sexta-feira, 29 de julho de 2011

São válidas audiências simultâneas em locais distintos quando não há prejuízo para a defesa

Sem prejuízo
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a validade de audiências para oitiva de testemunhas marcadas para o mesmo dia e horário, mas em comarcas distintas. Por maioria de votos, os ministros entenderam que não houve prejuízo para a defesa e, por isso, negaram o pedido – feito em habeas corpus – para que uma das audiências fosse declarada nula.

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do caso, afirmou que o processo penal deve ser conduzido de forma a garantir o mais amplo direito de defesa. Contudo, ele defende que o processo não pode ser usado como mero artifício ou manobra de defesa para impedir a atuação jurisdicional.

A decisão ocorreu no julgamento de habeas corpus impetrado pela defesa de um homem denunciado por latrocínio. Segundo o processo, em novembro de 2007, ele teria assassinado outro homem na zona rural de Itambé (PE), após roubar da vítima R$ 60 mil em espécie, dinheiro da venda de imóvel celebrada com o próprio acusado.

Duas audiências para depoimento de testemunhas foram marcadas para 8 de fevereiro de 2010, às 14h30. Porém, uma era em João Pessoa (PB) e a outra na comarca de Ferreiros (PE). O único advogado do acusado alegou cerceamento de defesa, argumentando que só ele era capaz de avaliar o prejuízo sofrido pelo seu cliente.

O relator afirmou que as audiências deveriam ter sido marcadas em dias diferentes para permitir o comparecimento do advogado. “Ocorre que, no caso, o ato já foi praticado e, nesse contexto, é indispensável verificar se a sua realização, como foi, causou efetivo prejuízo ao réu”, ponderou.

O ministro verificou no processo que, na audiência realizada sem a participação do advogado de defesa, a testemunha não prestou nenhuma informação sobre a autoria do crime. Ela não conhecia a vítima nem o acusado, e foi ouvida apenas por ter encontrado o corpo.

O relator aplicou o artigo 563 do Código de Processo Penal, que determina que não deve ser declarada nulidade de ato processual quando não resultar prejuízo comprovado para a parte que a alega. Já a Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal estabelece que, no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas que o ato só será anulado se houver prova de prejuízo para o réu.

O caso tinha algumas particularidades que também foram consideradas. O advogado do acusado foi informado sobre as datas e horários das audiências com três dias de antecedência, tempo considerado suficiente para requerer adiamento, o que não foi feito.

Além disso, devido ao expediente da comarca de Ferreiros ser pela manhã, a segunda audiência acabou sendo realizada no dia seguinte, às 9h30. Os magistrados consideraram que as cidades são próximas, de forma que o advogado poderia ter comparecido às duas audiências.

Fonte: STJ

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Princípio da insignificância é um tema em construção

Direito de Defesa
O principio da insignificância tem frequentado as pautas dos tribunais com alguma regularidade. Criação doutrinária consolidada pela adesão jurisprudencial, o princípio afasta a relevância penal de comportamentos que, embora sejam adequados à descrição típica, não afetam significativamente o bem jurídico protegido pela norma. É o caso do pequeno furto, do pequeno estelionato, em que a conduta é exatamente aquela descrita na norma penal, mas a insignificância do dano, associada a outros critérios, impede sua caracterização como crime.

O principio da insignificância, ou da bagatela, não está previsto em lei, e a jurisprudência tardou em reconhecer sua legitimidade como critério de interpretação.

A primeira decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema — disponível na jurisprudência digitalizada — foi exarada em 1988, no Recurso em Habeas Corpus 66.869/PR, onde o relator, ministro Aldir Passarinho, afastou a tipicidade de lesões corporais em acidente de trânsito pela pequena afetação do bem jurídico.

Dez anos depois, o STF voltou a aplicar o principio da insignificância em crime contra a administração pública (HC 77.003-4). Naquela ocasião, o Ministro Marco Aurélio reconheceu a insignificância da contratação de servidor sem concurso público por curto período de tempo

Interessante notar que as primeiras decisões sobre insignificância reconheceram sua aplicação em âmbitos que mais tarde seriam rechaçados pelo próprio STF: em casos de violência (ainda que culposa) e em crimes contra a administração pública.

Em 2002 — 14 anos depois do primeiro julgado — o STF ainda reconhecia a dificuldade para adoção da ideia da atipicidade por insignificância diante da inexistência de pronunciamento legislativo sobre o tema. Nos autos do Habeas Corpus 81.734-3/PR nota-se o seguinte trecho do parecer ministerial acolhido à época pelo relator no STF: “Malgrado tenha-se de reconhecer a existência de jurisprudência abordando o tema posiciona-se o MPF no sentido de que a questão relacionada à insignificância — ou não — de determinados delitos ainda pende de decisão normativa que a legitime. Daí afirmar-se que o principio da insignificância não apresenta uma metodologia própria, deixando, por isso, de fornecer um critério positivado no sentido de definir o que seja insignificância para o legislador”. Ainda que o julgado tenha tratado da aplicação do princípio em situação específica – posse de entorpecente em unidade militar – nota-se pela fundamentação que a Corte afastou a insignificância não apenas pelo comportamento, mas pela falta de precisão do principio e da ausência de definição legislativa sobre o tema. No entanto, por ocasião do julgamento mencionado, o ministro Sepúlveda Pertence já apontava alguma divergência com tal posição, e deixou consignada sua reserva com a declaração da inexistência da insignificância no direito brasileiro.

Em 2004 o STF reconhece a insignificância em crime de furto. O voto do ministro Marco Aurélio — acompanhado por todos os demais integrantes da 2ª Turma à época — discorreu sobre as lições doutrinárias do direito penal mínimo, a razoabilidade, e trouxe precedentes do STJ para afastar a tipicidade do furto de R$25. Nesse julgado (HC 84.412-0/SP, j.19.10.04) o STF expõe os critérios para a verificação da bagatela: (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação, (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

A partir de então, o STF — na esteira de precedentes de outros Tribunais — passou a aplicar a insignificância aos crimes patrimoniais e outros similares com base nos parâmetros fixados. Nota-se que são critérios pouco precisos, vagos, abrangentes, que buscam abrigar toda uma gama de casos concretos heterogêneos seja quanto ao bem protegido, seja quanto ao modo de agir. A ausência de parâmetros mais definidos resultou na aplicação díspar do principio, que ora se alarga, ora se comprime, em uma seqüência aleatória de decisões que reflete a dificuldade de trabalhar com um instituto ainda em construção.

Uma breve análise da jurisprudência sobre o tema revela a falta de consenso sobre inúmeras questões. No campo dos crimes contra a administração pública, por exemplo, há decisões que afastam o reconhecimento da insignificância e outras que o admitem expressamente. Por exemplo: a aplicação do princípio em crimes contra a fé pública. Há julgados que afastam a bagatela em qualquer hipótese se o delito for de falsificação de moeda, diante da periculosidade sistêmica do comportamento (STF, HC 93.251). Outros admitem a insignificância na falsidade diante de algumas circunstâncias (STF, HC 83.526). Também se discute a possibilidade de aplicação da insignificância a casos com violência ou ameaça: a maioria dos julgados reconhece a tipicidade mesmo se constatado o pequeno valor do bem lesionado (STF, HC 97.190), no entanto o próprio STF já aplicou a insignificância a crime de lesões corporais dolosas, divergindo da tendência apontada (STF, HC 95.445).

