presságio da ruína de seu amor por mim, e terei nas mãos oportunidade de denunciá-lo, meu senhor[8].

Ao saber da avaria nos navios de Antonio, Bassânio imediatamente retornou para Veneza. Disfarçadas de homens, supostos advogados, Pórcia e Nerissa também correram para Veneza. A questão seria discutida num tribunal, presidido pelo Duque que comandava a cidade.

Shylock levou o contrato ao Duque, exigindo cumprimento da cláusula. O Duque anunciou a chegada de um advogado. Era justamente Pórcia, que ninguém reconheceu como tal. Pórcia pediu clemência a Shylock, que não admitiu outra solução, que não o corte da própria carne de Antonio. Argumenta Pórcia, pedindo misericórdia a Shylock:


A misericórdia é uma virtude que não se pode fazer passar à força por uma peneira, mas pinga como a chuva mansa cai dos céus na terra. É duplamente abençoada: abençoa quem tem compaixão para dar e quem a recebe. Poderosa nos poderosos, harmoniza-se com o monarca no trono melhor que a coroa. O cetro denota a força do poder temporal, o atributo real que inspira o respeito à majestade, fonte do temor e da reverência aos reis. Mas a misericórdia está acima de qualquer movimento do cetro. Ela tem seu trono no coração dos reis, é um atributo de Deus e um tributo a Deus, é um poder mundano que se mostra divino ... quando a misericórdia vem temperar a justiça. Portanto, judeu, embora o cumprimento da justiça seja a tua argumentação, considere o seguinte: no cumprimento da justiça, nenhum de nós vai encontrar a salvação. Nós lhe suplicamos por misericórdia, e essa mesma súplica ensina-nos a todos que devemos praticar a misericórdia. Até aqui, falei para mitigar a sua argumentação em prol da justiça, que, se for mantida, este tribunal de Veneza fica obrigado a dar sentença contra aquele mercador ali[9].

Bassânio fez uma intervenção e propôs pagar a Shylock o dobro da dívida. Pórcia examinou o contrato, insistiu na validade das cláusulas e argumentou que Shylock, de fato, deveria receber o combinado. Shylock sorriu; sentiu-se vitorioso.


Porém, havia uma subtilidade que Pórcia muito bem explorou: não poderia o credor derramar o sangue do devedor; a um estrangeiro era vedado o derrame de sangue de um cidadão veneziano. Assustado, e acuado, Shylock desistiu de executar o contrato e aceitou a oferta de Bassânio. Tarde demais. Segundo uma estudiosa brasileira da obra de Shakespeare:
Tudo muda quando Pórcia faz exatamente o que Shylock pediu: dá-lhe apenas a letra da lei, segundo a qual ele terá de contar uma libra justa, nem mais nem menos, e sem derramar uma gota de sangue veneziano. Shylock, que se oferece então para receber o dinheiro, não pode voltar atrás – e perde tudo[10].

A literalidade da interpretação do contrato pode também sugerir uma pano de fundo para a tradição positivista inglesa, e com as naturais estações em Hobbes, Locke Bentham, Mill, Austin e Hart[11]. Shylock poderia cobrar o contrato, mas exatamente em seus próprios e literais termos, o que tornaria impossível a cobrança. Shylock insiste na cobrança de sua promissória:



Vou cobrar a minha promissória, não penses em falar contra a promissória. Fiz uma promessa: vou ter o que me confere a minha promissória. Tu me chamaste de cachorro sem ter motivo algum para tanto. Então, já que sou cachorro, cuidado com as minhas presas. O Doge [o Duque de Veneza] vai me garantir justiça. Fico me perguntando... hein, carcereiro? Seu imprestável ... se tu és tão apalermado que, se ele pede, tu sais com ele para pegar ar fresco (...) Vou cobrar a minha promissória. Não vou escutar o que tens a dizer. Vou cobrar minha promissória; portanto, chega de falar. Ninguém vai fazer de mim um otário, um frouxo, para balançar a cabeça, amolecer, suspirar e ceder a intercessores cristãos. Nem penses em me seguir! Não quero saber de conversa, eu quero é que se cumpra a minha promissória![12]

Mas Pórcia tem argumento final e decisivo. A cobrança do título tem como caminho a violência com um cidadão veneziano:



Portanto, prepara-te para cobrar-lhe a carne. Não derrames sangue, nem cortes um isso a mais nem a menos, mas exatamente uma libra de carne. Se tirares mais que uma libra exatamente, o menos, mesmo que seja a vigésima parte de um escrópulo para mais ou para menos, mesmo que seja por uma diferença em peso daquilo que se estima ser o peso de um fio de cabelo, tu morres, e todos os teus bens serão confiscados![13]

Inegável o conflito entre direito e equidade[14]. No entanto, na argumentação de Pórcia tem-se o ponto central que Shakespeare colocou a seus espectadores, leitores e intérpretes: a mera tentativa de resolução do contrato já qualificava um crime por si só. É que Pórcia manipulava com um tipo penal em forma de tentativa. Isto é, a execução do contrato teria como precedente o derramamento de sangue de um cidadão veneziano, o que a justiça da cidade não admitia[15].

O Duque condenou Shylock à morte, aceitando relevar a pena se o judeu entregasse a Veneza parte de sua fortuna. Shylock também deveria aceitar o cristianismo, bem como deveria deixar sua herança para a filha Jessica.

Bassânio entregou o anel para Pórcia, imaginando agradecer ao advogado, sem saber que o destinatário do anel era dono do objeto. Isto é, não suspeitava de que o advogado era Pórcia. Quando Bassânio e Graciano retornam a Belmonte, à procura de Pórcia e de Merissa, foram acusados de infiéis pelas amadas, justamente porque deram os respectivos anéis. Pórtia revelou seus atos. Noticiou-se que o navio de Antonio não se perdera. A alegria dos personagens ao fim da festa pode nos indicar que não há noites eternas.

O Mercador de Veneza nos coloca ainda hoje problemas muito complexos: os fundamentos morais da crítica à usura, a dedicação à pessoa amada, o desconforto da riqueza, certo contraste entre cristianismo e judaísmo e, principalmente, a convergência entre justiça e piedade.

Do ponto de vista estritamente jurídico, O Mercador de Veneza remete-nos a um problema filosófico atemporal: até que ponto a teoria do direito deve centrar-se apenas na norma, relegando-se para outros campos de investigação questões de política ou juízos de equidade. Para o campeão desta versão teórica, (...) a essência do direito é ser norma e (...) portanto, toda teoria jurídica deve ser uma teoria de normas, uma teoria das proposições normativas, uma teoria do direito objetivo[16]. De qualquer maneira, pela letra da lei, ou por um juízo abstrato qualquer de equidade, o contrato não podia ser executado.

A me valer de um dogma contemporâneo, talvez inaplicável ao mundo forense elisabetano, a validade de um negócio jurídico requer objeto lícito, possível, determinado ou determinável (Código Civil Brasileiro, art. 104). Impossível a retirada de uma libra de carne, sem que se derramasse sangue de um cidadão veneziano. Ilícito garantir-se uma obrigação pecuniária com fragmento do próprio corpo.

Esta a reserva de sentido que o horizonte hermenêutico do teatro shakespeariano nos coloca: problemas universais, que se multiplicam em todos os tempos.

BIBLIOGRAFIA

Barton, Dunbar Plunket, Shakespeare and the Law, Union: The Lawbook Exchange, 1999.

Bilello, Thomas C., Accomplished with What She Lacks: Equity, and Portia´s Con, in Jordan, Constance e Cunningham, Karen, The Law in Shakespearei, New York: Pallgrave Macmillan, 2007.

Bloom, Harold, Shakespeare, a invenção do humano, New York: Riverhead Books, s.d.