Ainda se nota controvérsia sobre a verificação da bagatela em casos de crimes praticados em concurso de agentes (possibilidade no HC 185.027 no STJ X contra HC 178.552 no STJ), nos casos em que o réu é reincidente ou apresenta maus antecedentes (favoravel HC 185.027 STJ x contra HC 96.202 no STF), ou nos crimes praticados contra a administração pública.

Assim, as bases sobre as quais se construiu e se aplica a jurisprudência da insignificância não são precisas, e os precedentes não raro conflitam entre si em diversos aspectos, como assinalado. Mas isso não impediu a adoção do principio em âmbitos cada vez mais abrangentes e diversos. Do estreito campo dos crimes patrimoniais, o principio passou a ser admitido para crimes ambientais (STJ HC 35.203), contra direitos trabalhistas (STJ HC 107.572), telecomunicações (STF HC 104.530), dentre outros delitos nos quais a magnitude da lesão pode ser aferida como elemento de materialidade típica.

Por fim, há a conturbada fixação do valor da insignificância. Há decisões que negam o principio mesmo diante de pequenos valores e outras que o reconhecem em quantias significativas, como nos crimes fiscais onde a irrelevância da lesão pode chegar até 10 mil reais — valor apontado na Lei 10.522/2002, artigo 20) para suspensão da execução fiscal. Mas essa dicotomia será objeto de outras reflexões, em outras oportunidades.

O que importa destacar, aqui, é que as controvérsias e contradições revelam que o principio da insignificância ainda é um tema em construção. São naturais – dado o pouco tempo que os tribunais usam o principio – as dificuldades na aplicação de um principio que ocupa cada vez mais espaço na jurisprudência, mas ainda é pouco levado em consideração nos bancos das academias.

Por Por Pierpaolo Cruz Bottini
Fonte: ConJur

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Aula de um desembargador ...

Sábia decisão
Juiz nega Justiça Gratuita para garoto, mas desembargador reverte a decisão

É simplesmente emocionante a decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça e São Paulo. Um garoto pobre, que perdeu o pai em um acidente de trânsito pediu ajuda da Justiça Gratuita, mas um juiz negou. A negativa por si só já comove, principalmente pela falta de humanidade. Só que, a decisão de um desembargador é ainda muito mais emocionante

Decisão do desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.

Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por "advogado particular".

A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.

Transcrevo a íntegra do voto:
“É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.

Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.

Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.


O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.


Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.

Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.

Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...

Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.

Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal. É como marceneiro que voto. JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - Relator Sorteado”

Colaboração do Des. Tota Franca
Fonte: Blog do Rodrigo Nóbrega

quinta-feira, 21 de julho de 2011

É preciso impor limites para a subida dos processos

Nova Justiça
Que o Poder Judiciário brasileiro está atolado em processos, não é nenhuma novidade. Mas isso não é uma jabuticaba. Diversos outros países enfrentam problemas semelhantes. Exemplo crítico é a Índia, comumente agrupada ao Brasil em análises econômicas como membro do BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China.

Segundo estudo elaborado por Amanda Dudenhoeffer, aluna da FGV Direito Rio e que integra a equipe de pesquisadores do Supremo em Número, para dar conta do estoque de cerca de 45 mil casos acumulados, os ministros da Suprema Corte indiana precisariam de 320 anos de julgamentos sem receber novos processos. Apesar de impressionante, esse número é pouco mais de metade da quantidade de processos acumulados em nosso STF: aproximadamente 83 mil.

Com seis vezes mais habitantes que o Brasil (1,2 bilhão contra 200 milhões), o acúmulo de processos na Suprema Corte indiana pode ser considerado “pequeno”, ao menos em termos relativos quando comparado ao brasileiro. Mas isso demonstra que a Índia tem um sistema judicial mais eficiente que o nosso? E por quê?

Antes de responder a essas duas questões, é preciso notar que apesar de, em termos populacionais, a Índia ser muito diferente do Brasil, sua estrutura judiciária guarda fortes semelhanças à nossa, ao menos no que toca à Suprema Corte. Assim como aqui, lá a corte constitucional também tem competência para controle concentrado e difuso. Ou seja, julga processos de interesse geral e processos de interesse particular incluindo todas as matérias de direito. Tal qual no Brasil — conforme demonstraremos no II Relatório Supremo em Números, existem muitas decisões relacionadas a peculiaridades regionais que terminam por desaguar na Corte Suprema.

Mas as semelhanças param por aí.

Entre os dois países existem profundas diferenças. Com relação ao número de casos novos recebidos para julgamento por ano, a Suprema Corte da Índia contou “apenas” pouco menos de 7 mil em 2007, enquanto nosso STF recebe mais de 30 mil.

Diversos fatores — sociais, culturais, econômicos — influenciam para que a Suprema Corte indiana, que atende uma população seis vezes maior que a brasileira, receba menos de 25% dos processos do STF. Mas um dado específico chama a atenção: a quantidade de magistrados por habitante. Enquanto “países desenvolvidos” têm mais de 100 magistrados para cada milhão de habitantes, a Índia tem apenas 13,5. O Brasil está na média internacional, com 80. Neste quesito o Brasil está, inegavelmente, em vantagem com relação à Índia.

O aumento da oferta jurisdicional, especialmente nas instâncias inferiores, como já vimos ocorrer no Brasil, por vezes, ao invés de reduzir os processos no STF, terminam por produzir o efeito inverso. Trata-se da chamada “demanda reprimida”. Já vimos isso acontecer com os Juizados Especiais, por exemplo, que terminaram por gerar aumento da demanda no Supremo.

Mas outro dado conexo ao número de magistrados por habitante também merece nota: segundo a experiência indiana, o incremento no número de ministros da Corte Constitucional não resultou em redução no número de processos em estoque. A Suprema Corte indiana passou gradativamente de uma composição de 7 para 29 ministros, e seu acúmulo de processos não foi reduzido.

Os dados comparativos entre Brasil e Índia demonstram a existência de uma relação curiosa entre magistrados e habitantes: por um lado, o número muito baixo de juízes nas instâncias inferiores pode resultar em um artificial número baixo de processos na Corte Suprema, como ocorre na Índia. Por outro, o aumento no número de ministros na Suprema Corte, isoladamente, não parece ser capaz de sanar o problema gerado por uma entrada de processos maior do que a saída.

Pode-se, portanto, mapear algumas premissas e uma conclusão:
(i) se o Brasil ainda precisa aumentar em 25% o número de magistrados para chegar à proporção ideal de 100 juízes para cada 1 milhão de habitantes, atendendo assim à demanda social por justiça;

(ii) se, como demonstra a Índia e outros casos brasileiros, isso impactará no número de casos que chegam até a Suprema Corte;

(iii) se o aumento de ministros nas Cortes não impacta na redução de casos aguardando julgamento, também como vimos de dados indianos, não trazendo mais celeridade ao sistema;

Então, pode-se concluir que a solução para sociedades complexas e de grande população, como a indiana e a brasileira, passa por modificações na lógica judicial, e não apenas por reformas pontuais. Em ambos os casos, tanto no Brasil como, especialmente, na Índia, é preciso alargar a base da pirâmide judicial, o primeiro atendimento, o judiciário de instâncias inferiores, garantindo oferta. Mas é preciso também, em paralelo, impor alguns limites até onde as discussões podem ser levadas, sob pena de se sobrecarregar o topo da pirâmide. Sobrecarga esta que não parece sanável nem mesmo com a multiplicação no número de ministros.

Por Pablo Cerdeira
Fonte: ConJur

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Para especialistas, nova lei de prisões cautelares é positiva, mas impõe desafios de fiscalização

Avanço e adequação à Constituição
A prisão cautelar pode dar uma aparência de que a justiça foi feita – e de forma rápida. Mas, por vezes, acaba sendo um instrumento de ilegalidade. Há vários exemplos de como podem ser graves as consequências de uma prisão indevida.

Nos Estados Unidos, recentemente, um caso envolveu o então chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. Ele era um dos favoritos à Presidência da França até ser preso ao embarcar em um voo, acusado de crime sexual. A versão da suposta vítima foi desmentida, diante de diversas contradições e um histórico de mentiras por parte da camareira que o acusava. O caso perdeu força e pode nem ser levado a julgamento, diante das restrições impostas pela legislação do país. Mas as investigações continuam.

Outro caso histórico de “condenação” antecipada, no Brasil, é o da Escola Base. Em 1994, os donos da escola infantil foram presos acusados indevidamente de crimes sexuais contra os alunos. A escola foi depredada e saqueada, e os acusados amplamente expostos pelas autoridades e pela imprensa. A investigação foi arquivada por falta de indícios mínimos de prova. Aos investigados, restou buscar alguma compensação cível pelos danos.

Uma história peculiarmente similar é retratada no filme “Acusação” (Indictment: The McMartin Trial, 1995). A película conta o caso real de uma família, também proprietária de uma pré-escola, acusada de abusar de quase 50 crianças, ocorrido no início dos anos 80. Um dos réus chegou a ficar preso por cinco anos; nenhum deles foi condenado depois dos quase sete anos de duração dos diversos processos iniciados com base nas denúncias. Em 2005, um dos alunos, já adulto, desmentiu as acusações.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DoJ) investe na pesquisa do assunto. Em documento de março deste ano, que levanta o “estado da arte” da pesquisa sobre a lá chamada justiça pré-julgamento, o DoJ classifica a decisão de manter ou não o acusado preso como uma das mais importantes até a sentença. “Acertar ao tomá-la é criticamente importante tanto para o acusado quanto para a comunidade em geral. O desenvolvimento da justiça pré-julgamento é uma história de debates filosóficos, desafios práticos, ampliação de pesquisas e evolução de padrões”, registra o documento.

As situações indicam como uma versão preliminar dos fatos pode ser alterada com o desenrolar das investigações, o risco de uma eventual prisão indevida e as complicações ao redor do tema. A prisão de um réu nessa situação, antes de ser submetido ao contraditório, sem o confronto de argumentos e provas da defesa, é justa? Ou, até mesmo, necessária? O tema é atual e polêmico, e a nova legislação brasileira que entrou em vigor neste mês reacende a discussão no país.

As novas regras de prisão cautelar foram recebidas por parte da mídia com terror. Dezenas de milhares de presos perigosos seriam postos, do dia para a noite, em liberdade, colocando em risco as pessoas de bem. Será que há tal risco? Ou a lei é positiva? Para esclarecer o assunto, o STJ ouviu especialistas em Direito Penal e criminologia sobre a nova Lei de Prisões Cautelares, como vem sendo conhecida a Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal (CPP). As alterações estão bem claras no quadro comparativo entre as duas redações do CPP elaborado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Elogios
A possibilidade de aplicação de medidas alternativas à prisão antes da condenação é vista de forma positiva por todos os especialistas ouvidos. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, as medidas são polêmicas, mas necessárias. “As modificações são bem-vindas e eram necessárias. O aumento do leque de medidas cautelares possíveis é positivo. Antes, o juiz se via numa sinuca: ou decretava a prisão provisória ou preventiva, ou deixava o réu solto. Agora, ele pode não aplicar a prisão provisória ou preventiva e também não deixar o réu sem qualquer medida penal”, afirma.

A pesquisadora do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim), vinculado à Universidade de Brasília, e professora de Direito Penal e Processual Penal Carolina Costa Ferreira, aponta que a lei resolve uma contradição. Antes, era comum manter réus presos cautelarmente por tempo superior ao da condenação final. “Muitas vezes havia a prisão provisória por dois, três anos, e a sentença condenatória vinha para um ano e dois meses convertendo em pena alternativa. Ou seja, aquela pessoa não precisava estar ali. Enquanto ela passou dois, três anos, na prisão, aprendeu outras formas de delinquir muito piores”, observa.

A opinião é reforçada também pelo juiz paulista Guilherme de Souza Nucci, que atua como desembargador no TJSP: “Medidas céleres colaboram com a Justiça célere, algo que toda a sociedade deseja. Sejam gravosas ou não, o ponto fundamental é que tenham efetividade. As modificações são positivas. Conferem maior flexibilidade para a atuação do magistrado, possibilitando a aplicação de várias medidas alternativas, evitando-se a inserção do acusado no cárcere.” Para ele, um dos destaques é a recomposição do valor da fiança, que a torna efetivamente aplicável.

O procurador regional da República Wellington Cabral Saraiva, indicado pela Procuradoria Geral da República (PGR) para representar o Ministério Público da União (MPU) no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também concorda com os aspectos positivos da lei, como a maior flexibilidade dada ao juiz.

Mas ele ressalva que há riscos concretos de manter em liberdade acusados que, em sua opinião, deveriam aguardar presos. “Alguns acusados de crimes importantes, como receptação e formação de quadrilha, não poderão ser, em princípio, presos, porque a pena máxima não permite a prisão. A percepção de ineficiência do sistema judiciário pela sociedade pode aumentar”, afirmou.

Fiscalização
Para o procurador, a lei falha ao não dar condições de fiscalização das medidas alternativas. “A estrutura de fiscalização é inexistente. A proibição de frequência a determinados lugares, por exemplo, pode ser inócua”, alerta. “O Estado brasileiro não tem condições de fiscalizar o cumprimento de algumas dessas medidas”, completa. Para ele, deveria ter havido um prazo maior para sua entrada em vigor, entre um e dois anos, permitindo ao Judiciário se organizar administrativamente para observar o cumprimento das medidas.

Mas Saraiva pondera que as prisões podem ser também um problema. “As deficiências das prisões são um dos defeitos mais graves do nosso sistema criminal. As prisões são em número insuficiente e alguns estabelecimentos prisionais são absolutamente desumanos e indignos. Essas prisões se tornam fatores criminógenos. O que se deveria fazer é investir em dar ocupação e formação aos presos, para evitar a reincidência”, afirma.

A falta de fiscalização também é o maior risco da lei na opinião do ministro Dipp: “Duvido muito que no Brasil, com as carências que temos de magistrados, do Ministério Público (MP), de servidores do Judiciário, de polícia – que já não cumpre nem seu papel primordial e ainda vai ter que fiscalizar uma série de outras medidas –, a lei será bem cumprida.” Segundo ele, “não adianta ter medidas boas, modernas, protetivas dos direitos fundamentais, se não houver uma efetiva fiscalização da aplicação dessas medidas”.

“Essas medidas precisam de um mínimo de fiscalização”, completa. “Quem é que vai fiscalizar adequadamente, nessa imensidão do Brasil, se alguém que teve como medida cautelar a imposição de se recolher em período noturno, ou se aproximar de uma determinada pessoa, está cumprindo a medida?”, questiona o ministro.