Campbell, W. John, The Book of Great Books, - A Guide do 100 World Classics, New York: Metrobooks, 2000.

Garber, Marjorie, Shakespeare after all, New York: Anchor Books 2004.

Heliodora, Bárbara, Reflexôes Shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004.

Kelsen, Hans, Autobiografia, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. Tradução de Gabriel Nogueira Dias e de José Ignácio Coelho Mendes Neto.

Shakespeare, William, O Mercador de Veneza, Porto Alegre: L & PM, 2007. Tradução de Beatriz Viégas-Faria.

Ward, Ian, Shakespeare and the Legal Imagination, London: Butterworths, 1999.

[1] Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Consultor-Geral da União.

[2] Cf, Campbell, W. John, The Book of Great Books, A Guide do 100 World Classics, New York: Metrobooks, 2000, p. 519.

[3] Garber, Marjorie, Shakespeare after all, New York: Anchor Books 2004, p. 282. Versão livre minha.

[4][4] Bloom, Harold, Shakespeare, a invenção do humano, New York: Riverhead Books, s.d., p. 171. Tradução livre minha.

[5] Shakespeare, William, O Mercador de Veneza, Porto Alegre: L & PM, 2007. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Ato I, Cena I.

[6] Cf. Barton, Dunbar Plunket, Shakespeare and the Law, Union: The Lawbook Exchange, 1999.

[7] Shakespeare, William, cit., Ato I, Cena III.

[8] Shakespeare, William, cit., Ato 3, Cena II.

[9] Shakespeare, William, cit., Ato 4, Cena I.

[10] Heliodora, Bárbara, Reflexôes Shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, p. 282.

[11] Cf. Ward, Ian, Shakespeare and the Legal Imagination, London: Butterworths, 1999, p. 23.

[12] Shakespeare, William, cit., Ato 3, Cena III.

[13] Shakespeare, William, cit., Ato 4, Cena I.

[14] Cf. Bilello, Thomas C., Accomplished with What She Lacks: Equity, and Portia´s Con, in Jordan, Constance e Cunningham, Karen, The Law in Shakespearei, New York: Pallgrave Macmillan, 2007, p. 109.

[15] Cf. Bilello, Thomas C., cit., loc. cit.

[16] Kelsen, Hans, Autobiografia, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, p. 25. Tradução de Gabriel Nogueira Dias e de José Ignácio Coelho Mendes Neto.

Por Arnaldo
Fonte: ConJur

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Doutor em Ciência Política será o palestrante desta 3ª feira, no Projeto “Noites Legais” em Campina Grande

Escola em atividade
O projeto “Noites Legais”, promovido pela Escola Superior da Magistratura (Esma), por meio de sua Coordenação Acadêmica, realiza, nesta terça-feira (23), a terceira palestra na comarca de Campina Grande. O evento tem as mesmas características do Quintas Legais de João Pessoa, que já está consolidado no calendário jurídico da Paraíba. O professor convidado para Campina é o doutor Alexandre Belo.

No auditório do Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos, ele vai tratar das “Diretrizes Constitucionais da Administração Pública”. Sua aula tem início às 18h30 e será aberta a toda a comunidade acadêmica e profissionais do Direito.

“A atual Diretoria da Esma, que tem à frente o desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides, tem se preocupado em interiorizar as ações da Escola. Nosso projeto é levar o ciclo de palestras às cidades polos do Estado, como Guarabira, Patos, Sousa e Cajazeiras”, adiantou a coordenadora acadêmica da Esma, professora Fátima Pessoa.

Em Campina Grande, só este ano, a Escola Superior da Magistratura levou dois grandes especialistas em suas respectivas áreas dentro do Noites Legais. A primeira delas foi com o juiz de Direito e professor, Marcos William de Oliveira, que proferiu uma aula a respeito dos “Aspectos Práticos do Tribunal do Júri.” Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraíba (OAB-PB), e também professor Odon Bezerra tratou dos “20 anos do Código de Defesa do Consumidor.”

Currículo – O do “Noites Legais”, Alexandre Belo, é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Ciência Política (Toulouse – França) e doutor de Estado em Ciência Política, também em Toulouse.

Por Fernando Patriota
Fonte: TJPB

domingo, 21 de agosto de 2011

As lições de história do Direito em Macbeth

Embargos Culturais
Macbeth é tragédia de William Shakespeare que data provavelmente de 1606. É uma peça maldita, lembrada por muitas superstições, e recorrentemente adaptada para o cinema. No teatro, algumas representações de Macbeth foram marcadas por acidentes e apreensões. Há notícias de assassinatos ocorridos em palcos, cenários que despencaram, incêndios mal explicados. Macbeth é um problema real no contexto das tragédias de Shakespeare, especialmente para aqueles que as representaram no palco.

O enredo de Macbeth propicia inúmeras orientações temáticas. Tem-se oportunidade para estudo sobre os fundamentos do absolutismo monárquico inglês; afinal, Macbeth trata de um regicídio e da usurpação do trono. É recorrente em Shakespeare a concepção de reis ilegítimos e ineficientes.

Pode-se extrair de Macbeth uma relação com instâncias de bruxaria e de magia; o rei Jaime I, sucessor da rainha Elizabeth I, e para quem a peça fora representada, foi um estudioso da magia, sobre o que escrevera um livro muito conhecido. Jaime ao assumir o trono inglês, tinha 36 anos e era casado com uma católica dinamarquesa, mas ele próprio era um devoto protestante.

Em Macbeth tem-se a impressão de que o fantástico (...) ocupa os espaços, fantasmas abandonam seus túmulos, um bruxuleio sobrenatural tremula sobre a fronte do condenado[1]. As bruxas que aparecem em Macbeth dão pistas dos interesses de Shakespeare com o sobrenatural, embora, inegavelmente, prestam-se também para agradar ao Rei Jaime I, e sua intrigante obsessão com a bruxaria[2].

Há também amplo contexto para uma abordagem psicanalítica. Sigmund Freud valeu-se da trama de Macbeth para tentar explicar o que denominava de ruína do êxito[3]. Trata-se de patologia relativamente comum. Acomete àqueles que se angustiam e se deprimem justamente no momento em que conquistam o que tanto sonharam e pelo que muito lutaram. É o que ocorreu com Lady Macbeth assim que soube que seu marido assassinou o rei.

Shakespeare exerceu influência muito grande na formação cultural de Freud, que freqüentemente utilizou o repertório do bardo no enquadramento das formulações psicanalíticas que desenvolveu. A tragédia também permite uma extensa reflexão sobre a culpa; talvez fora a culpa que levou Lady Macbeth ao suicídio. E a culpa também afetou Macbeth, que dela se livrou, multiplicando os atos pelos quais se sentia culpado, i.e., matando, como medida de catarse e de superação da própria insatisfação.

Macbeth ainda fomenta estudos de história do direito. Há conjunto de informações que permitem que se apreendam alguns aspectos de rituais do direito inglês do século XVI (época da peça) ou do direito escocês do século XI (época e local nos quais a tragédia é ambientada). Não se pode esquecer que houve um rei escocês chamado Macbeth; pode haver algum elemento fático no contexto da peça.

A peça propicia ainda alguma reflexão em tema de retórica. Lady Macbeth convenceu seu marido a matar o rei, instigando-o a agir, especialmente quando Macbeth parecia tomada por dúvidas.

Macbeth é também, e talvez principalmente, um estudo sobre a natureza do mal[4]. Macbeth é um personagem verdadeiro, mais entregue a seu impiedoso destino do que às exigências cênicas[5]. Em Macbeth encontra-se o gênio de Shakespeare em seu estado mais absoluto; e o gênio de Shakespeare se constitui, ao mesmo tempo, o desespero e o êxtase do crítico[6].

Macbeth é corajoso e ambicioso, tem consciência das conseqüências de seus crimes. É um usurpador sanguinário[7]. Inicialmente era leal ao rei, seu primo; porém, transforma-se em terrível vilão. Tem alucinações. Macbeth vai se tornar um rei caricato[8].

Lady Macbeth parece ser má e inescrupulosa. Exerce grande poder sobre o marido. Ela não consegue prever as conseqüências de seus atos e ao longo da peça vai tomando consciência de suas atitudes. Enlouqueceu e se suicidou. Segundo Freud, em Lady Macbeth, uma natureza originalmente dócil e feminina foi levada a um ponto de concentração e de alta tensão que não pôde suportar por muito tempo (...)[9]

Duncan é o idoso rei da Escócia. Bom, feliz, entusiasmado com Macbeth, jamais suspeitou da traição que o esperava. Malcom é o primeiro filho de Duncan; é o herdeiro do trono. Fugiu para a Inglaterra quando o pai foi assassinado. Formou um exército para libertar a Escócia da tirania de Macbeth.

Banquo é um general e nobre escocês; íntegro, provocou o ciúme de Macbeth. Fundador da dinastia Stuart, Banquo é ancestral de Jaime I da Inglaterra. Fleance é o filho de Banquo. Macduff é um nobre escocês, maior opositor de Macbeth, que ordenou a chacina de sua família. No fim da peça, matou Macbeth.

As três bruxas prevêem o futuro; seriam as agentes do demônio. Donalbain é o outro filho do rei Duncan. Ross é um nobre escocês que ficará ao lado de Macbeth até fugir para a Inglaterra, avisar a Macduff sobre a chacina da família.

Os temas centrais desta tragédia são a ambição, a luta entre o bem e o mal, a degeneração do caráter, bem como a punição do pecado. Macbeth nos mostra o preço devastador que se paga quando a ambição pelo poder é seguida de forma rude. Ele se transformou de guerreiro corajoso em vilão. A tragédia também trata da certeza da punição, percepção que se encontra na estrutura moral do teatro elizabeteano.

A ambição de Macbeth foi despertada e aumentou na medida em que percebia que uma profecia feita pelas bruxas, de que seria rei, poderia ser realizada. Hesitando, porém sucumbindo à tentação, Macbeth permite-nos reflexão sobre as ambigüidades do bem e do mal. E porque Macbeth efetivamente tornou-se mal e cruel, a partir de um caráter doce, pode-se mapear transição existencial, que ameaça a nós todos.

No primeiro ato, os escoceses, liderados pelo rei Duncan, recebem a notícia de que repeliram uma invasão norueguesa. O rei foi informado que Macbeth se revelou um grande guerreiro. O rei deu a Macbeth o título de Thane (Duque) de Cawdor, justamente o título do vencido, agora reconhecido como traidor.

Em seguida Macbeth e Banquo encontraram três bruxas que fizeram uma profecia: Macbeth será Thane de Cawdor e depois rei da Escócia. Banquo não será rei, mas seus descendentes o serão. Ao saber que ganhará o título de Thane de Cawdor, Macbeth começou a acreditar na profecia das três bruxas.

Escreveu uma carta para sua mulher, Lady Macbeth, que percebeu que poderia ser rainha. O rei deu a seu filho Malcom o título de Príncipe de Cumberland. Confirmou, assim, que Malcom seria seu sucessor. Macbeth ficou enciumado. O rei visitará o castelo de Macbeth. O anfitrião e sua esposa planejam o assassinato do rei.

No segundo ato, Macbeth matou o rei, colocou a culpa nos guardas e os assassinou, simulando um ato de fúria e de fidelidade ao morto. No entanto, entrou em pânico e começou a repetir que jamais conseguiria dormir em paz. Foi o início de sua loucura. Chegou Macduff que foi até o quarto do rei e o viu morto. Os filhos do rei fugiram com medo que também fossem assassinados. A fuga fez com que muitos suspeitassem que os filhos do rei teriam assassinado ao pai.

No terceiro ato, Macbeth mandou assassinar Banquo e seu filho Fleance. Banquo foi de fato assassinado, porém Fleance conseguiu fugir. Macbeth deu um jantar. Teve alucinações; viu Banquo e começou a gritar. Lady Macbeth pediu desculpas aos convivas. Macduff fugiu para a Inglaterra.

No quarto ato, Macbeth se aconselhou com as bruxas. Estas o revelaram que ele não será derrotado por nenhum homem que tenha saído de uma mulher. E que não será derrotado, a menos que as árvores da floresta de Birname atingissem seu palácio. Ultrajado com a fuga de Macduff, Macbeth ordenou que se matasse toda a família do foragido.

No final da peça, Lady Macbeth enlouqueceu e se suicidou. Malcom, Macduff e os ingleses invadiram a Escócia, acompanhados de um grande exército. Os soldados ingleses chegaram ao castelo carregando galhos da floresta de Birname. Cumpriu-se a profecia. Macduff matou Macbeth. É que nasceu de uma operação cesariana, portanto não se poderia dizer que nasceu diretamente de uma mulher. O trono foi dado a Malcom. De qualquer modo, o bem triunfou.

A peça se encerra com o triunfo do bem sobre o mal, do titular da coroa sobre o usurpador, do honesto sobre o ambicioso. E nos revela um assassino cruel, um homicida compulsivo. Culpado?

A tipologia que marca Macbeth é comum nas constatações criminológicas. Basicamente, tem-se um indivíduo cuja propensão para matar é latente e o qual se encontra apto para agir. A chance acelera o processo, ainda que num primeiro momento o futuro criminoso resista. O indivíduo hesita, pretende mudar de idéia, porém se deixa convencer por quem reconhece como uma pessoa próxima, em quem deposita muita confiança.

Age. Mas não se aceita. Arrepende-se. Deixa-se tomar pelo remorso. Assusta-se. Tem alucinações. Porém, como condição de sobrevivência deve matar novamente. E o faz. O instinto de Eros sublima a tendência de Tânatos, a paixão pela vida suplanta a curiosidade para com a morte, nos termos de uma formulação aparentemente freudiana.

E a cada novo assassinato, com o qual procura encobrir um homicídio anterior, o criminoso se perpétua como tal. Perde a razão. Torna-se refém de um passado do qual não se livra. Seu fim é a vingança alheia, a quem tanto sofrimento causou.

É este o roteiro existencial de Macbeth. Metaforicamente vencido por Nêmesis, a deusa da vingança, Macbeth jamais conheceu a face de Têmis, a personificação da justiça, da qual era a deusa, e que jamais conheceu.

E porque Macbeth agiu influenciado pela profecia das bruxas, resta saber se o livre arbítrio poderia ser razão suficiente para separar o dolo da culpa. Ou se com dolo agiu, simplesmente, porque as bruxas ouviu...




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[1] BRADLEY, A. C., A Tragédia shakespeariana, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255. Tradução de John Russell Brown.

[2] Cf. MOURTHÉ, Claude, Shakespeare, Porto Alegre: L & PM, 2010, p. 164. Tradução de Paulo Neves.

[3] Cf. FREUD, Sigmund, Os Arruinados pelo êxito, in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1999, Volume XIV, pp. 331 e ss. Tradução sob direção de Jayme Salomão.

[4] Cf. HELIODORA, Bárbara, Reflexões shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp. 159 e ss.

[5] BORGES, Jorge Luís, Prólogos, com um prólogo de prólogos, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 193. Tradução de Josely Vianna Baptista.

[6] BLOOM, Harold, Gênio- os 100 autores mais criativos da história da literatura, Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 44. Tradução de José Roberto O´Shea.

[7] Cf. HONAN, Paul, Shakespeare, uma vida, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 399. Tradução de Sonia Moreira.