Para Carolina Ferreira, que também é coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência da República, o Executivo terá disposição e condição de aplicar as medidas previstas. “A política de segurança pública está voltada para a política de segurança cidadã. A política de evitar, cada vez mais, a prisão como forma de retribuição é complementar dessa política de segurança pública”, explica. “Quase todos os países um pouco mais desenvolvidos ou países que querem solucionar o problema da violência têm incluído mais medidas ‘desencarceradoras’ em seu ordenamento”, acrescenta.

“A intenção é essa: incluir cada vez mais medidas de política criminal que diminuam o acesso à prisão, mas não necessariamente diminuam o controle penal. Elas requerem o controle da polícia, controle do próprio Judiciário, no comparecimento diário, no monitoramento eletrônico. Há uma série de medidas que, na verdade, não colocam todo mundo em liberdade e sim aumentam o controle penal, mas pensando na prisão de fato como última possibilidade”, avalia a mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

Curiosamente, Nucci, que é um conhecido crítico da função inócua de algumas medidas alternativas como forma de condenação, após o processo, não vê a mesma inutilidade em seu uso cautelar. “Como pena definitiva, acho, de fato, uma inócua sanção a proibição de frequentar lugares. Porém, como singela medida cautelar, pode ser útil, afinal, o réu fará tudo para cumpri-la, evitando ser preso”, afirma o doutrinador. “Lembremos que o temor do cárcere é muito maior no espírito do acusado do que no condenado. Um tem a esperança de ser absolvido; o outro já está condenado”, sustenta.

“Quanto às novas medidas, somente o tempo dirá se elas serão eficientes. O ponto relevante é o Executivo proporcionar os meios cabíveis para executar as medidas alternativas, como o monitoramento eletrônico. Sem recursos financeiros, nada será eficaz”, acredita o magistrado paulista.

Credibilidade do sistema judicial
O fato de a lei ser mais branda em relação ao acusado pode favorecer a idéia de que “a polícia prende e a Justiça solta” e afetar a credibilidade do sistema judicial? Não, na opinião de nossos entrevistados.

“Estranho seria a polícia soltando e o juiz prendendo”, contrapõe Nucci. “A função da polícia é mesmo prender, mormente quando em flagrante delito. E a função do juiz, de lastro constitucional, é averiguar a prisão realizada e promover a medida legalmente cabível. Se tiver que manter a prisão, deve fazê-lo. Se for o caso de soltar, cumpra-se a lei”, argumenta.

“Há uma atenção exagerada da sociedade e da imprensa ao papel da polícia. A sociedade se esquece de que ela é só a primeira fase do sistema penal. A polícia deve investigar, o MP denunciar e o Judiciário julgar. A polícia é uma peça, não tem sentido sozinha”, afirma o procurador Wellington Saraiva. “O cidadão deve ter a clara noção de que polícia é uma coisa e juiz é outra. Faz parte dos sistemas que um prenda e outro solte”, acrescenta, na mesma linha, Guilherme Nucci.

“Não é a gravidade da lei que atemoriza o criminoso, mas a sensação de impunidade é que o autoriza a agir contra a lei”, avalia o ministro Gilson Dipp. “Como a lei é mais benéfica, gera a percepção de que o Judiciário brasileiro é benevolente com os criminosos. Mas não é porque queira, é porque a legislação brasileira determina. A benevolência é da lei”, completa.

“Muitos veículos da mídia disseram que 200 mil presos seriam colocados em liberdade. Não é verdade”, adverte a pesquisadora Carolina Ferreira. “Nós temos 200 mil presos provisoriamente, mas não temos dados suficientes para dizer que todos esses respondem por crimes com pena de até quatro anos de prisão. Muitas vezes eles já são reincidentes, ou já estão cumprindo pena por concurso ou estão respondendo a processos em concurso, como furto com formação de quadrilha, o que aumenta a pena teórica para além de quatro anos. Esses já não terão direito a essas medidas cautelares alternativas”, explica a professora.

“O apelo da mídia foi totalmente desproporcional ao objetivo da lei, que vem complementar todo o sistema de penas alternativas que já estamos criando desde 1998, com a Lei 9.714”, critica. “A prisão cautelar continua sendo autorizada. Na verdade, a Lei 12.403 impõe as medidas cautelares para crimes cujas penas não chegam a quatro anos. Nos outros, ela deixa a critério do juiz”, elucida Ferreira.

“Para mim, a nova lei não trará modificações profundas no sistema carcerário”, corrobora Nucci. “É impossível que réus perigosos sejam colocados em liberdade por conta da nova lei, afinal, a prisão preventiva resta intocada. Toda vez que surge alguma lei, trazendo benefícios ao acusado, cria-se uma aura de especulação em torno do caos. Mito puro. Quem merece continuará na cadeia. Outros, no entanto, terão oportunidades diferentes, evitando-se o cárcere indevido”, assevera o doutrinador.

Direitos, superlotação e Judiciário
“Essa lei tem o cunho de atender o direito fundamental do indivíduo, mas também um viés que é suprir uma deficiência que não é da lei penal ou do sistema judiciário. Ela veio tentar suprir uma deficiência do Executivo: não construir prisões. Parece que estamos reconhecendo a inépcia, a falta de vontade política e de recursos do Poder Executivo em criar presídios, casas de albergados e para crianças e adolescentes infratores”, afirma o ministro Dipp.

“A lei deve desafogar o sistema carcerário, mas não o Judiciário. A prisão vai ser uma raríssima exceção, mas as medidas cautelares podem não satisfazer aqueles a quem forem aplicadas, o que fará haver uma procura pelo Judiciário, como sempre se faz, através do habeas corpus”, acredita o ministro.

Segundo Nucci, a única medida cabível contra a aplicação de uma medida cautelar é o habeas corpus. “A prisão em flagrante, hoje, dura 24 horas. A partir daí, torna-se preventiva. E nesse caso respeita-se o princípio da razoabilidade, ou seja, não há prazo certo para findar. Cada caso é um caso. Se os juízes seguirem fielmente a nova lei, creio que o número de habeas corpus cairá”, avalia.

Para Carolina Ferreira, que pesquisou especificamente a efetividade das penas alternativas no Distrito Federal entre 1998 e 2005, a substituição da prisão é eficaz. “A lei tutela direitos e garantias, especificamente em relação à proporcionalidade da pena. O público-alvo dessa lei são os acusados de crimes com pena de até quatro anos de prisão que depois de condenados já teriam direito a uma pena alternativa. Em nossa pesquisa, chegamos à conclusão de que para quem foi aplicada uma pena substitutiva, o índice de reincidência foi muito menor”, aponta.

“O Poder Legislativo não está errado em entender que devemos aplicar outras medidas menos gravosas que a prisão, afinal a atual situação do nosso sistema penitenciário é inconcebível. O que é necessário fazer agora é fiscalizar”, completa a pesquisadora.

Jurisprudência em habeas corpus
Em um tópico relacionado, o ministro Gilson Dipp criticou a formação da jurisprudência penal brasileira sobre habeas corpus. “O habeas corpus hoje é usado como remédio para todos os males penais. Isso não é uma crítica ao instituto, pelo contrário. O habeas corpus é um direito constitucional fundamental ao cidadão e que deve sempre ser preservado”, ressalva.

“Mas os tribunais abriram demais as possibilidades de uso do habeas corpus, até que fosse substituto de todos os recursos processuais cabíveis no nosso sistema. Hoje o habeas corpus serve para substituir até o recurso especial e o extraordinário”, critica.

A opinião é respaldada pelo procurador regional Wellington Saraiva: “A formação de jurisprudência penal em habeas corpus é um dos principais temas que precisam ser debatidos sobre o sistema judiciário brasileiro. A amplitude dada pelos tribunais superiores ao cabimento do habeas corpus é um importante fator de ineficiência do sistema.”