[8] Cf. CARBER, Marjorie, cit., loc.cit.

[9] Cf. FREUD, Sigmund, cit., p. 335.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Mestres usam música e tecnologia para ensinar Direito

Aprender brincando

Todo ano, no Brasil, milhares de bacharéis de Direito são lançados ao mercado almejando uma carreira de sucesso. O primeiro desafio a ser enfrentado é o Exame da Ordem. Este, por sua vez, vem construindo fama de ser cada dia mais difícil. Nos últimos anos a média de aprovação, segundo dados da OAB, gira em torno de 15 a 20%. Isso sem contar os concursos para cargos jurídicos, como juiz e promotor, sempre muito exigentes.

Na briga por um lugar ao sol, os bacharéis buscam cursinhos especializados, aulas virtuais e tudo mais que os preparem para mais essa provação. Nessa seara de possibilidades, alguns professores vêm se destacando por oferecer um método inusitado de aprendizagem. Como é o caso de Sandro Caldeira, delegado de Polícia no Rio de Janeiro e professor de Direito Penal e Criminal em cursinhos, que desenvolveu a didática que ele mesmo batizou de “Um Jeito Legal de Estudar Direito”. O professor se vale de um arsenal de métodos alternativos para garantir ao aluno a memorização das matérias.

“A prova da OAB está muito pesada, tento transmitir o conteúdo de uma maneira mais leve, de forma lúdica” explica Caldeira. Música é uma das armas usada pelo delegado para pegar os alunos pela memória auditiva. Gravadas em estúdio, explicam em detalhes os pormenores da lei e são ministradas ao final da aula, depois de passada a teoria. A tentativa é que dessa maneira os alunos selem o processo de aprendizagem com esse gran finale.

Ele junta a melodias de músicas conhecidas do público as letras dos temas que pretende tornar conhecidos para seus alunos. Um bom exemplo é a letra que explica a Lei Maria da Penha, cuja melodia é proveniente da canção O Amor e o Poder, que é o tema de Vera Fischer na telenovela Mandala, exibida em 1988. Com nova roupagem e objetivo, Caldeira transformou o hit em conteúdo didático cantado pelos alunos.

Lei Maria da Penha
pro Jecrim não vai não,
não cabe pena de cesta básica
e prestação pecuniária.

Tenho medidas protetivas,
de afastamento do lar,
podendo até proibir,
o agressor da vítima se aproximar.

A vítima não poderá,
entregar intimação,
nem notificação ao agressor.

Vale tudo na hora do estudo. Exemplos trágicos ou cômicos são outro recurso utilizado pelo educador, mas dessa vez para tentar aguçar a memória emocional. A a ideia é que o bacharel se sensibilize com o fato que lhe é contado e isso o ajude a lembrar o conteúdo das leis quando estiver sendo testado.

Para memorização visual, Caldeira não está sozinho, tem a ajuda do cão jurídico, o mascote chamado Kin. A imagem do cão surgiu nas charges, onde o professor e o melhor amigo do homem explicam Direito aos alunos. O sucesso foi tanto que o animal saiu das telas e ganhou uma versão em pelúcia, que fala e interage com o estudantes durante as aulas, normalmente para esclarecer dúvidas.

Ao falar de temas pesados, como estupro ou participação em suicídio, utilizando-se de desenho animado para explicar o conteúdo penal, Caldeira intenta que o aluno aprenda de maneira mais branda.


A atuação do docente extrapola as salas de aula nos chamados “Aulões Show”, espécie de seminário onde ele se apresenta com sua banda composta por 9 músicos, além da bateria, guitarra, saxofone, enfim, toda parafernália necessária a uma banda. Em outros momentos dos aulões charges são projetadas no telão.

Trabalhar com música não é exclusividade de Sandro Caldeira. Alexandre Mazza, professor de Direito Tributário e Administrativo da rede de ensino LFG, tem mais de 230 músicas compostas e gravadas em estúdio. “O ambiente de Direito geralmente é muito formal, por isso aplico pedagogia diferenciada, trabalho com memória auditiva”, conta Mazza.

O forte do educador da LFG são as redes sociais, sobretudo o Twitter. “Criei um sistema e fico postando dicas de revisão em véspera de prova”, revela. Há dois anos utilizando esse método, Mazza é uma espécie de fenômeno do Twitter: já passou dos 110 mil seguidores. Alunos ávidos por uma boa revisão antes das provas ficam atentos aos posts do @professormazza. Segundo ele, esse serviço o colocou nos Top 500 do ranking do Twitter brasileiro, tendo em sua frente cantoras de Axé e celebridades em geral.

Ele dedica três horas do seu dia postando dicas no micro-blog. Existe até um outro endereço, que os alunos dedicaram a ele, chamado @mafiadomazza. O Facebook também é utilizado para esses fins. O interesse é tanto que o professor já tem 3 perfis lotados, sendo que em cada perfil é possível ter milhares de amigos. “Os alunos adoram, pois hoje em dia com a internet 3D eles podem acompanhar por celular, tirar dúvidas, é uma revolução no jeito de aprender o Direito”, comenta orgulhoso.

Por Camila Ribeiro de Mendonça
Fonte: ConJur

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Mandrágora e a Posse Sexual Mediante Fraude

Embargos Culturais
A coluna desta semana aproxima Direito Penal e Literatura, com o propósito de colher material conceitual para o estudo do crime de violação sexual mediante fraude (artigo 215 do Código Penal), a partir de uma peça de Nicolau Maquiavel, A Mandrágora.

Para tal, faz-se breve sumária do tipo aqui indicado. Conclui-se que, do ponto de vista metodológico, a tradição literária pode nos oferecer farto material para estudo de vários aspectos do Direito Penal.

No Direito Penal o tipo originário da posse sexual mediante fraude foi reiteradamente redesenhado. Originariamente, dispunha-se sobre ter conjunção sexual com mulher honesta, mediante fraude. Em 2005, passou-se a dispor sobre ter conjunção sexual com mulher, mediante fraude. Em 2009, a posse sexual mediante fraude passou a ser denominada de violação sexual mediante fraude, cujo tipo é descrito em conduta indicativa de ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima[1].

Expressão doutrinária indica que, no caso, “o mecanismo para atingir o resultado pretendido é a fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima[2]”, dicção que efetivamente reproduz o tipo descrito no texto legal. Tem-se também que o tipo é “misto alternativo, podendo o agente ter conjunção carnal e praticar ato libidinoso contra a mesma vítima, no mesmo local e hora, para se configurar crime único[3]”. Sujeições ativa e passiva são gerais, alcançam a qualquer pessoa[4].

Não há forma culposa; o elemento subjetivo do tipo é o dolo[5]. A fraude é ordinariamente caracterizada pela “(...) utilização de ardil, do engodo, do engano”[6]. No que se refere à fixação do meio que impeça ou dificulte a livre manifestação tem-se “(...) qualquer mecanismo disposto a conturbar o tirocínio da vítima[7]”. Ainda, do ponto de vista dogmático, entende-se que “(...) o objeto material é a pessoa que sofre a violação (...) o jurídico é a liberdade sexual[8]”.

Do ponto de vista taxionômico, é crime comum (não exige sujeição ativa especial), material (o resultado é o ato libidinoso consumado), comissivo (o que indica uma ação do agente), instantâneo (sua perpetuação se esgota em momento específico), de dano (decorre da mera lesão ao bem jurídico tutelado), admite tentativa e é plurissubsistente (a conduta é integrada por vários atos)[9].

A conduta é recorrente na experiência humana, e é captada de modo prosaico pela tradição literária. Refiro-me, especialmente, à peça A Mandrágora, do florentino Nicolau Maquiavel, circunstância cultural que fomenta o presente ensaio. Sigo com Maquiavel.