“O recurso especial é o meio vocacionado para fazer a devida aplicação da lei federal, uniformizá-la e formar nossa jurisprudência penal. Onde nós estamos formando nossa jurisprudência penal? Em recurso especial, que é o vocacionado, que tem o contraditório, a paridade de armas? Ou em habeas corpus, decorrente de um caso concreto? Quase toda nossa jurisprudência decorre de habeas corpus”, diagnostica Dipp. “O habeas corpus, por suas características de celeridade e informalidade, muitas vezes não se presta para formar doutrina e tese jurídica”, avalia o ministro.

“O habeas corpus é usado para subverter as regras e a lógica orgânica do sistema recursal”, afirma Wellington Saraiva. “Um exemplo significativo é um advogado que pode levar em poucos dias ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão de recebimento de denúncia por um juiz de qualquer comarca do Brasil. Usando de habeas corpus sucessivos contra decisões que negam liminares, em duas semanas o recebimento da denúncia passa do juiz ao Supremo. Isso elimina o contraditório recursal, coloca o MP em posição de inferioridade e prejudica a análise das questões jurídicas pelos tribunais superiores, que decidem com autos incompletos”, argumenta.

Guilherme Nucci discorda. “O habeas corpus tem, sim, contraditório por parte do MP. Há sempre parecer do MP, que, invariavelmente, atua em nome da sociedade. Diz-se que o faz como fiscal da lei, porém a realidade demonstra o contrário”, avalia o magistrado, com base em pesquisa desenvolvida por si mesmo.

Mas o ministro Dipp aponta outro indício do uso desmedido do instituto: o crescimento do número de recursos extraordinários contra decisões concessivas de habeas corpus. “Como o habeas corpus é usado para tudo, em caso de concessão, ao MP cabe apenas recorrer extraordinariamente ao Supremo, não tem outro caminho a não ser esse. E por que o MP está usando o recurso extraordinário? Porque nesses habeas corpus não se está definindo a questão apenas em relação à parte interessada, mas a própria tese jurídica. Exatamente pelo desvirtuamento do habeas corpus, que está fazendo jurisprudência em cima de sua celeridade, o MP tem verificado essa distorção e recorrido, mas dentro do meio adequado, que é o recurso extraordinário”, conclui.

Esta reportagem foi produzida a partir de sugestão do leitor Jefferson Távora recebida em nossa página no Facebook. Curta você também e participe!

Fonte: STJ

domingo, 17 de julho de 2011

Para presos, educação é resgate da condição humana

Ler ou não ser

Aplaudo com veemência a Lei 12.433, que possibilita o desconto de um dia de pena, em favor dos sentenciados, como prêmio para cada doze horas de frequencia escolar. Sancionada pela Presidente Dilma Roussef, esta lei resultou de um projeto do Senador Cristovam Buarque. Só mesmo um educador, que é hoje circunstancialmente senador, poderia ter sensibilidade para compreender o alcance social dessa iniciativa.

A redução da pena através da prestação de trabalho pelo preso já era prevista em lei. A novidade agora é dar ao estudo o mesmo efeito. O benefício legal recebe, tecnicamente, o nome de remição da pena. A frequencia escolar, de acordo com a lei citada, pode ocorrer no ensino fundamental, médio (inclusive profissionalizante), de requalificação profissional e superior, tanto na modalidade presencial, quanto na modalidade de ensino à distância. Será permitido somar o tempo remido pelo trabalho ao tempo remido por via do estudo.


Dante escreveu na Divina Comédia, obra clássica da Literatura mundial, que aqueles que ingressavam no Inferno deviam deixar no vestíbulo toda e qualquer esperança. De certa forma, o ingresso na prisão, quando essa é um inferno, como tantas vezes é, infunde no preso o mesmo sentimento de desespero.


Se a educação é crescimento e escada para as pessoas em geral, no caso do preso educação é resgate da cidadania e da própria condição humana.


Quando a prisão, em vez de redirecionar a vida do sentenciado, constitui fator de degradação da personalidade, deixa de constituir defesa social para assumir, na verdade, o papel de perigo social, pois a reincidência criminal é um grande peso para a sociedade. Afeta a vida e a segurança de milhões de brasileiros. Prevenir a reincidência através da educação é um serviço público de utilidade geral.


A aprovação desta lei deve ser celebrada, como um avanço jurídico, mas não basta sua simples existência para que seus objetivos sejam alcançados. Há todo um trajeto a ser percorrido, em cada um dos estados da Federação, em cada uma das comarcas espalhadas pelo Brasil afora, de modo a incentivar e possibilitar o acesso ao estudo para todos os presos que queiram utilizar esse caminho como porta de liberdade e de recuperação da essência de ser.


Um papel fundamental nesta empreitada caberá ao Poder Judiciário, mas o Poder Executivo não pode faltar na tarefa que lhe caberá.


Não posso tratar deste tema sem me lembrar da década de 1960 na comarca de São José do Calçado, onde fui juiz de Direito durante quatro anos. Naquela cidade, com amplo apoio da comunidade, pudemos fazer funcionar a escola dos presos, ao lado da Cadeia Pública local. Maria de Lourdes Rezende Faria é o nome da professora que dava aula para os presos, sem receber um só centavo de remuneração. Ao final do primeiro dia de aula, Maria de Lourdes prescreveu, como se faz habitualmente nas escolas, o chamado “dever de casa”. Foi então que um preso inteligente e espirituoso perguntou: “Professora, dever de casa ou dever da cadeia?”


Por João Baptista Herkenhoff
Fonte: ConJur

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Como prender e como soltar após a nova lei de prisão

Mudando o paradigma

Atendendo a inúmeros pedidos de colegas promotores, advogados, magistrados, procuradores e defensores, assumi a complexa missão de mapear os novos caminhos da prisão e da liberdade provisória, após as complexas e já tão discutidas alterações trazidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. Por força do escopo do trabalho, sugiro repassar o texto para todos os colegas das respectivas Instituições.

A ideia desse texto é facilitar a vida de todos. Separei cada uma das hipóteses com base na lei, fazendo uma interpretação conjunta dos dispositivos, de forma visual.

Para a leitura, compreensão e memorização, adotei a seguinte metodologia:

I – Primeiro falaremos da prisão preventiva e suas 4 (quatro) principais hipóteses de cabimento;
II – Depois falaremos da liberdade provisória e suas 4 (quatro) hipóteses de cabimento;
III – Em terceiro abordaremos outras hipóteses de prisão ainda previstas na lei;
IV – Por fim, falaremos das modalidades de prisão revogadas, que não podem mais ser decretadas, pois perderam seu fundamento legal.

OBVIAMENTE, a prisão preventiva só será considerada legítima, impedindo sua revogação posterior, se presentes fundamentos jurídicos (leitura conjunta dos arts. 312 e 313 do CPP) E fundamentos fáticos (situação concreta que demonstre risco à ordem pública ou ordem econômica; ou para assegurar a aplicação da lei penal ou para a conveniência da instrução criminal).

Basta seguir esse caminho para impedir a soltura de pessoas que precisam ficar cautelarmente presas, respeitados os critérios legais, de adequação, de necessidade, de subsidiariedade e proporcionalidade. Em outras palavras, depende exclusivamente do magistrado trabalhar de forma correta o decreto de prisão, sob os prismas formal e material, para não dar causa à revogação de seu decreto prisional.