Maquiavel nasceu em Florença em 1469. É personalidade emblemática do Renascimento, época que se opunha ao misticismo, ao coletivismo, ao antinaturalismo, ao teocentrismo e ao geocentrismo. O movimento era marcado por intensa defesa do racionalismo, do individualismo, do antropocentrismo, do heliocentrismo.

O humanismo foi também um traço definidor daquele tempo, centrado na retomada dos valores greco-romanos, circunstância muito característica na obra de Maquiavel. Ainda muito jovem, Maquiavel serviu a República de Florença, participando de missões diplomáticas na França, na Alemanha e na Santa Sé. Com a queda da república florentina em 1512, foi preso e torturado.

No ano seguinte, escreveu O Príncipe, seu livro mais conhecido. O objetivo que o moveu a escrever O Príncipe teria sido a tentativa de conquistar a amizade e a confiança de Lourenço de Médici, a quem o livro é dedicado. Chamado de volta para o governo em 1525, Maquiavel novamente caiu em desgraça em 1527. Pobre e esquecido, morreu em 1527.

Estudioso do poder, Maquiavel adiantou-se a percepções criminológicas contemporâneas, especialmente no que se refere à intuição de um biopoder, de um poder exercido sobre corpos e mentes. E o fez fugindo do dogmatismo e das teorias justificadoras morais ou espirituais.[10]

Mandrágora é comédia datada de 1515[11]. A farsa é dividida em cinco atos. Fixo o conjunto de dramatis personae, isto é, dos personagens: Nícia (o juiz e marido), Calímaco (o embusteiro), Ligúrio (o mau-caráter), Frei Timóteo (o religioso corrupto), Lucrécia (a mulher pudica), Sóstrata (a mãe de Lucrécia), Siro (o servo de Calímaco). Há também uma misteriosa mulher, cujo nome Maquiavel não revela, e que frequenta uma das cenas da comédia, que é ambientada em Florença.

No prólogo, Maquiavel apresenta os personagens, e explica-se, inclusive com certa ironia para consigo mesmo:

A comédia intitula-se A mandrágora; por que, isso dirá a representação, tenho certeza. Não desfruta o autor de muita fama; se não rirdes, no entanto, aceitará pagar-vos um bom trago. Um amante infeliz, um doutor pouco astuto, um frade de má vida, um paraíso fértil em malícia, hoje serão o vosso passatempo[12].

O enredo, de modo muito sintético, pode ser resumido, na forma que segue. Nícia, um juiz de meia idade, e muito ingênuo, é casado com a bela Lucrécia, esposa fiel e piedosa. O casal sonhava com um filho. Porém, Lucrécia não conseguia engravidar. Chega de Paris um belo jovem, Calímaco, que intrigado a propósito de uma discussão que teve, na qual se disputou quais mulheres seriam mais bonitas, as francesas ou as italianas, prestava atenção nas moças de Florença.

Acompanhado de seu criado, Siro, Calímaco conheceu Lucrécia, por quem imediatamente se apaixonou. Auxiliado por um senhor parasita, oportunista e mau caráter, Ligúrio, o vilão Calímaco planejou como possuir sexualmente Lucrécia. Ajudado por um frade corrupto, chamado de Frei Timóteo, Calímaco ganhou a confiança de Nícia, para quem se dizia médico, e a quem convenceu que Lucrécia somente engravidaria se tomasse uma droga, conhecida como mandrágora, raiz milagrosa, de onde o título da comédia. No entanto, advertiu que o primeiro homem que tivesse relações sexuais com Lucrécia, após a ingestão da droga, morreria imediatamente. A droga, mandrágora,

Conhecida desde os tempos mais remotos (...) tem atraído a atenção dos homens por suas particularidades: a forma da raiz é alongada (...) de aspecto carnudo, branco e bifurcado, lembrando vagamente o tronco e as pernas do corpo humano. Foi o antropomorfismo da raiz que fez com que ela fosse considerada uma espécie de embrião incompleto, capaz de ganhar a vida através de práticas mágicas. Como a beladona e o meimendro, sonanáceas venenosas, a mandrágora contém alcaloides. Seu aspecto sedativo já era conhecido dos hipocráticos. No século XVIII, foi empregada como analgésico de uso externo. Usavam-na como anestesia nas operações. Atribuíam-se-lhe ainda virtudes afrodisíacas. Inscrita no catálogo das plantas medicinais, ela era tida como capaz de proporcionar alívio, curar certos males ou estimular a vitalidade[13].

Sugeriu que encontrassem alguém que se dispusesse a copular com Lucrécia (e será ele mesmo, Calímaco, disfarçado de mendigo). Convencido de que o ardil o beneficiaria, o juiz também foi ajudado pela sogra, Sóstrata. Esta última influenciou a filha a ouvir os conselhos do frade. Calímaco atingiu seu objetivo, deitou-se com Lucrécia, revelando-se, e ganhando a confiança e o amor da heroína, após ser sincero para com ela. Num contexto contemporâneo, bem nítida a ilustração relativa à violação sexual mediante fraude.

Insisto, numa percepção contemporânea, Calímaco violou sexualmente a Lucrécia mediante fraude. O caso lembra problema eventualmente relatado em jornais, relativo à ação de profissional da Medicina, que mediante fraude, viola sexualidade da paciente.

No caso urdido por Maquiavel, o ardil é ainda mais amplo, na medida em que Calímaco não era médico. No entanto, duas questões permanecem intrigando ao leitor: Maquiavel não nos diz se Lucrécia engravidara; e o que pior, a vítima consolou-se no criminoso, a ele se consorciando, pelo que o consentimento, ainda que tardio, poderia ser elemento de desqualificação ou, por outro lado, inequívoca prova (ainda que literária) de que pode haver crimes perfeitos.

A peça nos oferece expressivo material para estudo do tipo previsto no artigo 215 do Código Penal. Sugere que a metodologia possa ser utilizada na avaliação conceitual e cultural de um sem número de tipos penais. Tem-se, de tal modo, a possibilidade de se explorar a tradição literária com a finalidade de se apreender a restrição para com diversas condutas, num contexto de ampla comunicação entre os vários saberes.
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[1] A pena prevista é de reclusão, de dois a seis anos. O parágrafo único do art. 215 do Código Peal dispõe ainda que se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

[2] Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, São Paulo: RT, 2010, p. 919.

[3] Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[4] Cf. Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[5] Cf. Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[6] Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[7] Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[8] Nucci, Guilherme de Souza, cit., p. 920.

[9] Cf. Nucci, Guilherme de Souza, cit., loc.cit.

[10] Cf. Anitua, Gabriel Ignacio, História dos Pensamentos Criminológicos, Rio de Janeiro: Revan, Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 92. Tradução de Sérgio Lamarão.

[11] Maquiavel, Nicolau, A Mandrágora, São Paulo: Editora Peixoto Neto, 2004. Coleção Os Grandes Dramaturgos. Tradução de Mário da Silva.

[12] Maquiavel, Nicolau, cit., p. 36.

[13] Brunel, Pierre (org.), Dicionário de Mitos Literários, Brasília: Editora UnB, e Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1997, p. 605. Tradução de Carlos Sussekind e outros.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quintas Legais da Esma retoma suas atividades com palestra sobre violência doméstica contra a mulher

Lei Maria da Penha

A desembargadora Maria de Fátima Bezerra Cavalcanti, do Tribunal de Justiça da Paraíba, será a palestrante do Projeto Quintas Legais, no primeiro evento deste segundo semestre. A magistrada foi convidada pela Diretoria da Escola Superior da Magistratura (Esma) e vai falar sobre “ Violência doméstica e familiar contra a mulher: Histórico de sofrimento e proteção legal”. A palestra começa às 18h30, nesta quinta-feira (18), no Auditório da Esma, instalado no Complexo Judiciário, localizado no Bairro do Altiplano, em João Pessoa.

“Estou lisonjeada pelo convite do diretor da Escola, desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides. Considero o Quintas Legais uma das grandes iniciativas do desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, quando estava à frente da Esma e sei do compromisso destes magistrados no aperfeiçoamento acadêmico da classe jurídica paraibana”, comentou a desembargadora, que é a primeira mulher a compor o Pleno da Corte de Justiça paraibana. Ela integrou a primeira turma de estudantes da Escola Superior da Magistratura.

A desembargadora considera que sua palestra acontece em um momento muito oportuno, tendo em vista a assinatura do convênio firmado entre o Tribunal de Justiça e a Faculdade Facisa, para instalar a Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Campina Grande. Fátima Bezerra observou que essa conquista também vai acontecer em João Pessoa, a partir de um convênio com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), para instalação de uma unidade judiciária na Capital.

“Sou testemunha da satisfação e empenho do presidente do Tribunal, desembargador Abraham Lincoln da Cunha Ramos, que não mediu esforços para atender essa necessidade em todas as fases desse processo, até a concretização do projeto e o funcionamento das duas primeiras varas na Paraíba”, comentou a magistrada.

A desembargadora adiantou, ao referir-se ao tema da palestra, que um relatório da Subsecretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado Federal, publicado em 2005, concluiu que dentre todos os tipos de violência contra a mulher existentes no mundo aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. “O lar, identificado como local acolhedor e de conforto, passa a ser, nesses casos, um ambiente de perigo contínuo que resulta em um estado de medo e de ansiedade permanentes,” destaca.

A magistrada vai comentar a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que foi o diploma criado, de ação e de sentido afirmativos, para combater esse tipo de violência doméstica. O texto foi o resultado da atuação dos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, em especial, das reivindicações de uma biofarmacêutica, a cearense Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica.

“Com altivez, perseverança e perspicácia, essa mulher desprendeu forças pelo reconhecimento dos seus direitos de cidadã e iniciou uma campanha histórica, exigindo do Estado brasileiro proteção para todas as mulheres vítimas de violência baseada no gênero, conforme as previsões do artigo 226, § 8º, da Constituição Federal de 1988, bem como da convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a Mulher e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher e de outros tratados internacionais”, destacou.

Currículo - Nascida em João Pessoa/PB, Maria de Fátima Bezerra Cavalcanti ingressou na magistratura em 1984, como juíza da comarca de Pilões, tendo sido aprovada no 43º Concurso de Juiz de Direito em primeiro lugar. Foi juíza de Rio Tinto, Bayeux e Campina Grande. Nomeada desembargadora do TJPB em 2002, sendo a primeira mulher a integrar a Egrégia Corte de Justiça da Paraíba. A palestrante é membro da Associação Brasileira de Mulheres da Carreira Jurídica, da Academia Paraibana de Poesia e da Academia Feminina de Letras e Artes do Estado da Paraíba. A desembargadora foi vice-presidente do Tribunal de Justiça no biênio 2008/2009.

PorFernando Patriota
Fonte: TJPB

terça-feira, 16 de agosto de 2011

As Vespas, uma comédia sobre o Júri em Atenas

Embargos Culturais
Na coluna desta semana apresento a comédia As Vespas, de autoria de Aristófanes. A peça teria estreado em 422 a.C. Trata-se de uma inteligente crítica aos tribunais gregos do século V a.C. No entanto, em certo sentido, a comédia contempla uma série de problemas que são muito atuais.

Ambientando ao leitor, quanto aos tribunais atenienses, observo que réu e acusador se reuniam em local determinado, levando parentes e amigos, que atestariam as boas intenções da parte. A solidariedade jurídica elevaria o número de votos, garantindo a vitória de um dos litigantes. Na época clássica, tribunais eram centro de encontros para desempate das solidariedades religiosas e familiares sob a tutela do Estado, o que, indica o espírito democrático que animara a organização das instituições atenienses, como preocupação de se assegurar harmonicamente a soberania e os direitos do indivíduo.

Entre as várias cortes, havia o Areópago, a mais antiga, que, de acordo com a lenda, fora instituída pela deusa Atena por ocasião do julgamento de Orestes. Esse último, irmão de Ifigênia, filho de Agamêmnon e de Clitmnestra, vingou o pai, assassinando a mãe, que tinha traído Agamêmnon, entregando-se a Egisto. Para Plutarco, o Areópago fora criado por Sólon. Também havia o Tribunal dos Éfetas, criado por Drácon, dividido em câmaras especiais.

Para os fins do presente estudo, o mais importante era o Tribunal dos Heliastas, um dos principais elementos da vida ateniense, que fora criticado na comédia de Aristófanes. Anualmente, sorteavam-se seis mil jurados (dikastaí, heliastaí) entre os cidadãos inscritos, maiores de 30 anos.

Os sorteados eram designados juízes heliastas e nessa qualidade prestavam juramento (hórkos heliastikós). Eram divididos em dez seções (dikastéria) de quinhentos membros: os restantes mil jurados eram suplentes. O tribunal dos Heliastas tinha competência para acompanhar e julgar as causas em geral, de âmbito público e privado, e muitos de seus membros eram pessoas de idade, de pequena e média condição, que eram pagos para o desempenho da função.

Como o juiz recebia três óbulos por dia para participar das sessões do tribunal, a judicatura transformou-se no principal meio de vida para muitos cidadãos atenienses. É aí que se centra a comédia que vamos comentar, e que identifica o desencanto literário para com o modelo judiciário ateniense.

O enredo é resumido por Mário da Gama Kury, que traduziu a comédia do grego para o português:
“Filoclêon (que significa amigo de Clêon, orador, general, político controvertido, demagogo corrupto) é fanático pelas sessões do tribunal. Seu filho Bdeliclêon (inimigo de Cléon) tenta curá-lo de sua mania judicatória e, como último recurso, segrega-o em sua própria casa. Os componentes do coro (velhos jurados como Filoclêon) chegam em frente à sua casa, fantasiados de vespas, antes do amanhecer para levá-lo com eles ao Tribunal, e o ajudam como podem em sua tentativa de escapar da prisão domiciliar a que o filho o sujeita. Há uma escaramuça entre os jurados e os escravos de Bdeliclêon, seguindo-se uma discussão entre Filoclêon e Bdeliclêon quanto aos méritos e defeitos da instituição do júri, na qual Filoclêon a defende alegando os benefícios que obtém pessoalmente graças ao sistema. Rebatendo, Bdeliclêon demonstra que na realidade os jurados são meros instrumentos dos governantes, que desviam em benefício próprio o grosso da arrecadação destinada a alimentar o povo necessitado. O coro se deixa convencer e persuade Filoclêon a julgar somente os casos ocorrentes em seu próprio lar, começando pelo de Labes, o cão de guarda da casa, que furtou um queijo na despensa. Graças a um ardil do filho, Filoclêon é induzido sem perceber a absolver o criminoso, o primeiro réu que ele deixava em liberdade em toda sua longa vida de jurado. Bdeliclêon então resolve reeducar o pai para a vida social, e melhorar suas roupas e maneiras, passando a levá-lo a jantares. Os resultados são desastrosos, pois Filoclêon embriaga-se, insultando os demais convidados, pondo-se afinal à frente dos componentes do coro para dançar indecentemente”[1].

O debate entre pai e filho centra-se na oposição das ideias em relação ao tribunal. Para o pai, o tribunal é bom porque lhe traz vantagens pessoais. Para o filho, o tribunal é ruim porque os jurados são meros instrumentos dos governantes. De qualquer forma, tomando-se uma ou outra opinião, a conclusão é a mesma: o desencanto.