Exemplificando: se o magistrado determinar a prisão sem buscar acautelar o processo com as novas medidas do art. 319 em primeiro lugar, decretando a preventiva diretamente, e isso for desproporcional entre a privação da liberdade e a pouca gravidade do delito, estará desrespeitando o caráter subsidiário da prisão preventiva e a autoridade ad quem será obrigada a conceder liberdade provisória para o agente até então preso provisoriamente.

Para as hipóteses em que não se pode decretar a prisão preventiva (vistas acima no Mapa da Preventiva), cabe a liberdade provisória.

Temos, portanto, 4 (quatro) modalidades de liberdade provisória. Cada uma delas deve ser adotada, em regra, para a sua situação específica prevista na lei.

III – OUTRAS HIPÓTESES DE PRISÃO AINDA VIGENTES

Existem outras hipóteses de prisão previstas na lei, não arroladas no Mapa da preventiva, mas que continuam valendo ou foram tipificadas pelo legislados, depois das mudanças do CPP, dadas pela Lei 12.403/2011. Podemos apontar:

•prisão preventiva pelo descumprimento das medidas cautelares do art. 319 (Art. 312, parágrafo único);


•prisão preventiva depois de mostrada infrutífera a aplicação das medidas cautelares (Art. 282, § 4.º);
•prisão preventiva cumprida em prisão domiciliar cautelar, nas hipóteses dos arts. 317 e 318;
•prisão em flagrante (que não tem natureza jurídica de prisão cautelar, pois lhe falta o requisito da acessoriedade em relação à ação penal, sendo substituída ex lege);
•prisão temporária, prevista na Lei 7.960/1989, que não foi alterada pela reforma;




IV – HIPÓTESES DE PRISÃO REVOGADAS
Outras hipóteses de prisão desapareceram, foram revogadas, não podem mais ser decretadas. São elas:

•prisão administrativa;
•prisão decorrente de pronúncia;
•prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível;
•prisão para apelar;
•prisão em flagrante durante a ação penal; (a prisão em flagrante não tem força para manter ninguém preso durante o processo: ou converte em preventiva ou concede liberdade provisória, nos casos em que o réu não se livra solto).


Enfim, muitas hipótese práticas surgirão para excepcionar a exceção da exceção, como sempre foi possível extrair de nossa luta diária nos corredores forenses, mas, estamos todos trabalhando para que a verdade venha à tona e a justiça se aproxime do ideal, seja advogando, acusando, fiscalizando ou julgando. Não se deve prender quem pode ficar solto. Não se deve soltar quem precisa ficar preso provisoriamente. As balizas legais estão aí. Basta que sejam cumpridas.

Por Ivan Luís Marques
Fonte: LFG

sábado, 9 de julho de 2011

Prisão cautelar é medida excepcional, não punitiva

A Nova Lei
Na terça-feira, dia 05 de julho de 2011, entrou em vigor a Lei 12.403, que trata “da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória”. A crítica, em grande parte lançada em desfavor da Lei, é no sentido de que haverá um crescente desencarceramento. Ainda, fala-se em ausência de estrutura estatal para controle das medidas alternativas à prisão criadas pela norma, bem como no aumento da sensação de impunidade.

Comecemos pelo último ponto: sensação de impunidade. É preciso que tenhamos maturidade constitucional e façamos a correta leitura das medidas cautelares, não sendo admissível a confusão entre as finalidades legais desta medida com as finalidades da pena. Enquanto a prisão cautelar tem por objetivo a tutela do processo em casos excepcionais, a prisão pena é consequência de sentença condenatória com trânsito em julgado. Punição ou impunidade poderá ser aventada, apenas, ao final do processo, não sendo a medida cautelar um meio hábil para sua aferição.

Como dito, a nova Lei cria uma série de medidas alternativas à prisão cautelar. Neste ponto, a crítica é que não há estrutura para sua efetivação. A resposta poderia ser objetiva: também não há condições para cumprimento das prisões cautelares. O fato é que a prisão – seja cautelar, seja pena – faz mal, ainda que em condições “ideais”. Faz mal ao preso, que não tem condições dignas de cumprimento, e faz mal à sociedade, que receberá um cidadão de volta (sim, ele voltará) com maior grau de violência e grande probabilidade de reincidência. Reduzir o encarceramento a hipóteses em que efetivamente há necessidade é contribuir para a minimização da violência.

Quando houve a criação das chamadas penas alternativas, muito se tratou da ausência de prisão; no entanto, não é isso que se percebe passados mais de 10 anos da Lei 9.714/98. Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2000 tínhamos 232.755 pessoas cumprindo pena privativa de liberdade e em 2010 eram 496.251. Isso sem falar nas mais de 500 mil medidas alternativas sendo cumpridas em 2009. Assim, evidente o crescente uso da prisão e de punições em geral.

Espero que, com as alterações legislativas trazidas no próximo dia 5, as prisões cautelares sejam, efetivamente, excepcionais, em respeito aos princípios constitucionais, e que não sejam banalizados os novos instrumentos limitadores criados pela Lei 12.403, mantendo-se a atual situação ou agravando-a em seus aspectos mais cruéis.

Fonte: ConJur

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Lei 12.403 é solução para o déficit dos presídios?

A Nova Lei
** A população carcerária nacional já passou de 500 mil presos (cf. www.ipclfg.com.br). Desse total, 56% correspondem aos presos com condenação definitiva, enquanto 44% ainda são presos provisórios[1], ou seja, aproximadamente 220 mil.

Essa realidade era completamente diversa no ano de 1990, vez que presos condenados representavam 82% do total carcerário; apenas 18% eram provisórios[2].

Não é por outra razão que afirmamos ser a prisão provisória a grande responsável pelo boom carcerário e pelo déficit de vagas no sistema penitenciário.

Com capacidade para 298.275 presos e com um número de 500 mil presos (em 31 de dezembro de 2010), a conclusão não pode ser outra: déficit de 198.000 vagas no sistema carcerário.

Neste caso, se algum governante, num momento de insanidade mental, quisesse acabar com o déficit prisional de uma só vez ele construiria 396 prisões (cada uma com capacidade para 500 detentos) e tudo estaria resolvido.

Com a nova lei (Lei 12.403/11) de prisão e medidas cautelares, o problema do déficit carcerário poderá ser minimizado de outra forma.

Vejamos.

A partir de 4 de julho de 2011 cerca de 200 mil prisões em flagrante (pessoas já presas) deverão ser revistas. Isso que dizer que ospresos não comprovadamente perigosos e/ou primários, poderão ter liberdade, com ou sem medidas cautelares alternativas.

De acordo com a pesquisa sobre o Sistema Penitenciário realizada pelo Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes, aproximadamente 50% da população carcerária nacional corresponde a crimes cometidos sem violência ou grave ameaça[3].

Desta forma, estimamos que aproximadamente 110 mil presos provisórios (50% dos 220 mil presos), em tese, poderiam ser liberados, caso os juízes realizem devidamente a revisão destes processos, entendendo não haver fundamento para o encarceramento cautelar.

É evidente que se trata apenas de uma estimativa, vez que a velha praxe das fundamentações consideradas ilegais ou inconstitucionais vão prosseguir, já que os juízes continuarão a citar o clamor público ou até mesmo a gravidade abstrata da infração (o que não é aceito pelo Supremo Tribunal Federal — STF).