A comédia começa com um diálogo entre Sósias e Xantias, escravos de Filoclêon. Incumbidos de guardar o velho, não deixando com que ele vá para o Tribunal, os dois personagens explicam aos espectadores a doença que ataca Filoclêon.

Diz Xantias:
“Se vocês estão curiosos por saber, façam silêncio: vou dizer qual é mesmo a doença do meu senhor: é a paixão pelos tribunais. A paixão dele é julgar; ele fica desesperado se não consegue ocupar o primeiro banco dos juízes. A noite ele não goza um instante de sono. Se por acaso fecha os olhos, o próprio espírito fica olhando para a clepsidra. A paixão dele pelo voto no tribunal é tão grande que faz ele acordar apertando três de seus dedos, como se oferecesse incenso aos deuses, em dia de lua nova. (...) Logo depois do jantar ele pedia as sandálias, corria para o tribunal em plena noite e adormecia lá, colado a uma coluna como uma ostra à concha. (...) Com receio de não ter a pedrinha para o voto, ele tinha no jardim de sua casa um canteiro de pedrinhas, que renovava sem parar. Este era a sua loucura”[2]

O texto traz um personagem de comportamento patológico. Sua obsessão com o tribunal, com o poder de julgar, sugere algo não revelado. Sutilmente, Aristófanes nos questiona acerca dos motivos determinantes que levam o julgador à corte. Na visão do teatrólogo grego, certamente não é o amor à justiça... Mais a frente, Filoclêon exige que possa sair:
“Que é que vocês estão querendo fazer? Vocês não vão mesmo me deixar julgar? Dracontidas vai ser absolvido!”[3]

Fica claro que, mesmo sem ouvir as partes, Filoclêon já pensara em condenar o réu. Filoclêon tinha ganas de condenar, sempre. E diz logo em seguida:
“O deus de Delfos me respondeu um dia que eu morreria no momento em que um acusado escapasse de minhas mãos.”[4]

Aristófanes nos indica que seu personagem julgador nada julgava. Ele apenas condenava. E as condenações indicam certo prazer, sem o qual Filoclêon não poderia viver. Discutindo com o filho, que queria prendê-lo em casa, mais uma vez Filoclêon manifesta seus desvios patológicos:
“Sou mesmo um infeliz! Se eu pudesse matar você! ... Mas, com quê? Depressa! Uma espada ou uma sentença condenatória!”[5]

O conceito que Filoclêon fazia da justiça é diverso do externado pelos filósofos clássicos, exceto pelos cínicos, embora a visão do personagem de Aristófanes seja ainda mais pessimista. Se para um pensamento mais rebelde a justiça poderia ser a lei do mais forte, para Filoclêon a justiça era palco para seu prazer ou para suas arengas pessoais. Quanto a esse último aspecto, Filoclêon desafia seu filho: “Se vocês ao me deixarem em paz, vamos brigar na justiça.”[6] O filho responde ao pai, e a resposta denota pouquíssimo respeito: “Você é um trambiqueiro sem vergonha e atrevido, mas pouco inteligente.”[7] Porém, centrando seus valores no critério dinheiro, responde Filoclêon:
“Trambiqueiro, eu? De jeito nenhum! Você não me dá agora o valor que eu tenho; só vai dar quando provar o gosto delicioso da herança de um velho juiz.”[8]

Todos os outros juízes, travestidos de vespas (que têm embaixo da barriga um ferrão penetrante e picam todo mundo com ele) vão até a casa de Filoclêon, para convocá-lo para mais uma sessão do tribunal. Com a chegada das vespas, em passagem muito substancial, diz o escravo guardião da casa:
“Não se preocupe; com apenas algumas pedras vou obrigar todo esse enxame de juízes a debandar.”[9]

Comparar juízes a um enxame de vespas é atitude que indica destemor e até certo atrevimento por parte de Aristófanes, que continua a comédia, com o coro dos juízes-vespas, que se incitam para o julgamento. Dizem as vespas:
“Hoje é o julgamento de Laques. Todos dizem que seu cofre ficou recheado de dinheiro. É por isso que ontem Clêon, nosso sustentáculo, nos disse para irmos cedo, com raiva para três dias, para punir um malandro pela roubalheira dele.”[10]

A “raiva de três dias” e a predisposição para condenar são evidentes. Essa evidência é potencializada quando os juízes-vespas, falando em direção à casa, dirigem-se para Filoclêon:
“Vamos, caro amigo! Levante-se! Não se deixe devorar assim pelo ressentimento! Hoje temos que julgar um desses ricaços que entregaram a Trácia. Vamos mandá-lo ao suplício!”[11]

Filoclêon tenta explicar por que não consegue sair de casa:
“Meus amigos! Estou secando de impaciência depois de ouvir vocês dessa janela, mas não posso ir cantar com vocês. Que é que vou fazer? A minha gente toma conta de mim porque estou pegando fogo para ir com vocês, juntar nossas urnas e pronunciar alguma sentença condenatória.”[12]

Que diferença, por exemplo, entre Filoclêon (que só pensava em condenar) e a prosaica figura do chamado bom juiz Magnaud, capitão da jurisprudência sentimental, julgador de primeira instância na França, no início do século XX, que nas palavras de Carlos Maximiliano:
“Imbuído de ideias humanitárias avançadas, o magistrado francês redigiu sentenças em estilo escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes comuns. Mostrava-se clemente e atencioso para com os fracos e humildes, enérgico e severo para com os opulentos e poderosos. (...) Na esfera criminal e correcional, e em parte na civil, sobressaiu o bom juiz, com exculpar os pequenos furtos, amparar a mulher o os menores, profligar erros administrativos, atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado.”[13]

Filoclêon é a antítese do bom juiz Magnaud, e ambos se afastam de um modelo imaginário e desejável de juiz. Voltando ao texto de Aristófanes, Filoclêon que fugir, quer ir para o tribunal:
“Que meio? Procurem! Faço qualquer negócio, tão grande é o meu desejo de percorrer os bancos do tribunal para dar meu voto.”[14]

Os juízes continuam tentando ajudá-lo e Filoclêon, em desespero, faz importante observação acerca de seu destino:
“Está bem, assim seja! Estou nas mãos de vocês. Se me acontecer alguma desgraça, lembrem-se de me enterrar por baixo do tribunal depois de me terem banhado com suas lágrimas.”[15]

Externando seu lado corrupto, Filoclêon pede ajuda de réus que deverá julgar. Assim:
“Vocês, Smicítion, Tisiades, Crêmon, Feredipno, todos que têm processos durante este ano, não vêm me socorrer? Quando, afinal, vocês me ajudarão, se não for agora, antes de eu ser trancado outra vez?”[16]

As vespas-juízes, já no tribunal, mandam meninos tentar convencer Bdeliclêon a libertar o pai, mandam também recados para Filoclêon:
“Digam a ele para vir combater um inimigo do governo, merecedor sem dúvida alguma da morte, pois ele se atreve a pretender que não deve haver processos nem julgamentos!”[17]

Aristófanes traz personagens que identificam um total de descrédito do comediógrafo para com as coisas, fatos e temas da justiça, traduzindo desencanto entre Literatura e Direito. Aristófanes nos dá conta de juízes vingativos. Por exemplo, assim se dirigem aos escravos que prendiam Filoclêon:
“Vocês não tardarão a receber o castigo merecido; os três vão aprender a conhecer os homens de caráter rancoroso, justo e sereno.”[18]

Os juízes ameaçam o filho de Filoclêon:
“Muito bem; você ainda não está no jardim e nem saiu da rua, como diz o provérbio. O que você sofre hoje não é nada; você vai ver quando o promotor denunciar os seus crimes e intimar os seus cúmplices na conspiração.”[19]