No caso do estado de São Paulo, o raciocínio aplicado é o mesmo. Com uma população carcerária de 170.916 presos (quase 1/3 da população carcerária nacional), 32% são provisórios, ou seja, 54.388 presos. Desta maneira, levando-se em consideração que 50% dos presos representam aqueles que não cometeram o crime com violência ou grave ameaça, cerca de 25 mil presos poderiam ter sua liberdade.

A nova Lei de prisão e medidas cautelares pode ser uma possível solução ao déficit do sistema carcerário. Tudo depende da forma como será aplicada. De qualquer modo, não podemos ser alarmantes nem colocar a população em pânico: é mais fácil quebrar um átomo que romper preconceitos.

Se as estimativas fossem confirmadas, milhares de presos seriam colocados em liberdade e o déficit penitenciário nacional que hoje é de 66% passaria para 30% (ou seja, ao invés de 198 mil, seriam necessárias 88 mil vagas para solucionar o déficit carcerário).

No caso do estado de São Paulo, os dados não são tão impactantes quanto a análise nacional. O IPC-LFG conclui que a lei é mais benéfica para o resto do Brasil do que o estado de São Paulo, do ponto de vista de redução de déficit carcerário.

Isso porque o déficit de vagas em São Paulo é de 72% e, com a liberação de 50% dos presos provisórios, o déficit chegaria a 46% (ou seja, seriam necessárias ainda 46.921 vagas).

No entanto, ainda assim, estamos diante de um quadro positivo, já que presos que não possuem periculosidade concreta poderão responder ao processo em liberdade.

Imprescindível agora é que a lei nova seja corretamente aplicada e muito bem fiscalizada por advogados e defensores, para que coíbam o uso e abuso das prisões provisórias que, em regra, são desproporcionais e descabidas.

Assim, se o déficit prisional do sistema prisional está correlacionado com a prisão provisória, não podemos negar que a Lei de prisões e medidas cautelares será um passo fundamental para o enfrentamento da questão penitenciária brasileira.

Qualquer ato ou medida que propicie o mínimo de condições humanas dentro do sistema prisional, é muito bem vindo, porque até agora, no Brasil, as prisões são o exemplo mais chocante de instituição fora-da-lei. Em matéria de prisão não se pode falar em Estado de Direito, sim, em Estado de não-Direito (ou seja: Estado marginal)

** Colaborou Natália Macedo, advogada, pós-graduanda em Ciências Penais e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.

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[1] Dados extraídos do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, bem como do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

[2] Dados extraídos do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) do Ministério da Justiça, bem como do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

[3] De acordo com os dados divulgados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário) do Ministério da Justiça, temos as seguintes estatísticas no tocante a tipificação dos crimes 20% Entorpecentes, 16% Furtos, 1% Estelionato, 6% Desarmamento, 3% Receptação (totalizando 46% de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça), 29% roubo, 2% latrocínio, 12% homicídio, 5% crimes contra o costume (totalizando 49% de crimes cometidos com violência ou grave ameaça).

Por Luiz Flávio Gomes
Fonte: ConJur

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Resumo em 15 topicos sobre as mudancas da lei 12.403/2011

Dicas importantes

1) Ampliação do rol de medidas cautelares alternativas à prisão
Além da fiança e da liberdade provisória, o novo art. 319 traz 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão, para serem aplicadas com prioridade, antes de o juiz decretar a prisão preventiva que, com a reforma da Lei 12.403, passou a ser subsidiária.

2) Prisão preventiva como medida excepcional (extrema ratio da ultima ratio)

Segundo Luiz Flávio Gomes,[1] a prisão preventiva não é apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP); dentre elas, vem por último, a prisão, por expressa previsão legal.

3) Compatibilização constitucional das hipóteses de prisão

A reforma da Lei 12.403 elimina a péssima cultura judicial do país de prender cautelarmente os que são presumidos inocentes pela Constituição Federal, tendo como base, unica e exclusivamente, a opinião subjetiva do julgador a respeito da gravidade do fato.

4) Manutenção exclusiva das prisões preventiva e temporária

Não existem mais outras modalidades de prisão cautelar diversas da prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP) e prisão temporária (Lei 7.960/89).

A prisão para apelar, a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, a prisão da sentença de pronúncia e a prisão adminsitrativa estão fora do sistema processual penal brasileiro.

5) Separação obrigatória de presos provisórios dos definitivamente condenados

Antes a lei dizia “quando possível”, o preso provisório ficará separado do preso definitivo. Essa cláusula aberta e facultativa caiu, surgindo para o Estado o dever de separar os presos processuais dos presos definitivos.

6) Inexistência de flagrante como prisão processual

A prisão em flagrante não é medida cautelar. Ela não tem mais o condão de manter ninguém preso durante a ação penal. OU o magistrado decreta a preventiva, de forma fundamentada (fato + direito), ou aplica medidas cautelares diversas da prisão (art. 319), podendo ainda, em alguns casos, conceder a liberdade provisória com ou sem fiança.

7) Nova hipótese de prisão preventiva: descumprimento de outras medidas cautelares

IMPORTANTE: já surgem na doutrina os primeiros comentários a respeito dessa modificação, sem os cuidados hermenêuticos necessários para a sua correta aplicação. Toda e qualquer prisão preventiva, mesmo a decorrente do descumprimento das demais medidas cautelares devem ter amparo legal nos arts. 312 e 313 do CPP. É caso de interpretação sistemática necessária.

8) Novo patamar da prisão preventiva: pena privativa superior a 4 (quatro) anos

Se o réu for primário, e a pena máxima em abstrato cominada para o delito praticado for IGUAL ou INFERIOR a 4 anos, o juiz não terá amparo legal para decretar a prisão preventiva do indiciado/acusado. É uma cláusula legal objetiva.

9) Revogação da prisão do réu vadio

Extirpou-se mais um dispositivo inconstitucional presente no Código de Processo Penal. As Ciências criminais, incluindo o direito processual penal, deve ser direcionado aos fatos praticados, e não desenhado pelo legislador para determinado grupo de pessoas.

10) Disciplina o cabimento da prisão domiciliar

Surge a prisão domiciliar cautelar. Antes prevista para o cumprimento de pena, agora a ideia migrou para o âmbito da ação penal e sua cautela. As hipóteses legais justificam-se ou pela condição pessoal do agente, ou pela condição de necessidade de seus dependentes.

11) Regula o cabimento da liberdade provisória cumulada com outras cautelares

Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 da necessidade e adequação.

12) Ampliação das hipóteses de fiança, com aumento de seu valor

A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Acima desse patamar, apenas o juiz pode fixá-la, em até 48 horas.

O valor da fiança será fixado dentro dos seguintes intervalos legais: “Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos”, sendo que poderá, dependendo da condição financeira do indiciado/acusado, ser: I – dispensada para o réu pobre; II – reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou ainda III – aumentada em até 1.000 (mil) vezes.

13) Acrescenta, no Código de Processo Penal, um novo rol contendo 9 medidas cautelares diversas da prisão.

As novas medidas cautelares têm preferência sobre a decretação da prisão preventiva. O magistrado pode optar por uma ou mais cautelares concomitantemente, sempre justificando sua decisão. A nova redação do art. 319 reza: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica.

14) Hipóteses claras de vedação para a fiança:

A lei, em seu art. 323, afirma que não será concedida fiança: I – nos crimes de racismo; II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

O art. 324 traz outras hipóteses de vedação da concessão da fiança: I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II – em caso de prisão civil ou militar; (…) IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

15) Criação de banco de dados de mandados de prisão mantido pelo CNJ

Temos um novo artigo no CPP: o art. 289-A.