Interessante a tradução, no uso da expressão “promotor”. Em Atenas, não havia Ministério Público [20]. Qualquer um poderia denunciar (eisangenlía). Daí a proliferação de acusadores e denunciantes, os sicofantas. Esses objetivavam os cidadãos ricos e a fúria acusadora só era refreada pelo temor das multas, decorrentes das denúncias infundadas. Aristóteles via nos sicofantas bajuladores danosos e vis. Filoclêon insiste com o filho. Quer continuar julgando:
“Você bem merece; por mim, prefiro a vida que você quer que eu abandone, em vez da maior prosperidade. Um processinho recheado é um prato que me agradaria muito mais.”[21]

O filho tenta chamar o pai para a realidade. E a rudeza de Aristófanes é impressionante. Diz Bdeliclêon:
“Você não percebe que é um joguete desses homens que você reverencia como se estivesse num culto? Você é um escravo e não percebe.”[22]

Filoclêon insiste, ainda com mais veemência:
“Que criatura é mais feliz, mais afortunada do que um juiz? Que vida é mais gostosa do que a dele? Que animal é mais temível, principalmente na velhice?”[23]

Filoclêon está seguro do seu múnus. Diz:
“E este salário me seve de proteção contra todos os males, e de armadura contra todos os projéteis; (...) Isto não é uma verdadeira soberania, igual à de Zeus? Falam de nós como do próprio Zeus. Se fazemos barulho em nosso tribunal, todos os parentes gritam: ‘Ah! Zeus! Que tempestade desaba sobre o tribunal!’”[24]

Bdeliclêon afirma que o pai é, na verdade, um servo do Estado, que ganha pouco, mas que tem a impressão de ter muito poder. Para Bdeliclêon, o pai não tem poder nenhum; apenas vive dos restos, das sobras dos advogados nas negociatas:
“Então ouça: você poderia ser tão rico quanto todos os outros colegas seus; mas esses eternos aduladores do povo lhe tiram os meios. Você reina sobre uma porção de cidades, desde o Mar Negro até a Sardenha, e sua única satisfação é esse salário miserável; e eles ainda não lhe pagam avarentamente e gota a gota, como o óleo na mecha de um lampião; na realidade eles querem que você seja pobre, e vou lhe dizer a razão disto: é porque você conhece a mão que te alimenta, e ao menor sinal você se lança sobre o inimigo que ela escolhe para ser atacado por você.”[25]

Finalmente, filho e pai chegam a um acordo. Bdeliclêon deixará o pai em casa, julgando os escravos. Diz:
“Está bem! Está bem! Se você gosta tanto de ser juiz, não é necessário sair de casa para isto; fique aqui e julgue seus escravos.” [26]

E continua:
“Você vai fazer tudo como no tribunal. Se sua escrava abrir a porta da despensa sem você ver, você aplicará a ela uma simples multa, como você faria no tribunal. Tudo se passará na ordem conveniente; se o sol estiver de fora desde cedo, você julgará em pleno sol; se estiver chovendo ou nevando, você instruirá o processo em frente à sua lareira; se por acaso você se levantar ao meio-dia, não precisa ter receios de ser excluído pelo juiz-presidente.”[27]

Também, os poderes de Filoclêon seriam aumentados:
“Além disto, se o advogado estiver falando demais e você sentir fome, você não terá de sofrer por isto; vingue-se do advogado.”[28]

O advogado era uma figura interessante no mundo ático. Os litigantes usavam a palavra e aqueles que não confiavam em seus talentos oratórios valiam-se da redação de profissionais (logógrafos) que preparavam os discursos. Os logógrafos recebiam por suas peças. Havia também o socorro da redação de amigos (synégoros). Réu e autor podiam pedir ao tribunal que os ajudassem na escolha de amigos com mais facilidade de expressão. A autorização era raramente recusada, exigindo-se apenas, no caso do advogado amigo, que ele não cobrasse pelos serviços.

É o caso da famosa defesa feita por Demóstenes, em prol de Ctesifonte, que propusera ao conselho uma moção em favor de uma coroa de ouro para Demóstenes. Ctesifonte foi processado por Ésquines, e Demóstenes teve de defendê-lo. A defesa de Demóstenes torna-se sua própria defesa.

Voltando ao texto, Filoclêon está preocupado com seus rendimentos:
“Você me leva a tomar uma decisão, mas ainda não disse quem vai me pagar o meu salário de juiz.”[29]

Filoclêon julgará um cachorro acusado de roubar pedaço de queijo. O cachorro foi absolvido... É que Filoclêon estava indisposto, nem ele mesmo acreditava na absolvição, dizendo: “Me diga: ele foi mesmo absolvido?”[30]

Ele não aceitou o que fez. Perguntava:
“Como vou suportar a ideia de ter absolvido um acusado? Que será de mim? Deuses veneráveis! Me perdoem! Fiz isso tudo sem querer; este não é o meu hábito”.[31]

Com o tempo, Filoclêon perdeu o gosto pelo tribunal. Embriagado, insultou um juiz num banquete. A resposta veio em forma de bravata. Disse o convidado:
“Você pode ter certeza de que amanhã pagará por tudo isso que está fazendo, abusando desta falta de vergonha de mocinho pretensioso. Viremos todos nós, os juízes, intimar você a comparecer no tribunal!”[32]

A resposta de Filoclêon demonstrava um novo homem:
“Essa não! Me intimar! Isto é velhacaria! Vocês sabem que já não posso nem ouvir a palavra ‘processo’? Não! Não! Agora tenho outros passatempos; joguem fora as urnas! Afinal, vocês irão embora? Onde está o juiz? Que ele vá se enforcar!”[33]

Aristófanes satirizou os tribunais do júri em Atenas, imaginando a figura de um velho que fazia as vezes de juiz e que, trancado por seu filho, porque chamado a participar do tribunal pelos outros juízes, simbolicamente equiparados às vespas. As falas indicam uma visão cética e irreverente para com o mundo do Direito. A comédia de Aristófanes ganha foros de universalidade ao traduzir um sentimento comum, de desconforto, para com certos aspectos da vida dos tribunais. Atual.


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[1] Kury, Mário da Gama. Introdução em As vespas, de Aristófanes. p. 7 – 8.

[2] Aristófanes, cit. p. 20.

[3] Aristófanes, cit., loc. cit.

[4] Aristófanes, cit., loc. cit.

[5] Aristófanes, cit. p. 23.

[6] Aristófanes, cit., loc. cit.

[7] Aristófanes, cit., loc. cit.

[8] Aristófanes, cit. , loc. cit.

[9] Aristófanes, cit. p. 25.

[10] Aristófanes, cit., loc. cit.

[11] Aristófanes, cit. p. 27.

[12] Aristófanes, cit. pp. 28-29.

[13] Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 95.

[14] Aristófanes, cit. p. 30.

[15] Aristófanes, cit. p. 31.

[16] Aristófanes, cit. p. 33.

[17] Aristófanes, cit. p, loc. cit.

[18] Aristófanes, cit. p. 35.

[19] Aristófanes, cit. p. 37.

[20] Croiset, Maurice, La Civilisation de la Grèce Antique, p. 129.

[21] Aristófanes, cit. p.

[22] Aristófanes, cit. p. 38.

[23] Aristófanes, cit. p. 40.

[24] Aristófanes, cit. p. 45.

[25] Aristófanes, cit. p. 45.

[26] Aristófanes, cit. p. 48.

[27] Aristófanes, cit., loc. cit.

[28] Aristófanes, cit. p. 48.

[29] Aristófanes, cit., loc. cit.

[30] Aristófanes, cit. p. 63.

[31] Aristófanes, cit., loc. cit.

[32] Aristófanes, cit. p. 76.

[33] Aristófanes, cit., loc. cit.

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Fonte: ConJur