Ele traz uma norma programática direcionada ao CNJ, pendente de regularização. Trata-se da criação de um banco de dados nacional, contendo todos os mandados de prisão expedidos no País. Assim que a pessoa procurada é presa, compete ao juiz processante informar o CNJ para a necessária atualização das informações.

Fonte:
www.lfg.com.br

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Nova lei peca nas chances de detração penal

Polêmica à vista
Artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais 223

A aprovação da Lei 12.403/11 demonstra que a discussão serena e racional de propostas legislativas produz bons resultados. O texto final é produto de longos debates acadêmicos e parlamentares, iniciados em 2001, com a apresentação da primeira proposta de revisão das regras sobre cautelares penais por uma comissão de juristas presidida pela professora Ada Pellegrini. Anos depois, o projeto foi apontado como uma das quatro propostas mais importantes para a reforma processual penal pelo 1º Pacto por um Judiciário mais Rápido e Republicano, firmado pelos três Poderes da República em 2004.

Passado mais um longo período, a proposta foi finalmente aprovada e sancionada na integra.
Os textos e artigos trazidos por esse Boletim sobre o tema esmiúçam os diversos aspectos da nova lei, e certamente seus efeitos serão ainda objeto de saudáveis controvérsias.

De qualquer forma, a criação de medidas cautelares além da prisão é bem vinda, porque permite a superação da medíocre dicotomia do processo penal, pela qual o juiz não dispunha de alternativa para assegurar a ordem processual e a aplicação da lei penal diferente da prisão. Era a prisão ou nada.


Alguns magistrados ainda lançavam mão de outros instrumentos, como a retenção de passaportes ou a proibição de freqüência a determinados lugares, mas a aplicação destas cautelares inominadas sempre foi polêmica e cercada de indagações sobre sua legalidade.
O texto legal põe fim à insegurança ao possibilitar a aplicação de cautelares diferentes da prisão nos artigos 317 e 319 do Código de Processo Penal.

Digna de nota na nova lei a vedação da prisão cautelar em crimes com penas iguais ou inferiores a quatro anos. Fica afastada a privação da liberdade processual nos casos em que a pena final será restritiva de direitos ou multa, consagrando a idéia de que o instrumento cautelar deve ser proporcional à eventual pena.

Também merece destaque o fato da nova lei reafirmar o caráter excepcional da prisão processual ao determinar que ela será determinada apenas quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, exigindo do juiz uma fundamentação a mais quando da decretação da preventiva: a razão da dispensa de outras cautelares.
Dentre inúmeras outras novidades, ainda é relevante mencionar a definição dos institutos do flagrante e da preventiva como sucedâneos.

Pelo texto legal, o magistrado, ao receber o flagrante, deve relaxar a prisão, transformá-la em preventiva ou conceder liberdade provisória. Com isso, o réu privado de liberdade no processo ou está preso em flagrante - situação efêmera - ou está em prisão preventiva. Fica explícita a impossibilidade do réu ficar preso por dois motivos (i) pelo flagrante e (ii) pela preventiva, bem como fica afastada a estranha, inusitada, mas recorrente situação anterior, na qual o magistrado revogava a prisão preventiva pela ausência dos requisitos do artigo 312 e o réu continuava preso pelo flagrante inicial.


Em suma, a nova lei merece todos os elogios. Mas há um ponto que exige reflexão: a ausência de previsão da detração diante da aplicação de medidas cautelares distintas da prisão. O Código Penal dispõe, no artigo 42, que será computado, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro – a detração. Se o réu aguardou preso preventivamente o andar do processo, é natural que esse tempo seja descontado da pena final, ainda que a qualidade e natureza das prisões cautelar e definitiva seja distinta.

A supressão do direito de locomoção para salvaguardar o processo será compensado na pena final.
Ocorre que não há previsão legal da detração nos processos em que a cautelar aplicada é distinta da prisão.

Para os casos em que o réu for submetido, por exemplo, à prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico durante a instrução, a lei não explicita desconto na pena final, o que parece inadequado. Se a detração da prisão tem por fundamento o principio da equidade e a vedação ao bis in idem[1], deve o instituto ser estendido a qualquer hipótese de intervenção do Estado em direitos do cidadão, seja a liberdade de locomoção, seja outro qualquer.


Com base nisso, o projeto de alteração do Código de Processo Penal (PLS 156), atualmente em discussão no Congresso Nacional, prevê que "o tempo de recolhimento domiciliar será computado no cumprimento da pena privativa de liberdade, na hipótese de fixação inicial do regime aberto na sentença (art.607) e que substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nesta será computado o tempo de duração das medidas cautelares" previstas pela proposta (parágrafo único).

Da mesma forma, o Código Penal português prevê o desconto total do tempo de pena de prisão caso o réu tenha sofrido, no curso do processo, detenção, prisão preventiva, ou obrigação de permanência na habitação (art.80º, 1, grifos nossos)[2]. Também o Código Penal espanhol estabelece que se abonarán, en su totalidad, para el cumplimiento de la pena impuesta, las privaciones de derechos acordadas cautelarmente (seccion 6ª, art.58, 2) e que cuando las medidas cautelares sufridas y la pena impuesta sean de distinta naturaleza, el Juez o Tribunal ordenará que se tenga por ejecutada la pena impuesta en aquella parte que estime compensada (art.59, sem grifos)[3].


Enfim, os textos citados revelam a adequação da previsão da detração para cautelares distintas da prisão, a sugerir a revisão pontual do Código Penal para a adequação da detração à essa nova realidade legislativa.

No entanto, a ausência de menção à detração para cautelares distintas da prisão no ordenamento não impede sua aplicação pelo juiz, que por analogia pode beneficiar o réu com uma interpretação amplie a abrangência do instituto para além da prisão.

Nos parece possível, por exemplo, descontar o tempo passado em prisão domiciliar da eventual pena de prisão definitiva em regime aberto, ou o período processual no qual o réu foi proibido de freqüentar determinados lugares da pena restritiva da mesma natureza, se essa for a condenação.

Caso a cautelar e a pena tenham naturezas distintas – como na hipótese da cautelar de prisão domiciliar e a pena de prisão em regime fechado – o tempo descontado poderá ser o mesmo, mas é possível construir pela jurisprudência uma formula que permita deduzir proporcionalmente – com base na razoabilidade - algo da sanção para detrair a cautelar aplicada.
Mas, a par de questões pontuais como essas, a nova lei é bem vinda.

Como qualquer novo ato, ainda será debatida e revolvida pelos operadores do direito e pela academia sob todas as perspectivas. No entanto, sua aprovação e sanção integral demonstra como a articulação entre Poderes e a racionalidade podem produzir normas que contribuam para um processo penal mais eficaz e civilizado, que contribua para a segurança pública e, ao mesmo tempo, respeite a dignidade humana e os princípios constitucionais dela decorrentes.


[1] FRANCO, Alberto Silva, BELLOQUE, Juliana. Comentários aos arts.41 a 60 da obra Codigo Penal e sua interpretação, coord. FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui, 8ª Ed.. São Paulo: RT, 2007, p.277.

[2] Disponivel em http://www.juareztavares.com/textos/codigoportugues.pdf acessado em 12.05.2011

[3] Disponivel em http://www.juareztavares.com/textos/codigoespanhol.pdf acessado em 12.05.2011.

Por Pierpaolo Cruz Bottini
Fonte: ConJur